Maduro

Luiz Carlos Azedo: Falta combinar com os russos

“O folclore futebolístico tem tudo a ver com a situação da Venezuela. A ofensiva de Trump e Bolsonaro esbarrou na aliança de Maduro com o presidente russo Vladimir Putin”

Na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o técnico Vicente Feola, em preleção antológica, explicou na prancheta a tática para derrotar a seleção da antiga União Soviética: Nilton Santos lançaria a bola da esquerda do meio de campo para a direita do ataque, nos pés de Garrincha, que driblaria três adversários e cruzaria para Mazola cabecear na grande área. Com ingenuidade ou ironia, não se sabe, o anjo das pernas tortas perguntou: “Seu Feola, o senhor combinou com os russos?”

O folclore futebolístico tem tudo a ver com a situação atual da Venezuela. A ofensiva diplomática protagonizada pelo presidente norte-americano Donald Trump e pelo presidente Jair Bolsonaro contra Nicolás Maduro — que denunciou a autoproclamação do líder do Legislativo, Juan Guaidó, como presidente interino do país como um “golpe de Estado” –, esbarrou na resistência do ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, ao lado da cúpula militar das Forças Armadas do seu país. Mas também na aliança de Maduro com o presidente russo Vladimir Putin, liderando uma coalizão de oito países, o que transformou a Venezuela no epicentro de uma disputa semelhante àquela que ocorre entre potências mundiais no Oriente Médio.

Além da Rússia, Cuba, México, Bolívia, Nicarágua, Turquia, China e Irã apoiam o regime chavista, enquanto Guaidó é reconhecido como presidente interino pelos seguintes países: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Reino Unido. A União Europeia assumiu uma posição intermediária: a defesa da realização de eleições livres na Venezuela. A crise prossegue sob muita tensão, a qualquer momento pode haver emprego da força por parte dos militares contra a oposição, com o fechamento da Assembleia Nacional e prisão de Guaidó, além de outros líderes oposicionistas. Fala-se em divisão nas Forças Armadas, mas o pronunciamento sinaliza apoio da cúpula militar ao regime.

O presidente Nicolás Maduro, na verdade, é um fantoche da cúpula militar, que controla a maior parte do governo e praticamente todas as empresas estatais. Como o regime não tem mais nenhuma sustentação política da sociedade e a Assembleia Nacional tem mais respaldo popular do que o governo, vive-se uma situação de dualidade de poderes, que pode ter desdobramento trágico, porque o governo perdeu controle da economia, mas não o poder de coerção sobre a sociedade. A repressão política na Venezuela é muito violenta, protagonizada pela Guarda Nacional e pela milícia bolivariana armada, a tropa de choque de Maduro.

Intervenção
Os Estados Unidos solicitaram uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do assunto, logo após o presidente Donald Trump falar que examina todas as possibilidades de intervenção na crise venezuelana, inclusive militar. Maduro ontem mandou fechar a embaixada da Venezuela nos EUA e vai expulsar os diplomatas norte=americanos, o que aumenta a escalada de tensão. Não foi à toa que o presidente em exercício Hamilton Mourão, ontem, descartou a participação do Brasil em qualquer intervenção militar. O envolvimento brasileiro na crise venezuelana é uma ruptura com a tradição do Itamaraty, que costuma operar nos bastidores para saídas negociadas durante as crises nos países vizinhos. Ontem, o Itamaraty anunciou que somente o chanceler Ernesto Araujo falará sobre o tema. O ministro defende o alinhamento automático com Trump e outros falcões da política internacional.

O apoio aberto da Rússia ao regime de Maduro, com quem tem intensa cooperação militar, não deve ser subestimado, embora a situação geopolítica da Venezuela seja completamente diferente da situação, por exemplo, da Síria, onde Putin conseguiu garantir a sobrevivência do regime de Bashar al-Assad, o ditador sírio que se recusou a deixar o poder e os ex-presidentes Bush e Obama tentaram derrubar. Hoje, os Estados Unidos estão se retirando da Síria e os russos continuam por lá, com sua base naval. Na Venezuela, não existe base militar da Rússia, apenas blindados e aviões de caça de fabricação russa.

Em termos militares, o Brasil tem as Forças Armadas mais numerosas da região, contando com 366 mil militares da Força Aérea, Marinha e Exército. A Venezuela fica um pouco atrás, com 365 mil efetivos. O México (267 mil) e a Colômbia (265 mil) seguem de perto; depois, vêm Argentina (79 mil), Peru (78 mil), Chile (67 mil), República Dominicana (58 mil), Equador (41 mil), Bolívia (34 mil), El Salvador (24 mil), Uruguai (22 mil), Guatemala (18 mil), Paraguai (16 mil) e Honduras (15 mil militares). Proporcionalmente, porém, a Venezuela fica no primeiro lugar da lista, com 118 militares por 100 mil habitantes. O Uruguai, fica em segundo, com 65. O Brasil tem apenas 18 militares por cada 100 mil habitantes. Trocando em miúdos, ninguém com juízo apostaria numa guerra com a Venezuela, nem Maduro está em condições de uma iniciativa dessa ordem, mesmo em relação à Guiana. Aí, sim, daria pretexto para uma intervenção militar dos Estados Unidos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-falta-combinar-com-os-russos-x/


Portal do PPS: Reconhecimento internacional de Guaidó dá novo rumo à luta contra ditadura Maduro, diz Freire

Dualidade: Guaidó se autodeclara presidente da Venezuela e ganha apoio internacional

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse que o reconhecimento internacional e o apoio da população à Assembleia Nacional e Juan Guaidó, que se autodeclarou presidente da Venezuela, nesta quarta-feira (23), dará novo rumo à luta contra ditadura de Nicolás Maduro.

“O reconhecimento internacional e o apoio do povo à AN [Assembleia Nacional] e seu presidente [Guaidó] novo rumo terá a luta contra a ditadura de Maduro”, escreveu Freire em seu perfil no microblog Twitter.

O Brasil foi um dos primeiros países na América Latina a reconhecer Guaidó como presidente interino da Venezuela. Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru também condenaram o regime de Nicolás Maduro.

Freire disse ainda na rede social que não foi apenas a instalação da dualidade de poder na Venezuela, mas que “começaram os movimentos e conflitos para uma futura – que pode estar mais próxima do que aparenta – decisão do impasse político entre a ditadura de Maduro e a democracia da AN”, o Parlamento venezuelano de maioria oposicionista.

Em nota pública (veja aqui), o PPS reconheceu Guaidó como presidente interino da Venezuela e afirma que “ele tem a legitimidade democrática necessária para superar a crise política que vigora há bastante tempo” na Venezuela.

Além de apoiar Guaidó, o partido “alerta que a solução do impasse venezuelano tem que ser resolvido pelo seu povo, de forma democrática e livre, e não por qualquer tipo de intervenção externa”.

 


Matias Spektor: Bolsonaro pressiona Venezuela, mas plano tem falhas

Governo brasileiro precisa recorrer a medidas que reduzam a dependência de Juan Guaidó

O governo Bolsonaro começou a entregar sua promessa de redobrar a pressão contra a ditadura venezuelana.

