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Gaudêncio Torquato: A massas, Lula e Bolsonaro
A mais de um ano do pleito presidencial, pesquisas mostram que Luiz Inácio continua a liderar o ranking de pré-candidatos ao pleito de 5 de outubro de 2018. Mais: um perfil radical, o deputado Jair Bolsonaro, faz contraponto a ele, obtendo o segundo lugar na aferição das opiniões.
Em pesquisa recente do DataPoder 360, sob o comando de Fernando Rodrigues, Lula lidera com 27% a 28%, enquanto Bolsonaro, a depender do cenário, registra 24% 20% e até 26%, quando o nome do PT é Fernando Haddad.
Que motivações estariam por trás dessa colocação? Por que os dois perfis têm, hoje, a maior aceitação do eleitorado? São razões que partem do contexto, com a teia de circunstâncias que cobrem os protagonistas da política, do MP, do Judiciário, da PF e integrantes de setores produtivos, entre eles, importantes nomes do empresariado nacional.
O ambiente social, portanto, está impregnado de fatores de natureza política e jurídica, a exprimir o estado de tensões e conflitos que têm como pilastra central a Operação Lava Jato, considerada a maior investigação sobre corrupção já ocorrida por estas plagas. A imagem que se tem é a de que o Brasil, nos últimos tempos, se assemelha a uma gigantesca delegacia de polícia.
Ações voltadas para a busca e apreensão de documentos, mandados de prisão, descobertas de grande impacto, como malas cheias de dinheiro, tudo sob intensa cobertura midiática, criam no sistema cognitivo das massas a sensação de que os atores políticos estão atolados na lama.
A sociedade se indigna contra “essa política que aí está” e passa a execrar seus discursos e símbolos. A rejeição ao status quo emerge com força.
Dentre os entes mais envolvidos nos escândalos estão quadros com proeminência nos comandos da política e do país, dirigentes partidários, empresários, assessores, ministros, que são alvo de denúncias, alguns se tornando réus em processos que tramitam na Justiça. Lula é um deles. Portanto, não poderia passar bem no teste de avaliação das massas.
Ele, porém, é aprovado com um índice que, mesmo não batendo seu teto tradicional, 30%, está perto dele, fato que merece análise acurada. Vamos tentar. Lula é um líder carismático. Continua a atrair a atenção das massas pelo carisma inato. Respira política o tempo todo. Cultiva uma linguagem interativa com seu vasto público.
Usa o palanque como nenhum outro político, se movimentando de um lado para outro, gesticulando, acusando adversários, expressando verbetes recheados de símbolos, como se estivesse conversando numa mesa de bar com amigos.
A história do retirante
Esse é um lado da questão. O outro se refere à história de homem do povo. Veio lá de baixo, da última camada da plebe, um retirante que passou fome e conseguiu o milagre de alçar voo, chegando ao posto mais alto da República. Por duas vezes.
A história de uma trajetória de sucesso, principalmente de uma figura de origem modesta, impacta. Com ela as massas se identificam. Há outro aspecto que também está gravado no sistema cognitivo das massas: a política de distribuição de renda do governo Lula.
O Bolsa Família, que ele juntou a outros programas da administração FHC, teve o dom de elevar a autoestima das massas carentes. Essa é a cola que liga Lula a imensos contingentes, principalmente as camadas pobres do Nordeste, que enxergam Lula como “Salvação do Povo”, “Pai da Pátria”, símbolos guardados em seus corações.
Nesse ponto, cabe a pergunta: mas ele não está no meio da confusão da corrupção? Não é um dos alvos prediletos da mídia? Réu em sete processos? Por que continua aparecendo em primeiro lugar nas pesquisas?
O argumento é simples: “se todos os políticos são iguais, se a roubalheira é geral, Lula pelo menos tem feitos para mostrar e tem a cara do povão”. É o que se ouve. Há uma blindagem sobre ele, que deriva do carisma e de sua história.
Além disso, parcela razoável do eleitorado não acredita que ele seja corrupto, tendendo a acreditar que recaem sobre ele acusações mentirosas. Essa é a base sobre a qual se assenta a hipótese que lhe confere liderança na intenção de voto. O que não implica imunidade total.
Estamos longe do processo eleitoral. E quando o discurso competitivo aparecer, Lula deverá ser objeto de intenso tiroteio, vindo a cair no ranking de avaliação. Claro, se vier a ser candidato, hipótese que, a cada dia, se mostra menos provável
O radical
Jair Bolsonaro é o reverso da moeda. Sua língua ferina, a postura conservadora, o estilo rompante ganham ampla visibilidade, funcionando como a expressão de um país que baterá duro na bandidagem, desfraldando a bandeira dos valores tradicionais da família, dos gêneros e dos comportamentos sociais. Um Trump à brasileira, com um discurso agregando grupos de direita e de uma classe média que clama por mais ordem na casa e menos bagunça. Lei e ordem é o lema que o acolhe.
Bolsonaro cresce na onda nacionalista-conservadora que toma corpo no seio das democracias contemporâneas. Os extremos ganham volume nas crises. Conta ele com o reforço de núcleos do sistema produtivo e agentes que multiplicam seu discurso nas redes sociais.
A questão é: sustentará o índice competitivo quando o processo eleitoral estiver em curso? Se garantir 20% candidata-se a entrar no 2º turno.
Não se pode esquecer, ainda, que um monumental sistema emissor de informações e opinião multiplicará vasos comunicantes por espaços sociais, esboçando os valores que comporão os perfis adequados para o ciclo a ser aberto em 2018.
A desconfiança, muito comum em época de eleição, voltará com força na mente do eleitor. Certamente o conceito de mudança também será envelopado no discurso político. Mudar significa alterar, romper situações tradicionais, avançar.
A mudança traduzirá promessa de melhoria de vida, de bem-estar, de maior taxa de felicidade pessoal e grupal. Será o fator a disparar o sentimento de adesão, pela recompensa que traz. O contraponto seria a continuidade das coisas. Passado limpo, vida decente, pode ser o refrão do momento.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Helena Chagas: Lula x Bolsonaro, recado ao centro
A última rodada de pesquisas, notadamente a CNT/MDA, fez cair da cadeira muita gente que já se considerava livre do ex-presidente Lula, sobretudo no mercado. Mostrou, acima de tudo, a resiliência do petista. Com toda a pancadaria diária da Lava Jato, a condenação por Sérgio Moro, as sete denúncias e a quase delação de Antônio Palocci, o ex-presidente continua tendo o apoio de uma fatia de cerca de 30% do eleitorado.
