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Hubert Alquéres: Vivandeiras petistas
“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”
Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.
A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.
O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.
A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.
Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.
Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?
Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.
Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.
A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.
Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.
Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.
Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.
Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.
Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.
Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
Merval Pereira: A farsa em marcha
Como dizia aquele alemão barbudo (como o ex-ministro do STF Eros Grau se referiu a Marx certa vez), a História se repete como farsa. Caminhamos para uma eleição presidencial tão radicalizada quanto a de 1989, a primeira direta após o regime militar, que terminou em tragédia, com o impeachment de Collor. Só que com tons e nuances diferentes.
A esquerda tinha dois representantes naquela ocasião, o líder metalúrgico Lula e o líder trabalhista Brizola, que disputaram voto a voto a ida para o segundo turno contra o representante da centro-direita, Collor de Mello. Populismo de direita contra populismo de esquerda.
Lula derrotou Brizola por 0,67% e foi para o segundo turno contra Collor, e mais tarde admitiu que, naquele momento, não estava preparado para ser presidente da República. Foi em Divinópolis, na campanha de 2010, para eleger Dilma, que ele disse que agradecia por ter perdido a eleição presidencial de 1989, porque era “muito mais radical” e poderia cometer erros no governo.
“Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas.”
Hoje, tão radical quanto era em 1989, longe daquele Lula que escreveu a carta aos brasileiros em 2002 para dirimir as dúvidas do mercado financeiro e da classe média sobre seu radicalismo, considera-se preparado para voltar à presidência que exerceu entre 2003 e 2010, e a lembrança daquele tempo está viva na memória de cerca de 35% dos eleitores, segundo a mais recente pesquisa do Ibope.
Mas a memória dos supostos bons tempos é traiçoeira, pois foi ao abandonar o equilíbrio fiscal dos primeiros anos e as reformas estruturais como a da Previdência, que iniciou assim que eleito, mas abandonou para não entrar em choque com as corporações que o apoiavam, que Lula deu início a esta crise econômica que se exacerbou a partir de 2010 com um crescimento artificial de 7,5% do PIB para eleger sua sucessora.
Dilma aprofundou o que chamaram de nova matriz econômica, que nos levou à maior recessão de nossa História, e, ao tentar remendar o estrago que havia feito reequilibrando os gastos públicos, traiu seu eleitorado, na opinião de Lula.
Temos então em 2018 um Lula, que, se não for impedido de disputar pela Justiça, pretende adotar a política radical que em 1989 o fazia despreparado para a Presidência, e Ciro Gomes na versão pedetista na disputa pela esquerda, e Jair Bolsonaro, um populista de direita, muito menos preparado do que aquele Collor de Mello que surgiu em 1989.
Pela radicalização que domina o cenário, é previsível que figuras da política tradicional como o governador Geraldo Alckmin, com seu espírito moderado, tenham tantas chances quanto tiveram em 1989 figuras como Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Mário Covas, que foram abandonados pelo eleitorado.
Com uma diferença crucial hoje: em 1989, os políticos tradicionais, muitos retornados do exílio, tinham um peso considerável, embora os dois que foram para o segundo turno, Collor e Lula, fossem figuras relativamente novas no cenário nacional. Hoje, soma-se à radicalização o desgaste da classe política. Quem consegue se diferenciar nesse ambiente corrompido, como Marina e Bolsonaro, que, em espectros políticos opostos, não estão envolvidos em denúncias, tem chances.
Até mesmo um presidente impopular como Sarney em 1989 temos em Temer hoje, que sem dúvida será alvo dos maiores ataques, como, naquela ocasião, Sarney serviu de saco de pancadas para Collor e Lula. E para dar um toque especial à repetição, surge por fora a candidatura de Luciano Huck, assim como em 1989 Silvio Santos surgiu do nada para atropelar os favoritos. Pela agressividade, pode ser que o prefeito João Doria tenha espaço como anti-Lula, apesar do prejuízo que a comparação com o Collor de 1989 possa lhe trazer.
Embora fosse muitas vezes mais popular do que hoje é Luciano Huck, este, além de popular o suficiente, tem muito mais preparo e uma rede de contatos que pode viabilizar um programa de governo com substância. Não se sabe o que aconteceria se a Justiça Eleitoral não tivesse impedido o registro da candidatura de Silvio Santos. Saberemos mais adiante se Huck será mesmo candidato, e que candidato será.
Jose Roberto de Toledo: O tampão, o vazio e o antifrágil
O novo Ibope confirma que há muito espaço para mudanças na corrida presidencial até a eleição. Com 35% dos votos, Lula amarrou uma das pontas do eleitorado. Bolsonaro tomou a outra e avança dali para o centro – pelo menos 12% só votam nele. Pode parecer que está tudo encaminhado, mas ainda falta a outra metade dos eleitores: cerca de 10% têm algum outro candidato firme, e 17% não querem ninguém. Sobra 25% do eleitorado que pode embarcar praticamente em todas as candidaturas. Ou numa só.
