lula
Nas entrelinhas: Confronto Lula versus Bolsonaro protagoniza semana épica
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Os poemas épicos surgiram na Antiguidade, porém, entraram em decadência no século XVII, quando surgiram as narrativas em prosa, o romance. Dom Quixote, por exemplo, de Miguel de Cervantes, foi uma obra revolucionária porque representou a invenção do romance e, ao mesmo tempo, desnudou a realidade. Quando Miguel de Cervantes mandou Dom Quixote viajar, rasgou a cortina mágica, tecida de lendas, que estava suspensa diante do mundo.
A vida se abriu com a nudez cômica de sua prosa, destaca o escritor tcheco Milan Kundera (A Cortina, Companhia das Letras): “Assim como uma mulher que se maquia antes de sair apressada para o primeiro encontro, o mundo, quando corre em nossa direção, no momento que nascemos, já está maquiado, mascarado, pré-interpretado. E os conformistas não serão os únicos a ser enganados; os seres rebeldes, ávidos de se opor a tudo e a todos, não se dão conta do quanto também estão sendo obedientes, não se revoltarão a não ser contra o que interpretado (pré-interpretado) como digno de revolta.”
Ilíada e Odisseia, de Homero; Eneida, de Virgílio (70 a. C.-19 a. C.); e Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões (1524-1580), são exemplos de poemas épicos. Toda epopeia clássica começa com a revelação do herói e sua temática, invocando uma divindade inspiradora do autor, que narra os feitos heroicos do protagonista. Ou seja, a inspiração é o passado, mas este serve de reverência atemporal para a História, representa o processo civilizatório. Não à toa Virgílio buscou inspiração em Homero. Roma resgatava a cultura e os padrões estéticos da Grécia Antiga, numa narrativa plena de aventuras e heroísmo.
No poema épico, o herói reproduz as qualidades do seu povo, não apenas suas características individuais. Tem uma missão quase impossível a cumprir, o que destaca suas qualidades ao longo de uma narrativa, na qual suas dificuldades são extraordinárias. No modernismo, o poema Mensagem, de 1934, o poeta português Fernando Pessoa, com métrica e rima, resgata o heroísmo e a grandeza de Portugal no período dos Descobrimentos, numa crítica à decadência da elite de sua época.
Publicado oficialmente no México em 1950, e clandestinamente no Chile, no mesmo ano, “Canto Geral”, de Pablo Neruda, é outro poema épico. Escrito quando o poeta fugia do Chile para Argentina, pela cordilheira dos Andes, os versos denunciam as injustiças históricas que os países da América Latina sofreram ao longo dos séculos. Vilões e heróis são reclassificados a partir da sua perspectiva.
Escrito em Buenos Aires, em 1976, o Poema Sujo, de Ferreira Gullar, é outro exemplo de poema épico. Seus dois mil versos são uma espécie de ode à liberdade. O poeta já havia estado exilado em Moscou, em Santiago e em Lima. No Brasil, o regime militar implantado após o golpe de 1964 tinha autorização para enviar agentes dos serviços de segurança à Buenos Aires e capturar políticos oposicionistas. Temendo pela própria vida, Gullar trancou-se no apartamento onde morava, na Avenida Honório Pueryredon, em Buenos Aires, e escreveu o poema como se fosse um testamento, uma síntese do que pensava sobre a cultura e a vida.
Mitos e heróis
Teremos uma semana épica aqui no Brasil, na qual está se decidindo o nosso futuro, num embate entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, que pode se decidir no primeiro turno em favor do primeiro ou nos levar a um segundo turno imprevisível, não do ponto de vista eleitoral, mas institucional. Será uma semana tensa, de muitas agressões e estresse emocional.
O mito de que o brasileiro é um “homem cordial” vem de um senso comum, desconstruído por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. A expressão cordial é um “tipo ideal” que não indica apenas bons modos e gentileza, vem da palavra latina “cordis”, que significa coração. Segundo Buarque, o brasileiro precisa viver nos outros. A cordialidade muitas vezes é mera aparência, “detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência.” A nossa história mostra o quanto a luta política pode ser cruel.
Lula e Bolsonaro são figuras mitológicas da política brasileira, Lula é o líder metalúrgico que chegou lá, passou o pão que o diabo amassou após deixar o poder e renasceu das cinzas, como fênix. Bolsonaro é o “mito” que desafiou o sistema, construiu uma carreira política na contramão, lançou-se à disputa pela Presidência com a cara e a coragem, sobreviveu ao atentado que o deixou entre a vida e a morte na reta final da campanha de 2018. Um tenta voltar ao poder, com o passivo dos escândalos de seu governo e um legado de realizações sociais; o outro, tenta a reeleição, com uma agenda conservadora e o fardo de um governo desastrado, da falta de empatia e das suas grosserias misóginas. Encarnam o papel de herói e anti-herói, simultaneamente, para uma sociedade dividida entre “nós” e “eles”.
Ulysses, o semideus grego da Ilíada de Homero tinha uma existência verdadeira, voltava para casa, tinha uma vida normal, até que a situação exigisse um gesto glorioso e individual. A filósofa judia alemã Hanna Arendt dizia que a disposição de pensar, agir e falar politicamente pode mudar o curso na história. O herói pode ser um indivíduo comum que se insere e se destaca no mundo por meio do discurso, se move quando os outros estão paralisados. Precisa fazer aquilo que outro poderia ter feito, mas não fez; ou melhor, o que deixaram de fazer. Lula e Bolsonaro estão ancorados no passado, têm projetos antagônicos, populistas, um é democrata, o outro é autoritário, mas vão decidir o futuro de todos nós.
Nas entrelinhas: Voto útil pode reduzir distância entre Lula e Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha de voto útil deflagrada pelo PT para garantir a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno é a estratégia adotada pelo petista na reta final de sua campanha. O objetivo é volatilizar a candidatura do ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e, com isso, atrair os eleitores que lhe faltam para ter mais de 50% dos votos válidos em 2 de outubro. A expectativa de poder que o favoritismo de Lula oferece, ao contrário do que acontece com os demais candidatos de oposição, é um fator de atração de apoios de personalidades, intelectuais e políticos do chamado centro democrático, que estão aderindo publicamente à campanha do petista. Lula está mais próximo de uma vitória no primeiro turno.