Independentemente do que irá acontecer, se teremos ou não Lula na cédula presidencial de 2018, esse é um dado que terá enorme influência no pleito. Da mesma forma como é preciso destacar e prestar muita atenção nos quase 20% que, neste momento, mostram sua preferência pelo outro extremo, onde está Jair Bolsonaro.
A mais de um ano da eleição, e com uma brutal incerteza no jogo - Lula fica ou não? -, essa polarização entre esquerda e direita pode ser passageira. Mas manda um recado importante para o centro: pulverizados entre diversas candidaturas e envolvidos em lutas fratricidas, os partidos do meio do espectro ideológico (se é que isso ainda existe) correm o risco de não botar ninguém no segundo turno.
Com um conjunto de nomes que vão do senador Álvaro Dias ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, passando pelos dois tucanos que mais se bicam do que qualquer coisa, Geraldo Alckmin e João Dória, e até por Marina Silva - que deixou de ser de esquerda há muito - o centro corre o risco de repetir 1989. Na primeira eleição direta pós-ditadura, uma profusão de candidatos - grandes nomes do quilate de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, entre outros - dividiu o eleitorado e enviou ao segundo turno as duas pontas do arco: Fernando Collor e Lula.
Evidentemente, o cenário hoje guarda grandes diferenças com o daquela época. Mas a equação final pode ser parecida na matemática da divisão dos votos do primeiro para o segundo turno. Sem um nome minimamente forte, que atraia o eleitor que não está nem à direita e nem à esquerda, a tendência é que os votos centristas se espalhem para, em seguida, se dividir entre os pólos.
Alguns, mesmo não gostando do PT e do ex-presidente, vão votar em Lula para evitar a eleição de Bolsonaro, com seu viés autoritário e destemperado. E vice-versa: o efeito contrário se produzirá nos antipetistas mais ferrenhos, que podem adotar o deputado-capitão para não eleger de novo o PT. Nesse caso, os centristas, inclusive os tucanos, que vêm figurando entre os finalistas da corrida presidencial desde 1994, morrem na praia.
É esse o principal aviso aos navegantes trazido pela atual rodada, aconselhando Alckmin e Dória, por exemplo, a resolverem logo suas desavenças. Ambos tiveram desempenho medíocre na CNT/MDA (8,7% e 9,4%, respectivamente), mas o prefeito de São Paulo sai mais arranhado. Parou de crescer e estacionou, mesmo depois de um tremendo esforço midiático e marqueteiro nos últimos meses. Mas a luta continua, sobretudo entre os dois.
Muitas águas ainda vão rolar até a eleição, e poderão arrastar com elas Lula e Bolsonaro. Ainda assim, há solidez nos 30% que hoje votariam em Lula, mostrando não ter o quesito corrupção como principal referência e ter memória viva dos tempo de pleno emprego e bem estar social dos governos petistas.
É a pobreza, estúpido! - escrevemos aqui certa vez. É motivação suficiente para levar esse eleitor, ao menos em parte, a migrar para um candidato apoiado pelo ex-presidente. Lula passaria de candidato a forte eleitor se for tirado do jogo pela Justiça.
Da mesma forma, a turma que está hoje com Bolsonaro pode se decepcionar com ele por uma série de razões, sobretudo quando ele começar a abrir a boca nos debates e entrevistas da campanha. Mas se esse eleitorado antipetista não tiver um nome que o substitua, de preferência novo, tende a se dividir entre diversas candidaturas ao centro e à direita, se elas continuarem existindo.
O recado é claro, mas dificilmente será assimilado no ambiente de exacerbação que tomou conta da política, trincando projetos, fragmentando partidos e triturando seus protagonistas.
Luiz Carlos Azedo: O time de Dodge
A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escalou a colega Raquel Branquinho para ser a nova supervisora da equipe de investigadores da Operação Lava-Jato. Sua tocaio, como dizem os gaúchos, comandará uma equipe de procuradores dedicados a essa tarefa, dos quais dois são remanescentes da equipe do ex-procurador-geral Rodrigo Janot: Maria Clara Barros Noleto e Pedro Jorge do Nascimento Costa. Acumula a função de secretária de Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que acompanha a Lava-Jato.
A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato. Ou seja, a troca é mais ou menos como substituir o arco pela zarabatana: saem as flechas incendiárias e entram as setas envenenadas. São novos integrantes da equipe os procuradores José Alfredo de Paula Silva, novo coordenador do grupo, Marcelo Ribeiro de Oliveira, Hebert Reis Mesquita, José Ricardo Teixeira Alves e Luana Vargas Macedo. Como Branquinho, José Alfredo atuou na investigação do mensalão; também participou da Operação Zelotes.
O desafio é a transição da investigação da equipe de Janot para a de Dodge. O ex-coordenador da investigação Sérgio Bruno Cabral Fernandes foi escalado por Janot para a equipe de transição. Nos bastidores do Judiciário, a grande questão é a contaminação que possa ter havido nas investigações em decorrência da atuação do ex-procurador Marcello Miller, que deixou o Ministério Público Federal para atuar como advogado prestando serviços à JBS.
Advogados que atuam na Lava-Jato esfregam as mãos a cada relato da participação de Miller nas negociações de delações premiadas, como a de Fernando Baiano, por exemplo. A estratégia das bancas é utilizar o caso Miller para anular o maior número de provas possíveis. O Palácio do Planalto tenta anular as provas da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, que foi rejeitada pela Câmara, e forçar a devolução da segunda para a nova procuradora-geral. Além disso, quer transformar a CPI da JBS instalada na Câmara numa espécie de pelourinho para o ex-procurador Rodrigo Janot.
Existe massa crítica no Congresso para isso, mas também há uma opinião pública vigilante, que pressiona deputados e senadores toda vez que se articulam contra a Lava-Jato. Como esse é um jogo de perde-perde em termos eleitorais, o tempo corre a favor da Lava-Jato.
Pesquisas
Mesmo condenado a nove anos e seis meses de prisão pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera todos os cenários para as eleições de 2018 na pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional de Transportes (CNT). Nas três simulações do primeiro turno, oscila entre 32% e 32,7% das intenções de voto. Jair Bolsonaro (PSC-RJ) passou de 11% para mais de 18% nos três cenários. Marina Silva (Rede) aparece em terceiro lugar em todos os cenários.
Ontem, o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, aceitou denúncia contra Lula, que virou réu mais uma vez, por corrupção passiva. A situação do PSDB varia de acordo com o nome pesquisado: o senador Aécio Neves (MG) tem o apoio de apenas 3,2% dos eleitores, enquanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, têm 9,4% e 8,7% respectivamente. As intenções de voto no ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) vão de 4,6% a 5,3%, dependendo do cenário.
