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Ricardo Noblat: Fim de jogo
O dia 6 de setembro de 2017 tem tudo para passar à História como o que selou o destino do mais popular líder político brasileiro desde Getúlio Vargas, o presidente da República que em agosto de 1954 matou-se com um tiro no peito para não ser derrubado por um golpe militar.
Em menos de duas horas, ficou-se sabendo que o ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos Lula e Dilma, Antonio Palocci, “o Italiano”, entregou o “pacto de sangue” firmado pelo PT e pela construtora Odebrecht. E que Lula e Dilma foram denunciados outra vez, desta vez por obstrução de Justiça.
A Lula, segundo Palocci, a Odebrecht pagou propinas num valor de R$ 300 milhões — parte para financiar suas atividades, parte para a compra de uma nova sede do Instituto Lula, e o resto para satisfazer qualquer outro desejo dele. O pacote incluía o pagamento de R$ 200 mil por palestra.
Depois de disparar uma flecha no próprio pé com o caso da polêmica delação do Grupo JBS, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, disparou outra em Lula e Dilma — essa por conta da manobra de 2015 que tornaria Lula ministro-chefe da Casa Civil do segundo governo Dilma
A manobra tinha como objetivo proteger Lula, que corria o risco de ser preso a qualquer momento por ordem do juiz Sergio Moro. Como ministro, Lula só poderia ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Escaparia assim da órbita de Curitiba, pavor dos acusados por corrupção.
Preso há um ano, Palocci finalmente cedeu às pressões dos seus advogados e contou o que sabe em depoimento a Moro. Se não contou tudo, contou o suficiente para enterrar Lula, que em breve deverá ser condenado pela segunda vez. É réu em mais quatro ações penais.
Revelou, por exemplo, que Lula acompanhou cada passo do andamento das operações de repasses ilícitos da Odebrecht. E que, na véspera de deixar o governo no final de 2010, apresentou Dilma a Emílio Odebrecht para comprometê-la com o acerto que ele tinha com a empresa.
O depoimento de Palocci a Moro não fez parte de nenhuma delação premiada, porque delação ainda não há. Certamente Palocci guardou revelações inéditas para oferecer mais tarde em troca de melhor prêmio por delatar. Moro ouvirá Lula na próxima semana.
O que Palocci disse ontem a Moro, porém, já é suficiente para que seja apontado no futuro como o maior algoz de Lula, aquele que rompeu o pacto de silêncio dos líderes do PT empenhados em impedir que o demiurgo da esquerda acabe punido. Algoz de Lula, mas também de Dilma, cuja fantasia de vestal rasgou.
A Lula e aos seus advogados só resta esgrimir com o falso argumento de que Palocci mentiu para livrar-se da cadeia. Ao PT, procurar outro candidato para disputar a vaga de Temer. Game over. Fim de jogo.
Carlos Alberto Di Franco: Políticos “se lixam” para a sociedade
“Enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário”
O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer.
Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem nenhum idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento.
A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.
É isso que precisa mudar. Mas o Congresso, por óbvio, não quer. Ao contrário.
Como disse Eliane Cantanhêde com sua habitual lucidez, “enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário.”
Diante da imensa repercussão negativa, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar a previsão de que o fundo eleitoral com recursos públicos receba o aporte bilionário
Políticos, à esquerda e à direita, não estão dispostos a soltar o osso.
O infortúnio do cárcere e a perspectiva do ostracismo uniu adversários históricos para combater o inimigo comum: a Lava Jato e o aparato da Justiça. Mas o Judiciário também oferece seus temperos para o preparo da pizza da impunidade.
O STF, ao que tudo indica, vai revogar a saneadora decisão de que o cumprimento da pena deve ter início após condenação em segunda instância. A conhecida morosidade da Justiça vai provocar uma cascata de crimes prescritos. Resumo da ópera: os ladrões do dinheiro público vão sair por cima. Os políticos se lixam para a sociedade.
A Operação Lava Jato estará cada vez mais no olho do furacão. Não obstante excessos pontuais da Força Tarefa, a Lava Jato é o resultado direto da solidez institucional da nossa jovem democracia. É o lado bom da história.
Enquanto isso, Lula percorre o Brasil vestindo a máscara de perseguido político. E trata de puxar todos para o pântano da política anticidadã. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalização." Eis uma pérola do pragmatismo lulista. O ex-presidente não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, aprofundou e radicalizou.
O Brasil depende - e muito- da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.
*Carlos Alberto Di Franca é jornalista
José Arthur Giannotti: 'Podemos sair da crise, mas não sairemos do século 20'
Filósofo é autor do recém-lançado 'Os Limites da Política - Uma Divergência'
Vítor Marques , O Estado de S. Paulo
A travessia até as eleições de 2018 será árdua e não se sabe até que ponto o atual governo implantará seu projeto. Mas a vantagem do presidente Michel Temer é que a oposição está enfraquecida. A análise é do filósofo e professor emérito da USP José Arthur Giannotti, 87. “A crise da esquerda é profunda”, afirmou Giannotti, em entrevista ao Aliás.