No caso de Ciro, o voto útil já está implodindo o PDT. O tom agressivo da campanha, porém, provoca forte reação de Ciro Gomes, que passou a tratar Lula como adversário principal nas últimas semanas, por ter a sua sobrevivência como líder político nacional ameaçada pelo esvaziamento progressivo de sua candidatura. Na prática, essa reação de Ciro reforça a narrativa adotada por Bolsonaro para aumentar o índice de rejeição de Lula, focada, principalmente, nos escândalos do mensalão e da Petrobras, e pelas condenações em primeira e segunda instâncias nos processos da Operação Lava Jato, embora essas sentenças tenham sido anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse confronto no campo da oposição pode deixar muitas sequelas. O risco da estratégia é que a ofensiva não alcance seu objetivo e reduza, porém, a distância de Lula para o ex-presidente Jair Bolsonaro na votação de primeiro turno. Isso dependeria também do esvaziamento da candidatura de Simone Tebet (MDB), alvo de uma segunda frente da campanha do voto útil, operada pelo ex-governador Geraldo Alckmin, o vice de Lula, junto às lideranças históricas do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pressionado por seus amigos e aliados mais próximos que aderiram a Lula nesta semana, ainda resiste a declarar apoio ao petista. Ontem, distribuiu nota na qual pedia voto para os candidatos de oposição a Bolsonaro, em defesa da democracia, sem aderir ao voto útil, mas não citou Simone, candidata que está oficialmente coligada com o PSDB e o Cidadania.
Com menos virulência do que Ciro, Simone Tebet também vem reagindo à campanha do voto útil. Em cards distribuído nas redes sociais, ela se coloca como única candidata em condições de derrotar Lula no segundo turno. É uma maneira de barrar o esvaziamento de sua candidatura por meio de um voto útil com sinal trocado, que levaria seus eleitores mais conservadores a desistirem de seu nome e derivar por gravidade para Bolsonaro, já que são antipetistas. É aí que mora o perigo de a campanha do voto útil reduzir a distância de Lula para Bolsonaro, sem garantir uma vitória no primeiro turno, reforçando a polarização eleitoral e, também, a radicalização política no segundo turno. Quanto menor a distância de Lula para Bolsonaro, maior o estresse previsível do ponto de vista institucional.
“Inimigo principal”
Numa campanha radicalizada, na qual os candidatos se tratam como adversários a serem liquidados, errar de “inimigo principal” pode ser fatal. Enquanto Bolsonaro concentra o fogo contra Lula, a oposição começa a se digladiar com muita agressividade na campanha. O normal seria que Ciro Gomes estivesse lutando para tomar o lugar de Bolsonaro, o segundo colocado, e não escalasse o confronto com Lula. A mesma coisa acontece com os petistas que estão intensificando os ataques ao candidato do PDT e, agora, contra Simone Tebet, que votou em Bolsonaro no segundo turno de 2018, mas vem fazendo uma firme campanha contra ele nestas eleições. Efeitos colaterais podem frustrar o esforço de Lula para vencer a eleição no primeiro turno nesta reta final e complicar muito a sua vida no segundo turno.
Bolsonaro errou muito na campanha até agora, mas passou a ouvir mais o seu marqueteiro, Duda Lima, responsável pelos programas de televisão, durante as gravações, segundo informa sua assessoria de imprensa, a propósito da coluna de ontem, quando afirmei o contrário. O caminho crítico para Bolsonaro chegar ao segundo turno é reduzir a vantagem de Lula entre os eleitores de mais baixa renda e entre as mulheres, o que ainda parece impossível. Para isso, ontem, o governo anunciou que vai comprar alimentos produzidos por pequenos agricultores e distribuí-los entre os mais pobres, uma tentativa de neutralizar o principal fator de desgaste de Bolsonaro junto aos eleitores que recebem até dois salários mínimos: o preço dos alimentos.
Na reta final da campanha, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro serão decisivos para Bolsonaro garantir o segundo turno. No Rio de Janeiro, a reeleição do governador Cláudio Castro (PL) no primeiro turno ainda está no telhado, mas a distância de Marcelo Freixo (PSB) favorece Bolsonaro e complica para Lula. Em São Paulo, onde o petista Fernando Haddad é favorito, a estagnação da candidatura de Tarcísio Freitas (Republicanos) e o crescimento de Rodrigo Garcia (PSDB) preocupam Bolsonaro, que pretende intensificar sua campanha no estado. Em Minas, os ataques do governador Romeu Zema (Novo) ao ex-governador petista Fernando Pimentel acenderam um alerta vermelho na campanha de Lula, que apoia o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD). Zema deve vencer no primeiro turno, mas ninguém sabe o que fará depois de eleito, se houver segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
Nas entrelinhas: Lula assume narrativa do voto útil na reta de chegada
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“Eu nunca fiz eleição para ganhar no 2° turno. Eu, que tenho 46%, tenho que acreditar que é possível, nos próximos dias, conquistar a porcentagem que falta, sem desprezo a ninguém”, postou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ontem, no seu Twitter oficial, Lula 13. Iniciou, assim, uma arrancada de 20 dias, cujo objetivo é volatilizar nas próximas semanas as candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Com isso, pretende transformar uma ameaça, o risco de perder para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno, na oportunidade de vencer no primeiro turno. Na pesquisa Ipec/TV Globo de segunda-feira, Lula aparece com 51% de votos válidos, o que significa a chance de vitória no primeiro turno.
Na postagem, Lula foi elegante. Vencer no primeiro turno seria um feito inédito. Em 2022, a disputa contra José Serra (PSDB-SP) foi para o segundo turno; em 2006, contra o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), que hoje é seu vice, também. As vitórias de Dilma Rousseff em 2010, no auge de seu prestígio como presidente, e em 2014, também foram para o segundo turno. Ou seja, não existe precedente de os candidatos do PT vencerem a eleição de roldão. Dessa vez, porém, Lula está animado. Bolsonaro não consegue baixar a sua rejeição, a avaliação de seu governo continua ruim, a distância entre ambos no eleitorado feminino permanece abissal. A fala mansa do presidente da República nos últimos dias mostra que a estratégia bolsonarista de confrontação ideológica esgotou-se no 7 de Setembro.
Bolsonaro se manteve nos 31% da semana passada, segundo o Ipec, mas a aprovação do governo oscilou negativamente de 25% para 23%, enquanto a reprovação variou de 43% para 45%. A rejeição ao modo de governar de Bolsonaro oscilou para cima, de 57% para 59%. Lula sentiu o cheiro de animal ferido na floresta e foi à caça. Dos votos de Bolsonaro? Não, resolveu partir pra cima dos eleitores de Ciro Gomes, que estacionou nos 7%. A mesma pesquisa revelou que 52% dos eleitores do pedetista ainda podem de mudar de voto. Lula é sutil no voto útil, mas sua militância nas redes sociais é uma escolada patrulha ideológica, que partiu para cima dos setores de esquerda refratários ao voto em Lula no primeiro turno.