O Brasil reconheceu Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional em Caracas, como o legítimo chefe de governo venezuelano. No Twitter, o chanceler Ernesto Araújo aproveitou para chamar Nicolás Maduro de “ex-presidente”.

Poucas horas depois, os americanos fizeram o mesmo. Aproveitando o movimento, o vice-presidente Mike Pence prometeu apoiar o povo venezuelano, caso ele “levante a sua voz num pedido de liberdade”.

Os protestos de rua ocorridos nesta quarta-feira (23) contra Nicolás Maduro só dão fôlego adicional ao Palácio do Planalto. Nos próximos dias, numerosos países seguirão a coalizão sul-americana a reboque.

A implicação imediata disso tudo é elevar o passe de Bolsonaro junto ao governo dos Estados Unidos. O presidente brasileiro se apresentará como esteio da estabilidade regional.

Se a tese segundo a qual Guaidó é o melhor caminho para uma transição democrática ganhar força, também sairá fortalecido o ministro das Relações Exteriores, um de seus mais ativos artífices.

O problema é que essa estratégia tem um problema.

​Guaidó está longe de ser uma liderança consolidada. Ele não conta com base ampla nem controla as ruas. Seu programa de governo é vago, utópico e não oferece plataforma crível para a construção da coalizão que será necessária num esforço de restauração da democracia.

Por isso, o Brasil precisa complementar esse trabalho com outras medidas que reduzam a dependência de Guaidó.

A primeira é a necessidade urgente de diálogo entre o Brasil e as Forças Armadas venezuelanas. Hoje, esse canal não existe, mas não há saída para a crise do país vizinho que exclua os militares.

A construção desse canal também importa porque, ao menos no primeiro momento, Maduro vai redobrar a repressão contra a população.

A segunda medida diz respeito à construção de pontes com aqueles líderes políticos venezuelanos que têm máquina e influência real.

Muitas vezes, trata-se de gente jovem que, outrora chavista, se posiciona agora contra Maduro. Os governadores das províncias de Miranda e Carabobo são exemplos disso.

Se houver um levante popular generalizado e duradouro, então essa gente terá papel decisivo na construção de soluções para a crise no futuro.

Por fim, está a questão da China e da Rússia, as duas potências que ainda apoiam o regime venezuelano. A capacidade brasileira de pressionar esses países é quase nula. Mas o argumento de que eles ganharão mais sendo parte da solução do que do problema precisa ser feito um dia. Esta é uma boa hora para começar.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Clóvis Rossi: Acabou, Nicolás, fuja enquanto dá

Nunca antes um ditador foi tão repudiado como o venezuelano

Nunca vi, em tantos e tantos anos de cobertura de manifestações de massa, uma multidão tão impressionante como a que se reuniu nesta quarta-feira (23) em Caracas para repudiar a ditadura de Nicolás Maduro.

Para quem gosta de comparações, a Folha calculou em 1 milhão de pessoas a massa concentrada no Anhangabaú para o comício das diretas, em 1984. Eu observei —e o jornal publicou— que achava um exagero e comparei com a multidão que, meses antes, acompanhara o comício de encerramento da campanha de Raúl Alfonsín à Presidência argentina. Havia mais gente.

Pois bem: em Caracas havia mais gente ainda do que nos dois grandes atos de massa citados (para não mencionar que houve manifestações igualmente importantes em várias outras cidades). Pelo menos é o que dá para deduzir das fotos feitas com drones e penduradas no site do jornal espanhol El País.

Não resta, pois, a mais remota dúvida de que a Venezuela em massa rejeita Nicolás Maduro. Não por acaso, um dos gritos mais populares da manifestação foi “não quero ‘bono’, não quero CLAP, o que quero é que se vá Nicolás".

“Bono” é o “Bonus de la Pátria", dinheiro vivo para comprar pelo menos a anestesia popular; CLAP são os Comitês Locais de Abastecimento e Preços, que distribuem cestas básicas com a mesma finalidade.

Se serviram, até agora, para evitar que a rua fervesse, como ferveu nesta quarta-feira, já não bastam. A pergunta seguinte inevitável é: Nicolás se irá?

Claro que não há uma resposta para a pergunta, por enquanto. Há, entretanto, um dado que pode vir a ser relevante no futuro imediato: a oposição ganhou claramente uma lufada de ar fresco com a escolha para comandá-la de Juan Guaidó (pronuncia-se Guaidô). O tamanho da manifestação dá força à sua proclamação como “presidente em exercício”. Força acentuada pelo reconhecimento por Donald Trump.

Pode ser a chance de iniciar de fato um processo de transição. Ainda mais se prosperar a iniciativa que cinco países europeus estão propondo à Federica Mogherini, uma espécie de chanceler do bloco: França, Itália, Portugal, Holanda e Espanha querem criar o que chamam de “grupo de contato” para facilitar o diálogo entre as autoridades da Venezuela e a oposição para superar a atual situação.

Sou muito cético em relação ao diálogo com Maduro e companhia. Se tivessem um mínimo de decência, já teriam procurado um meio de enfrentar a crise ou, mais decentemente ainda, teriam renunciado e fugido.

Mas não parece haver outra alternativa, descartada como o foi por todos os atores relevantes uma intervenção militar que seria de fato catastrófica.

Se o Brasil tivesse um chanceler credenciado, ele já estaria de volta ao Brasil, para gerenciar uma crise tão tremenda em um país vizinho, em vez de deixar a iniciativa nas mãos de europeus e americanos.

Seu papel em Davos é irrelevante, para não dizer patético. Aqui, poderia coordenar com os países vizinhos e com as embaixadas europeias uma maneira de forçar Maduro a um diálogo realmente produtivo. Se fosse eu, ofereceria um avião para que Maduro e sua turma fujam para Cuba, com o que puderem levar. É a maneira expedita de atender ao grito da rua caraquenha de que Nicolás se vá. E já iria tarde.

*Clóvis Rossi é repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.


Luiz Carlos Azedo: Dualidade de poderes

“Grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade venezuelana já não aceita o governo de Maduro”

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, que é o líder da oposição, se declarou ontem presidente interino do país, diante de gigantesca manifestação popular em Caracas: “Na condição de presidente da Assembleia Nacional, ante Deus, a Venezuela, em respeito a meus colegas deputados, juro assumir formalmente as competências do Executivo nacional como presidente interino da Venezuela. Para conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres.”

Guaidó foi imediatamente reconhecido presidente por Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Guatemala, além do Brasil. O Itamaraty emitiu uma nota oficial na qual “reconhece o Senhor Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela”, além de anunciar que “apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem”. O presidente Nicolás Maduro, considerado um ditador pelo Grupo de Lima e pelos Estados Unidos, porém, não pretende deixar o cargo: “Aqui não se rende ninguém, aqui não foge ninguém. Aqui vamos à carga. Aqui vamos ao combate. E aqui vamos à vitória da paz, da vida, da democracia”. Maduro acusa o presidente Donald Trump de liderar um complô contra o regime chavista e rompeu relações com os Estados Unidos, dando um prazo de 72 horas para os diplomatas norte-americanos deixarem a Venezuela.