No momento em que os partidos estão em xeque, Giannotti lança novo livro que dialoga com autores clássicos e discute política a fundo. Os Limites da Política - Uma Divergência é, sobretudo, um debate em que Giannotti dá espaço ao também filósofo Luiz Damon Moutinho. Trata-se de uma versão revisitada e ampliada de sua obra anterior, A Política no Limite do Pensar (Cia. das Letras). Abaixo, os principais trechos da entrevista do filósofo.
Qual é o lugar da política neste momento em que predomina o discurso da apolítica?
A política está em todos os lugares. O problema todo está como lidamos ou fugimos dela.
Há saída para a crise política a curto prazo?
Não há. A crise é muito séria porque ela começa com uma crise de representação e depois ela se transforma em uma crise de Estado. Isto é, lembremos uma velha definição de Estado, a instituição que tem o monopólio da violência. Hoje nós já não temos o monopólio da violência. O narcotráfico, por exemplo, se expande, se internacionaliza, começa a organizar a produção, e então temos paralelos que se cruzam diante daquilo que seria o Estado nacional.
A Câmara barrou uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, mas provavelmente teremos um governo sob investigação. O que isso significa?
Estamos com um Estado cujas decisões estão cada vez mais enfraquecidas e vamos ter justamente uma ‘pinguela’, como disse Fernando Henrique. Temos que chegar até a margem nadando. Não se sabe até que ponto o governo Temer vai poder realizar seu projeto. Nas condições antigas, já teríamos uma intervenção militar, mas felizmente isso não está acontecendo.
Nessas condições um governo tem força para sobreviver até 2018?
A grande vantagem do governo Temer é que a oposição está em crise. A crise da esquerda é profunda. Ela não tem como apresentar um projeto pela simples razão que a esquerda, ao se tornar populista, deixou de considerar como a riqueza é produzida e entra em crise sistematicamente. Pelo menos sabemos que, quando a crise financeira não é resolvida pela esquerda, ela vai ser resolvida na direita. E tudo tende a uma solução da nossa crise pela direita.
O senhor fala em uma crise profunda da esquerda. No caso brasileiro, uma eventual candidatura de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava Jato, atrapalha ou ajuda a esquerda?
Atrapalha, porque impede a esquerda de tomar consciência de suas tarefas atuais, de enfrentar o capitalismo tal como ele é não tal como ele foi pensado no século 19. Não adianta nada ter um racha no PT e ter o PSOL, porque aí você tem esquerdistas falantes e mais nada.
Como se explica esse crescimento de candidaturas como a do deputado Jair Bolsonaro com um discurso mais radical?
Não sabemos ao certo o que está acontecendo. Na dissolução dos partidos, vão aparecer pessoas isoladas que furam os partidos. Não podemos esquecer que a primeira vitória do Trump foi contra os republicanos. Quem vai aparecer não vai ser um filhote qualquer de um partido. Vai ser alguém que atravesse os partidos. Quando você não tem uma política que se expõe, a reação das pessoas também é confusa. O quadro é negro.
Como senhor vê partidos que buscam nomes fora da política?
Não adianta aparecerem novas figuras se elas não apresentarem diretrizes para que sejam resolvidas a crise de Estado e de representação. Se o Brasil ainda for seduzido por palavras ocas, ele se tornará um País inteiramente oco. O grande problema nosso é que isso pode acontecer. Nossa situação é muito dramática. As instituições estão funcionando, nós podemos sair da crise econômica, mas não sairemos do século 20. Não teremos um capitalismo realmente competitivo.
A adoção do parlamentarismo no Brasil pode ser uma solução?
Parlamentarismo ou não, o que importa é como vão funcionar os partidos e como os partidos vão encontrar suas identidades. Depois se for parlamentarismo ou não, vai depender dessa identidade partidária. Insisto: enquanto não tivemos uma esquerda renovada, não teremos uma direita renovada. Temos simplesmente uma renovação de esquerda que eu diria geriátrica.
Como o senhor avalia o movimento de partidos que tentam obstruir ou dificultar investigações da Lava Jato para salvar a classe política?
A Lava Jato nasceu de um pequeno processo de denúncia e de repente a denúncia se mostrou contra os maiores próceres do Estado brasileiro. Obviamente era previsto que a classe política iria reagir. A vantagem do grupo da Lava Jato, apesar das suas loucuras, é que teve uma ação política inicial. Em vez de fazer como a operação ‘Mãos Limpas’ na Itália, que metralhou todo o sistema político (ao mesmo tempo), (a Lava Jato) foi metralhando aqueles que estavam no Governo e ampliando. Chegou um momento que toda a classe política está contra a Lava Jato. Então é um momento decisivo dessa luta. Não sei quem vence, espero que seja o pessoal da Lava Jato.