Na pesquisa espontânea, Lula lidera com 20,2% das intenções de voto; Jair Bolsonaro tem 10,9%. João Doria vem em terceiro, com 2,4%. Na sequência, Marina Silva tem 1,5%; Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, 1,2%; o senador Álvaro Dias (Podemos), 1,0%; o presidente Michel Temer (PMDB), 0,4%; e Aécio Neves, 0,3%. Do total, 37% se disseram indecisos, brancos e nulos somam 21,2% e outros são 2,0%. A pesquisa ouviu 2.002 pessoas e tem margem de erro de 2,2%.
Ou seja, tudo como antes, mas a pesquisa aumenta a pressão em relação à definição de candidatos majoritários. Enquanto o Palácio do Planalto empurra o assunto com a barriga, na base do governo atuam forças centrífugas, que tendem a se reposicionar em razão da reforma política e do fato de que as melhorias na economia não são capitalizadas pelo governo nem melhoram os índices de aprovação de Michel Temer. O estresse político maior é no PSDB, onde Alckmin e Doria se digladiam.
(Coluna de 20 de setembro de 2017)
Merval Pereira: Corrida maluca
A provável barração na Justiça eleitoral da candidatura presidencial do ex-presidente Lula devido à Lei da Ficha Limpa, caso venha a ser confirmada sua condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está alterando a corrida presidencial na quantidade de potenciais candidatos e no alinhamento ideológico.
Ciro Gomes, o candidato escolhido pelo PDT, já abriu mão de um acordo com o PT e, sobretudo, do apoio de Lula, a quem vem criticando cada vez com mais desembaraço. As acusações de Antonio Palocci a Lula, que deverão se transformar em uma delação premiada com mais detalhes e, sobretudo, provas, acabaram com as esperanças da esquerda de ter Lula como candidato.
Já não é mais segredo que o PT, confirmada a inviabilidade de Lula, deve lançar o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, como maneira de não virar um partido do segunda linha, apoiando candidato alheio do grupo da esquerda, cujo preferido já foi Ciro Gomes.
Mas o PT já não é uma aliança bem vista em parte da esquerda, e Lula, a cada revelação, perde a força de seu apoio, o que está levando Ciro Gomes a esconjurá-lo publicamente. Sem Lula na disputa, a corrida ficará aberta a todo tipo de candidato, enfraquecendo apenas um, o prefeito de São Paulo, João Doria, que se organizou desde o início de seu projeto para ser conhecido pelo eleitorado como o antiLula, embora ainda lhe reste uma identificação de gestor não político, que tem boa acolhida em parte do público que busca o novo pelo novo.
O DEM já lhe ofereceu legenda, mas, como diria Johnny Alf, o inesperado pode fazer uma surpresa. Mesmo às voltas com uma segunda denúncia contra si, que deve ser derrubada novamente pela Câmara, o presidente Michel Temer voltou a aspirar uma improvável reeleição pelo PMDB caso a economia confirme a recuperação. Nada mais antigo, mas a força da economia não pode ser desconsiderada.
Lula, aliás, quando se elegeu presidente pela primeira vez, em 2002, ganhou muitos eleitores centristas, ou mesmo de direita, por ter assumido publicamente, na Carta aos Brasileiros, um compromisso de não radicalizar à esquerda na economia.
Mas boa parte desse eleitorado também o escolheu por ser um candidato diferente de todos os que já haviam estado na Presidência da República. Não era um candidato novo, depois de disputar e perder três vezes a Presidência, sendo duas para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno. Mas era o representante de uma novidade política, sobretudo no que se referia ao combate à corrupção. Deu no que deu.
Ao contrário, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, um político de antiga estirpe, pode ter a seu favor justamente sua experiência e, sobretudo, o equilíbrio com que conduz sua atividade política. Com tanta radicalização, talvez o eleitorado encontre nesse equilíbrio a segurança de que o país reencontrará seu caminho sem grandes choques.
Não ter sido denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelas acusações da Odebrecht foi um passo importante para firmar sua candidatura.
Assim como em 1989, na primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar, muitos candidatos, de várias tendências políticas, se apresentarão ao eleitor. Uns pela primeira vez na política, outros antigos políticos querendo representar a parte boa da política, como Marina Silva pela Rede, Álvaro Dias pelo Podemos, os ex-ministros do Supremo Joaquim Barbosa e Ayres Brito.
Também podem aparecer no páreo o atual presidente do BNDES, o economista Paulo Rabello de Castro, que nunca teve cargo eletivo, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deputado federal eleito que nunca exerceu o mandato, pois renunciou para assumir a presidência do Banco Central no governo Lula.
Há ainda o deputado federal Jair Bolsonaro, que, para alguns, representa essa parte boa da política, mas, para muitos, é justamente o representante de uma atitude política regressiva, mesmo não havendo até agora nada que o comprometa em termos de corrupção.
O combate à corrupção, como se vê, por si só não pode ser a base de uma candidatura. Inclusive porque já tivemos exemplos de caçadores que acabaram cassados. O eleitorado estará confrontado em 2018 com uma diversidade de candidaturas que precisam apresentar muito mais do que uma vida pregressa sem deslizes éticos. Essa é uma condição essencial, mas não suficiente.
Merval Pereira: Delações cruzadas
Delações entram em fase decisiva na Lava-Jato. A Operação Lava-Jato está entrando em uma fase interessante, em que as delações premiadas cumprem um papel mais fundamental do que até agora tiveram. Delações reveladoras como a de Antonio Palocci, ex-ministro e homem forte do governo Lula, são fundamentais para fechar o cerco, confirmar suspeitas e encerrar definitivamente as dúvidas em torno de acusações que até o momento podiam ser tratadas pelos militantes como meras especulações, sem provas.
Agora, Lula está tendo que se desvencilhar de fatos concretos apontados por gente de seu círculo íntimo e começa a demonstrar as fragilidades de suas versões. Disse que não se lembra do homem que comprou o apartamento vizinho ao seu e o “alugou” sem receber pagamentos durante mais de três anos.
Tanta generosidade assim causa estranheza, ainda mais de um desconhecido. Mas esse desconhecido, Glauco da Costa Marques, era amigo de José Carlos Bumlai, um dos melhores amigos do ex-presidente, e foi atendendo a seu pedido que ele comprou o apartamento, para que Lula não tivesse um vizinho inconveniente. E não gastou um tostão de seu, conforme admitiu para o juiz Sergio Moro. Serviu como laranja, na linguagem popular.