Seria o bastante para levar um presidenciável de centro ao 2º turno contra Lula – ou contra Bolsonaro, se o petista for barrado pela Justiça. Os centristas apostam que seu candidato teria mais chances de vitória, seja quem for o adversário, pois pode crescer para qualquer dos lados do espectro ideológico. O problema é chegar no turno decisivo: ainda não apareceu nenhum nome que seja franco favorito para ocupar tal papel.
O vazio do centro é a fábrica de tantas especulações sobre novos candidatos. Balões já subiram e caíram, como o de Doria. Outros estão em fase de lançamento, como o de Luciano Huck. Sem contar a sombra permanente de uma candidatura com origem no Judiciário: os mais cotados são sempre Moro, Joaquim Barbosa ou ambos.
A temporada de balonismo eleitoral tem tudo para durar até a primeira semana de abril, quando se encerra o prazo para quem for ser candidato se filiar ao partido que lhe dará legenda. Se até lá Huck não estiver filiado ao PPS, ou se nenhum magistrado tiver assinado a ficha de algum partido, seus nomes sairão das pesquisas de intenção de voto e do mercado de candidaturas. Mesmo assim, não será o fim das especulações eleitorais.
Há uma chance alta de Lula ser ejetado da campanha presidencial por ordem da Justiça. Hoje, tende a zero a transferência de eleitores do ex-presidente para outro petista. Haddad tem 1%. Mas quanto mais tempo durar a candidatura-tampão de Lula, mais clamorosa será a eventual retirada do nome do ex-presidente da urna. Petistas tentarão transformar clamor em escândalo, o que for necessário para alavancar a candidatura do substituto. É um plano meio desesperado, mas não desprovido de fundamento.
Estudo do Ibope mostra que 13% só declaram voto em Lula e em mais ninguém. Não importa qual seja o cenário, não migram para Marina Silva, nem para Ciro Gomes, nem para Bolsonaro. São, potencialmente, a transfusão inicial que um candidato petista receberia de Lula – desde que esse eleitor fique sabendo da troca. Informá-lo disso não é tarefa trivial, porém: mais de 40% não acessam a internet, 60% moram no interior, principalmente no Nordeste, a maioria é pobre e tem escolaridade abaixo da média.
A candidatura-tampão de Lula pode durar até 20 dias antes do primeiro turno, que é o limite legal para troca de candidatos em uma chapa (salvo em caso de morte). Esse é o prazo máximo. O mínimo ninguém sabe, pois depende de um sem-número de recursos e apelações a tribunais regionais e superiores. Pode ser tanto abril quanto agosto ou, no limite, setembro.
A candidatura de Lula tampona as de quase todos os outros presidenciáveis. Se não impede, no mínimo dificulta seu acesso a esse eleitor mais difícil de alcançar. É ruim para Huck, é ruim para Marina e para Ciro, é ruim até para Alckmin. Quem menos perde com a candidatura-tampão de Lula é Bolsonaro.
Ele ganha alguns pontos com a saída do petista, mas não depende disso para se viabilizar. Ao contrário, Bolsonaro tem sido o mais resiliente rival de Lula. Cabe-lhe o termo que o best-seller Nassim Taleb cunhou para definir o oposto de fraco: antifrágil. É daqueles que se beneficiam com o caos.
O Globo: Lula lidera todos os cenários do Ibope
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue soberano nas pesquisas de opinião. Agora é o Ibope que confirma a liderança do petista em todos os cenários possíveis, destaca neste domingo (29) O Globo.
De acordo com o jornalão dos Marinho, Lula fica com o mínimo de 35% e o máximo de 36% das intenções de voto para a disputa de 2018.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é o candidato que mais chega perto de Lula, isto é, em relação aos demais pretendentes ao Palácio do Planalto.
Bolsonaro tem 15% no melhor cenário de enfrentamento com o ex-presidente. Se o candidato do PT for outro, por exemplo Fernando Haddad, o representante do PSC sobe para 18%.
Marina Silva (REDE) fica em terceiro lugar num cenário com Lula, com índices entre 8% e 11. Sem Lula, ela assume a liderança empatada com Bolsonaro.
Segundo o Ibope, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e João Doria surgem embolados num pelotão abaixo, com percentuais entre os 5% e 7%. Ciro sobe até os 11% quando Lula é substituído por Haddad (que tem a preferência de 2%).
Lula também lidera na espontânea com 26%. No Nordeste esse índice dispara para 42%.