Raymundo Costa: Caravana para blindar Lula 2018
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderava uma caravana pelos sertões, quando foi ultrapassado por Fernando Henrique Cardoso nas pesquisas eleitorais para a Presidência da República, em 1994. Lula esteve à frente até o fim de junho. Em abril, tinha cerca de 30% das intenções de voto, contra 12% de FHC. Nesta quinta-feira 17, o ex-presidente volta à estrada. Novamente lidera as pesquisas. Em 1994, Lula foi atropelado pelo Plano Real, ao qual se opôs. Desta vez, o trem que vem da direção oposta são os seis processos a que responde na Justiça Federal, sendo que já foi condenado em um deles, em primeira instância.
Nessa primeira fase, o "Projeto Lula pelo Brasil" deve ter a duração de 20 dias, começa pela Bahia e termina no Maranhão. Em 1994, Lula e o PT subestimaram o Plano Real e não se deram conta a tempo do enorme apoio popular a um projeto que acabou com o flagelo da superinflação e levou Fernando Henrique para o Palácio do Planalto, logo no primeiro turno. Desta vez o PT e Lula sabem muito bem com o que estão lidando. Tanto que a nova caravana de Lula tem por objetivos "reforçar a popularidade" do ex-presidente no Nordeste - região que assegurou as sucessivas reeleições do PT -, mas também, nas palavras de um dirigente, "criar uma base social para blindar a candidatura Lula".
O que ameaça a candidatura Lula são os seis processos. O ex-presidente foi condenado na ação que diz respeito ao tríplex do Guarujá. Em princípio, basta que a segunda instância da Justiça Federal confirme a decisão do juiz Sergio Moro para Lula ficar inelegível, nos termos da Lei da Ficha Limpa. Mas sempre haverá algum expediente - como o efeito suspensivo da sentença - capaz de devolver Lula à disputa. É para isso que serve a tal "base social para blindar a candidatura". No mínimo o PT terá criado um grande constrangimento: Lula não seria candidato por ser culpado da prática de crimes, mas por uma manobra dos adversários que temem a sua eleição.
Se colar, Lula entra na eleição com a rejeição recorde de 46% segundo o Datafolha. Mas rejeição é algo que uma boa campanha pode reduzir a um patamar eleitoralmente viável. O PT nega que tenha feito corpo mole para tirar o presidente Michel Temer do Palácio do Planalto por entender que um presidente e um governo impopulares o ajudarão na campanha de 2018. Não tirou porque não tinha os votos para isso. Mas Lula efetivamente avalia um ataque ao coração do governo Temer: o fracasso da equipe econômica. O discurso é que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, simplesmente não entregou nada do que o PMDB prometeu para tirar Dilma Rousseff do governo. Prova disso é o rombo fiscal de 2017 e aquele previsto para 2018, algo em torno de R$ 20 bilhões acima do prometido.
Mas não é um Lula fiscalista que deve emergir da caravana. A ideia é dizer que o povo voltará a ter crédito para consumir. Ele tem sido aconselhado e avalia dizer que uma de suas primeiras providências no governo será derrubar a PEC do teto dos gastos, pois ela impediria qualquer programa de recuperação social, do ponto de vista petista. Somente assim seria possível investir mais em saúde e educação. O ex-presidente também pode modular o discurso sobre a regulamentação da mídia, falar a mesma coisa de maneira mais facilmente perceptível pela população. Aliás, até Rui Falcão, ex-presidente do PT e um dos principais defensores da medida, acha que Lula pode ser mais suave ao falar da regulação.
Como acontecia em 1994, agora Lula está novamente preocupado em não assustar a classe média. Tanto que condenou, em conversas reservadas, o apoio incondicional que a nova presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, prestou ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e a ocupação da mesa do Senado por senadoras petistas, num protesto contra a votação da reforma trabalhista. Não só Lula, mas boa parte do PT não endossou a nota que Gleisi publicou sobre as agressões sofridas pela jornalista Miriam Leitão por militantes do partido. Em todos os casos, mesmo sem consultas mais amplas, assinou as notas como sendo da Executiva Nacional.
Do ponto de vista do PT, olhando de hoje o adversário de Lula em 2018 será o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não será Jair Bolsonaro contra Lula como indicam as pesquisas. Alckmin seria o candidato mais confiável para o espectro da política que vai do centro à direita. A candidatura de Ciro Gomes é bem vista, porque atrai o militante "nem, nem", aquele eleitor de centro que não quer Lula, mas também não quer Alckmin por considerá-lo muito conservador. Há dúvidas sobre se João Doria será candidato por outro partido que não o PSDB - há especulação sobre o DEM mas também o PMDB.
Em 2002, Lula se deslocou da esquerda para o centro, a fim de ganhar a classe média e a eleição, em sua quarta tentativa de chegar à Presidência da República. Segundo seus amigos, o desafio do ex-presidente agora é levar a classe média do centro para a esquerda. Uma empreitada e tanto para um candidato que perdeu o discurso da ética e também contribuiu para o desastre econômico que foi o governo de sua escolhida para a Presidência. O PT, no entanto, registra que Lula não caiu nas pesquisas de opinião, depois da sentença de Moro condenando-o a nove anos e meio de prisão.