A tragédia social venezuelana, com a emigração em massa, já vem de alguns anos. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. Já são 12 trimestres seguidos de recessão. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que caia mais 15% neste ano. Com a hiperinflação, essa é uma linha de força da crise contra a qual Maduro nada pode fazer. O colapso do modelo de capitalismo de Estado venezuelano, mesmo com tanto petróleo, não pode ser superado sem um consenso social e político em torno de reformas de caráter liberal na economia. A linha adotada por Maduro, na direção de aprofundar a socialização do país, não tem respaldo político na sociedade nem pode se sustentar apenas no apoio da Rússia, da China e de Cuba.

Os artifícios usados por Maduro para se perpetuar no poder, fraudando eleições, aparentemente se esgotaram. Um sinal de sua fraqueza é o fato de que até agora não conseguiu fechar a Assembleia Nacional, que desafia seu poder. As grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade já não aceita o governo de Maduro. Pela sua própria natureza, tal situação não pode ser estável. A sociedade necessita de uma nova concentração de poder, que pode se dar por duas vias: a renúncia de Maduro e um pacto com os militares para transitar à democracia, ou o fechamento da Assembleia Nacional e a implantação de uma ditadura aberta, com prisões em massa. Os militares bolivarianos apoiam Maduro porque controlam a maioria dos ministérios e das empresas estatais.

Mudança de postura

O modelo clássico de dualidade de poderes é a Revolução Inglesa (1625-1688) do século XVII, na qual o poder real, apoiado pelos aristocratas e bispos, se opunha à burguesia e aos fidalgos das províncias reunidos no Parlamento presbiteriano londrino. A longa luta entre esses dois polos de poder resultou numa guerra civil, numa ditadura e numa revolução democrática. Enquanto Londres e Oxford rivalizavam como centro de poder, surgiu uma terceira força, o Exército de Cromwell, que estabeleceu uma ditadura pretoriana. Com sua morte, nova dualidade de poderes se estabeleceu. Carlos II (1660 – 1685) foi proclamado rei da Inglaterra com poderes limitados. O parlamento se dividiu em dois grupos: os Whigs, que eram contra o rei e ligados à burguesia, e os Tories, defensores feudais e ligados à antiga aristocracia.

Com a morte de Carlos II, seu irmão Jaime II assumiu o governo, mas quis restaurar o absolutismo e o catolicismo, e acabou com o habeas corpus, proteção à prisão sem motivo legal. O parlamento não tolerou esse comportamento e convocou Maria Stuart, filha de Jaime II e esposa de Guilherme de Orange, para ser a rainha. Essa foi a Revolução Gloriosa. Guilherme se tornou rei e assinou a Declaração dos Direitos, que concedia amplos poderes ao Parlamento e vigora até hoje. Ao longo da história, esse tipo de dualidade de poderes se repetiu em vários países, em momentos diferentes, como na Revolução Francesa (1789-1799) e na Revolução Russa (1917-1921).

Ninguém sabe ainda o que vai acontecer com a Venezuela, mas a sua situação política se alterou radicalmente com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Maduro perdeu seu principal aliado no subcontinente, o Brasil, bem antes disso, com o impeachment de Dilma Rousseff. O governo de Michel Temer já havia tomado distância regulamentar de Maduro, mas não havia assumido uma postura de alinhamento automático com os Estados Unidos nem o apoio escancarado à oposição venezuelana, embora as pressões norte-americanas para uma postura mais agressiva já existissem, a ponto de o Departamento de Estado pedir ao governo brasileiro que mandasse tropas para a Guiana, temendo uma invasão do Exército venezuelano no país vizinho, em razão de uma disputa de fronteiras.

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O Globo: Maduro rompe relações com Washington

Número dois do chavismo convoca vigília popular em apoio ao regime e desafia opositores

CARACAS — Em pronunciamento no Palácio de Miraflores, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou o rompimento de relações diplomáticas com Washington. Mais cedo, o presidente americano, Donald Trump, reconheceu o presidente da Assembleia Nacional , Juan Guaidó, como presidente interino do país, e se referiu ao regime de Maduro como "ilegítimo".

— Dou 72 horas para que toda a equipe diplomática americana abandone a Venezuela — afirmou o presidente venezuelano. — Aqui ninguém se rende, ninguém se entrega. Vamos rumo ao enfrentamento, ao combate, à vitória da paz, da vida, da democracia e do futuro.

O presidente venezuelano acusou os Estados Unidos de tentarem promover a queda de seu governo.

— É um gravíssima insensatez da política extremista do governo de Donald Trump contra a Venezuela tentar dividir o país, tentar destruir suas instituições democráticas e tentar impor um governo por vias inconstitucionais.

Embora sua própria reeleição, em maio do ano passado, tenha ocorrido em meio a uma abstenção recorde, de 54% dos eleitores, Maduro lembrou que chegou ao poder pelo voto.

— Estivemos e estaremos com os votos do povo, que é o único que elege presidentes constitucionais na Venezuela — afirmou, criticando o papel da imprensa na crise política que atinge o país. — Todos os veículos são manipuladores, e com sua manipulação ocultam do mundo que aqui há um povo governando os destinos de uma nação. Somos a maioria. Somos o povo.

Ele, no entanto, não compareceu a uma contramarcha convocada pelo governo no centro de Caracas, que reuniu menos gente do que a jornada de protesto da oposição.

O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e número dois do regime, Diosdado Cabello, reagiu à proclamação de Guaidó afirmando que “aqueles que queiram ser presidentes devem ir ao Palácio de Miraflores”, numa referência à sede do Poder Executivo do país.

— O presidente é Nicolás Maduro e ele virão nos atacar — afirmou Cabello durante uma marcha de apoiadores do regime chavista em Caracas. — Mas lhes peço, em nome de (Hugo) Chávez, que se algo aconteça a um de nós, que aquele que vem atrás pegue sua bandeira e siga adiante. Quem quiser ser presidente que venha nos buscar em Miraflores, que aqui estará o povo defendendo Nicolás Maduro.

Primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv, legenda de Maduro), Cabello convocou uma vigília em frente à sede do governo em apoio ao governo do presidente.

— A partir desta noite nos instalaremos em vigília em frente ao Palácio de Miraflores, como fizemos no 11 de abril — exclamou. — Hoje o povo da Venezuela se levantará e amanhã Maduro continuará na Presidência. A maioria é representada pelo povo venezuelano, e não pela direita que não tem vergonha e não respeita a Constituição bolivariana. Se eles cruzarem a linha, a Justiça entrará em ação. Somos obrigados a preservar a paz do país.

As Forças Armadas também se manifestaram em defesa do chavista e disseram não reconhecer um “presidente imposto” e “autoproclamado fora da lei”, como escreveu no Twitter o ministro da Defesa do país, Vladimir Padrino.

Guaidó preside a AN, comandada pela oposição, que teve os poderes suspensos pelo governo venezuelano. Em 2017, o regime convocou a ANC, liderada por Cabello, para anular os poderes legislativos da AN.