O acordo com Marina Silva (Rede), candidata a deputada federal por São Paulo, em grande estilo, com o compromisso de levar adiante o programa da sua ex-ministra do Meio Ambiente, com quem Lula estava rompido, é considerado como uma sinalização de que chegou a hora de concentrar as forças para derrotar Bolsonaro no primeiro turno e não dar nenhum espaço para contestação do resultado eleitoral. Meia narrativa é de que Bolsonaro representa uma ameaça fascista e, para barrá-la, como ensina a velha tradição de esquerda, o melhor instrumento é uma “frente ampla”. Ocorre que não existe essa frente, o que está se propondo é a unidade de esquerda. A outra metade da narrativa é o argumento de que as forças que apoiam Simone Tebet querem levar a eleição ao segundo turno para barganhar seu apoio e forçar o ex-presidente Lula a assumir um programa liberal, mantendo o teto de gastos, a reforma trabalhista, a autonomia do Banco Central etc, o que afastaria qualquer possibilidade de acordo de cúpula com essas forças no segundo turno.
Volatilidade
Bolsonaro sentiu o golpe da pesquisa Ipec. Havia ampla expectativa de parte do comando de sua campanha de que as grandes mobilizações do 7 de Setembro seriam uma arrancada para a vitória, mas não foi isso que ocorreu. O brado presidencial de que era “imbrochável” roubou toda a narrativa patriótica. O ato revelou mais capacidade de mobilização dos bolsonaristas do que de persuasão dos eleitores indefinidos. Os ataques a Lula com base nas denúncias de corrupção no seu governo também não estão aumentando a rejeição do petista como se imaginava; outras bandeiras bolsonaristas se esvaziaram com a chegada de Bolsonaro ao poder. No fundo, o mau desempenho do governo, principalmente nas áreas sociais, como educação, saúde, habitação, virou uma mala sem alça que seus aliados precisam carregar.
Nas próximas semanas, o ambiente eleitoral se tornará mais volátil, porque a maioria dos eleitores começará a consolidar ou mudar o voto. A possibilidade de uma vitória de Lula no primeiro turno é real, mas nem de longe está consolidada. O que as pesquisas estão mostrando até agora é que o cenário de segundo turno é o mais provável, com Lula e Bolsonaro. Essa polarização pode desidratar Ciro Gomes, nas próximas semanas, em favor do petista; mas esse seria o caso de Simone Tebet? Se sua candidatura do MDB for volatilizada, para onde irão os seus votos?
Nas entrelinhas: A longa angústia da terceira via na corrida presidencial
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A angústia se caracteriza por uma situação na qual a pessoa se sente ameaçada por algo que pode acontecer, o que leva à preocupação excessiva, causa irritabilidade e insegurança, provoca dor de cabeça e até dores musculares, além de alterações na frequência cardíaca. Na política, além desses sintomas, a angústia pode provocar uma sequência de atitudes equivocadas, atritos e desavenças que, muitas vezes, só colaboram para que a ameaça se concretize. É o que acontece com alguns protagonistas da terceira via, que continuam se digladiando, em vez de buscar o verdadeiro entendimento.
Uma das causas da angústia é óbvia: a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) está cada vez mais cristalizada, segundo as pesquisas de intenção de voto. Há três fatores principais. O primeiro: ambos têm uma base eleitoral muito resiliente, com identidade ideológica e organicidade. Lula em razão de um partido enraizado na sociedade; Bolsonaro devido à relação, por meio de redes sociais, com setores da sociedade com os quais se identifica, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, ruralistas, atiradores etc.
O segundo fator são as realizações à frente do governo, o que força uma comparação entre a vida de antes e a de agora, em termos de renda, emprego, qualidade de vida e por aí vai. Lula deixou o governo em 2010, com o país crescendo a uma taxa de 7,5% e inflação de 5,9%; neste ano, o governo Bolsonaro projeta uma taxa de crescimento de 0,56% e uma taxa de inflação de 7,65%, segundo o último boletim Focus do Banco Central.
O terceiro é a rejeição dos dois candidatos, que se retroalimenta, na medida em que não surge uma candidatura mais robusta de terceira via. Pesquisa FSB, divulgada na segunda-feira, mostra que a rejeição ao ex-presidente Lula, em um mês, foi de 41% para 45%; o número de eleitores que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro oscilou de 57% para 55%. Cada um trabalha a rejeição do outro como um fator decisivo da eleição.
No campo da terceira via, o pré-candidato mais rejeitado é o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB). Em março, 57% disseram que não votariam no tucano de jeito nenhum. Agora, são 63%. O pedetista Ciro Gomes é rejeitado por 49% dos entrevistados. Em março, o ex-governador tinha 41%.
Nas intenções de voto Lula lidera com 41% contra 32% de Bolsonaro. Em março, o petista tinha 43% e o atual presidente marcava 29%. Na pesquisa espontânea, que sinaliza o voto mais cristalizado, Lula tem 38% e Bolsonaro, 30%. Ciro Gomes tem 4%, e os demais candidatos, somados, 4%. Os indecisos seriam apenas 16%, enquanto 10% não votariam. É ou não é uma razão para a angústia dos articuladores da terceira via?
Campanha
Outra razão é o calendário eleitoral. Teremos uma campanha muito curta. Entre 20 de julho e 5 de agosto serão realizadas as convenções partidárias para deliberar sobre coligações e escolher candidatas e candidatos à Presidência da República e aos governos de estado, bem como aos cargos de deputado federal, estadual e distrital. Legendas, federações e coligações têm até 15 de agosto para solicitar o registro de candidatura dos escolhidos.
Até lá, são pelo menos 90 dias de pré-campanha, na qual os possíveis candidatos articulam seus palanques e cuidam das chapas proporcionais e da estratégia de marketing, num cenário em que o diabo mora nos detalhes, ou seja, nas disputas regionais. Basta ver o impacto que o cenário eleitoral de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, no qual o candidato tucano Rodrigo Garcia tem apenas 6% de intenções de voto, está tendo na pré-campanha de Doria, um dos candidatos da chamada terceira via.