Lula não tem, ao que tudo indica, os comprovantes de que pagou o aluguel nesses anos todos. Da mesma maneira, ao tentar desmentir que tenha tido uma reunião com a presidente eleita Dilma a pedido da Odebrecht, na qual se acertou a continuidade do “relacionamento” especial do governo petista, Lula disse que a reunião não durou nem dez minutos.
Pela agenda que Palocci apresentou aos procuradores, no entanto, a reunião foi detalhadíssima, com diversos assuntos elencados, inclusive um item principal: o histórico da parceria. Também “disponibilizaram” apoio no Congresso; fizeram uma exposição sobre a atuação no exterior alinhada com a geopolítica brasileira (leia-se financiar os governos bolivarianos com o mesmo esquema feito no Brasil, com obras superfaturadas que estão sendo investigadas em diversos países da América Latina).
Com Lula, houve uma agenda à parte, em que constava o estádio do Corinthians, obras no sítio, primeira palestra em Angola e Instituto (Lula). É o tal “pacote de propina” a que aludiu Palocci, registrado na agenda oficial da Presidência. Se trataram disso em meia hora, são uns gênios. Se trataram e não falaram em dinheiro, também são uns gênios.
Outra delação que está mexendo com os nervos de outro grupo, o do PMDB instalado no Palácio do Planalto, é a de Geddel Vieira Lima. O próprio Temer pretende assumir a coordenação dos trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que vai receber a segunda denúncia de Janot depois que o Supremo liberá-la.
Por si só, é um escândalo que o presidente se reúna com deputados que vão julgá-lo antes do julgamento. A ideia é apressar ao máximo os trâmites na Câmara para que a votação não seja atropelada por uma provável denúncia de Geddel, que já revelou a amigos que não aguenta ficar preso “nem uma semana”.
O prazo já está expirando e não há sinal de que conseguirá voltar à prisão domiciliar. E há ainda a possibilidade concreta de delações cruzadas de Joesley Batista e Ricardo Saud, cada qual temendo que o outro o delate. Ela se insere no célebre Dilema do Prisioneiro, da Teoria dos Jogos, que os procuradores de Curitiba conhecem como poucos.
Os dois já foram separados, Joesley foi para São Paulo, e Ricardo Saud, para a prisão da Papuda, em Brasília. Além do fato de sua defesa estar preocupada com a segurança dos dois, pois na Papuda estão presos que Saud delatou, a separação dificulta uma combinação de ações e, agora, cada um está por si, sem saber o que se passa na cabeça do outro. A chance de que haja uma delação cruzada é grande, o que ajudaria as investigações. Se cada um delatasse o outro, os dois ganhariam uma redução de pena, mas nenhum está certo de que o outro o fará e em que termos. O dilema do prisioneiro trabalha a favor da Lava-Jato.
Demétrio Magnoli: 'Adeus, Lula' é um filme sobre implosão, separação e pulverização
Palocci é um furacão de categoria máxima. Nos bons tempos, antes do "mensalão", disputava com Dirceu a condição de sucessor de Lula –e tinha a preferência do próprio Lula. O ex-ministro da Fazenda, porém, não possui a têmpera de Dirceu ou dos "apparatchiks" do núcleo duro lulista, como Delúbio e Vaccari. Ele desconhece a "omertà", o código de honra que bloqueia a estrada da delação. Por isso, começou a falar, convertendo-se subitamente de "herói do povo brasileiro" (segundo o congresso do PT paulista) em traidor "calculista, frio e simulador" (segundo Lula).
Lula e os seus creem que a política está acima de tudo, inclusive dos tribunais. A tese tem alguma verdade: as implicações judiciais das confissões de Palocci permanecem turvas, mas suas consequências políticas são devastadoras. A sentença do traidor sobre o "pacto de sangue da propina" tem maior potencial destruidor para a candidatura de Lula que as sentenças de Moro sobre um certo tríplex ou um célebre sítio. Palocci fecha um ciclo histórico no qual a esquerda não precisou se ocupar com os problemas cruciais da unidade e do rumo ideológico.
O projeto do PT reuniu as heterogêneas correntes da esquerda, oferecendo um leito comum para sindicalistas, movimentos sociais, militantes católicos da "teologia da libertação", castristas de diversos matizes e grupúsculos trotskistas. Lula serviu como traço de uma unidade que jamais derivou de consensos sólidos nos planos dos valores, da doutrina ou das estratégias. Na falta desse mastro, nada deterá a fragmentação em curso, ainda que venha a ser disfarçada sob o rótulo de uma "frente popular" de partidos e movimentos. A candidatura Haddad, plano B do lulismo, pode até evitar o naufrágio da nau petista, mas carece de força gravitacional para restaurar a moldura unitária que se despedaça.
O lulismo garantiu a unidade por meio da virtual supressão da divergência ideológica. No percurso, a curva decisiva foi a chegada de Lula ao Planalto, que cancelou o já rarefeito debate de ideias no interior do PT. Dali em diante, as correntes petistas engajaram-se na ocupação de cargos no aparelho de Estado, enquanto os "intelectuais de esquerda" aceitaram a humilhante tarefa de justificar tanto as oscilações de rumo do governo quanto as pútridas alianças do capitalismo de compadrio patrocinadas por Lula. O ex-presidente carrega a culpa direta pelo "pacto de sangue" confessado por Palocci, mas a responsabilidade política espraia-se muito além dele, até doutos acadêmicos que nunca se beneficiaram do vil metal.
Unidade e ausência de debate ideológico –as duas coisas estão ligadas como as lâminas de uma tesoura. O lulismo salvou a esquerda das forças centrífugas provocados pela discussão de temas como o lugar das empresas estatais, a produtividade da economia, a curva de sustentabilidade fiscal, a qualidade dos serviços públicos, o imperativo da reforma política. Lula construiu uma cápsula encouraçada, isolando a esquerda num santuário. A prova de seu sucesso está à vista de todos, nos artigos vexatórios dos "companheiros de viagem" que ainda defendem a política econômica dilmista ou celebram a calcificação ditatorial do regime venezuelano.
"Adeus, Lula" é um filme sobre implosão, separação, pulverização. Depois de Palocci, a unidade está morta. Com sorte, do desfecho ressurgirá o debate estancado. Ergamos um esperançoso brinde ao traidor.