Rebaixamento
Até o 17 de maio havia um presidente com uma ampla base de apoio e maioria no Congresso, conforme ficou demonstrado em votações como a da PEC do teto de gastos. Depois que Temer sobreviveu à delação da JBS, a impressão é que em Brasília há uma maioria parlamentar que tem um presidente. O Congresso responde cada vez menos às demandas do Planalto. A semana passada foi um exemplo, com a desistência de se votar a MP 774, que trata da reoneração. A expectativa é que até a eleição não haverá mais reformas estruturantes e muito menos aumento de impostos.
* Raymundo Costa é jornalista, escreve no Valor Econômico
Hubert Alquéres: Centrão, de coadjuvante a protagonista
Desde a redemocratização, o Centrão sempre esteve no poder, mas em papel de coadjuvante. Fernando Henrique Cardoso e Lula, com enormes diferenças, contaram com as forças do atraso em nome da governabilidade. Mas sem transformá-las em principal núcleo de sua base de sustentação.
Com a vitória no Congresso do “Fica Temer”, a constelação de siglas partidárias que formam essa massa gelatinosa adquiriu status de protagonista. Chegou ao núcleo duro do poder, em condomínio com o PMDB, com quem tem identidades nos métodos e na forma de se fazer política.
A assunção do Centrão altera os polos da dualidade estabelecida no governo Temer. Desde o início havia um lado renovador, expresso na equipe econômica, em quadros como Pedro Parente e mesmo em políticos antenados com a modernidade como José Serra e Mendonça Filho.
Havia também o lado arcaico constituído por partidos e políticos formados e forjados em práticas patrimonialistas. Velhos camaradas como Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha.
Michel Temer é originário desse campo. Por circunstâncias, se compôs com o polo reformista.
Os dois blocos não deixaram de existir, bem como os seus conflitos. O que muda de figurino é a opção do presidente pelo atraso como forma de administrar o contencioso em sua base de sustentação.
Até a delação da JBS, Temer vislumbrava a possibilidade de entrar para a história como um presidente reformista, condottieri da travessia para 2018. Daí nasceu a agenda da reforma, a autoridade da equipe econômica e a escolha do PSDB como principal aliado. Quanto mais seu grupo era atingido, mais força ele transferia para os tucanos, pois necessitava deles para manter a pinguela.
Se antes a preocupação era com a imagem com a qual entraria na história, com a denúncia do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, passou a ser pela sobrevivência. Às favas a história e a opinião pública. Com esse espírito foi a guerra no Congresso, tendo o Centrão como principal estaca de sustentação.
Em grande medida, a escolha se deu por falta de opção. Com o escândalo que o vitimou, perdeu apoios no PSB, PPS e PSDB. Seu aliado preferencial entrou em barafunda com o enrosco do seu presidente licenciado Aécio Neves.
O PSDB saiu da votação dividido, não confiável aos olhos do governo, e queimado com seus eleitores que não aceitam suas dubiedades éticas. Ainda teve de pagar o mico do parecer do tucano mineiro Paulo Abi-Ackel, à favor de Temer. Tudo isso para, mais cedo ou mais tarde, ser alvo da “reacomodação de forças” no interior do governo.
Sim, os tucanos são os grandes perdedores desse imbróglio, com suas vísceras expostas à opinião pública. Divididos, ou não, continuarão no governo, mas com status rebaixado, como coadjuvantes. E com a autoestima de seus militantes esgarçada.
A decepção de peessedebistas históricos com as dubiedades do alto tucanato fica patente em carta dos economistas Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha ao senador Tasso Jereissati: “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”.
A hegemonia no interior do condomínio governista sai das mãos das forças comprometidas com a austeridade fiscal, com os fundamentos macroeconômicos e com as reformas e vai para setores acostumados à gastança, que só entendem a linguagem da liberação de verbas e cargos.
Essas forças podem até dar uma base sólida a Temer para enfrentar novas denúncias, o que não pode ser confundido com a necessária estabilidade para levar as reformas adiante. Mesmo uma reforma da previdência extremamente desidratada, limitada à idade mínima, encontrará resistência em uma base que se move exclusivamente em função de interesses clientelistas e fisiológicos.
A dependência do Centrão põe em riscos ganhos da política econômica, compromete o equilíbrio das contas públicas e alimenta desconfianças do mercado de que Temer fará novas concessões populistas às corporações para preservar o seu mandato.
A equipe econômica fica tensionada pela compulsão da base de fazer bondades com o erário público. Há um exemplo emblemático: a expectativa era obter R$ 13 bilhões com a MP do Refis/2017, mas a arrecadação deve ficar em R$ 500 milhões se for aprovado o parecer do deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG), que atendeu a pleitos de empresários da indústria e do agronegócio.
