lula
Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema
Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.
O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.
Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.
Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.
Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.
Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.
#FicaaDica
O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.
O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.
Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.
A ampla frente
A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.
Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.
Falta um detalhe
O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fernando Gabeira: Luzes e trevas
É o momento de avaliar não só um governo, mas todo o processo de redemocratização. A notícia da condenação de Lula chegou num momento especial. Acabara de escrever um artigo sobre o apagão no Senado. E comparava aquilo aos apagões nos estádios de futebol: a luz volta aos poucos. E concluía que, no universo político, as luzes só voltarão completamente em 2018. A condenação de Lula é uma pequena lanterna para enxergar parcialmente o cenário das eleições presidenciais.
A estratégia de lançar a candidatura para escapar da Justiça, de politizar o processo, sofreu um golpe. Talvez por falta de alternativa, a esquerda pode insistir nela. Mas é um equívoco fixar-se no destino de uma só pessoa e esquecer o país. O Tribunal Regional em Porto Alegre pode levar até nove meses para julgar um recurso, uma condenação fundada em provas testemunhais, documentais e periciais. Pode até levar mais. Legalmente é possível ser candidato. Mas será preciso levar um guarda-roupas de candidato e uma malinha com as coisas indispensáveis na cadeia.
O candidato vai se mover sempre com essa espada na cabeça, e supor que isso não influa na sua viabilidade só é possível aos que o seguem com um fervor religioso. Ao mesmo tempo em que Lula era condenado por Sergio Moro, a Câmara discutia se aceitava ou não a denúncia contra Temer.
Embora esses fatos apareçam de forma isolada, fazem parte de um mesmo processo histórico. O governo petista caiu, em seu lugar ficaram os cúmplices da aventura que arruinou o país. Agora, a coisa chegou a eles.
Um ex-presidente condenado, um presidente denunciado, dois presidentes impedidos. É o momento de avaliar, não só um governo mas todo o processo de redemocratização.
É possível começar de novo? As diretas eram uma bandeira clara. A luta contra a corrupção, também. Mas o principal cenário dessa luta acontece na Justiça, onde os processos correm.
Resta o caminho eleitoral. Em alguns países da Europa, como a Dinamarca, num determinado momento, e a França agora, eleições costumam ser um sopro de vida ao sacudir um sistema envelhecido. Aqui no Brasil, o sistema não apenas envelheceu mas também se corrompeu. Muito possivelmente a renovação será orientada por valores que estiveram soterrados nesse período. No entanto isso não basta. Estamos vivendo problemas diante dos quais apenas a honestidade não resolve. As questões emergenciais estão aí, muitas delas decorrentes do colapso dos governos corrompidos.
Segurança, por exemplo. Meu projeto era escrever sobre isso até apagarem as luzes do Senado e ver aquelas mulheres comendo quentinhas. Isso me fez refletir sobre luzes e trevas.
Mas quando pensava em segurança, minha ideia era mostrar alguns reflexos psicológicos de quem mora numa cidade como Rio. Um deles é o perigo de se acostumar com a violência. Começava por mim mesmo. Vivo na base de um morro onde sempre houve tiroteio. Numa visita a Porto Príncipe, no Haiti, hospedado na casa de um diplomata brasileiro, ouvi tiros ao longe. Virei para o canto e dormi como se estivesse em casa.
Não sei que impacto teria a morte de inocentes em outros lugares. Mas a morte de crianças e adolescentes no Rio é recebida com uma certa resignação.
O terrorismo não é o melhor parâmetro. Mas suas vítimas são cultuadas e as próprias autoridades aparecem para visitar as famílias. Absortos em suas manobras defensivas, os políticos não têm sensibilidade para isso. Nem espero que tenham nesta encarnação.
No entanto, não importa que governo fique de pé, é essencial conseguir dele alguma resposta à violência urbana. Na verdade, seria necessário que tivesse uma visão clara de como gerir os colapsos que explodem em vários pontos da máquina.
A sucessão de crimes nas cidades e sucessão de escândalos no poder produziram uma certa anestesia. Suspeito que muita gente vai se perguntar se ainda vale a pena gastar alguma energia em mudanças. Creio que uma resposta negativa tende a perpetuar essa etapa constrangedora da história moderna brasileira.
Não porque goste de eleições e tenha muita paciência com o festival de demagogia que gravita em torno delas. É que não vejo outra saída. Ainda assim uma saída estreita, precária. Esta é sociedade mais extensamente informada de nossa história moderna. Talvez consiga um Congresso renovado que, apesar de modesto, pelo menos não atrapalhe.