Míriam Leitão: Dia de ontem derrubou a tese de que acusados são perseguidos
O dia de ontem derrubou o argumento de todos os acusados de que são perseguidos. O presidente Temer foi ao Supremo Tribunal Federal com sua tese de ser alvo de perseguição pelo procurador-geral. E seu agravo não foi acolhido. O ex-presidente Lula e seus seguidores continuam defendendo a teoria da perseguição. Mas o fato é que ontem havia fatos acontecendo contra pessoas em campos opostos na política.
O dia começou com a prisão preventiva de Wesley Batista decretada pela Justiça por insider trading (informação privilegiada). Na mesma ação, seu irmão Joesley passou à prisão sem data para terminar. É a primeira vez que alguém é preso no Brasil por manipulação de mercado, e o fato inicia uma outra frente de combate ao crime no país. Sempre houve rumores de compra e venda de ação por vários agentes quando há uma grande operação de mercado. Investiga-se, mas ou não se chega a nenhum resultado ou o suspeito recebe punição leve. Usar informação privilegiada para manipular o mercado ou ter lucro indevido são crimes punidos pesadamente em países em que o mercado de capitais é levado a sério. A Polícia Federal e o MPF se basearam em relatórios da CVM e da PF que constataram a venda e compra atípica de dólar e ações.
O JBS, dias antes da divulgação da delação dos seus donos, fez uma compra alta de dólar e vendeu ações. O dólar disparou e as ações caíram, o grupo então recomprou as ações a um preço bem menor. Com as operações, eles tiveram um lucro indevido de US$ 100 milhões pelos cálculos da PF e do MPF. Essa foi a primeira suspeita de que eles haviam quebrado as regras do acordo de delação, porque quem assina uma colaboração premiada se compromete e não cometer mais nenhum crime sob pena de perder os benefícios. Enquanto assinavam a colaboração, a empresa já manipulava o mercado usando essas informações. A pena de prisão, por ser inédita, leva a outro patamar a repressão ao crime de insider trading. Eles ainda respondem a processo na CVM e podem ter que pagar multas altas e que foram recentemente majoradas. Mas agora ficou claro para os espertos do mercado que a Polícia Federal pode investigar, e o crime, levar à prisão.
A coincidência do presidente Temer estar no STF pedindo a suspeição de Janot, no mesmo dia em que o ex-presidente Lula está de novo no banco dos réus, mostra que ambos não têm razão de se dizer perseguidos políticos. O que está em andamento desde o começo da Operação Lava-Jato é um processo de combate ao crime de corrupção.
O chefe da delegacia de crime financeiro, Vitor Hugo Alves, explicou que, ao venderem suas ações antes da delação para recomprar por preço menor, os irmãos Batista empurraram o prejuízo para os outros acionistas:
— Os Batista detêm 42% da JBS: a maior parte do prejuízo portanto ficou com outros acionistas. O BNDESpar, inclusive, que detém 30% da JBS. As ações caíram até 37% e houve a maior desvalorização do dólar desde 1999, 9%.
Em Curitiba, o ex-presidente Lula chegou de carro, em vez do avião do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. Seus seguidores acorreram em menor número mas sustentaram a mesma tese de que Lula é um perseguido político. Outro argumento une os defensores de Lula e Temer. No Palácio se diz que as acusações contra o presidente podem atrapalhar a recuperação econômica, em Curitiba um dirigente da CUT sustentou o argumento, não se sabe baseado em que, de que cada prisão da LavaJato leva à perda de 22 mil empregos.
A monótona repetição dos acusados, quaisquer que eles sejam, de que são vítimas de perseguição do Ministério Público, do próprio Rodrigo Janot, dos procuradores de Curitiba, ou do juiz Sérgio Moro, foi sendo desmontada a cada nova etapa das investigações. Hoje a Lava-Jato se expandiu por várias cidades e varas, está nas mãos de outras forçastarefas, decisões são tomadas por outros juízos. Como disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, quem conduz as investigações não são as pessoas, mas as instituições.
O dia ontem que levou à prisão o ex-governador Anthony Garotinho mostrou mais uma vez que não se trata de ataque a um partido, a um político, ou a uma empresa, mas do combate à prática que inundou as relações entre o setor público e o setor privado e dominou a política brasileira.
Roberto Freire: Narrativas que caem
Como se não bastasse o desmantelo econômico e moral legado ao país após 13 anos de governo, o lulopetismo se caracteriza pela construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e tentam confundir ou mesmo ludibriar a opinião pública. Felizmente, à medida que deixamos para trás esse período de triste memória que tanto infelicitou o Brasil, as mentiras enfileiradas por aqueles que não têm nenhum compromisso com os fatos vão sendo desmascaradas uma a uma, o que só comprova o tamanho da desonestidade que marcou a atuação do PT no poder.
A mais nova narrativa a cair por terra, a partir de um estudo de repercussão internacional, é a de que teria havido uma forte redução da desigualdade durante o período em que Lula e Dilma Rousseff governaram o país. Segundo um levantamento feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido por Thomas Pikety – renomado economista francês e autor do já icônico “O Capital no Século XXI” –, os 10% mais ricos da população brasileira aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres viram sua participação oscilar de 11% para 12%.
O crescimento econômico registrado nesse período não teve praticamente nenhum impacto na redução da desigualdade, que se manteve estável entre 2011 e 2015 e permanece em “níveis chocantes”, de acordo com a pesquisa. Isso se deu em função de 61% da expansão registrada pela economia brasileira ter sido capturada pelos 10% mais ricos, ao passo que os 50% mais pobres foram beneficiados com apenas 18% desse avanço. Os resultados apresentados vão de encontro ao que os pesquisadores brasileiros Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília (UnB), já haviam apontado em estudo sobre a estabilidade no nível de desigualdade no país entre 2006 e 2012.
Como se vê, desta vez com o respaldo de dados colhidos por meio de pesquisas, o propagado avanço social cantado em prosa e verso por Lula e Dilma se resumiu a um símbolo midiático, o Bolsa Família, que jamais deixou de ser um mero instrumento de transferência de renda – e não uma ferramenta que permitisse, verdadeiramente, uma profunda transformação no Brasil.
É evidente que, para aqueles mais desassistidos e que vivem de forma muito precária, o programa proporciona uma melhoria imediata que não pode ser desconsiderada. Entretanto, não há como negar que se trata de uma solução paliativa, um remendo incapaz de mudar a realidade de milhões de brasileiros em situação de pobreza. Tanto é assim que basta uma primeira grave crise econômica, como esta que vivemos hoje e da qual finalmente começamos a sair depois de tanto sacrifício, para que as pequenas conquistas obtidas até então se esvaiam.