O Ibope também especulou sobre as candidaturas de Luciano Huck e Henrique Meirelles, ambos nomes da Globo. Eles nem fazem cócegas.
A pesquisa foi feita entre os dias 18 e 22, com 2.002 pessoas em todos os estados brasileiros, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
José Anibal: Lula não muda, mas o Brasil muda, sim!
Atribui-se ao economista John Maynard Keynes a frase: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião”. Seria uma resposta a uma provocação de Winston Churchill, tampouco comprovada, na qual se teria duas opiniões diferentes se fossem ouvidos dois economistas, e três se um deles fosse Keynes. Ainda que se trate de mero folclore da vida pública britânica, é possível tirar lições dessa anedota de 80 anos atrás.
Não há demérito algum em se mudar de opinião diante da constatação de uma medida que se revela ineficiente, de um erro de avaliação ou de uma mudança de cenário. Ao contrário, é sinal de maturidade, capacidade e honestidade intelectual. Por que um governo manteria uma política pública cujos resultados não são os esperados? Faz sentido manter normas e leis de décadas atrás que não atendem mais as demandas do mundo contemporâneo?
Por outro lado, intransigência e intolerância são características típicas dos reacionários e obstáculos ao avanço das sociedades. São marcas também dos falsos salvadores da pátria que, por ora, encontram receptividade auferida em pesquisas de opinião, mas que simplesmente não oferecem nada de concreto ou pertinente para os desafios que o Brasil precisa enfrentar.
Pior do que isso, temos visto a desfaçatez do lulopetismo em atribuir aos outros o que é obra exclusivamente sua: a maior recessão econômica da história, a dilapidação do patrimônio público e a radicalização do debate político. Não foi outro que não Lula a dividir o país em “nós” e “eles”, a renegar o bom legado deixado por Fernando Henrique Cardoso, sem o qual não seria possível adotar políticas como o Bolsa Família, surfar a onda das commodities da década passada nem atingir o grau de investimento posteriormente jogado no lixo por Dilma Rousseff.
Agora, em entrevista recente, Lula admite a traição sentida pelo eleitorado de 2014, ludibriado pelo estelionato da campanha petista e das práticas pouco republicanas do governo. Ao contrário do capo do lulopetismo, o brasileiro sabe mudar de opinião quando os fatos mudam – ou melhor, quando a mudança dos fatos deixa de ser mascarada pela sede de um projeto de poder intransigente e intolerante.
A ameaça de Lula de reverter as boas políticas econômicas e administrativas tomadas após o impeachment é um flerte com um novo risco de retrocesso. Nada seria mais danoso ao Brasil do que a recondução ao poder daqueles que destruíram quase 10% da produção nacional, jogou de volta milhões de famílias à pobreza e fez a renda per capita do brasileiro cair pela primeira vez desde a criação do Plano Real.
É isso que precisa ficar claro – e ficará – no debate eleitoral de 2018. Diante de um quadro fiscal ainda frágil, da rápida mudança do perfil demográfico e dos desafios colocados pela revolução tecnológica, não podemos nos dar ao luxo de apostar em aventuras populistas ou de consistência questionável.
Consolidar uma força política coesa, democrática e republicana é medida urgente e prioritária para a viabilidade de um projeto para o país que tenha como premissa um compromisso com as brasileiras e os brasileiros baseado em responsabilidade, equilíbrio, confiança e coragem, além de experiência testada e reconhecida. Tão logo os brasileiros sejam apresentados a esse fato novo, não tenham dúvida: as opiniões – e as pesquisas de opinião – vão mudar!
- Blog do Noblat
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
O Estado de S. Paulo: Lula fala em referendo contra ações de Temer
Ao lado de Dilma, em Ipatinga (MG), ex-presidente Lula participa da segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou nesta segunda-feira, 23, em Ipatinga, em Minas, a segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País reafirmando que, se eleito, vai fazer um “referendo revogatório” para extinguir medidas tomadas pelo governo Michel Temer e pedindo para que a população não vote “nesse bando de picaretas” que cassou Dilma Rousseff.
A presidente cassada participou do primeiro dia da caravana pelo Estado. Um palanque foi armado na Praça Três Poderes, no centro da cidade, para a realização de um ato de apoio a Lula, acompanhado por centenas de pessoas. O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), e o presidente da Assembleia, Adalclever Lopes (PMDB), também participaram do evento.
Lula disse que está se preparando para as eleições e que é melhor “eles” também se prepararem. “O Lulinha paz e amor voltou. Talvez nem tanta paz nem tanto amor”, afirmou. “Eles não sabem o que é um pernambucano com a energia dos mineiros”, disse. O ex-presidente afirmou também que estão fazendo uma “desgraceira” com o País e que por isso resolveu ser candidato novamente.