A política tornou-se um tema central porque a corrupção e suas consequências roubaram a cena. Sem esses fatores dispersivos, é possível concentrar mais energia em campos que, realmente, nos empurram para a frente: trabalho, inovação, conhecimento.
A política terá o seu papel, que certamente vai se desenhando pelo caminho. Mas não pode mais ser essa pesada mala nas costas do país. Mala cheia de malinhas: dinheiro, joias, obras de arte, cartões de crédito, contas no exterior.
Mas o grande peso mesmo não é monetário. É a perda de esperança num futuro comum, o eclipse de um sentimento de país.
* Fernando Gabeira é jornalista
O Estado de S. Paulo: A eterna vítima
A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada pela vitimização. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinada pelas adversidades que afligem tantos milhões de brasileiros como ele. Só mais tarde, quando a malandragem já estava suficientemente desenvolvida para capturar o potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a eterna vítima.
Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito, que se reescrevam os fatos.
No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.
Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.
O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.
A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.
A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de ouro.
Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
Roberto Freire: Sem surpresas, com preocupações
O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), disse nesta quarta-feira (12) que não houve surpresa na condenação, pelo juiz Sérgio Moro, do ex-presidente Lula, do PT. “Já era esperado. Todo esse processo que a Lava-Jato vem desenvolvendo no País chegaria a esse desiderato”, afirmou.
Segundo observou Freire, as revelações da Lava Jato “mostravam que havia um centro, que dirigia todo esse processo de desmantelamento, de roubalheira, que ocorreu com nossas estatais, com nosso governo no período Lula/Dilma”.
Freire alertou para as preocupações que, segundo ele, a condenação traz. Basicamente, o receio do presidente do PPS se justifica pela a decisão de Moro ter saído no momento que o País passa por um governo de transição e superação e tenta superar seus problemas. “Preocupação em fazer valer o que determina a Constituição – dentro dela, tudo; fora dela, nada. E isso tem que ser uma preocupação de todos os democratas brasileiros e de todos aqueles que defendem a transição constitucional e democrática até 2018”.
Na avaliação de Roberto Freire, a condenação de Lula é um episódio marcante, pois é a primeira vez que um ex-presidente da República é condenado por corrupção. “Isso por um lado é saudável, por outro, causa constrangimento”. De qualquer forma, continua o deputado, “é mais um passo que o Brasil dá para o aprofundamento da democracia e consolidação das plenas liberdades e da República brasileira”.
Ricardo Noblat: O desmanche de um mito
Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).
Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.
A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.
Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.
Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.
A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Afinal, em desrespeito à Constituição, seus direitos políticos foram preservados, embora ela tenha sido deposta.
Se escapar da Lava Jato sem maiores sequelas, pela direita o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é o nome que terá mais a lucrar lucrar com a condenação de Lula. O prefeito João Dória não será páreo para ele na coligação de partidos a ser encabeçada pelo PSDB. A Dória restará a candidatura ao governo de São Paulo que atrai também o senador José Serra.
Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.
Procuradoria pede arquivamento de investigação contra Lula por obstrução à Justiça
O pedido deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo suposto crime de 'embaraço à investigação' pela compra do silêncio de Nestor Cerveró
Luiz Vassallo, Julia Affonso e Fausto Macedo, do Estado de São Paulo
O Ministério Público Federal no Distrito Federal envia nesta terça-feira, 11, à Justiça Federal em Brasília, pedido de arquivamento de Procedimento Investigatório Criminal (PIC), que apurava se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria agido irregularmente para, a partir de articulação com o Senado Federal, atrapalhar as investigações da operação Lava-Jato.
As informações são do site da Procuradoria da República no Distrito Federal.
A suposta tentativa de Lula de embaraçar o trabalho dos investigadores foi informada pelo ex-senador Delcídio do Amaral em acordo de colaboração premiada.
O ex-congressista afirmou, em delação, que Lula o convidou, juntamente com os senadores Edison Lobão e Renan Calheiros, este então presidente do Senado Federal, para uma reunião no Instituto Lula, em São Paulo, no ano de 2015 e que, o objetivo do encontro era impedir o andamento da Lava Jato.
Após ouvir o Delcídio e os outros senadores apontados, o procurador da República Ivan Cláudio Marx concluiu não “se vislumbrar no discurso de Delcídio a existência de real tentativa de embaraço às investigações da Operação Lava-Jato”.