Além de não terem oferecido aos brasileiros mais pobres a possibilidade de transformarem a sua realidade de vida, os governos lulopetistas se revelam quase como uma contrafação do pensamento mais progressista e avançado da esquerda brasileira – que foi às ruas, por exemplo, para defender as reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart no início dos anos 1960. Hoje, o PT e seus satélites, PCdoB e PSOL, tomam as ruas para repudiar toda e qualquer proposta de reforma. Não há nada mais conservador e até mesmo reacionário do que tal comportamento.
A desfaçatez, lamentavelmente, não se restringe à área social. Não podemos nos esquecer do desastre moral e ético dos governos petistas, escancarado pelo saque aos cofres públicos revelado diuturnamente pelas investigações da Operação Lava Jato. Atônita, a sociedade acompanha a sucessão interminável de escândalos, denúncias, indiciamentos e até condenações envolvendo os próceres do PT – especialmente Lula, o “chefe” de uma estrutura que, para o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Moro, funcionava como uma sofisticada organização criminosa.
O nível de degradação da esquerda lulopetista foi de tal ordem que permitiu o recrudescimento de uma extema-direita preconceituosa e intolerante, como raras vezes se viu no Brasil - talvez jamais com essa intensidade. Essas forças autoritárias e reacionárias se organizam politicamente e vêm ganhando terreno, inclusive com vistas às eleições gerais de 2018. Isso só reforça a necessidade de construirmos uma alternativa no campo do centro democrático para livrar o Brasil de uma disjuntiva entre simpatizantes do regime de Nicolás Maduro na Venezuela, por um lado, e entusiastas das torturas praticadas pela ditadura militar brasileira nos anos de chumbo, por outro.
É necessário apresentar ao país um projeto nacional de desenvolvimento que dê condições para que a realidade econômica e social mude efetivamente - e não apenas de forma paliativa. Precisamos de menos propaganda e mais propostas. De menos narrativas e mais ações concretas. Fundamentalmente, de mais dignidade no trato da coisa pública e respeito pelo cidadão.
Maria Cristina Fernandes: O pavio de Lula
Mais grave que Lula não ser candidato, é a perda de relevância
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dispensou tanto a gravata verde-amarelo quanto o avião do amigo que usara no primeiro depoimento. Tomou um litro de água na primeira meia hora. Desde o câncer, explicou, passou a secar sua garganta com mais frequência. Desde o primeiro interrogatório do juiz Sergio Moro, em maio, também encurtou seu pavio.
O depoimento do ex-ministro da semana passada e o abrigo já demonstrado pela segunda instância às suas sentenças facilitaram a vida do juiz, que só derrapou ao sugerir que Lula estivesse rancoroso. O ex-presidente perdeu o humor e a fleuma com a qual dera lições de política a Moro em maio. Deixou-se encurralar com mais facilidade e irritação. Revelou conselhos como o recebido de um ex-presidente - "Se quiser fazer as coisas e não ser bisbilhotado, não converse por telefone, nem em restaurante, caminhe com a pessoa e vá falando na estrada". E foi obrigado a engolir a repreensão do juiz para que não voltasse a chamar a procuradora que o inquiriu de 'querida'.
Lula tenta se equilibrar entre a liberdade e o legado político, mas o depoimento mostrou que custa a manter a frieza de estrategista que sempre o caracterizou. O pavio de Lula não se consumiu à toa, mas talvez não seja mais suficiente para fazê-lo candidato ou, ainda, elegê-lo novamente presidente.
Lula encurralado é talvez o dado mais relevante para o modelo de país que está por ser avalizado pelas urnas de 2018. Não apenas pela perda de competitividade do mais importante partido de esquerda do país, mas, principalmente, pela ausência de relevância da legenda nos rumos do país.
Esta é uma das principais teses de artigo, ainda inédito, da professora (USP/Cebrap) Marta Arretche, "Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: a inclusão dos outsiders". Ainda não há dado empírico ou discurso político capaz de contestar o fato de que os anos petistas foram o de maior queda na desigualdade do país da redemocratização. Os novos estudos feitos a partir do Imposto de Renda, pago não mais que por 17% da população, mostram que o topo dos contribuintes e sua base avançaram igualmente na apropriação da renda enquanto a classe média refluiu.
A constatação ajuda a entender os movimentos iniciados em 2013, mas é insuficiente para explicar o que aconteceu com os demais 83% da população, beneficiada por políticas públicas, e não apenas dos governos do PT. A métrica que ignora o impacto de educação, saúde e saneamento parece inapropriada para países que ainda custam a universalizar essas políticas, como o Brasil.
Os governos do PT contribuíram mais com a redução da desigualdade porque promoveram uma maior valorização do salário mínimo e expandiram, sob o chapéu do Bolsa Família, programas sociais criados no governo anterior. Mas não foi o partido que inaugurou esse processo de inclusão. O artigo relembra que o período entre o pós-guerra e o golpe de 1964 ainda é o de maior avanço na queda de desigualdade. A ditadura não o estancou. A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho nos anos 1970 fincou estacas adiante.
O passo mais largo, porém, só viria com a Constituição de 1988, pela vinculação de todos os benefícios ao salário mínimo e pela fixação de patamares obrigatórios de gastos com educação e saúde. Avançou ainda com a expansão do voto para os analfabetos, que aumentou a pressão, sobre a arena eleitoral, de contingentes em busca de um ingresso para o longo e arrastado espetáculo da inclusão.
Quando esses avanços foram registrados, a esquerda somava menos de 10% das cadeiras na Constituinte. Perdida ante a possibilidade de Lula ser excluído da cédula eleitoral, a esquerda não vai encontrar rumo sem se curvar à tese arredondada no artigo de que setores conservadores da política brasileira tinham a percepção de que a democracia não seria sustentável se não comportasse políticas de combate à pobreza.
O PT surgiu na política em contraposição a um sindicalismo tradicional que resistiu a políticas universalizantes como a extensão da Previdência Social para os excluídos do mercado formal de trabalho. Sobreviverá com menos dificuldade a um ciclo eleitoral que tende a privilegiar um discurso de derrubada de barreiras ao investimento se conseguir identificar aliados no mercado partidário à tese de que a retomada do crescimento não pode se dar pela exclusão.
A busca desta convergência está longe de ser fácil. Primeiro porque o foco exclusivo na renda apropriada pelo 1% mais rico descuida das contradições inerentes às disputas do resto do bolo. Um exemplo disso é a apoplexia com a falta de reação da sociedade à reforma trabalhista. A esquerda, como lembra Marta Arretche, finge desconhecer o contingente de pessoas ocupadas que já não têm os benefícios da CLT, que dirá as prerrogativas dos estatutários.