Cabello acusou a oposição venezuelana de “contratar delinquentes para gerar terror nas ruas” durante as manifestações populares.

— Hoje a direita volta a ameaçar e causar terror no nosso povo, mas hoje é um dia do povo que foi traído e nunca mais voltará a ser — afirmou o líder da ANC em referência ao golpe que derrubou o general Marcos Jimenez Pérez em 1958.


O Globo: Brasil reconhece Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela

Bolsonaro afirma que apoiará 'processo de transição' no país vizinho; EUA e mais nove países do continente também reconhecem, ao contrário do México

Por Eliane Oliveira e Daniel Rittner

BRASÍLIA E DAVOS — Ao lado de pelo menos mais 10 governos, incluindo o dos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reconheceu na tarde desta quarta-feira o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como presidente interino daquele país. "O Brasil apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela", escreveu Bolsonaro em uma rede social.

Além do Brasil e EUA, reconheceram Guaidó como "presidente encarregado" Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Paraguai, Guatemala, Costa Rica, Equador e Canadá. A União Europeia disse apenas que "acompanha de perto" a situação venezuelana e estabeleceu consultas entre os 28 países-membros do bloco. O México anunciou que, por enquanto, continuará reconhecendo Nicolás Maduro como presidente.

Em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro prometeu dar "todo o apoio necessário" para o reconhecimento internacional de Guaidó como presidente e para a mudança de regime na Venezuela. Ele fez uma rápida declaração ao lado do colega colombiano, Iván Duque, da vice-presidente peruana, Mercedes Araóz, e da chanceler canadense, Christya Freeland. Todos participaram de um "diálogo diplomático" sobre a crise venezuelana.

— O Brasil, juntamente com os demais países do Grupo de Lima ao longo do dia, que estão reconhecendo um a um esse fato, nós daremos todo o apoio político necessário para que esse processo siga seu destino — afirmou Bolsonaro, referindo-se ao grupo formado por 14 países da América Latina e do Caribe mais o Canadá.

Duque foi na mesma linha:

— Quero expressar que a Colômbia reconhece Juan Guaidó como presidente da Venezuela e acompanha esse processo de transição rumo à democracia, para que o povo venezuelano se libere da ditadura.

O Itamaraty divulgou uma nota em que afirma que o reconhecimento da proclamação de Guaidó se dá "de acordo com a Constituição daquele país" e "tal como avalizado pelo Supremo Tribunal de Justiça" no exílio.

A oposição, que tem maioria na Assembleia Nacional eleita em 2015, já havia declarado Nicolás Maduro um "usurpador" da Presidência desde que ele tomou posse para um segundo mandato, em 10 de janeiro, depois de ser reeleito em maio de 2018 em um pleito boicotado pelos opositores porque, segundo eles, não cumpria as condições mínimas de transparência e liberdade.

Guaidó, que se proclamou "presidente encarregado" durante uma jornada de protestos contra Maduro em Caracas nesta quarta, recebera carta branca de boa parte dos países do Grupo de Lima para se declarar presidente interino.

A situação na Venezuela foi discutida na semana passada, em Brasília, em reuniões entre membros do primeiro escalão do governo —- entre os quais o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Justiça, Sergio Moro — e líderes exilados da oposição a Maduro. Também participaram das conversas representantes do governo americano e do Grupo de Lima.

O presidente americano, Donald Trump, foi o primeiro dirigente estrangeiro a reconhecer o líder opositor como presidente interino da Venezuela. "Continuaremos a considerar o ilegítimo regime de Maduro como responsável direto por qualquer possível ameaça à segurança do povo venezuelano", disse o chefe da Casa Branca em comunicado. Trump afirmou ainda que "usará todo o peso econômico e o poder diplomático dos EUA para pressionar pela restauração da democracia venezuelana". Os EUA informaram que consideram "todas as opções" se Maduro usar a força na Venezuela.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, pediu a Maduro que "abandone a Presidência em favor de um líder legítimo, refletindo a vontade do povo venezuelano". Pompeo também exortou militares e forças de segurança do país a "apoiarem a democracia e protegerem os cidadãos".

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, cumprimentou Guaidó. "Tem todo o nosso reconhecimento para impulsionar o retorno do país à democracia", tuitou Almagro, que tem o apoio de Brasil, Colômbia e EUA, entre outros, para reeleger-se para o cargo.

Europa tenta facilitar diálogo
Mais cedo, em Davos, o chanceler do Paraguai, Luis Castiglioni, disse que vê o Brasil como uma "ponte" para convencer China e Rússia, hoje alicerces internacionais para a sobrevivência política de Maduro, a mudar de posição.

— É uma facilidade que o Brasil tem o Brasil como membro dos Brics — disse o ministro, depois de reunião com o colega brasileiro, Ernesto Araújo.

Para ele, é necessário mostrar aos chineses e aos russos como o regime venezuelano é "pernicioso". Pequim, sobretudo, vem fazendo empréstimos bilionários a Caracas em troca de compromissos de fornecimento de petróleo em longo prazo. O chanceler destacou a importância de construir uma "aliança global" em torno do assunto e afirmou que espera um "forte compromisso" da União Europeia.

A autoproclamação de Guaidó ocorre quando os europeus tentam promover um "grupo de contato" internacional para buscar uma saída negociada para a crise no país por meio de um diálogo entre governo e oposição. Embora não reconheça as eleições que levaram à reeleição de Maduro, a UE resiste a romper relações com o governo venezuelano e promove desde outubro este grupo que não busca mediar, mas facilitar um diálogo.

Os embaixadores europeus na Venezuela expuseram essa iniciativa, que esperam lançar em meados de fevereiro com a participação de países da América Latina, no fim de semana passado em duas reuniões com Maduro e com Guaidó.


Jorge Castañeda: Bolsonaro versus Maduro

As características pessoais e políticas desses dois líderes recém-empossados são uma receita para o desastre

Jair Bolsonaro foi investido como novo presidente do Brasil na semana passada. Nicolás Maduro, que assumiu a presidência da Venezuela em 2013 após a morte de Hugo Chávez, tomou posse para um segundo mandato na quinta-feira. As duas investiduras ilustram as ameaças enfrentadas pela democracia, pelos alinhamentos internacionais e a unidade da América Latina.

Bolsonaro é um ex-militar de direita com um histórico de declarações incendiárias sobre todos os assuntos, desde os direitos dos gays às mulheres, aos afro-brasileiros e Donald Trump.

Ele foi eleito numa onda de sentimento antissistema e anticorrupção no Brasil, e também por causa do desalento dos cidadãos com o número recorde de crimes (embora sua família já tenha sido acusada de corrupção). Ele de imediato entrou em atrito com outros líderes latino-americanos – cancelando os convites a Maduro e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, para participar de sua posse – e praticamente rompeu relações diplomáticas com Venezuela.