O senador Renan Calheiros negou, em depoimento ao Ministério Público Federal, ter discutido na reunião a criação de um grupo de administração de crise para acompanhar a Operação Lava Jato.
Já o senador Edison Lobão negou que o tema ‘obstrução do andamento da Operação Lava Jato’ tenha sido levantado em qualquer reunião com o ex-presidente Lula.
Ainda no documento encaminhado à Justiça, o Ministério Público Federal cita um dos trechos da oitiva de Delcídio, em que ele próprio afirma que ” era menos incisivo que embaraçar, mas o objetivo era organizar os discursos e oferecer um contraponto”.
A Procuradoria da República no Distrito Federal ainda destaca que, apesar de Delcídio referir que ‘na prática o efeito pretendido era o de embaraçar as investigações da Lava Jato, que essa mensagem não foi passada diretamente, mas todos a entenderam perfeitamente”, essa afirmação demonstra uma interpretação unilateral do delator, que não foi confirmada pelos demais participantes da reunião.
Ainda no pedido de arquivamento, o procurador da República Ivan Cláudio Marx ressalta que o principal objetivo de Delcídio ao citar Lula na delação pode ter sido interesse próprio, com o objetivo principal de aumentar seu poder de barganha perante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação, ampliando assim os benefícios recebidos. Para o MPF, nesse caso, não há que se falar na prática de crime ou de ato de improbidade por parte do ex-presidente.
O pedido de arquivamento criminal deverá ser avaliado pelo juízo substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, onde também corre o processo contra Delcídio e Lula pelo possível crime de ’embaraço à investigação’ pela compra do silêncio de Nestor Cerveró.
Ao mesmo tempo, cópia dos autos será encaminhada à 5ª Câmara de coordenação e revisão do MPF para análise de arquivamento no que se refere aos aspectos cíveis.
Pedro S. Malan: Entre o inconcebível e o inevitável
O Estado brasileiro tem de ser repensado e e reinventado, sem maniqueísmos e ilusões
Em discurso para a militância, na presença de Dilma, durante a campanha eleitoral de 2014, Lula disse que já se imaginava, em 2022, nas comemorações de nossos 200 anos de independência, defendendo, com Dilma, tudo o que haviam conquistado “nos últimos 20 anos”. Assim abri artigo neste espaço (14/12/2014), que continuava: “É perfeitamente legítimo a qualquer pessoa expressar de público suas ‘memórias do futuro’, para usar a bela expressão de Borges para caracterizar desejos, expectativas, sonhos e planos – quer se realizem, quer não”.
Notei no artigo anterior que antes de chegar às eleições de 2022 haveria, óbvio, que passar por 2018. E que não seria fácil explicar então as conquistas dos “últimos 16 anos”, como se fossem um coerente e singular período passível de ser entendido como um todo, como a marquetagem política tentou na eleição de 2014, com o discurso dos “últimos 12 anos”. Por quê? “Porque Lula 1 foi diferente de Lula 2; Dilma 1 diferente de Lula 2; e Dilma 2 será diferente de Dilma 1 – e o mais difícil dos quatro quadriênios. Quem viver verá. Ou já está vendo”, escrevi em dezembro de 2014.
Mas muito antes disso já tinha notado que a política econômica de Dilma 1 trazia seu prazo de validade (outubro de 2014) estampado no rótulo e que teria de ser mudada – qualquer que fosse o resultado das urnas.
Volto ao tema do infindável diálogo entre passado e futuro, instigado pelo discurso do ex-presidente Lula na cerimônia de posse dos novos membros do Diretório Nacional do PT, nesta última semana.
Na ocasião Lula teria dito: “Pensávamos o Brasil para 2022, mas não conseguimos construir o nosso projeto... Tudo que construímos, o direito de greve, as conquistas sociais no trabalho, eles estão desmontando... Não podemos aceitar que façam o ajuste em cima daqueles que são as maiores vítimas dos erros do governo, os trabalhadores... Agora eles estão desmontando o nosso país”. Era, por suposto, um discurso para animar a militância ali reunida. Mas Lula é hoje maior que o PT, assumidamente o candidato do partido à Presidência da República em 2018 – e o único do partido em condições de disputar com alguma chance de vitória.