Os outros são Simone Tebet (MDB) e Luciano Bivar (União Brasil). Os três somados, hoje, têm o mesmo peso eleitoral de Ciro Gomes. Há uma expectativa de que se chegue a um acordo entre os partidos da terceira via em 18 de maio; a maior probabilidade, porém, é que isso não ocorra, porque ninguém acumulou força suficiente e o prazo de registro de candidatura, diante da fraqueza de todos, estimula um tempo maior de decantação.
A eleição para a Presidência parece um jogo de cartas marcadas, porém, não é; muita água vai rolar antes e após o início da campanha eleitoral, que só começa em 16 de agosto. O primeiro turno do pleito será no primeiro domingo de outubro, dia 2; o segundo, no dia 30 do mesmo mês. Façam suas apostas.
Nas entrelinhas: Autoritarismo e corrupção são naturalizados no pleito
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Por suas convicções, declarações e atitudes, o presidente Jair Bolsonaro (PL) é considerado pela oposição uma ameaça à democracia no Brasil. Sua visão de mundo, a compreensão sobre o papel do Estado na vida nacional, seus métodos de atuação, tudo corrobora o seu perfil político autoritário. Em decorrência disso, e da postura negacionista e da falta de empatia com as vítimas da pandemia de covid-19, disseminou-se uma grande rejeição na opinião pública à sua reeleição, que se reflete nas pesquisas.
Em contrapartida, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecia como franco favorito nas pesquisas eleitorais, gerando grande expectativa de poder, uma vez que já não estava preso e suas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Diante de um cenário de 660 mil mortos, 11 milhões de desempregados, alta da inflação e estagnação econômica, a volta de Lula ao poder parecia apenas uma questão de tempo e não, como seria necessário ser, de uma estratégia bem-sucedida para consolidar o isolamento de Bolsonaro.
O presidente parecia fadado a ser enxotado do poder pelo eleitor. Com fim da pandemia, a situação mudou completamente. A principal preocupação da população já não é com a saúde. Passou a ser com a economia, cujos problemas relatados acima estão sendo mitigados pelo governo. O programa de transferência de renda Auxílio Brasil substituiu o Bolsa Família, uma herança do governo Lula. Outras medidas estão sendo adotadas, como mudanças na tabela do imposto de renda, subsídios para o gás de cozinha, adiantamento de 13º salário, liberação do fundo de garantia etc.
O governo opera de forma aberta em favor da reeleição. Bolsonaro exibe a competitividade que parecia perdida e reduz a distância em relação a Lula nas pesquisas. Como são muito conhecidos, esses votos estão sendo consolidados antes da campanha eleitoral de rádio e tevê. Isso ocorre em meio a um choque de narrativas, em quatro chaves: 1) as condições de vida da população durante os governos Lula e Bolsonaro; 2) a disjuntiva democracia x corrupção; 3) a mudança dos costumes, ou seja, as chamadas pautas identitárias; e 4) o tema do desenvolvimento, tendo como eixo a globalização e a questão ambiental.
Voto útil
A primeira chave tem uma base muito objetiva. Para o cidadão comum, as perguntas são: está empregado ou não, consegue serviço ou não, recebe ajuda do governo ou não, dá para pagar as contas, comprar a comida e chegar ao fim do mês com a dinheiro da passagem? O que ameaça Bolsonaro e favorece Lula nesse quesito é a inflação, que está fora do controle. O peso da economia nas eleições costuma ser fundamental, embora possa ser decidida em razão de outros fatores.
Do ponto de vista institucional, porém, a segunda chave é mais preocupante. Não é somente a corrupção na política que está sendo naturalizada com a liquidação da Lava-Jato e anulação de processos e condenações, entre os quais os de Lula. Diga-se de passagem, a aliança de Bolsonaro com o Centrão está tendo um papel determinante para isso, inclusive para livrar o governo de investigações sobre seus escândalos.
Também está havendo, em contrapartida, a naturalização do autoritarismo de Bolsonaro, cujo projeto de reeleição embute propósitos já bastante conhecidos, como subjugar o Judiciário, verticalizar o poder do Executivo e transformar a democracia brasileira num regime “iliberal”. Setores que haviam se afastado do governo, com a desistência de Sergio Moro e a crise instalada na chamada terceira via, na qual os partidos se digladiam internamente — a começar pelo PSDB —, estão começando a tratar o autoritarismo de Bolsonaro como um mal menor, diante da volta de Lula ao poder.
O debate sobre a agenda dos costumes, a terceira chave, consolida a polarização esquerda x direita, num ambiente social em que o conservadorismo vem levando a melhor. O tema do desenvolvimento, no eixo da globalização e da questão ambiental, que seria o verdadeiro debate sobre o futuro do país, está sendo tratado de forma subalterna, quando Lula e Bolsonaro se reverenciam nas ações e realizações de seus respectivos governos, que já fazem parte do passado.
Falta uma candidatura robusta que possa cumprir esse papel de pautar o futuro no debate eleitoral e, assim, oferecer uma alternativa nova para o país. Essa possibilidade está cada vez mais difícil, a ideia de uma candidatura única dos partidos de centro corre contra o tempo. As pesquisas estão dando sinais de que o “voto útil” no primeiro turno pode abduzir a candidatura da terceira via.
Nas entrelinhas: Por que a terceira via não empolga nem ela própria?
Embora a pré-campanha tenha começado de forma muita antecipada, em grande medida em razão das prévias do PSDB, que em vez de unir dividiu ainda mais a legenda, a campanha eleitoral para presidente da República será curta: começará em 15 de agosto. Até lá, o que está se decidindo é o grid de largada: quem serão os candidatos para valer e as respectivas coligações, que garantirão o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na tevê de cada um. De 2 a 30 de outubro, se houver segundo turno, o país poderá estar à beira de uma ruptura institucional.
A distância entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem se encurtando, enquanto o espaço para uma candidatura alternativa, nessa pré-campanha, parece cada vez mais restrito. As pesquisas de opinião apontam uma tendência de consolidação de votos, em razão de os candidatos serem mais conhecidos, porém, a eleição ainda está no estágio de “guerra de posições”, ou seja, de ocupação de espaços e acumulação de forças. Entretanto, como sabemos, as eleições presidenciais no Brasil são decididas numa “guerra de movimento”, quando a grande massa de eleitores efetivamente se envolve nos debates eleitorais e decide o que fazer. Ninguém leva o eleitor para votar pelo nariz.