O ministro venezuelano do Exterior, Jorge Arreaza, afirmou que Maduro jamais pensou em ir à posse de Bolsonaro. Por outro lado, poucos convidados participaram da investidura de Maduro. O Grupo de Lima, a União Europeia e vários países rejeitaram reconhecer a legitimidade de sua reeleição. Somente cubanos, bolivianos, nicaraguenses e salvadorenhos estiveram presentes, entre os convidados latino-americanos.

Além de sua eleição fraudulenta, Maduro violou flagrantemente os direitos humanos, levou a economia venezuelana ao colapso e criou uma crise humana que obrigou quase 3 milhões dos seus compatriotas a buscar o exílio. Com os preços em queda do petróleo, única fonte de exportação da Venezuela, o país mergulhará ainda mais no caos.

As características pessoais e políticas desses dois líderes, investidos no cargo com diferença de dias, são uma receita para o desastre.

Bolsonaro, embora democraticamente eleito, tem demonstrado inclinações autoritárias. Prometeu que tornará mais fácil para policiais e soldados atirarem contra suspeitos armados e defende a restauração da pena de morte. E afirmou que assinará decreto permitindo que todos os que o desejarem no Brasil comprem uma arma, incluindo as automáticas. O que basicamente armará toda a população.

Ameaçou também retirar o Brasil do Mercosul – bloco comercial que inclui também Argentina, Uruguai e Paraguai e do Acordo do Clima assinado em Paris. Deixou o plano de migração votado em Marrakesh. O seu chefe de gabinete, Onyx Lorenzoni, prometeu limpar o governo de todos os funcionários “com ideias comunistas e socialistas”, referindo-se a membros do Partido dos Trabalhadores dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

E, pior ainda, o novo presidente extinguiu todas as agências que tratam de matérias ligadas à comunidade LGBT, que não mais figura entre as protegidas pelo Ministério de Direitos Humanos.

Maduro, por seu lado, militarizou todas as instituições da Venezuela. Distribuiu armas automáticas a suas milícias e grupos paramilitares conhecidos como “colectivos”. Continua a sustentar Cuba, Bolívia e Nicarágua com dinheiro do petróleo e novamente fez aumentar as tensões com a Colômbia: o novo presidente colombiano, Iván Duque, acusou a Venezuela de “enviar assassinos para matá-lo”.

Originalmente, Maduro foi eleito mais ou menos democraticamente. Mas hoje faz parte de um grupo cada vez maior de líderes autoritários na América Latina que exercem o poder antidemocraticamente.

Embora Maduro seja da esquerda radical e Bolsonaro da extrema direita, ambos compartilham um viés autoritário. O confronto entre esses dois líderes pressagia um conflito. Há centenas de milhares de venezuelanos atravessando a fronteira do Brasil e da Colômbia. Bolsonaro e Duque detestam Maduro. Ambos nutrem simpatias por Trump e este simpatiza com ambos.

Um movimento de pinça (tática militar em que o Exército do oponente é atacado dos dois flancos) pelos Exércitos dos dois países, com apoio mais ou menos discreto dos EUA, é cada vez mais concebível, particularmente à medida que a região se inclina para a direita.

A Aliança do Pacífico, formada por Colômbia, Chile, Peru e México, hoje é liderada por três dirigentes de centro-direita. A Argentina, em meio à sua enésima crise financeira, pode, apesar de tudo, reeleger o conservador Mauricio Macri.

Somente Uruguai, Nicarágua e Bolívia são sobreviventes dos regimes da chamada “onda rosa” (da guinada à esquerda) que remonta ao início do século até 2015. O novo governo de esquerda no México se verá cada vez mais isolado na região, tendo de administrar por seus meios os vários conflitos com os EUA.

Nada disso é de bom augúrio para a América Latina. De 2003 a 2012, a região registrou um longo período de forte crescimento, amplamente financiado pelos altos preços das commodities. Após 2013 começou a desaceleração econômica, quando os preços despencaram e escândalos de corrupção irromperam por todo os lados. Mas as instituições se mantiveram firmes na maior parte do tempo e em muitos países; a democracia foi ameaçada somente por um número crescente de líderes que desejavam se perpetuar no poder por meios eleitorais, porém escusos.

Isso começa a mudar. Os sinais de alerta são óbvios: regimes autoritários de esquerda na Nicarágua e Venezuela; um presidente de direita no Brasil com ideias neofascistas que começou a legislar com rapidez surpreendente; um presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, reticente em defender os direitos humanos e a democracia na região e também com predisposição autoritária; na Bolívia o presidente Evo Morales, que planeja se candidatar este ano a um quarto mandato – o que o manterá no poder por 20 anos. Um colapso das instituições democráticas e do respeito aos direitos humanos na América Latina não é mais algo inimaginável.

A grande ausência, para o melhor ou pior, é de Washington. Os EUA certamente não assumirão nenhum papel nas crises potenciais ou em curso, exceto talvez incentivando Colômbia e Brasil a derrubar Maduro pela força. Mas certamente isso não afastará o hemisfério dessas tentações autoritárias, nem o conduzirá a uma maior responsabilidade coletiva.

Diante da inclinação de Trump a piorar as coisas por todo o lado, a ausência americana pode não ser ruim. Mas a passividade dos EUA significa um contrapeso a menos numa região que precisa de tantos quanto conseguir encontrar. / Tradução de Terezinha Martino

*É ex-chanceler do México


El País: Segunda posse de Maduro marca falência institucional da Venezuela

Presidente começa seu segundo com um país mergulhado em uma crise sem precedentes

Nicolás Maduro inicia seu segundo mandato nesta quinta-feira, um período presidencial que o manterá à frente do Governo venezuelano até 2025. A posse, indicada há meses como ponto de não retorno na gravíssima crise econômica e institucional que atravessa o país, de fato não representa novidade alguma para os cidadãos. Mas culmina a deriva do regime, que controla todos os estamentos do poder político e judiciário, e consuma uma ruptura aparentemente irremediável com as principais instâncias da comunidade internacional: Washington, Bruxelas e a maioria dos Governos da região. Maduro exibe, não obstante, o apoio de Rússia, China e Turquia, e o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, lhe deu um balão de oxigênio há uma semana ao rejeitar as sanções do Grupo de Lima.

Em maio, o sucessor de Hugo Chávez venceu eleições questionadas pela falta de garantias democráticas e observadores independentes. As forças majoritárias da oposição se recusaram a participar, provocando uma abstenção histórica de mais de 54%. O presidente, que assumiu o cargo em abril de 2013, buscava se legitimar diante do aumento da pressão e da deterioração dos direitos. Em resumo, começar um novo ciclo. Agora se formaliza o início dessa etapa, que começa precisamente com uma anomalia, um reflexo do que a Venezuela é hoje.

Maduro prestará juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em vez de fazê-lo na Assembleia Nacional, conforme estabelece a Constituição. A razão é que o Parlamento, com maioria da oposição, eleito em 2015, foi declarado em desacato, não existe mais para o Governo. Esse mesmo tribunal o despojou de suas funções e em julho de 2017, depois de três meses de protestos, que deixaram cerca de 150 mortos, foi realizada a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte na qual não têm assento representantes críticos em relação ao partido no poder. Na prática, é um órgão legislativo — presidido pelo número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) — a serviço do Executivo.