Como já se escreveu, as próximas eleições serão a oitava campanha presidencial de Lula, quer seu nome esteja na urna eletrônica, quer não. Das sete campanhas anteriores, como se sabe, Lula disputou cinco diretamente (perdeu três e ganhou duas, em ambas teve de ir ao segundo turno) e duas por interposta pessoa. Os termos em que definirá sua participação no debate eleitoral não são irrelevantes para a definição do clima geral da campanha e para o real esclarecimento dos desafios a enfrentar de agora até 2018 – e adiante.
Por exemplo, o plenário do Senado deverá votar nos próximos dias a reforma trabalhista, já aprovada pela Câmara. Em artigo publicado neste jornal (Incluindo os excluídos, 4/7), José Marcio Camargo mostrou que (em 2015), dentre os 40% dos trabalhadores que recebem os menores salários, 50% estavam na informalidade e 20% desempregados. A CLT portanto regia apenas 30% dos contratos de trabalho. Por outro lado, dos 20% mais ricos da distribuição de salários, 80% tinham contratos de trabalho regidos pela CLT. A reforma ora em discussão permitiria incluir parte dos excluídos, em particular em setores nos quais a demanda é instável e intermitente. Mulheres (com taxa de desemprego 40% maior que a dos homens) e jovens de 18 a 24 anos (28% de desemprego) seriam beneficiados. Outros podem, legitimamente, discordar. O tempo dirá.
Sobre a divisão “nós x eles”: o Brasil é um país extraordinário em sua rica diversidade e enorme potencial, mas complexo de entender e difícil de administrar, como logo se dão conta aqueles que se propõem a fazê-lo. Não prestam muito serviço ao País aqueles que o dividem de maneira simplória e maniqueísta entre um vago “nós” e um não menos vago “eles”, recurso retórico destinado a incendiar a militância em discursos de palanque.
Mas que não contribuem em nada para a elevação da qualidade do debate e o entendimento da opinião pública em geral, tratando-a como se ela fosse portadora de uma doença infantil que só entenderia escolhas binárias, do tipo “só existem duas posições sobre qualquer assunto, a nossa e a deles”. O mundo e o Brasil são muito, muito mais complicados.
Toda sociedade precisa ter alguma consciência social de seu passado, algum entendimento do presente como História e um mínimo de senso de perspectiva, além de conviver com a inevitável competição entre narrativas sobre como e por que chegamos à situação atual. Mesmo quando sabemos que o que realmente importa é sempre o incerto futuro – e que a História nunca se repete, mas por vezes rima, com frequência ensina e, de quando em vez, a muitos desatina.
Como escreveu Larry Summers em trabalho recente: “É preciso estar preparado para observar longas cadeias de causas e consequências... pensar e debater sobre um problema, considerar propostas para sua solução não significa que o problema será rapidamente resolvido. Mas o debate afeta o clima de opiniões e as coisas podem evoluir da condição de inconcebíveis para a condição de inevitáveis”.
É o processo pelo qual o Brasil vem passando – e terá de continuar a fazê-lo. A reforma da Previdência, por exemplo, é inevitável: terá de ser feita, talvez em mais de uma etapa, a custos maiores. O próximo governo terá de enfrentar reformas na área tributária. É inevitável repensar e reinventar o Estado brasileiro. Sem maniqueísmos, sem ilusões. Sem busca de atalhos, sabendo que não é fácil lidar com interesses corporativos longamente constituídos.
Mas o País não tem alternativa se deseja crescer de forma sustentada a taxas mais elevadas, com justiça social, estabilidade macroeconômica e menos ineficiência em seu setor público. Não é fácil. Nunca foi. Nunca será.
* Pedro Malan é economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC
O Estado de São Paulo: Falastrão e enganador
O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros
A estratégia lulopetista de sobrevivência está focada no quanto pior, melhor, que visa a manter o Brasil paralisado e a crise econômica e social se agravando. É uma lógica irresponsável e socialmente cruel, mas que oferece aos salvadores da Pátria nostálgicos do poder – ou ameaçados pela Justiça – o falacioso argumento de que é necessário lutar para que “os trabalhadores continuem com os seus direitos”, como declarou Lula, na quarta-feira passada, em entrevista a uma rádio da Paraíba. Na entrevista, o ex-presidente até falou em conspiração, mas para levantar a suspeita de que o governo norte-americano esteve por trás do afastamento do PT do governo.