A maioria dos eleitores continuará a votar por políticas redistributivas enquanto sua fatia no bolo for desigual. Suas preferências, no entanto, estão longe de ser homogêneas. Apenas deixarão de ser relevantes se houver mudanças no sistema que transforma voto em mandato. Daí a centralidade das regras para 2018 em tramitação no Congresso. Mais importante que o fundão público que tende a perpetuar a atual representação no Congresso são as regras que preservem a vontade da maioria eleitoral e os estímulos à convergência na política.
Dessa convergência depende a sobrevivência da esquerda como força política relevante. É inegável que sua presença na competição eleitoral pressionou partidos de centro e de direita a atender a demandas da maioria, como se viu em muitas das políticas de um Fernando Henrique Cardoso sempre acossado pelos petistas.
A velocidade com a qual a esquerda promoveu inclusão não lhe conferiu passaporte para reproduzir vícios históricos na ocupação do Estado. Seu enfraquecimento na arena eleitoral, porém, não contribui para a preservação dos interesses da maioria. O pós-Lula depende, em grande parte, da habilidade da esquerda em identificar os novos interesses e convergências de uma sociedade em que um terço dos brasileiros ingressou no mercado eleitoral depois de sua maior liderança ter chegado ao poder.
O ex-presidente teve o melhor momento do depoimento quando disse que Palocci deixou o governo porque não era possível um ministro da Fazenda brigar com um caseiro. Foi a primeira vez que falou isso publicamente. O político que até hoje melhor conheceu o povo brasileiro custou a se dar conta de que #somostodoscaseiros.
João Domingos: Operador de Lula
O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro arruinou o PT. Muito mais do que os petistas admitem. Não só porque teve Lula como alvo principal, e a presidente cassada Dilma Rousseff como alvo secundário. Mas também porque ofereceu informações que podem servir para o juízo de culpabilidade do ex-presidente quando o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) julgar o recurso de Lula contra a pena de nove anos e seis meses a que foi condenado pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Confirmada a pena, Lula vira ficha-suja e fica impedido de concorrer à Presidência da República no ano que vem.
Por causa do depoimento, que alguns mais íntimos de Palocci dizem se tratar também de um desabafo, o ex-ministro pode ter mudado o curso das eleições presidenciais do ano que vem. Tanto na parte jurídica, por comprometer Lula com o esquema de corrupção na Petrobrás e revelar relações promíscuas com empreiteiras, quanto na política, porque o que ele disse aparecerá na campanha caso o ex-presidente passe ileso pelo TRF. Logo Palocci, que foi um dos principais responsáveis pela vitória de Lula em 2002, ao defender a “Carta aos Brasileiros”, na qual o PT se comprometeu a não se meter em aventuras econômicas.
Além de arrasados e perplexos, os petistas perguntam o que teria levado Palocci a contar ao juiz Moro até mais do que lhe foi perguntado sobre Lula e a enfiar Dilma em respostas que aparentemente não diziam respeito a ela. E mais: observe-se no depoimento-desabafo que Palocci se apresenta como um executor das ordens de Lula. Recebia um comunicado sobre o que Lula tinha feito e operava o feito dele. Recebia outra ordem, procurava Lula e dizia que tinha se sentado com fulano e resolvido tal assunto. Em resumo, é como se Palocci tivesse dito a Moro: “Posso ser acusado de ser o operador, não o autor”.
É claro que essa situação, péssima para o PT e para Lula, gerou um grande debate entre os pensadores petistas e entre integrantes de correntes adversárias. A ala stalinista tem aproveitado o momento para bater forte na ala trotskista, da qual se originou Palocci, lembrando-a de que o também ex-ministro José Dirceu (stalinista) passou anos na cadeia, sofreu todo tipo de pressão e jamais abriu a boca. O ex-tesoureiro João Vaccari também é lembrado como alguém que não baixa a cabeça. Outra ala, a dos amigos de Dilma Rousseff, acusa Palocci de ter se transformado num “cachorro”, o nome que se dava a militantes de esquerda que, presos pelos órgãos de repressão da ditadura militar, delatavam companheiros depois das sessões de tortura a que eram submetidos. Dilma costuma se gabar de que ficou presa durante quase três anos, foi submetida à mais horrenda tortura e nunca delatou alguém.
Embaçada no tempo, e desconhecida de quem não é do meio, a briga entre stalinistas e trotskistas jamais vai parar. Há quase um século cada lado acusa o outro das maiores barbaridades.
Uma questão, no entanto, é preciso ser levantada nesse debate. Palocci está preso e condenado a doze anos, dois meses e vinte dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Não é um preso político, não está sendo torturado para fazer revelações que envolvam companheiros de armas e de revolução nem fala em nome de Trotski.
Quem conhece Palocci até arrisca um palpite sobre o comportamento dele: a convivência na prisão com o empresário Marcelo Odebrecht o teria convencido de que proteger Lula não vai resultar, no futuro, nem num gesto de gratidão por parte do ex-presidente. Melhor tentar sair agora, falando o que sabe.
Arnaldo Jordy: A Pátria em crise
A passagem do dia 7 de setembro este ano foi marcada pelo grave momento de crise econômica e política vivida pelo Brasil. O país precisa urgentemente resgatar o sentimento de soberania duramente conquistada com o sangue derramado de milhões de brasileiros que lutaram pela Independência. No Pará, os cabanos se levantaram contra o opressor na defesa de um Brasil para os brasileiros. Hoje, a luta pela dignidade continua no urgente combate à corrupção, essa chaga que envergonha a maioria dos brasileiros, e pela construção de um projeto de país mais justo, desenvolvido, soberano e sustentável.
Felizmente, os fatos conspiraram para que um bandido que já deveria estar preso, Joesley Batista, entregasse inadvertidamente à Justiça as provas de sua própria corrupção para tentar manipular o Judiciário a seu favor, cooptando também um procurador federal, Marcelo Miller, e oferecendo provas importantes e válidas, sim, mas em troca de implodir o Supremo Tribunal Federal e a própria Lava Jato, tudo para escapar incólume de graves acusações e ainda, como ele mesmo disse, “fechar o caixão” da política brasileira, jogando a todos na vala comum da corrupção, enquanto ele se radicaria em outro país com suas empresas abastecidas com dinheiro público, certamente rindo da cara de todos nós.