A caravana passará por 14 cidades – a maioria nos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha. A caravana termina no dia 30, com ato em Belo Horizonte. Na primeira etapa da caravana, Lula esteve, em agosto, no Nordeste do País.
O Estado de São Paulo
Jose Roberto de Toledo: Huck, Lula e o dono do pudim
Não deixa de ser astuto: incapaz de prender quem organiza o crime, promove quem já está preso a chefe da organização. De quebra, desestimula o preso a delatar porque “o cabeça” não pode ser premiado. Não é original, mas funciona. Policiais fazem com narcotraficantes; governos, com terroristas. Se já prendeu o chefe, para que continuar investigando? Esquece-se a rede e projeta-se um PowerPoint com setas apontadas para um nome só.
Quem merece comemorar a notícia, com uma dose extra de pudim, é o resto da turma, que continuará desfrutando a iguaria. Só reclamou quem não é mais convidado para sentar à mesa da confraria. “Engraçado… Nunca soube que Geddel era o Chefe. Para mim, o chefe dele era ouTro (sic)”, tuitou um ex-confrade, após a Procuradoria da República inflar Geddel Vieira Lima.
Renan Calheiros tuíta com conhecimento de causa. Por 25 anos, fez parte da Turma do Pudim, o conselho informal que administrava interesses do PMDB junto a governos – de Itamar a Dilma, de FHC a Lula. Era mesa sem cabeceira, onde todos dividiriam a conta, se ela não fosse paga por você. Hoje, os integrantes da turma que não foram para a cadeia estão no Planalto ou no Senado. E, tudo indica, lá deverão continuar.
Mas e as ordens de pagamento para “Fodão” encontradas pela Lava Jato nas planilhas da Odebrecht? E os R$ 500 mil do deputado carregador de malas? E o porto de Santos? O Congresso cuida dos seus, com as bênçãos do ex-Supremo.
Assim, o mercado financeiro não para de exibir sua exuberância irracional. Com a experiência dos millennials, seus jovens operadores se aconselham sobre política com o MBL e concluem que a única preocupação à vista é com o que pode acontecer em 2018. Cacifaram Doria como o antiLula e relutam em liquidar suas perdas mesmo quando confrontados com as pesquisas.
Os que não nasceram ontem já pularam da canoa. Uns sonham com Luciano Huck, outros começam a achar que Bolsonaro não é tão ruim como pintam. Esse será o próximo confronto nas redes.
Enquanto o prefeito paulistano era questionado na imprensa, sua base virtual era corroída por ataques ferozes dos seguidores de Bolsonaro nas mídias sociais. A guerra em duas frentes liquefez a capacidade de Doria aumentar o buzz em torno de seu nome na internet. Seus vídeos perderam compartilhamentos, os likes rarearam. A “Globo no Facebook” que lhe prometeram não vingou.
A próxima batalha dos “bolsominions” será contra quem vier a ocupar o vazio deixado por Doria. Para não entrar na mira, Huck não se assumirá presidenciável antes de abril. Nem precisa. O apresentador já entra todo sábado na casa dos mais pobres e, segundo as pesquisas, é muito bem recebido. Recall não lhe falta; eleitores, sim.
Para transformar seu reconhecimento em intenção de voto, Huck precisará ser levado a sério como candidato a presidente. A credibilidade de que necessita não virá do partido que ele escolher como meio de transporte. PPS ou DEM são hospedeiros para ele continuar com direito a aparecer na TV após abril.
Faz sentido, portanto, Huck se filiar a um dos tantos movimentos de renovação política, como fez com o “Agora!”. Cercar-se de jovens com PhD dedicados à causa pública é tão bom para sua imagem quanto é, potencialmente, para o movimento pegar carona na popularidade do apresentador. Se a tabelinha der resultado, Huck ajudará a eleger alguns novos parceiros para o Congresso.
É um bom plano. Falta combinar com Lula. Como disputam o mesmo eleitor, enquanto o petista for candidato ele tamponará Huck. Se Lula ainda for presidenciável em abril, Huck terá que dar um salto mortal carpado no escuro para entrar na disputa.
Rogério Furquim Werneck: Lula e Dilma, indissociáveis
Há esforço de nova interpretação da história recente que vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente
Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o país se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidencial que terá importância crucial na configuração do seu futuro.
Com base em disputas presidenciais anteriores, não se pode descartar a possibilidade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenemente ao largo das questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.
Idealmente, deveriam ser contrapostas, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativas sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeiras razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o país, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.
É natural que a perspectiva de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses, têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionista, empenhado em recontar a deprimente história recente do país, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabilização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.
No exíguo espaço deste artigo, não seria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionista mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpretação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.