As últimas pesquisas estão mostrando que o favoritismo de Lula continua inequívoco nas pesquisas de segundo turno, mas seu crescimento estacionou, no primeiro turno. O ex-presidente trabalha para esvaziar os candidatos da terceira via e não para atraí-los no segundo turno. É uma aposta perigosa, que mira uma vitória improvável no primeiro turno, mais não impossível, num cenário de extrema radicalização política. O petista se considera mono opção para derrotar Bolsonaro, o que não deixa de ser uma arrogância.
Bolsonaro joga com as mesmas cartas. Aposta suas fichas no sentimento antipetista, que parece ser mais encardido do que Lula imagina. Esse sentimento, diante das fragilidades da chamada terceira via, alimenta seu crescimento na classe média, para além do impacto do auxílio emergencial e outras benesses do governo na massa de eleitores de baixa renda. Setores que haviam se afastado do governo, por causa da pandemia, da recessão e declarações extremadas de Bolsonaro, estão começando a ver a sua reeleição com naturalidade, principalmente no meio empresarial.
Ciro
Enquanto isso, a terceira via não empolga, não consegue se colocar em cena como alternativa de poder. Há um mistério nisso aí, que tem a ver com a mesmice da narrativa de centro, que não enfrenta o problema das desigualdades e da exclusão social. Com a desistência do ex-juiz Sergio Moro, o ex-governador Ciro Gomes (PDT) seria o candidato natural da terceira via, mas não consegue sair do isolamento. É um político experiente, mas de temperamento intempestivo. Seu maior problema é político: seu projeto nacional-desenvolvimentista foi abduzido por Lula e não atrai as forças políticas de centro. Ciro é uma espécie de patinho feio entre os candidatos da terceira via.
Doria
O desempenho do ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) à frente da administração paulista exibe resultados espetaculares, na infraestrutura, no desenvolvimento econômico, na geração de emprego, na educação, sem falar na saúde, principalmente nas vacinas. Entretanto, não consegue capitalizar esses resultados em termos eleitorais. O ex-governador gaúcho Eduardo Leite faz um piquenique nas articulações da terceira via, mas seu desempenho à frente do governo gaúcho, principalmente do ponto de vista fiscal, não chega nem perto do que Doria realizou em São Paulo. Como se sabe, o Rio Grande do Sul é um estado falido. Talvez a mesmice explique.
Simone
Simone Tebet é uma incógnita. Por sua atuação no Senado, conquistou a simpatia dos colegas e se tornou uma aposta do presidente do MDB, Baleia Rossi, e do ex-presidente Michel Temer. Ontem, mostrou capacidade de reação à ofensiva feita por Lula junto aos velhos aliados do MDB: a maioria dos diretórios da legenda reiterou apoio à candidatura, que havia sofrido um ataque especulativo do grupo de Renan Calheiros e do ex-presidente José Sarney, que apoiam Lula. Simone poderia ocupar o espaço de Marina Silva na cena eleitoral, mas também está muito contingenciada eleitoralmente, inclusive em Mato Grosso do Sul, seu estado. Encarna uma agenda identitária, que não empolga a grande massa de eleitores, como também Eduardo Leite, embora esteja sintonizada com os novos tempos.
Marco Aurélio Nogueira: Os números não mentem
Marco Aurélio Nogueira / O Estado de S. Paulo
O IPEC divulgou ontem, dia 14/12, os números da última pesquisa sobre a corrida presidencial. Algumas luzes de alerta começaram a piscar mais forte, especialmente porque foram reiteradas algumas pistas que estavam evidentes meses atrás. O cenário não está congelado, mas ainda não se desloca com vigor.
A constatação mais evidente não é a folgada dianteira de Lula, que exibe 48% das intenções de voto, prolongando o que havia sido exibido anteriormente. O ex-presidente parece estar jogando sozinho, mas trabalha o tempo todo e tem foco apurado. Vai distribuindo nós tático à esquerda e à direita, confundindo os adversários e, às vezes, surpreendendo os amigos.
O dado mais relevante é o derretimento ostensivo de Bolsonaro como pessoa física e como governante. O apoio direto a ele atingiu 21% e a reprovação a seu governo bateu na casa dos 55%, números que anunciam uma tragédia em marcha e sugerem que será muito difícil sua recuperação. Sempre a se ver, claro. Mas a forma de governar do presidente é rejeitada por 68% dos entrevistados e 70% dizem não confiar nele. Tudo bem, é uma fotografia do momento, mas são números eloquentes.
Podem ser vistas mais coisas. Primeiro, não surgiram outros candidatos competitivos. Segundo, Bolsonaro está pendurado no eleitorado evangélico, mas o compartilha com Lula. Terceiro, Ciro Gomes empacou. Quarto, Bolsonaro é a bola da vez: quem a ele se contrapuser tenderá a crescer.
A pesquisa é ruim para a chamada “terceira via”. Moro e o lavajatismo não mostraram a musculatura que esperavam. Dória indica que está regionalizado em São Paulo e não tem pista aberta Brasil afora. Simone Tebet ainda não teve tempo para aparecer e provar que é viável. Rodrigo Pacheco por enquanto é um sonho mineiro.
Todos ensaiam dançar uma valsa ou mesmo um bolero bem agarradinhos, mas a melodia é de baixa qualidade. É ouvida somente nos bastidores e seus acordes não seduzem. Os candidatos falam com seus botões, não com o eleitor. Blefam muito e nada apresentam em termos programáticos. Juras de amor são feitas às escondidas e com baixa credibilidade.
Oportunidades estão sendo perdidas. Em dezembro, mês de festas e confraternização, o que se perde fica em suspenso, à espera do ano novo. No calendário eleitoral, a corrida ganhará velocidade depois do Carnaval. Há tempo e espaço, portanto, para correções de rota e adoção de condutas mais inteligentes.
Bolsonaro tornou-se o alvo a ser atingido. Na perseguição a ele estará o pote dos votos de ouro. Enquanto não for tratado como o perigo a ser debelado, enquanto continuar a ser contestado pelos números mas poupado pelos candidatos, o jogo permanecerá amarrado.
Lula sabe disso, e é por isso que continua estável, exibindo força e desenvoltura.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/os-numeros-nao-mentem/
Lula e Bolsonaro dão impulso a propaganda na TV equilibrada em 2022
A propaganda eleitoral no rádio e na TV, que teve sua importância abalada com o crescimento das redes sociais e a inesperada vitória de Jair Bolsonaro em 2018, voltou a ser considerada crucial pelas pré-campanhas ao Palácio do Planalto.