“A revolução bolivariana não é um homem, é um povo que escolheu ser livre e está decidido a defender sua liberdade, custe o que custar, nada nem ninguém o impedirá. Em 10 de janeiro prestarei juramento pelo povo”, proclamou o presidente, que para tentar fazer frente às advertências e sanções anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, brande o fantasma do inimigo externo. “O povo consciente e mobilizado está disposto a defender a soberania e a independência da pátria, pelo seu direito inalienável de ser livre. Só o povo salvar o povo!”, escreveu no Twitter.

A Venezuela está mergulhada em uma catástrofe econômica sem precedentes na qual aos problemas de escassez se juntam uma hiperinflação exorbitante — o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um aumento dos preços de 1.800.000% em dois anos — e uma dependência das classes populares das ajudas do Governo. Estas são algumas das causas de um êxodo que, de acordo com as Nações Unidas, se acelerou nos últimos meses e já soma três milhões de migrantes, dos quais mais de um milhão se estabeleceu na vizinha Colômbia.

Nesse contexto, Maduro, que em agosto sofreu um ataque de drones durante um ato militar, se empenha em demonstrar que tem o apoio de potências estrangeiras. “A Venezuela conta com um amplo apoio internacional e um povo consciente para vencer a perseguição econômica e as agressões contra a pátria. Não deterão nossa marcha rumo à prosperidade”, afirmou nesta quarta-feira. A realidade é que os efeitos dos acordos comerciais firmados com Rússia, China e Turquia por enquanto não foram notados e milhões de venezuelanos sobrevivem com um salário mínimo que ronda os cinco dólares.

“Traição à pátria”

A partir desta quinta-feira, além disso, ficarão rompidas as relações diplomáticas com pelo menos 13 países latino-americanos, os integrantes do chamado Grupo de Lima. Na região, o chavismo continua tendo o apoio do presidente boliviano, Evo Morales, do cubano Miguel Díaz-Canel e do nicaraguense Daniel Ortega. O México, no entanto, continua moderado e Andrés Manuel López Obrador insiste em uma saída negociada à crise, embora a oposição esteja desmobilizada ou na ilegalidade.

Os países do Grupo Lima, entre eles Colômbia, Brasil, Argentina, Canadá, Chile e Peru, proibirão a partir de sexta-feira a entrada em seus territórios de altos funcionários, começando com o próprio Maduro.  “Estamos avançando na concretização dessas medidas”, disse o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo. Entre elas, figura a de “exortar outros membros da comunidade internacional a adotarem medidas semelhantes contra o regime de Maduro em favor da restauração da democracia”. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também se manifestou diversas vezes contrariamente a Maduro. Mas o PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que perdeu a eleição em outubro, enviará sua presidenta para a cerimônia. "Somos solidários à posição do governo mexicano e de outros Estados latino-americanos que recusaram claramente a posição do chamado Grupo de Lima, abertamente alinhada com a postura belicista da Casa Branca", afirmou Gleisi Hoffmann em uma nota.

O Governo venezuelano respondeu com uma ameaça dirigida aos líderes da oposição e legisladores da Assembleia Nacional. A Constituinte ordenou ao Tribunal Supremo de Justiça e ao Ministério Público a abertura de uma “investigação imediata por traição à pátria a todos aqueles que se dobraram à declaração do mal chamado Grupo de Lima”. As condenações para esse crime podem chegar a 30 anos de prisão.


El País: Chavismo deixa rastro de corrupção em duas décadas de revolução bolivariana

A Venezuela é percebida como o país mais corrupto da América Latina. Legisladores estimam que o dano patrimonial chegue a 450 bilhões de dólares

Por Maolis Castro e Florantonia Singer, do El País

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, diz que nenhum governo do mundo combate a corrupção como o dele. Sua conclusão contrasta com os indicadores da Transparência Internacional, que situam a Venezuela como o país mais corrupto da América Latina. Mercedes de Freitas, diretora da ONG em Caracas, deduz que foi instalado um modelo com os “elementos de uma cleptocracia” no país. “Há evidências de que a crise econômica seja uma consequência da malversação de fundos públicos”, explica.

Maduro afirmou que essa percepção não passa de ataques da oposição. “Não existe, na história da Venezuela, um processo e um governo que tenham combatido a corrupção, em seu caráter estrutural, com maior rigor que a revolução bolivariana e os Governos de Hugo Chávez e meu. Não ignoro que uma das frentes de ataque de nossos adversários contra nós consiste em nos acusar de frouxidão com respeito à corrupção. É absolutamente falso”, disse Maduro numa entrevista feita pelo jornalista espanhol Ignacio Ramonet e difundida na última terça-feira.

Mas a fama ruim é global. De fato, a Rede de Execução de Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos emitiu, em setembro de 2017, um alerta às instituições financeiras sobre a “corrupção pública generalizada” que impera no país sul-americano.

O Legislativo faz um cálculo sobre o dano patrimonial gerado pela corrupção em 19 anos da autodenominada revolução bolivariana. “Só nos casos de corrupção conhecidos, pode-se dizer que as perdas chegam a 450 bilhões de dólares (oito vezes o orçamento da Venezuela em 2012, o mais alto). Mas essa é a ponta do iceberg, pois cada vez mais escândalos vêm à tona. É inegável que a corrupção é a causa da crise econômica”, diz Freddy Superlano, chefe da Comissão de Controladoria do Parlamento.

A acusação é dirigida ao Governo. O sistema de controle cambial, imposto em 2003 e ainda vigente, está vinculado a um esquema de fraude. Em 2014, Jorge Giordani, ex-ministro do Planejamento dos Governos de Chávez e do próprio Maduro, denunciou que pelo menos 25 milhões de dólares (92,5 milhões de reais) concedidos pela extinta Comissão Nacional de Administração de Divisas (Cadivi) a empresas participantes da rede de corrupção ou fora de operação foram desviados a contas privadas. Pelo esquema, firmas de fachada, sem trajetória e com sede em paraísos fiscais pediam divisas ao Estado venezuelano com preços preferenciais para supostas importações ou serviços. Após obterem grandes quantias alavancadas por funcionários do Governo, contudo, elas não respondiam pelo dinheiro.

A malversação de fundos é ampla. No final de novembro, uma reportagem do EL PAÍS revelou que uma investigação interna da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) envolve vários de seus ex-diretores numa fraude à companhia de pelo menos 500 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais). Os funcionários teriam concedido contratos de compra de material para suas próprias sociedades, maquiado licitações em benefício próprio e lavado o dinheiro na Espanha.

O promotor Tarek William Saab, designado pela chavista Constituinte, prometeu ser “implacável” com a corrupção, mas ainda não se pronunciou sobre a acusação da Justiça dos EUA contra o empresário Raúl Gorrín, dono da TV Globovisión e vinculado ao Governo. Tampouco investigou denúncias contra Maduro. Segundo Euzenando Azevedo, ex-chefe da Odebrecht na Venezuela, a empreiteira teria dado 35 milhões de dólares (130 milhões de reais) a Maduro para financiar sua campanha presidencial de 2013, como candidato indicado pelo falecido presidente Chávez, em troca de substanciosos contratos no país.