De forma simplificada, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. O descarrilamento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituição do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressiva que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.
A política econômica do segundo governo Lula foi, em boa medida, a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialmente a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmara lenta.
Como bem esclareceu a própria ex-presidente Dilma, em entrevista à “Folha de S. Paulo” de 28 de julho de 2013, ela e Lula eram “indissociáveis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo.”
Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completamente diferentes e “dissociáveis”, Lula ainda teria de ser politicamente responsabilizado por ter patrocinado, contra tudo e contra todos, a ascensão à Presidência de pessoa tão flagrantemente despreparada para o exercício do cargo.
Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: ‘Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus’.” (ver em encurtador.com.br/CER49)
De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabilizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o país. E é isso que atormenta o PT.
* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Míriam Leitão: relator tucano inocenta Temer, Lula e Dilma
Não bastou ao relator propor a rejeição da denúncia contra Temer. Ele estendeu sua defesa a Lula e Dilma. Disse que não há nada contra nenhum dos três. Culpados, na visão do deputado Bonifácio de Andrada, são apenas o Ministério Público e a Polícia Federal. Formou-se uma grande aliança em que um tucano tenta criar uma barreira de proteção em torno do presidente e dos ex-presidentes.
A se fiar no relatório do deputado Bonifácio, que vem prestando serviços aos governos desde o regime militar, tudo o que o Brasil tem vivido nos últimos tempos são apenas “ações espetaculosas”. Segundo ele, na denúncia, “a Presidência não é tratada com referida deferência que o cargo requer”. Quem não tratou a Presidência com o respeito que o cargo exige foi quem teve com um investigado pela Justiça, Joesley Batista, uma conversa como a que o presidente Temer teve naquela noite. Em mais uma inversão dos fatos, os investigadores é que são acusados de não respeitar a Presidência, e não o ocupante do cargo.
Num dia em que a Segunda Turma do Supremo conduziu uma libertação serial de presos investigados por corrupção, o Ministério Público em São Paulo denunciou os irmãos Joesley e Wesley por informação privilegiada e manipulação de mercado. Com as operações no mercado de câmbio, os irmãos Batista tiveram um ganho de R$ 100 milhões. Com a venda e recompra de ações da sua própria empresa, evitaram um prejuízo de R$ 138 milhões. Eles operaram no mercado logo após fecharem o acordo de delação premiada e durante o vazamento das informações. As denúncias contra diversas autoridades do país, incluindo o presidente da República, eram a própria informação privilegiada, porque sabidamente teria impacto sobre o preço dos ativos, como dólar e ações da própria JBS, de acordo com a denúncia. O dólar teve a maior alta em um dia desde 1999. A denúncia do MP foi apresentada pelos procuradores Thaméa Danelon e Thiago Lacerda Lopes.
Não é a primeira vez que os irmãos Batista aproveitam uma informação no mercado para as suas operações. O mercado sempre esteve cheio de histórias envolvendo o grupo em operações espertas no mercado de câmbio. Essa é a primeira vez que eles são apanhados por isso e que os indícios estão sendo investigados. Só mesmo a sensação de que ficariam impunes mais uma vez é que explica eles terem operado no mercado de câmbio imediatamente antes de circularem as informações de que o presidente Temer fora gravado.
“Assim, sabedores dos impactos que tais informações causariam na economia — quais sejam, uma inevitável queda nos valores das ações da JBS e alta do dólar — os réus resolveram se beneficiar financeiramente da instabilidade econômica que seria ocasionada com a divulgação dos termos de Colaboração Premiada e das provas apresentadas”, dizem os procuradores.
Os dois irmãos quando fecharam o acordo de colaboração eram investigados pela Sépsis, Greenfield, Cui Bono, Carne Fraca, Bullish e Lama Asfáltica. Por isso, Joesley decidiu executar o plano de gravar o presidente e assim negociar a impunidade que buscava. A motivação da pessoa que gravou já se sabe, mas isso não explica por que o presidente Michel Temer decidiu receber fora de hora e agenda uma pessoa que nem precisou se identificar na entrada de um palácio governamental. Além disso, teve com esse visitante noturno uma conversa suspeita.
Enquanto os irmãos Batista ficam um pouco mais cercados, outros começam a se safar devagar da prisão e de acusações. Já o governo continua funcionando apenas em torno do esforço de barrar essa denúncia. É enorme a lista das medidas necessárias para organização do Orçamento que estão paradas na Casa Civil à espera do fim da votação da denúncia: aumento da alíquota previdenciária do funcionalismo, cancelamento do reajuste dos cargos comissionados, limitação da ajuda de custo e auxílio-moradia, adiamento dos aumentos salariais para o funcionalismo.