O consenso no entorno dos principais pré-candidatos é o de que não se repetirá o fenômeno de 2018, em que Bolsonaro foi para o segundo turno —e acabou eleito— com um minúsculo tempo de propaganda da TV. Essa avaliação é compartilhada, inclusive, pelos próprios aliados do presidente da República.
Projeção feita pela Folha mostra que, se confirmadas as alianças partidárias em torno de Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois principais pré-candidatos até agora, ambos terão tempos de TV similares, cada um com cerca de 2 minutos e 20 segundos em cada bloco de propaganda (de 12min30seg), além de cinco inserções diárias (as propagandas curtas de 30 segundos inseridas nos intervalos comerciais das emissoras).
O PT de Lula tenta obter o apoio do PSB, PC do B e PSOL. Bolsonaro, que está prestes a ingressar no PL, deve ter o apoio de, pelo menos, PP e Republicanos, ou seja, uma coligação que reunirá as maiores siglas do centrão.
Bolsonaro disputou a eleição de 2018 pelo então nanico PSL, com apenas 8 segundos em cada bloco. Rompido com a sigla, tentou montar seu próprio partido, mas fracassou.
De acordo com aliados, ele próprio tem demonstrado consciência de que precisa de um razoável espaço na propaganda eleitoral se quiser ter chances de vitória. Isso teria sido decisivo em sua intenção de se filiar a uma grande legenda, não a outro nanico, como chegou a cogitar há algum tempo.
Até porque, lembram aliados e adversários, em 2018 ele prescindiu de espaço na propaganda eleitoral na TV muito em razão da ampla exposição vinda da cobertura jornalística do atentado a faca que ele sofreu em setembro, a um mês da disputa.
O espaço que cada candidato terá na propaganda no rádio e na TV é definido, principalmente, com base no tamanho dos partidos na Câmara dos Deputados. Caso se unam em coligações (que estão proibidas nas eleições para deputados e vereadores, mas não para presidente, governador e prefeito), os tempos de TV de cada um também são somados.
A propaganda da corrida presidencial em 2022 terá início em 26 de agosto e irá até 29 de setembro, três dias antes do primeiro turno, que será realizado em 2 de outubro. Ela se divide em dois blocos de 12min30seg, às terças, quintas e sábados, além de 14 minutos de inserções diárias (que geralmente se dividem em peças de 30 segundos cada uma), por emissora, das 5h às 24h.
Em tamanho, o maior peso na divisão do tempo de TV é da União Brasil, a fusão de PSL e DEM (cerca de 1min50seg por cada bloco), que ainda precisa de aval da Justiça Eleitoral. Luiz Henrique Mandetta é o pré-candidato, mas nos bastidores é dado como provável que o ex-ministro da Saúde tente outro cargo.
Com isso, a sigla pode apoiar alguma das candidaturas postas. Uma das possibilidades seria a de ingressar na chapa de Sergio Moro (Podemos), o que levaria o ex-xerife da Lava Jato a ficar, na divisão da propaganda de TV, em pé de igualdade com Bolsonaro e Lula.
Se a nova sigla aderir a Bolsonaro, o presidente dispararia na liderança do tempo de TV, com mais de 4 minutos por bloco.
"Todo mundo se sente o Roberto Marinho da rede social, acha que aí vai resolver o mundo. Acho que a rede social não vai ter a importância que teve em 2018. Com isso, em contrapartida, volta a ter maior importância as áreas de comunicação formal, propaganda eleitoral de rádio e TV", afirma Carlos Lupi, presidente do PDT.
O partido do pré-candidato Ciro Gomes tem em sua equipe uma das principais estrelas do mundo do marketing político, o baiano João Santana. Responsável pela comunicação das três últimas campanhas vitoriosas do PT, em 2006, 2010 e 2014, ele rompeu com o partido em meio às investigações e prisões da Lava Jato —que incluíram a dele— e hoje trabalha, por ora nas redes sociais, na tentativa de incrementar a imagem de Ciro.
O PDT terá cerca de 40 segundos de propaganda em cada bloco, caso não atraia coligações. Sobre o medalhão na equipe, Lupi diz que "a experiência, sozinha, não leva a nada, só nos torna mais velhos, mas também nos obriga a não cometer os mesmos erros".
E lembra os clássicos casos de candidatos à Presidência que tiveram verdadeiros latifúndios na propaganda eleitoral na TV e acabaram em fiasco —Ulysses Guimarães (MDB), em 1989, que ficou em 7º , e Geraldo Alckmin (PSDB), em 2018, que ficou em 4º.
"A TV sempre teve importância", afirma a deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do PT. "Embora Bolsonaro tenha sido eleito de maneira atípica, pelas fake news, pelas redes, nós utilizamos muito tempo de TV e outros partidos também. Hoje está mais equilibrada a propaganda na TV com as outras alternativas de comunicação", afirma.
Em 2018, Fernando Haddad assumiu a vaga de Lula, na época preso e inelegível, e conseguiu sair de patamares baixíssimos de intenção de voto e chegar ao segundo turno.
De acordo com Gleisi, o PT ainda não definiu seu marqueteiro, embora o nome de Sidônio Palmeira, ligado ao partido na Bahia, esteja em alta.
"Começa a se fazer uma discussão no final do ano sobre isso, mas definição, só ano que vem. O Franklin [o jornalista e ex-ministro Franklin Martins] é o coordenador da comunicação do partido. Ele está levantando, conversando, vendo quem poderia ser", diz Gleisi.
Um dos conselheiros políticos de Bolsonaro, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirma que um razoável tempo de propaganda eleitoral na TV terá muita importância. "Candidato à reeleição tem que ter muito tempo de TV para poder mostrar o que feito nos últimos quatro anos, porque durante a eleição é que as pessoas decidem os votos", afirma.
Moro, principal símbolo da Lava Jato, se filiou ao Podemos no último dia 10, em evento que expôs pontos de sua estratégia de marketing —defesa da operação e afagos ao mercado. O partido tem apenas 27 segundos de tempo de propaganda e precisará atrair apoios para ampliar essa fatia.
A prioridade seria atrair o União Brasil, que, por si só, deixaria o ex-juiz com tempo similar aos dois concorrentes que hoje lideram a disputa.
"Nenhum partido imagina caminhar sozinho. Então, lá na frente, deveremos ter coligações que permitirão ampliar o tempo de TV na apresentação de um projeto de país", afirma Fernando Vieira, consultor político do Podemos e que deverá comandar o marketing da campanha de Moro.