O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros. Em franca campanha, sabe que eleições diretas serão realizadas, de acordo com a lei, em outubro do ano que vem. Mas, para manter o discurso populista, continua defendendo “Diretas Já”. Não será de estranhar, portanto, que, quando as urnas se abrirem em outubro de 2018, proclamará tratar-se de conquista sua. E insiste também no “Fora Temer”, para manter coerência com sua própria história: com maior ou menor empenho, esteve por trás do “Fora Sarney”, do “Fora Collor”, do “Fora Itamar” e do “Fora FHC”. Ou seja, mesmo que outros sejam eleitos, só o PT tem legitimidade para governar o País.
A quarta-feira passada foi pródiga em oportunidades para o falastrão, que se proclama “o homem mais honesto do País”, se comportar como se o Brasil não tivesse passado pela experiência de tê-lo, e a sua pupila Dilma Rousseff, na chefia do Executivo. Na entrevista à emissora paraibana, Lula começou atacando o alvo preferencial do revanchismo petista, a quem responsabiliza por todos os males que afligem os brasileiros: “Ninguém quer mais o afastamento do Temer do que nós. Queremos a saída do Temer e eleições diretas porque queremos fazer com que os trabalhadores continuem com seus direitos”. Quer dizer: até a chegada de Lula ao Planalto, os trabalhadores não tinham direitos. A partir de então o Brasil tornou-se um campeão dos direitos civis, um verdadeiro “protagonista internacional”: “Nenhum país conseguiu fazer o que o Brasil fez em 12 anos. Acho que tinha interesse americano que o Brasil não desse certo”. Aí vieram os “golpistas”, derrubaram Dilma e seguiu-se o “governo ilegítimo” de Temer, que conspira contra os direitos dos brasileiros e as eleições diretas.
Embora a estratégia lulopetista de conquista e manutenção do poder tenha sido, desde sempre, a de dividir o País em “nós” contra “eles” – uma reprodução tosca da luta sindical da qual Lula copiou os fundamentos de sua ação política –, o estadista de Garanhuns condenou na entrevista o clima de “ódio e intolerância” que domina a política brasileira, atribuindo a responsabilidade por isso, especialmente, a Michel Temer e Aécio Neves. E acrescentou, em tom irônico, que ambos estão agora experimentando o “próprio veneno”.
Na mesma quarta-feira, ao falar em Brasília na solenidade oficial de posse da senadora Gleisi Hoffmann (PR) na presidência nacional do PT, Lula partiu para cima do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que “deve estar se preparando para ser o próximo presidente da República como seguidor do golpe, e não podemos achar que um golpista é melhor do que outro”. Logo, se for o caso, “Fora Maia”. E emendou, como se as eleições diretas para presidente tivessem sido abolidas: “A mudança que queremos é que o povo brasileiro volte a ter o direito de escolher o seu presidente. Errando ou acertando é o povo que tem o direito de tirar e colocar pessoas”.
É verdade. Errando ou acertando, foi o povo quem elegeu Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, que agora é presidente porque os senadores e deputados nos quais o povo votou livremente em 2014 cassaram o mandato da titular.
Editorial
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,falastrao-e-enganador,70001880053
O Globo: Lava-Jato impõe ao PT maior perda de filiados
Investigações sobre corrupção também já provocam danos a PSDB e PMDB
Silvia Amorim, O Globo
Sob a Operação Lava-Jato, o PT acumula sua maior perda de filiados na história, superior àquela sofrida após o escândalo do mensalão. De 2016 até maio deste ano, o partido registrou uma redução de 7.458 integrantes, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A maior parte (3.875) deu-se nos cinco meses de 2017. Os dados mostram também que o PMDB e o PSDB, embora há menos tempo no epicentro das investigações, começam a sentir em sua base os efeitos danosos causado pelas denúncias de corrupção.
As baixas no PT em 2016 e 2017 já são o triplo das ocorridas em 2014, ano de conclusão do julgamento do mensalão. Naquele ano, a redução de filiados havia sido de 2.514 e era a primeira vez em sua trajetória que o partido não ampliava sua massa de apoiadores. No ano seguinte, em 2015, pósreeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, a sigla conseguiu recuperar fôlego e simpatizantes, mas durou pouco. O PT tem 1,5 milhão de filiados.
— Em 2015 e 2016, foi a fase da depressão dos petistas. É provável que isso que estamos vendo com o PT veremos com o PMDB e PSDB mais adiante — avalia o cientista político Carlos Melo, do Insper.