E como tudo está parado lá, o Ministério do Planejamento não consegue terminar a revisão do Orçamento. O governo ficará este mês de outubro com tudo engavetado para que nada perturbe o projeto do presidente Temer de sobreviver a mais uma denúncia.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Luiz Carlos Azedo: A sobrevivência da espécie
A corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país
O gene egoísta, de Richard Dawkins (o autor de Deus, um delírio), é considerado o livro científico mais influente de todos os tempos, batendo, inclusive, sua fonte de inspiração, o seminal Origem das espécies, de Charles Darwin, segundo pesquisa da Royal Society, que comemorou 30 anos de sua premiação de livros em junho passado. Dawkins é considerado “reducionista” pelos cientistas criacionistas, mas sua tese faz sucesso entre os neodarwinistas: para ele, somos uma “máquina de sobrevivência” de um gene cujo objetivo é a autorreplicação, isto é, a perpetuação da espécie.
Analisando a reprodução sexuada dos animais, Dawkins busca uma explicação para a convivência entre o egoísmo dos genes e o altruísmo das espécies, que seriam uma espécie de “cluster” biológico que garantiria a sobrevivência e replicação de ambos. Para isso, tem papel decisivo a “meme”, conceito que ele utiliza para explicar como o gene transmite de uma geração para outra a memória ou o conhecimento nato de cada espécie, a começar pelo chamado instinto de sobrevivência.
Por exemplo, o cuco é uma das espécies mais egoístas que existem: procria, mas não educa os filhos; põe os ovos no ninho de outras aves, aproveitando sua ausência. Quando o danado do cuco nasce, joga os demais ovos fora do ninho, matando os filhotes legítimos para ser criado no lugar deles. Só mesmo a “meme” explicaria o fenômeno. O conceito é adotado por antropólogos no estudo das religiões e sociólogos no estudo de sistemas políticos, utilizando modelos matemáticos, para explicar certos comportamentos e a disseminação de ideias.
Ninguém sabe direito o que vai acontecer nas eleições de 2018, tamanho o desprestígio ou desconhecimento em relação aos partidos. Segundo as pesquisas, o eleitor “fulanizará” as eleições em todos os níveis e haverá um Deus nos acuda nos partidos. A tese de Dawkins se aplica, por analogia, aos nossos políticos e seus partidos. Na disputa eleitoral do próximo ano, os grandes partidos servirão de “arranjo institucional” para salvar seus líderes do desgaste da Operação Lava-Jato; os pequenos partidos, que estão condenados ao desaparecimento gradativo, servirão de salva-vidas para que seus lideres sobrevivam no Congresso. Os políticos se comportam naturalmente como genes egoístas. Raros são os líderes altruístas.
Descrença
Por que o Deus nos acuda? “A taxa de rejeição é grande, e a taxa de rotatividade deve ser imensa nessa eleição. Tudo aponta para uma eleição que vai ser um momento pivotal da política brasileira, como poucos nós tivemos”, comenta o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Aurélio Ruediger, que coordenou a pesquisa “O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro”.O descolamento da sociedade em relação ao Congresso Nacional e ao Executivo ficou patente no levantamento.
Entre as 1.568 pessoas entrevistadas, 83% afirmaram não confiar no presidente da República (o levantamento não cita Michel Temer); 79% disseram desconfiar dos políticos eleitos; e 78% reforçaram que não confiam nos partidos. Além disso, 47% afirmaram que o país estaria melhor sem as legendas. Segundo Marco Aurélio, a redemocratização do país (1989), a eleição do Fernando Henrique Cardoso (1994) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2002) foram momentos semelhantes. “Então, 2018 está se armando como um grande palco no qual uma série de ajustes e contas para fechar vai ser resolvida. Ou seja, qual rumo o país vai ter? Qual configuração política vai liderar esse rumo? E qual a expectativa eu vou ter para o Brasil no futuro?”, indaga.
Na pesquisa, 55% dos ouvidos rejeitaram a possibilidade de escolher o mesmo candidato à Presidência em quem votaram nos pleitos anteriores. Os percentuais se mantêm no mesmo patamar para governador (53%), senador (52,4%) e deputado federal (51%). Será um tsunami eleitoral. Porém, a pesquisa confirma a tese de que a população tem antipatia pelo governo, mas não se dispõe a ir para a rua defender seu impeachment, porque acredita que pode resolver o problema pelo voto: 65% concordaram com a frase “mais importante do que protestar nas ruas é votar nas eleições”.
O levantamento indica que a corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país. A população também tem uma percepção negativa sobre a economia, ainda que os índices demonstrem a queda da inflação, da taxa de juros e do desemprego.