Ele avalia que as redes sociais se somam, em importância, à propaganda na TV, e, embora ressalte o longo período até o início da propaganda oficial, diz que a ideia inicial é abordar questões como desenvolvimento econômico com geração de emprego e distribuição de renda, combate à pobreza e responsabilidade fiscal, além da defesa do legado da Lava Jato.
"O candidato Moro tem convicção de que a corrupção tem relação direta com pobreza e miséria."
O PSDB, que realiza prévias entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), tem 43 segundos de tempo de propaganda. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pré-candidato do PSD, 51. A senadora Simone Tebet (MDB), 50.
Além da TV, outro ponto de interesse central das campanhas é a verba pública que irá abastecê-las. Assim como na propaganda, a divisão do bolo se dá, em linhas gerais, proporcionalmente ao peso dos partidos no Congresso.
O fundo eleitoral está, por ora, em R$ 2,1 bilhões, totalizando cerca de R$ 3 bilhões em verbas se somado o fundo partidário, que também pode ser usado em grande parte para gastos eleitorais. Os congressistas, porém, pretendem elevar o fundo eleitoral para algo próximo de R$ 6 bilhões.
No cálculo levando em conta os valores atuais, Lula e Bolsonaro terão, confirmadas as suas coligações, quase a mesma fatia da verba pública: R$ 548 milhões e R$ 549 milhões, respectivamente, somados os dois fundos.
De acordo com a última pesquisa do Datafolha, de setembro, Lula segue na liderança da corrida, com 44% das intenções de voto. Bolsonaro está em segundo, com 26%. Ciro tinha 9%. Moro não teve seu nome testado nessa pesquisa. Na última em que seu nome figurava como pré-candidato, em maio, ele tinha 7% das intenções de voto.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/lula-e-bolsonaro-dao-impulso-a-propaganda-na-tv-equilibrada-em-2022.shtml
Cristovam Buarque: A lição de Ortega, Lula e os erros do passado
Uma jornalista espanhola deu a Lula a chance de perceber o risco de certas posições que ele e o PT assumem, refletindo visão de esquerda do passado, alguns chamam de “exquerda”; e do risco de estas posições atrasadas servirem para eleger Bolsonaro, por rejeição ao PT. Historicamente, seria melhor se o Brasil contasse com posições e nomes progressistas sintonizados com a marcha do século XXI, mas, eleitoralmente, ainda bem que o Brasil tem o PT e Lula para ajudar a barrar a reeleição de Bolsonaro. Por isto, Lula tem a obrigação de perceber que ainda carrega ideias e erros do passado, e deve supera-las para cuidarmos do futuro. Depois do Bolsonaro, não vamos voltar a 2003, mas avançarmos para 2023.
Deve superar qualquer rancor pelo que sofreu no passado recente, da mesma forma que também devem abandonar rancor aqueles que sofreram e foram agredidos pelos gabinetes de ódio do PT.
O Lula precisa reconhecer que autoritarismo não deve ser apoiado, qualquer que seja o partido e o dirigente que o pratica. E que a autodeterminação dos povos só tem sentido quando os povos demonstram livremente suas determinações aos governos. Reconhecer que errou ao comparar as sucessivas reeleições de Merkel com as eleições de Ortega. Uma coisa é a continuidade de um partido no parlamentarismo, mantendo o primeiro-ministro no cargo, sem mandato, sujeito a “impeachment” a qualquer momento. Diferente do presidente que, já no poder, muda a Constituição que o elegeu para um mandato e consegue ampliar para mais um, como fez Fernando Henrique Cardoso. Muito mais grave quando manipula a Constituição para permitir diversas reeleições com fez Chavez, Evo, Maduro, Ortega. Ainda pior, quando prende opositores, mesmo usando a justiça como aconteceu com o próprio Lula.
Se quiser aproveitar a lição provocada pela entrevista sobre Ortega, precisa reconhecer erros do passado. Acerta quando deixa aberta a possibilidade de uma aliança com Alckmin, demonstrando querer superar o erro de tratar como inimigos a politicos social-democratas sérios, preferindo alianças com corruptos por meio da prática do orçamento secreto chamado mensalão. Precisa reconhecer que em função destas alianças, os governos do PT cometeram, permitiram e foram coniventes com corrupção no mais alto grau. Não pode continuar dando a entender que as malas de dinheiro, as devoluções de milhões de dólares e o reconhecimento de propinas são notícias e imagens manipuladas por uma “imprensa golpista”. Pode dizer que o juiz que o condenou foi declarado suspeito e que não há prova incriminando-o pessoalmente, mas abusa da inteligência do povo ao cair no negacionismo de escamotear as evidências de corrupção ao longo de governos do PT.
O Lula tem razão de imaginar que hoje é o único que de fato pode derrotar Bolsonaro, por isto tem a obrigação de “não queimar seu filme”, por equívocos atuais e por não reconhecer erros conhecidos de todos; e deve mostrar com clareza como vai evitar para que eles não se repitam, inclusive impedindo o aparelhamento da máquina do Estado por seu partido e aliados.
Deve assumir o erro da irresponsabilidade fiscal que, depois de cinco anos de rigor exemplar em seu governo, começou quando ele disse que a crise de 2008 nos EUA seria uma “marolinha”. Agravada no momento em que a Presidente Dilma fez as pedaladas, quebrando a confiança na economia, levando à recessão, inflação, desemprego. Lula e o PT precisam abandonar o negacionismo da “exquerda” que considera a irresponsabilidade fiscal como uma prática legítima e eficiente de política econômica para financiar privilégios e ineficiências por meio de inflação, sabendo o sofrimento que isto provoca pela desapropriação do salário dos empregados e a penúria entre os desempregados.
Lula precisa sair da “exquerda” para formar a aliança necessária a nos livrar de Bolsonaro em 2022, e a coalizão necessária para governar até 2026, vencendo a inflação, a fome, o desemprego, a pobreza, as sequelas do Covid, a desconfiança no Exterior em relação ao Brasil, e a falta de esperança dentro do país. Sem querer, Ortega e uma jornalista espanhola deram-lhe uma lição que ele precisa aproveitar.
*Cristovam Buarque foi ministro, governador e senador
Reinaldo Azevedo: Hipocrisia se exalta com fala de Lula sobre Ortega
Talleyrand e La Rochefoucauld refletem, respectivamente, sobre declaração de petista
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
Convido Lula e o PT a uma reflexão com uma frase que já virou um clichê: "Não aprenderam nada nem esqueceram nada". É atribuída ao diplomata francês Talleyrand ao se referir à volta dos Bourbons e sua turma ao poder na França, no período da Restauração.