De concessão em concessão o governo perde seu ímpeto reformista, deixa de lado qualquer veleidade modernizante.
O Centrão estava órfão e recolhido ao fundo do palco desde a cassação do seu líder Eduardo Cunha. Com a delação de Wesley Batista vislumbrou a oportunidade de voltar ao primeiro plano, cerrando fileira em torno de Temer. Assumiram o papel de Pit Bull do Temerismo por saber que é dando que se recebe. E já estão recebendo.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
Caetano Araújo: Razões da crise
A crise ocupa há tempo o centro do debate no país. Em poucos anos rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.
Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidente da República.
Vamos à regra. Praticamos no Brasil nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é definida pela ordem decrescente dos votos obtidos.
Importa lembrar que esse sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.
Alternativas
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.
São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; déficit de legitimidade junto aos eleitores.
Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda. O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos.
Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.
Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula dificuldades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.
Para os eleitores, o resultado da dispersão significa perda em termos de fiscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital essa fiscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis a fiscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.
Voto
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fiscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fiscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria. Em compensação, a fiscalização por parte dos financiadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfiança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.
Esses problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.
A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao financiamento da política no país a partir da década de 1990. Para ficar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o mensalão e, agora, a lava jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm dificuldade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de financiamento. Quando isso ocorre a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.
Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.
Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e a possibilidade de aliança ficou mais distante.
No início do governo Lula a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidade para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fisiologismo e o conservadorismo.
O momento decisivo para a definição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com financiamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.
Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.
O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou constituinte exclusiva.
Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.
Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o seu apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a lava jato.
Erro
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fio? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fisiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.
Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justificar essa opção. Na minha opinião são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.
Em primeiro lugar, a preponderância do estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.
Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afirma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.
Em terceiro lugar, a neutralidade política do fisiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que financiam suas campanhas, como ficou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.
Marco Aurélio Nogueira: Contorcionismo pernicioso
O peixe morre pela boca. Lula não é peixe, nem está para morrer, mas de sua boca, ultimamente, saem petardos que prejudicam a ele próprio e ao movimento que lidera.
Nem sempre o falar de forma compulsiva e com a intenção de confundir interlocutores e plateias beneficia quem o faz. Brincar com as palavras pode muito bem levar a que se brinque com fogo. Não é o que se espera de um político com “p” maiúsculo.
Ao dizer que o MP e os empresários “inventaram a palavra propina” para culpar e difamar os políticos, Lula mente. Quer fazer com que se acredite que as propinas não passavam de “doações empresariais”, prática que teria sido usual desde a proclamação da República. “A diferença – esclarece – é que agora transformaram as doações em propina, e tudo ficou criminoso”.
É contorcionismo demais.
Depois de tantas apurações, investigações e condenações, a opinião de Lula soa como mera provocação, artifício usado para chamar atenção e reforçar a blindagem que o protege. Serve para manter inebriada a legião de seguidores que o veem como um “perseguido”, uma vítima dos poderosos. E tenta construir uma ponte para se projetar como líder dos políticos encurralados.
As frases de Lula não explicam como é que tantos políticos, ele próprio, ficaram milionários com as tais “doações empresariais”. É um enriquecimento suspeito, um escárnio contra o povo trabalhador que o ex-presidente sempre alega defender. São frases que misturam alhos com bugalhos, numa manobra espúria para salvar a pele dos políticos envolvidos com a corrupção. E sair bem na foto.
Só que não.
Com elas, Lula emporcalhou e esvaziou de dignidade a tese que ele e seu partido defendem, a de que a criação de um fundo público de financiamento de campanhas é a única medida que salvará a política no Brasil.
Disse bem o jornalista João Domingos: o discurso de Lula está na “vanguarda do atraso”. Atrapalha, trava, confunde, empurra para trás.
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
João Domingos: O discurso da vanguarda do atraso
Mesmo desgastado pelas denúncias que o envolvem em suposto tráfico de influência e recebimento de propinas, além da condenação a 9 anos e 6 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem uma legião de seguidores. Essa legião costuma acreditar em tudo o que petista diz.
Sabendo-se detentor de um poder de comunicação que ainda o diferencia, Lula vem sistematicamente falando coisas que, em vez de ajudar uma parte da sociedade a evoluir, tem efeito contrário. Ao defender a criação de um fundo para o financiamento das campanhas eleitorais em entrevista à Rádio Tiradentes, Lula afirmou que foram os empresários e o Ministério Público que transformaram as doações de campanha em propina, uma forma de comprometer os políticos com o esquema de corrupção no País.
O financiamento público de campanha sempre foi uma bandeira do PT e do próprio Lula. Mas o PT e Lula, em vez de lutar de fato pela aprovação da medida, optaram por também buscar o dinheiro de suas campanhas no meio empresarial. Até com mais gana do que outros políticos.