Para 63,9% dos ouvidos, o pior momento da crise econômica ainda está por vir, embora nada indique que o país caminhe nesta direção. O percentual aumenta nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ou seja, há um descolamento total entre os indicadores da economia e a percepção da população. O estudo foi realizado pelo Ibope, contratado pela FGV, entre 19 e 24 de agosto. O nível de confiança do levantamento é de 95%, com margem de erro de dois pontos percentuais.
Alberto Bombig: No reino do petismo, carta de Palocci é um constrangedor grito de ‘o rei está nu’
A carta de desfiliação de Antonio Palocci é daqueles documentos que nascem históricos, seja pelo tamanho e pela importância de seu autor, seja pela coragem de enfrentar o mito construído em torno de Lula e do PT, partido que ele ajudou a fundar e a levar ao poder. Para além da questão das “provas” (essenciais ao debate jurídico), o texto é muito impactante para o mundo político, mais um disparo de bazuca na candidatura Lula, além de colocar a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT numa situação no mínimo constrangedora.
Se perante o juiz Sérgio Moro Palocci focou seu depoimento na relação de Lula com a empreiteira Odebrecht, na carta, ele demonstra todo seu conhecimento sobre a história e os bastidores do petismo. Desmonta farsas criadas pelo defesa de Lula e propagadas pelo partido com um singelo grito de “o rei está nu”.
Para quem desconhece ou não se recorda, na fábula A Roupa Nova do Rei (de Christian Andersen) um monarca é ludibriado por um trapaceiro fazendo se passar por alfaiate. Como ele é incapaz de costurar as vestimentas, engana o rei e o obriga a desfilar nu, enquanto os súditos fingem que está tudo bem, tudo certo. Apenas um menino tem a coragem de gritar “o rei está nu!”.
“Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do País’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do instituto (!!) são atribuídos a dona Marisa? Afinal, somos um partido sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”, gritou Palocci, da maneira muito refinada como sempre foi seu costume, na sua carta.
Porém, Lula não é um rei tolo, foi ao mesmo tempo alfaiate e monarca, assim como Palocci está longe de ser uma criança ingênua e também serviu de alfaiate e súdito leal durante décadas. Para os dois, Palocci e Lula, o duelo político ainda está nos primeiros rounds e, como se viu até agora, será uma luta de dois mestres da estratégia e da retórica, do começo até o fim.
O interessante será observar o comportamentos dos petistas que ainda se recusam a promover uma autocrítica mais consistente e verdadeira para salvar o que ainda resta do PT. “Depurar e rejuvenescer o partido, recriar a esperança de um exercício saudável da política será tarefa para novos e jovens líderes”, escreveu Palocci. Eu suspeito que o endereço desse recado (dentre tantos outros contidos no texto) tenha como endereço final o ex-prefeito e professor da USP Fernando Haddad e a nova esquerda que começa a crescer no Brasil e no mundo.
Como um bom jogador que antevê e se antecipa aos movimentos de seus adversários, Palocci encerra seu manifesto oferecendo sua desfiliação antes de ser defenestrado pelo PT de Ribeirão Preto, sua cidade natal, onde foi prefeito por dois mandatos. O texto, coincidência ou não, foi divulgado exatamente um ano após Palocci ter sido preso e prova que a verve do mentor da Carta ao Povo Brasileiro, essencial para a vitória de Lula em 2002, permanece afiada.
Marco Aurélio Nogueira: A carta de Palocci
Palocci foi um deles, um dos grandes e poderosos generais que reinaram nos anos de ouro do petismo no poder. Aos poucos, pelo que se pode especular, perdeu as ilusões, foi preso e resolveu parar de se sacrificar por uma causa que esmaeceu e perdeu sentido
Será difícil, daqui há muitos anos, quando a história dos nossos dias for escarafunchada e contada de forma adequada, rigorosa, que o dia 26 de setembro de 2017 não seja validado como ponto de referência.
Foi nessa data que o ex-ministro Antonio Palocci se desfiliou do PT e enviou, à presidente do partido, uma carta-exocet, um míssil que fez tremer mesas, paredes, tribunas, conversas de bar e cálculos racionais. Não tinha havido, até então, algo tão contundente e vigoroso, tão desbragadamente disposto a expor o mar de lama que invadiu o campo petista e particularmente a biografia de Lula. A carta também constrangimento e embaraços para a ex-presidente Dilma Roussseff.
Já foram ditas muitas coisas contra Lula e o PT. Parte delas vieram pelos antipetistas de carteirinha, sempre dispostos a fazer tempestades em copo d’água quando se trata de desancar a esquerda, a inventar alguns fatos e a exagerar outros para prejudicar Lula e o PT. Em vez de travar a boa luta de ideias, essa ala militante segue a trilha da denúncia, pouco importando se se vale, em alguns momentos, de condutas bem próximas do fascismo.