Seu intento de botar os três poderes da República no chão, entretanto, não vingou, ainda que estejam sob graves suspeitas, como disse a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia. Felizmente, ficou claro que o que houve foram insinuações e tentativas de chegar ao procurador-geral via Marcelo Miller, e aos ministros do Supremo via o advogado e ex-ministro José Eduardo Cardozo. Mas nenhuma acusação grave pesa contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem contra qualquer ministro do Supremo. Joesley Batista, ao contrário do que pretendia, deverá perder os benefícios da delação premiada que fez e provavelmente pagará na cadeia pelos seus crimes, que começaram pelo uso do dinheiro público, via BNDES, nos governos petistas. Rodrigo Janot, aliás, com equilíbrio e firmeza mandou investigar a participação do ex-procurador federal Marcelo Miller no acordo fechado com Joesley Batista, medida indispensável para preservar o bom andamento da Lava Jato.
Na semana passada, a Procuradoria Geral da República fez a denúncia de todos os envolvidos do PP no Petrolão. Esta semana, foi a vez do chamado “quadrilhão” do PT, também envolvidos em desvios bilionários das Petrobras. Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff estão entre os denunciados pela PGR. Ambos são suspeitos de participar de organização criminosa que recebeu R$ 1,485 bilhão em propina para políticos do PT. Lula é apontado por Janot como líder e “grande idealizador” da organização criminosa. Somente Lula teria recebido R$ 230,8 milhões de propina entre 2004 e 2012 da Odebrecht, OAS e Schahin, com recursos desviados de contratos firmados com a Petrobras.
A situação de Lula e Dilma se agrava ainda mais com as denúncias feitas pelo ex-ministro Antônio Palocci, que deu depoimento contundente, detalhado e preciso à Lava Jato. Palocci foi um dos cinco quadros de maior peso nas estruturas de poder dos governos petistas, juntamente com Lula, Dilma, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari. Não se trata, portanto, de um depoimento qualquer.
Assim como o PT não deve escapar ileso dos graves atos que cometeu durante seus 13 anos de governo, outros grandes partidos, PMDB, PP e figuras do PSDB, também devem responder pelos crimes que escandalizam a nação, como a cobrança direta de propina em dinheiro vivo entregue em malas. Os mais de R$ 51 milhões encontrados em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima e os pagamentos feitos por Joesley Batista ao ex-deputado Rocha Loures e ao primo do senador Aécio Neves são provas de que de que ainda há muito para ser investigado. Geddel, segundo o áudio gravado por Joesley Batista com Temer, era seu homem de confiança, assim como da confiança do ex-deputado Eduardo Cunha. É difícil de acreditar que os R$ 51 milhões encontrados no apartamento eram apenas dele.
O que cabe agora é cobrar para que os criminosos e denunciados não tirem partido das tentativas de desmoralizar a Lava Jato para escapar incólumes. Afinal, é o que está ajudando a passar o Brasil a limpo. Essa deve ser a cobrança da sociedade brasileira em defesa da Pátria, que precisa da continuidade da operação.
* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA e líder do partido na Câmara dos Deputados
Tibério Canuto: Os hagiográficos
Começo este texto com uma longa citação de Roberto Ampuero, escritor chileno que viveu sob três ditaduras: a de Pinochet, a de Honecker, da Alemanha comunista e a de Fidel Castro:
“ Qual retorcido mecanismo mental conduz seres humanos a denunciar o abuso, a tortura, a marginalização, o exílio, o escárnio, o exílio, o assassinato daqueles que pensam de modo diferente sob uma ditadura de direita, mas os faz justificar as mesmas medidas contra aqueles que se opõem a uma ditadura de esquerda... Será que isso se deve à ignorância, à hipocrisia, ao ao oportunismo ou a uma lealdade mal entendida em relação a bandeiras ideológicas, à postergação da realidade em relação à utopia e do indivíduo em relação à massa?
A citação cai como uma luva para tentar entender parte da intelectualidade brasileira que colocam seu talento a serviço da deturpação histórica e para a construção de um mito ao qual endeusam e ficam esperando sua volta, como os fanáticos de Canudos acreditavam no retorno de Dom Sebastião.
Ontem disse que Palocci passaria a ser tratado como o grande traidor. Não deu outra. Os escribas do lulopetismo saíram a campo. Um deles comparou Palocci aos “desbundados dos anos 70” que iam à televisão para renegar a causa que abraçavam e tecer loas à ditadura. Com empáfia conclui: dos desbundados sentiu nojo. Eis aí um belo exemplo de lealdade mal-entendida em relação a bandeiras ideológicas.
Em nome de que causa Palocci deveria manter o silêncio? De um projeto de poder que pretendia fazer da corrupção o caminho mais rápido para o socialismo? E quem ele deveria preservar, o maior traidor dos brasileiros que institucionalizou o assalto aos cofres públicos?
Traiu a quem, aos petistas que se lambuzaram na lama? Ou a quem se aliou com a fina flor do patrimonialismo para obter vantagens indevidas? O que há de ideológico na Omertá petista?
Ainda está para ser escrito o papel nefasto da intelectualidade que pôs a sua pena, ou melhor, o seu teclado, a serviço da construção de um mito, de uma fraude. Não inovam. Na história da esquerda sempre existiram intelectuais dispostos a fazer genuflexão para seus ídolos, adotando uma postura reverencial e escrevendo hagiografias.
Os hagiográficos de ontem reverenciaram Stalin como o Pai de Todos os Povos, como Farol-Guia da humanidade. Idolatraram Dolores Ibárruri, como se ela fosse Nossa Senhora de Fátima. Veneraram o “comandante” Fidel Castro, assim como a Hugo Chávez e ao “companheiro Maduro.”
Como disse Ampuero, protestam contra ditaduras de direita, mas aplaudem as ditaduras de esquerda, como a de Cuba e a da Venezuela. Denunciam a corrupção de governos de direita, mas defendem com unhas e dentes.
Vociferam contra a corrupção quando cometida por governos de direita, mas dão justificativas ideológicas quando ela é cometida pela esquerda.
Mais grave: usam seu intelecto para vender a fraude de que, no caso de Lula e do PT, tudo não passa de uma orquestração da burguesia contra os trabalhadores. Me poupem!
Algum dia os hagiográficos terão de se ver perante a história e prestar contas de sua empulhação.
Quando os crimes de Stalin vieram à tona, Jorge Amado teve a hombridade de reconhecer que deificou um monstro, assim como deificou Prestes.
Não esperem atitude semelhante dos escribas petistas. No frigir dos ovos, eles são mais danosos do que Palocci, pois continuam firmes na sua missão de iludir o povo.