Ele poderia ter dito na entrevista – e não estaria faltando com a verdade – que o financiamento público de campanha é uma reivindicação histórica do PT. Preferiu, no entanto, justificar o envolvimento dele próprio e do PT nas suspeitas de irregularidades dizendo que foram os empresários e o MP que transformaram as doações em propina.
Como Lula tem a sua legião de seguidores, e essa legião é alienada, ou por falta de conhecimento ou por oportunismo, o que o ex-presidente vem falando distorce a História. De forma nenhuma ajuda o País a sair do atraso.
Eliane Cantanhêde: Em causa própria
Congresso prepara ‘surpresas’ contra a Lava Jato e a favor dos parlamentares
O Congresso Nacional já está levando palmadas da Lava Jato, broncas da opinião pública e notas baixas nas pesquisas, mas aproveita o recesso para fazer mais peraltices. Como o Estado vem antecipando, os parlamentares tentam usar a reforma política e a reforma do Código Eleitoral para favorecer os alvos da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal.
Um dos exemplos mais lustrosos é a tal “emenda Lula”, que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os candidatos às eleições já de 2018 não podem ser presos, a não ser em flagrante delito. Oito meses é uma eternidade. Principalmente para cometer crimes impunemente.
Quem assume a ideia é o relator da comissão especial da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), e fica evidente a intenção de garantir duas blindagens para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único nome que os petistas de fato consideram para 2018. De um lado, dificultaria a prisão de Lula. De outro, garantiria a sua candidatura.
O argumento de Vicente Cândido é realista: caso aprovada, a mudança não beneficiaria apenas Lula, mas dezenas, ou centenas, de candidatos que estão com a PF, o MP e a Justiça no cangote. Logo, ele prevê um acordão para a votação em plenário. E nós, o que prevemos? Que haverá dezenas, ou centenas, de candidatos pintando e bordando por aí, ilesos.
A outra bondade coletiva gestada no Congresso, conforme o Estado de ontem, é numa outra comissão, a do Código de Processo Penal. Se nunca aprovou e até articulou estraçalhar as dez medidas anticorrupção sugeridas por procuradores, a Câmara agora tenta partir para cima de três pilares da Lava Jato: a delação premiada, a prisão preventiva e a condução coercitiva.
O relator é o deputado João Campos (PRB-GO), que pretende apresentar seu parecer em agosto, para votação em plenário já em outubro. Isso, claro, é só uma esperança dele e dos interessados diretos, que temem justamente as delações, prisões e conduções coercitivas. É improvável, porém, que haja clima para passos tão ousados na contramão da opinião pública.
Além dessas mudanças, há outras no Congresso sob encomenda para favorecer os próprios parlamentares. Exemplo: o projeto de parcelamento e perdão de dívidas tributárias e previdenciárias. Pois não é que os deputados e senadores que vão votar esse negócio de pai para filho devem R$ 532,9 milhões à União? Se isso não é legislar em causa própria, é o quê?
Essas iniciativas caracterizam o típico corporativismo, ou espírito de corpo, já que a maioria dos partidos (incluindo todos os maiores) e grande parte da Câmara e do Senado são atingidos pela Lava Jato e temem as novas delações que estão sendo negociadas principalmente com a Procuradoria-Geral da República, mas também com a Polícia Federal – caso do publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão.
Não custa lembrar que iniciativas anteriores para livrar políticos ou para limitar as investigações não deram certo. A gritaria da sociedade foi mais forte e os parlamentares foram obrigados a voltar atrás na descaracterização das dez medidas anticorrupção, na nova lei de combate ao abuso de poder e na inclusão de parentes de políticos nas benesses da repatriação de recursos ilegais no exterior.
Ou seja, por enquanto, as ideias das comissões são apenas ideias, rascunhos que podem ser muito bem alterados antes de ganharem corpo e serem submetidos aos plenários para virarem lei. E não serão aprovadas se a sociedade, escaldada que está, ficar alerta e de olho vivo. Mais uma vez, é melhor prevenir, enquanto são só projetos, do que chorar sobre o leite derramado, depois da aprovação no Congresso.
O Estado de São Paulo: A miséria da esquerda
Sem Lula, os partidos do dito 'campo popular' (esquerda) dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante
Os intelectuais petistas começam a admitir em voz alta aquilo que seus colegas militantes apenas murmuravam aqui e ali: a esquerda - como eles a entendem - é totalmente dependente de Lula da Silva para existir como força eleitoral. Sem o demiurgo petista e suas bravatas demagógicas, reconhecem esses amuados ativistas, os partidos do dito “campo popular” dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante, baseado na puída tese marxista da luta de classes. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff, que se julga herdeira de Leonel Brizola e seu esquerdismo terceiro-mundista, teria sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho?
“Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco, “a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.