Mas também há coisas que já foram ditas sobre Lula e o PT que aos poucos têm sido comprovadas, principalmente pela lógica das narrativas mais do que por “provas materiais”. Nenhum brasileiro razoavelmente informado ignora do que se trata: em poucas palavras, uso do Estado e do poder político para finalidades escusas, regra geral associadas a dinheiro. Houve um pouco de tudo nesse universo. Favorecimento de empresas e pessoas, financiamento eleitoral, protecionismo familiar, enriquecimento pessoal, articulações políticas perniciosas que beneficiaram um mundão de gente, desperdício de recursos públicos. Pode-se dizer que tais práticas são usuais na vida nacional, que “todos” delas se valeram, que o montante elevado ligados aos fatos recentes (bilhões de reais) deve-se tão somente a uma espécie de evolução natural da força do dinheiro, do custo das operações. Mas não há como simplesmente ignorá-las, dizer que não existem.
É um exagero dizer que nos anos do PT no poder montou-se a “mais formidável organização criminosa” da história brasileira. Não há como demonstrar isso. Mas há como dizer que nunca a corrupção ocupou posição tão central na política e na vida do Brasil. Também não há como dissociar esse fato de Lula e do PT. Não porque tenham sido eles os campeões da ilicitude, mas simplesmente porque ocuparam o poder, usaram o poder e, com isso, ficaram na berlinda: tornaram-se o adversário que todos queriam derrotar.
É um quadro simples de ser visualizado. Um partido popular chega ao poder depois de trafegar pelas margens do sistema durante anos. Passa a acumular mais poder, impulsionado pela força e pelo talento de sua maior liderança. Faz alianças com o fisiologismo reinante, pois precisa de votos no Congresso e de apoio nas eleições. Precisa de dinheiro para se financiar e alimentar a gigantesca máquina que vai sendo levado a organizar. A cada eleição, o preço sobe. O partido vai assim deslocando para fora de si a elaboração teórica e programática, acabando por ter de se sustentar cada vez mais por acordos e contatos espúrios, que corroem sua identidade de esquerda e minam sua legitimidade reformadora. Quanto mais cresce, mais passa a depender desses arranjos. Lula vai ao limite. Não tem com quem dividir as múltiplas tarefas. Cerca-se de assessores e auxiliares. Com o tempo, a cúpula do partido já não mais tem autonomia, não responde às bases, e vai vendo, um a um, seus capitães serem denunciados e presos.
Palocci foi um deles, um dos grandes e poderosos generais que reinaram nos anos de ouro do petismo no poder. Aos poucos, pelo que se pode especular, perdeu as ilusões, foi preso e resolveu parar de se sacrificar por uma causa que esmaeceu e perdeu sentido. O silêncio não mais lhe interessava. Negociou uma delação para tentar reduzir a pena. Nisso, foi lançado contra o muro de explicações e justificativas do PT, trombando também com a cultura petista e de parte importante da esquerda, passando a ser tratado como traidor, mentiroso, um reles inventor de histórias preocupado exclusivamente em salvar a própria pele.
Podemos achar o que quisermos do gesto e da trajetória recente de Antonio Palocci. Podemos chamá-lo de fraco, oportunista e traidor. Mas não temos o direito de achar que ele simplesmente mente e inventa coisas. Ao fazer o que está fazendo, também sofre, se quisermos olhar as coisas por esse ângulo. Ninguém passa em revista a própria biografia e se expõe sem experimentar alguma dor. Talvez seja esse o preço que se paga para expiar os próprios demônios.
O que Palocci relata tem sido repetido em vários outros depoimentos, vem sendo rastreado por investigações, faz sentido. A lógica narrativa precisa ser considerada com atenção, pois é com base nela que poderemos entender a lógica da corrupção que nos assola.
Particularmente a esquerda deveria aprender algo com a carta de Palocci. Ela funciona como uma espécie de Relatório Kruschev sobre o culto à personalidade no interior do PCUS, documento que criou um antes e um depois no universo dos partidos comunistas do mundo inteiro, na metade dos anos 1950. Muitos comunistas daqueles anos não acreditaram, passaram mal ao lê-la, acharam que nada mais era que a mão do imperialismo em ação. Quando as fichas caíram e a verdade veio à tona, o alvoroço foi completo. Serviu para que alguns partidos buscassem passar as coisas a limpo e caminhassem para a autorrenovação, mas também foi tratada com indiferença por outros, que continuaram na mesma toada até baterem de frente com o Muro de Berlim em 1989.
Hic rhodus hic salta! É a hora da verdade para o PT, hora de mostrar que pretende escapar do abismo e ter futuro. Recuperar o tempo perdido é o único modo de recuperar a imagem que se deixou abalar com o passar dos anos.