Até o ano passado, o PT estava isolado como a única legenda, dentre as maiores, a reduzir o número de filiados. Este ano, o partido ganhou a companhia do PMDB do presidente Michel Temer. A redução de peemedebistas nos primeiros cinco meses de 2017 foi tímida, de 853 filiados, mas rompeu um ciclo forte de filiações que aconteceu em 2015 e 2016, quando cerca de 25 mil pessoas entraram na legenda por ano. A sigla tem 2,4 milhões de pessoas em seus quadros.
O PSDB, também com lideranças abatidas na Lava-Jato, não registrou até maio, segundo o TSE, redução de filiados. Mas o ritmo de crescimento que vinha registrando desde a eleição de 2014 foi interrompido este ano. Em 2015, eles ampliaram em 60 mil seu exército e, em 2016, em 36 mil. Este ano, são apenas 4.275. O PSDB tem 1,4 milhão de filiados.
Autora de um estudo sobre a relação entre partidos e filiados no Brasil, a professora de Ciência Política Maria do Socorro Sousa Braga, da Ufscar, afirma que a Lava-Jato mostrou na eleição de 2016 o potencial de estrago para partidos envolvidos em denúncias. Naquele ano, o PT, até então o principal alvo das investigações, teve o maior fracasso eleitoral desde a conquista da Presidência da República. A sigla elegeu 254 prefeitos, menos da metade dos 635 de 2012. Para ela, o impacto desse desgaste na base partidária é mais lento, mas se concretiza.
— Na Lava-Jato, a tendência é que o impacto seja maior, porque no mensalão o escândalo acabou ficando muito em cima do PT. O impacto chega até o filiado porque o descrédito na política é generalizado.
Carlos Melo diz que os dados precisam ser analisados mais pelo movimento da curva do que pelos números em si:
— Eles mostram que cada partido está num tempo diferente da própria crise.
As estatísticas do TSE não trazem o perfil das pessoas que estão deixando os partidos. Para os especialistas, trata-se de dois grupos distintos. De um lado, os desiludidos: pessoas que se filiaram por identificação programática, mas sem participação ativa partidária. De outro lado, os pragmáticos: políticos evitando que o desgaste do partido atrapalhe seus planos eleitorais.
Movimentos diferentes
Para os especialistas, o PT já passou pelo auge do seu desgaste com a Lava-Jato. O cenário pode piorar somente se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva for preso. Já o PMDB e PSDB estariam no início dessa travessia. Para Melo, no caso dos tucanos, a adesão ao governo Temer tem sido algo ainda mais danoso para a sigla do que as suspeitas de envolvimento de suas lideranças em esquemas de corrupção.
Maria do Socorro não acredita numa reação dos filiados do PMDB como houve no PT.
— Acho que filiados do PMDB não se surpreendem com o que tem sido noticiado sobre suas lideranças. O que deve acontecer é cair o ritmo de novas filiações. Mas não creio numa perda expressiva. As direções nacionais dos partidos não se manifestaram.
Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostrou que o PT recuperou eleitorado em meio à crise. A legenda teve a preferência de 18% dos entrevistados. Após o impeachment de Dilma Rousseff, a preferência pelo partido havia chegado a 9%, em dezembro de 2016. Em maio, alcançou 15% e, agora 18%.
O PSDB seguiu caminho inverso. Em 2015, conforme o Datafolha, 9% dos entrevistados declaram preferência pelo partido. Hoje o índice é de 5% — um empate com o PMDB. A maioria absoluta dos entrevistados, 59%, disse não ter preferência por partido.
Fernando Gabeira: Conversa num barco encalhado
Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado como o país.
Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma . Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.
A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série político-policial?
Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.
Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.
A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias no Império Austro-Húngaro.
Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.
Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a transição.
O que se espera de um presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.
Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político partidário.
Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao Congresso.
Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial funcione.
No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.
Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos. Encalhamos um pouco mais. A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições razoáveis em 2018.
Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.
Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.
A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político partidário.
Daí pra frente a bola está com a sociedade.
* Fernando Gabeira é jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/conversa-num-barco-encalhado-21544014
Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso
As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.
Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.
A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.
Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.
A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.
Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).
Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.
Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.
Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.
É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.
Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.
Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.
Coloca-se a questão agônica do que fazer.
Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.
Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.
Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?
É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.
Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.
Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.
Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.
O imbróglio é grande.
Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.
Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.
Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.
Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.
Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.
Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.
Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?
Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.
Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.
Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml
Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'
Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem
Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo
É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.
Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.
Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?
RUY FAUSTO - No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.
Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?
Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.
Lula seria um bom candidato?
Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.
O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?
Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.
Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...
O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.
Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...
A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.
O Estado de São Paulo