Em contraste, Saab pediu à Interpol a captura de opositores e delatores como o ex-presidente da PDVSA Rafael Ramírez, do ex-tesoureiro Alejandro Andrade e de Claudia Díaz Guillén, uma enfermeira de Chávez acusada na Espanha de lavar dinheiro com seu esposo Adrián Velázquez, antigo chefe da segurança presidencial.

Além disso, a Justiça da Venezuela se tornou seletiva. Luisa Ortega Díaz, procuradora-geral do país, precisou fugir no ano passado por denunciar a repressão nos protestos contra o Governo e outras irregularidades cometidas por Maduro. Seus principais aliados também estão no exílio. Entre eles Zair Mundaray, ex-diretor de Atuação Processual do Ministério Público (2016-2017), que agora denuncia o enriquecimento de funcionários públicos. “Investigamos uma série de operações da Tesouraria com a compra de títulos do Reino Unido e sua revenda no mercado internacional, feitas por empresários aliados do Governo e nas quais a Venezuela perdeu muito dinheiro, porque dali saíram muitas riquezas, incluindo a da enfermeira Claudia Díaz. Pedimos uma ordem de prisão contra ela, mas foi revogada por um tribunal em 2016”, relata.

Apesar das travas, Mundaray diz que conseguiu confiscar duas pousadas, 13 carros e duas coberturas em Caracas. As propriedades da enfermeira foram adquiridas quando ela ganhava o equivalente a seis salários mínimos na Venezuela. “Claudia Díaz faz parte da rede original do saque à Tesouraria, e muitas fortunas surgiram dali. Por isso pediram a extradição, para evitar que mais pessoas falem com o Departamento de Justiça dos EUA”, afirma.

O ex-promotor diz que o modelo econômico instalado pelo chavismo, baseado no controle cambial como uma grande centrífuga de corrupção, e que recebeu abundantes recursos durante uma década de altos preços do petróleo, somou-se a outro elemento: o controle do Poder Judiciário com a chegada de Hugo Chávez, o que propiciou a impunidade e favoreceu o crime. “Qualquer investigação que for feita baterá contra um juiz” afirma.

O DILEMA DAS SANÇÕES

Com o envio de provas e informações ao Departamento de Estado dos EUA, Alejandro Rebolledo, advogado especialista em prevenção de legitimação de capitais, impulsiona há três anos as sanções contra altos funcionários do Governo, militares e empresários envolvidos em crimes na Venezuela.

No exílio, o jurista acusa o chavismo de estimular negócios ilegais em conjunto com “máfias” internacionais que supostamente penetraram no sistema financeiro através de estruturas nos EUA, Europa, Ásia e Emirados Árabes Unidos, auxiliadas por empresários, banqueiros e especialistas em lavagem de dinheiro. Por isso, ele propõe sanções contra funcionários e aliados do regime para enfrentar a malversação de fundos, embora o presidente Maduro denuncie que as restrições tenham gerado a perda de 20 bilhões de dólares (74 bilhões de reais) para o país em 2018 e diga que se trata de uma perseguição dos EUA. Segundo Rebolledo, o mecanismo abre a possibilidade de recuperar o patrimônio perdido assim que for “restabelecida a democracia” no país. “Todos os dias ouvimos notícias de investigações sobre lavagem de dinheiro. Isso não acaba”, afirma.

Mas o advogado não descarta que as sanções contra os altos funcionários propiciem operações de lavagem de dinheiro dentro do país. “Quem imagina que seu dinheiro possa ser congelado e bloqueado o investe na Venezuela: compra edifícios, terrenos, casas. É uma das leituras sobre as sanções contra o regime”, diz ele.


Luiz Carlos Azedo: Pacaraima

“O governo brasileiro pisa em ovos em relação ao regime de Maduro. Tudo o que não interessa ao Brasil é uma escalada no conflito”

Com pouco mais de 12 mil habitantes, Pacaraima surgiu após a demarcação da fronteira com a Venezuela pelo Exército, em torno do marco conhecido como BV-8, portal de entrada para o Brasil a partir daquele país, ocupado por garimpeiros brasileiros. A “corrida do ouro” prometia enriquecimento fácil e rápido para os aventureiros que desbravaram a região, a maioria do Nordeste. Fica apenas a 15 quilômetros da cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén. Por ser uma fronteira seca, é o caminho mais fácil para os refugiados venezuelanos que chegam a pé e vão para Boa Vista e outras cidades brasileiras.

A 220 quilômetros de Boa Vista, a cidade foi emancipada em 1995, na onda de criação de municípios que ocorreu naquele período. Devido às temperaturas baixas, é conhecida como o Polo Norte de Roraima. Pacaraima e Uairén funcionam como centros de abastecimento uma da outra: a energia elétrica e o combustível vêm da Venezuela, onde a gasolina é barata; os gêneros de primeira necessidade e bens de consumo duráveis, de Boa Vista, pela BR-174. Os incidentes ocorridos no fim de semana, nos quais refugiados venezuelanos foram atacados por moradores de Pacaraima, foram provocados porque alguns venezuelanos atacaram um comerciante brasileiro, com intuito de roubá-lo. Mas esse foi apenas um catalisador da tensão crescente entre os refugiados e os moradores da cidade.

Entre 2017 e junho deste ano, quase 128 mil venezuelanos entraram no Brasil por Pacaraima. Mais da metade deles, porém, deixou o país: 31,5 mil voltaram para a Venezuela pelo mesmo caminho, e os outros 37,4 mil saíram de avião ou por outras fronteiras terrestres. Ficam em Pacaraima e Boa Vista os venezuelanos mais pobres, com menos instrução, que não conseguem meios para buscar outras regiões. Os venezuelanos mais instruídos e com posses preferem o Equador, a Colômbia, o Peru e o Chile, por causa da facilidade da língua, e outras cidades do país, como São Paulo.

Acampados como sem-teto em Pacaraima, os venezuelanos eram 1.500 até a crise de sábado. Ou seja, mais de 10% da população da cidade, que também começa a sofrer os efeitos da crise econômica venezuelana no comércio local. Não se sabe até que ponto a disputa política entre a governadora Suely Campos (PP) e seus principais adversários, Anchieta (PSDB), que lidera a disputa, e Antônio Denarium (PSL), que está em segundo, agrega complicações à crise. Suely Campos já tentou fechar a fronteira com a Venezuela e volta a insistir na medida, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que o governo federal rejeita. Para o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, é “impensável” fechar a fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O caso está nas mãos da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal.

O cenário é mais complicado por causa da crise econômica e política na Venezuela. Ontem, entrou em vigor a nova moeda no país, o Bolívar Soberano. Nicolas Maduro cortou cinco zeros nas cédulas e multiplicou por 34 vezes o valor do salário mínimo, ancorado no “petro”, a criptomoeda criada pelo regime bolivariano para obter liquidez. Promete acabar com a inflação, mas pode ser o colapso total. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou inflação de 1.000.000% no país em 2018, o que não vai se alterar com a “mágica” feita para reduzir a quantidade de papel-moeda em circulação. Com isso, aumenta o número de pedidos de refúgio por parte de venezuelanos.