O professor Secco não está sozinho nessa avaliação. A sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou Lula a mais de nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro teve o condão de fazer com que outros militantes manifestassem sua preocupação com o futuro eleitoral da esquerda, depois de mais de uma década de bonança petista. Para essa turma, é preciso começar a encarar a vida sem Lula na cédula de votação em 2018.
O mais curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se deve acreditar.
Diante da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as chances eleitorais da “esquerda”.
Essa encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro, Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.
A estratégia petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda, para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.
Editorial O Estado de São Paulo
Marco Aurélio Nogueira: O País possível
Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, as eleições de pouco servirão
Conforme o roteiro estabelecido, em outubro de 2018 será eleito um novo presidente, recomposto o Congresso Nacional e alterada a chefia dos governos estaduais. Há uma expectativa de que, então, se iniciará a superação da crise que hoje ameaça derreter a República. Será isso mesmo?
Olhemos para Brasília. Deputados dedicam-se a encontrar brechas para se reeleger. Querem escapar da Justiça e do repúdio dos eleitores e estão dispostos a pagar o preço necessário para conseguir isso. Inventam dispositivos para que candidatos não possam ser presos e para que os partidos sejam regiamente financiados. Não ligam se os remendos que idealizam ferem a dignidade republicana e andam de costas para o que pensam os cidadãos. Acreditam que ao fim e ao cabo conseguirão mais uma vez iludi-los.
Os candidatos presidenciais até agora anunciados, por sua vez, expressam os descaminhos que temos trilhado. São corresponsáveis pelo nível a que chegamos. Não trazem qualquer esboço de novidade, nem sequer na retórica. De Lula a Bolsonaro, passando por Ciro Gomes, Alckmin e Doria, temos mais do mesmo, uma política que insiste em não se renovar.
Falam uma língua que compreendemos, mas que nada diz. O País que nos apresentam é uma ficção que estaria ao alcance das mãos de quem tem “vontade política”.
Lula enche a boca ao falar do seu “projeto político”, mas não o apresenta a não ser como desejo incontido de voltar ao poder, nele acampar para fugir de Moro e fazer as mesmas coisas de sempre. Ciro segue caminho quase idêntico, impulsionado pela boca gulosa, pronta para lacerar os adversários, mas carrega no peito aquela faixa surrada do nacionalismo populista que tanto estrago já causou. Bolsonaro é um caso singular, tamanhas são as aberrações que nele se incrustam: oferece um roteiro teratológico, a meio caminho entre o militarismo autoritário, a ditadura política e o ódio contra minorias, tudo devidamente temperado pela grosseria e pelo horror à política, à democracia, à representação. Já os postulantes tucanos não se preocupam em ir além de um antipetismo visceral, na vã expectativa de que isso mobilize o eleitorado.
Enquanto esses candidatos preparam suas campanhas, a sociedade segue para o precipício. Expõe ao mundo suas vísceras envenenadas, suas chagas históricas, que vão da desigualdade abismal à violência cotidiana, da corrupção pública aos assassinatos por balas perdidas, do despreparo das forças policiais à insanidade das facções criminosas. São índios e ambientalistas dizimados, 50 mil jovens assassinados por ano, crimes aos montes, cidades inseguras, um desencanto que corrói a alma do cidadão, encurralado por processos que não consegue controlar.
Ficamos olhando para as urnas de 2018, como se delas pudesse sair, por encanto, um País pronto e acabado.
Eleições diretas não deveriam ser desperdiçadas. Não podem ser vividas como um episódio a mais de nossa série preferida. Precisam ser preparadas para que representem um avanço. Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, porém, elas de pouco servirão, não trarão nenhuma visão de futuro, nenhum entusiasmo cívico. Serão arranca-rabos entre candidatos conhecidos, com estratégias de marketing e campanhas negativas que já vimos para onde nos podem levar.
O nosso é um macroproblema. Não são somente os políticos ou os partidos, tomados em conjunto ou isoladamente. É o sistema todo que apodreceu, corroído pela desqualificação dos quadros e pela corrupção, que corre nas veias aos borbotões. Faltam honestidade e caráter, mas falta também uma visão estruturada sobre o que fazer. É falsa a ideia de que sabemos quais são as prioridades nacionais e que caminhos nos permitirão alcançá-las. Há um déficit brutal de consenso. O legado dos ciclos políticos mais recentes, desse ponto de vista, é trágico.
Não precisamos de mais disputas por cargos, verbas e recursos de poder. Ainda dá tempo de se chegar a um plano que defina prioridades, reformas, estratégias de desenvolvimento e projete a sério um sistema de educação, de saúde, de habitação, de infraestrutura, de ciência e tecnologia. O que houver de energia e discernimento nos partidos, na sociedade civil, nos movimentos sociais precisaria convergir para um ponto mínimo de unidade, a partir do qual possam ser forjadas ideias consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril. Ideias que atualizem o País ao mundo, promovam sua interação ativa com a nova sociedade que emerge.
Sem isso, tanto faz saber em quem vamos votar em 2018.
Presidentes são pessoas. Podem pouco. O segredo está nas articulações que os patrocinam e sustentam; está no pacto que podem coordenar, na “teoria social” em que se apoiarem. Mais importantes do que eles são o programa de ação que se dispuserem a cumprir, os representantes parlamentares que com eles governarem, as ideias que os orientarão.
Em vez de ficarmos perdendo tempo para ver se Lula será ou não candidato, se o PSDB virá com Alckmin ou Doria, se Bolsonaro conseguirá encarnar finalmente o Lord Voldemort que carrega no bolso, se a súcia parlamentar será finalmente afastada, o certo seria trabalharmos para projetar o País que queremos. Que não será o País da esquerda, do centro ou da direita que estão aí, porque essas posições nem sequer honram o nome que buscam carregar, ao menos até agora. Na melhor das hipóteses, será um País possível, melhor que o atual.
Ainda dá tempo. Arquivemos o maximalismo que transfere a um presidente “mágico” o poder de reformular tudo. Pensemos no passo a passo, a ser lapidado pela política com um “p” maior, que faça os representantes pensarem mais no coletivo que em seus próprios interesses. Valorizemos a política, não só para termos eleições mais limpas e frutuosas, mas para que nos encontremos com o País em que queremos viver.
*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
Ricardo Noblat: Retrato de um corrupto
“Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. Ditado que SERGIO MORO usou em sentença para condenar Lula. Lula é corrupto. É o que ele é até sentença em contrário. Continuará a ser caso a Justiça em segunda instância confirme a decisão do juiz Sergio Moro que o condenou a nove anos e seis meses de prisão. Então ficará impedido de assumir cargos públicos por sete anos. No caso do tríplex do Guarujá, Lula incorreu em dois crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É réu em mais quatro processos.
LULA INSISTE EM DIZER
que somente o povo tem o direito de julgá-lo. Como se o exercício do voto em uma democracia dispensasse a existência da Justiça. Prega o desrespeito às leis uma vez chancelado pelo povo. Se não reconhece que o mensalão existiu, por que admitir os crimes de que o acusam? Mente sem pejo. Na política, a verdade é tudo aquilo que os políticos querem vender como tal.
GETÚLIO VARGAS CHAMOU
de “Estado Novo” o regime autoritário que comandou entre 1937 e 1946. Jânio Quadros morreu repetindo que renunciara à presidência devido à ação de “forças terríveis”. Fê-lo para voltar com poderes ilimitados. Ao golpe militar de 1964, responsável pela morte e o desaparecimento de 434 pessoas, os militares deram o nome de “revolução” e ainda hoje o festejam assim.
PARA TENTAR SOBREVIVER,
Lula jamais abdicará do papel de vítima. Foi vítima do destino ao nascer de mãe analfabeta e de pai mulherengo que a deixou com oito filhos; da seca do Nordeste que o fez embarcar em um pau de arara com destino ao sul do país; da miséria na periferia da capital de São Paulo; do torno mecânico que lhe amputou um dedo; da ditadura que o perseguiu; e por fim do preconceito das elites.
É INOCENTE DOS SEUS ATOS.
De não ter estudado por alegada falta de tempo; de não ter se preparado para entrar na vida pública confiando na própria intuição; do seu primeiro governo ter pagado propinas a deputados; de seu segundo governo ter parido o maior escândalo de corrupção da história do país; de ter elegido um poste que acabou no chão; e de ter construído uma fortuna à base de obséquios.
VALEU-SE DA ESQUERDA
para alcançar o poder. Governou com a direita, os 300 picaretas que identificou no Congresso, e outros tantos que ajudou a criar. Emparedado pela Justiça, tirou a fantasia de Lulinha Paz e Amor, autor da Carta aos Brasileiros, para vestir a da jararaca venenosa, de volta ao regaço da esquerda. Se ele ensaiava refletir sobre seus erros, o ensaio foi adiado. É refém dele. Seguirá refém
A CONDENAÇÃO DE LULA
por Moro imobiliza o PT e seus parceiros e unifica os políticos alvejados pela Lava-Jato. Todos torcem para que Lula seja bem-sucedido porque isso lhes abriria as portas para que também escapem da punição da Justiça e dos eleitores. A próxima eleição presidencial se dará mais uma vez à sombra de Lula, como a primeira depois de 21 anos de ditadura e como as posteriores.
SE ELE NÃO PUDER DISPUTÁ-LA,
seu apoio ainda valerá ouro para políticos carentes de votos (alô, alô, Renan Calheiros!). Se ele um dia defendeu José Sarney como “um homem incomum”, a merecer reverências, o mínimo que espera é ser tratado como o mais incomum dos homens, seja pela Justiça ou pelos crentes nas urdiduras do destino. Há que reconhecermos: Lula é de fato um homem especial.
PODERIA TER ENTRADO
para a História com a maior aprovação popular conferida a um governante. Preferiu entrar como o primeiro ex-presidente da República do Brasil condenado por corrupção.