O governo brasileiro pisa em ovos em relação ao regime de Maduro. Tudo o que não interessa ao Brasil é uma escalada no conflito. Até agora, as autoridades dos dois países estão cooperando. Um dos pretextos dos moradores revoltados de Pacaraima para as agressões aos venezuelanos foi o fato de o Exército brasileiro manter uma ambulância à disposição dos refugiados, que não teria sido acionada para socorrer o comerciante ferido. O ataque aos venezuelanos pelos moradores de Pacaraima envergonha o Brasil, porque foi um gesto de barbárie. Está sendo muito condenado nas redes sociais, mas o que espanta é o silêncio dos nossos “internacionalistas” em relação ao regime de Maduro.

Os votos de Lula
A pesquisa do Ibope divulgada ontem pela TV Globo revela que a estratégia de Lula para se manter na mídia deu certo: com 37% de intenções de votos, o petista foi o único candidato pesquisado que cresceu. Os demais estão estacionados: Jair Bolsonaro (PSL): 18%; Marina Silva (Rede): 6%; Ciro Gomes (PDT): 5%; Geraldo Alckmin (PSDB): 5%; Alvaro Dias (Podemos): 3%; Eymael (DC), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo): 1%; Cabo Daciolo (Avante), Vera (PSTU) e João Goulart Filho (PPL) não pontuaram. Branco/nulos: 16%; Não sabe/não respondeu: 6%.

Com Lula fora da disputa, seus votos migram principalmente para Marina, que sobe para 12%; Ciro, que vai a 9%; Bolsonaro, que sobre para 20% e até Alckmin, que chega a 7%. Haddad, substituto virtual de Lula, tem 4% de intenções de votos. Branco/nulos sobem para 29% e Não sabe/não respondeu, 9%. Esse é o gargalo da estratégia do PT.


Luiz Carlos Azedo: A crise venezuelana

Engana-se quem pensa que o regime bolivariano cairá num passe de mágica. Não há a menor chance disso acontecer enquanto os militares venezuelanos apoiarem Maduro

Integrante do Grupo de Lima, formado por 14 países das Américas, o Brasil anunciou ontem que não reconhece a legitimidade das eleições presidenciais na Venezuela, em que Nicolás Maduro foi reeleito presidente. Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia também condenaram a reeleição. Cuba, Bolívia, Rússia e Bolívia apoiaram a recondução de Maduro; a China foi pelo mesmo caminho, enquanto os Estados Unidos anunciaram a adoção de duras sanções econômicas.

As eleições venezuelanas foram marcadas por dois tipos de oposição: o não comparecimento às urnas de 54% do eleitorado (8,6 milhões de eleitores) e uma das mais baixas votações do chavismo, 5,8 milhões, ou seja, 67% dos votos. Também emergiu das urnas uma dissidência do chavismo, que reiterou aquilo que a oposição já antevia ao boicotar o pleito: houve uma fraude escandalosa nas urnas. Os candidatos derrotados, Henri Falcón, que obteve 21% dos votos, e Javier Bertucci, com 11%, ambos chavistas, não reconhecem o resultado e pedem novas eleições.

Em reação ao pleito, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proibiu o envolvimento de cidadãos norte-americanos em negociações de títulos da dívida da Venezuela e de outros ativos. Segunda a Casa Branca, o objetivo é impedir que oficiais venezuelanos corruptos façam negócios e lavem dinheiro de propina. Desde maio, 62 pessoas e 15 entidades venezuelanas estão com bens congelados e proibidos de fazer negócios nos Estados Unidos, que consomem um terço do petróleo da Venezuela. As petroleiras americanas não podem mais negociar dívidas públicas do país ou comprar petros, a criptomoeda criada por Caracas.

Entretanto, a China ainda aposta alto no regime de Maduro. Recentemente rebateu as acusações do Tesouro dos Estados Unidos de que estaria ajudando o governo venezuelano com investimentos suspeitos envolvendo empréstimos em troca de petróleo. Em Pequim, o porta-voz da chancelaria chinesa, Geng Shuang, destacou que o país auxiliou a construção de mais de 10 mil casas de baixo custo, a geração de eletricidade e o gasto com eletrodomésticos para três milhões de lares venezuelanos de baixa renda.

A Venezuela vive uma crise humanitária, com mais de um milhão de venezuelanos em fuga pelas fronteiras com a Colômbia e o Brasil. A situação tende a se agravar com as novas sanções. Mas se engana quem pensa que o regime bolivariano cairá num passe de mágica. Não há a menor chance disso acontecer enquanto os militares venezuelanos apoiarem Maduro. A única tentativa de rebelião militar, no Forte Paramacay, no ano passado, foi um fracasso. A probabilidade maior é o regime endurecer ainda mais, expurgando a oposição interna, que passará a ser tratada como a antiga oposição liberal e social-democrata. Do ponto de vista das relações internacionais, Maduro ainda tem aliados poderosos, tanto do ponto de vista econômico quanto militar.

Armas
Militarmente, a Venezuela aparece em 45º lugar no mundo. Na América Latina, ocupa o sexto, atrás da Colômbia (40º), Peru (39º), Argentina (35º), México (34º) e o Brasil, que ocupa a 17ª posição do GFP (Global Firepower, compilado pelos Estados Unidos). Não existe nenhum risco de crise militar entre os países da região que possa resultar numa guerra com a Venezuela a curto prazo; na verdade, a tensão externa serve como biombo e pretexto para o endurecimento do regime, que já pode ser caracterizado como uma ditadura disfarçada.

O regime de Maduro não seria o que é hoje sem a passagem do coronel Hugo Chávez pela Presidência. Ele operou com destreza o alinhamento do alto-comando militar das Forças Armadas com seu projeto político, dando aos militares grande poder na economia, seja na gestão das empresas, seja no direcionamento dos negócios, principalmente petrolíferos. Além disso, modernizou o equipamento militar, com a aquisição de aviões, tanques e mísseis russos. Também formou uma milícia com 500 mil voluntários em todo o país, nos moldes cubanos, que pode ser mobilizada e prontamente armada pelo Exército.

Maior do que o risco de guerra com um país vizinho, que a Venezuela hoje não pode bancar sem entrar em completo colapso, a não ser que receba ajuda direta e maciça de Cuba, da Rússia ou da China, o que impensável sem uma escalada de tensões com os Estados Unidos, é a possibilidade de desestruturação progressiva de suas forças armadas, que já não têm condições de atender necessidades elementares. São cada vez mais frequentes os casos de militares venezuelanos doentes ou feridos que buscam socorro médico atravessando, sem se identificarem como tal, a fronteira com o Brasil. O maior problema são armas de mão e mísseis que podem ser transportados e lançados por um só homem, armamentos que podem ser vendidos ou contrabandeados por oficiais corruptos ou soldados em dificuldades financeiras para manter as respectivas famílias.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-crise-venezuelana/