E um bom debate se faria se os petistas respondessem com outra frase, igualmente espirituosa e verdadeira, na trilha de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude".
Vamos sair do mundo das frases para o dos fatos, que lhes conferem valor universal.
Junto-me àqueles que criticam duramente as afirmações feitas por Lula ao jornal El País sobre o nicaraguense Daniel Ortega. Ainda que repise argumentos, vá lá: Angela Merkel e Felipe González disputaram eleições limpas, seus adversários não estavam na cadeia, e o Poder Judiciário de seus respectivos países não eram formados por bonecos de mamulengo de um ditador.
Assim, não faz sentido associar os seguidos mandatos de Ortega —que fraudou a Constituição em conluio com juízes escolhidos a dedo— à longa permanência no poder daqueles dirigentes.
Ademais, como já se verifica, trata-se de um erro de operação política que nem mesmo faz justiça à atuação de Lula como presidente.
Se quisesse, teria mudado a tempo a Constituição para disputar um terceiro mandato, para o qual teria sido reeleito no primeiro turno. Escolheu outro caminho. Dilma sofreu um processo de impeachment, e o PT deixou o poder pacificamente. Foi fazer a luta política.
Os governos petistas mantiveram relações amistosas com ditaduras, a exemplo dos que os antecederam. Não é assim mundo afora? Como é mesmo, Deng Xiaoping? "Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que cace ratos".
O Brasil não tem de escolher o regime dos países com os quais se relaciona, embora, entendo, deva se alinhar, nos fóruns multilaterais, com a defesa da democracia e dos direitos humanos.
Ou venderemos soja, carne e ferro apenas a regimes democráticos, condição para que importemos sua tecnologia? A pergunta é meramente retórica. A que vem a condescendência de Lula com o governo da Nicarágua?
Ecos, entendo, de um mundo que nem existe mais, como já não existia aquele da Restauração: seu modo de ser era a evidência de sua inviabilidade. Agora vamos a La Rochefoucauld.
Eu me indignei, sim, quando Lula afirmou não saber por que os adversários de Ortega estão presos. Quando menos, esperava dele empatia e solidariedade com aqueles que são encarcerados por motivos políticos.
Afinal, no Brasil democrático, ele próprio foi condenado por um juiz parcial e incompetente, por intermédio de uma sentença sem provas. O então magistrado fez questão de deixar claro, em embargos de declaração, que não as tinha.
Reportagens da Vaza Jato e dados da Operação Spoofing apontaram o conluio entre juiz e MPF, numa violação inquestionável do sistema acusatório. Que coisa! As personagens centrais da Lava Jato disputarão o poder em 2022.
Sete meses depois de mandar Lula para a cadeia, Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Seis dias antes do primeiro turno de 2018, divulgou trechos selecionados da delação picareta —data venia!— de Antonio Palocci. Ao postular a sua candidatura à Presidência, o agora ex-juiz propõe um certo Tribunal Superior Anticorrupção e oferece a Ucrânia como exemplo.
Engana-se quem acha que estou justificando ou minimizando as declarações do líder petista. Para citar Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988 —frase vivificada no excelente documentário "8 Presidentes, 1 Juramento", de Carla Camurati—, tenho "ódio à ditadura; ódio e nojo". A qualquer uma.
Mas lastimo o rigor salta-pocinhas de supostos liberais, que se escandalizam com uma declaração inaceitável sobre o governo da Nicarágua, mas confundem, no Brasil, o devido processo legal com impunidade, condescendendo com um justiceiro que colaborou para a corrosão do processo democrático e que agora se lança como o restaurador da ordem, cavalgando um tribunal de exceção.
Sempre espero que políticos aprendam alguma coisa. E tenho tolerância zero com hipócritas.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/11/hipocrisia-se-exalta-com-fala-de-lula-sobre-ortega-ditador-da-nicaragua.shtml
Tudo conspira a favor de Moro: crise tucana, filiação de Santos Cruz, renúncia de Mandetta
Ciro Gomes pode ter perdido o terceiro lugar para Moro; outro adversário, o PSDB, parece um bêbado
Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo
O lançamento de Sérgio Moro pelo Podemos chacoalhou o tabuleiro de 2022, já se reflete nas pesquisas e confirma que a eleição não será uma mera guerra entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. A sociedade e a movimentação política estão mostrando que o céu é o limite para uma terceira via.
Tudo vem favorecendo Moro: a filiação de ontem do general da reserva Santos Cruz ao Podemos é uma isca para o eleitorado de Bolsonaro, particularmente os militares; a desistência de Luiz Henrique Mandetta é uma questão de tempo e abre as portas do União Brasil (DEM e PSL) para Moro; a bagunça das prévias do PSDB enfraquece, e muito, o partido mais natural para ocupar a terceira via.
Bastou Moro se desvencilhar da consultoria internacional, tirar a gravata, passar a falar como político e até sorrir, que tudo parece conspirar a favor dele, que tem uma marca, a marca do combate à corrupção, ainda tão cara à sociedade e, portanto, ao eleitorado brasileiro. E já monta grupos de debate e discute nomes para a equipe.
Ciro Gomes (PDT) parou de falar e ninguém mais fala nele, que pode ter perdido o terceiro lugar para Moro. Outro adversário forte na terceira via, o PSDB, parece um bêbado e o fiasco das prévias não foi só uma “enrascada tecnológica”, como dizem os tucanos, mas uma demonstração de incompetência que fomenta a guerra interna.
Crescem as acusações de fraudes, chantagens e compra de votos entre as turmas de João Doria e Eduardo Leite, o que não só enfraquece o candidato, seja quem for, como implode as condições para a união na campanha.
Com Leite e Doria se engalfinhando, FHC e José Serra doentes, Geraldo Alckmin de namorico com Lula e Aécio Neves liderando uma bancada federal de viés bolsonarista, vai ter pena para todo lado. E pode ter tucano voando para o ninho de Moro.
No União Brasil, o PSL está dividido entre ser ou não Bolsonaro e o DEM virou uma massa disforme. Com a renúncia de Mandetta – inevitável –, o novo partido tende a esperar para ver que bicho vai dar no PSDB, ou pode deslizar para Moro. Mandetta e Moro são próximos e o PSL disparou com Bolsonaro e na onda anticorrupção – bandeira de Moro.
A entrada de Moro também atiçou Rodrigo Pacheco, que é do PSD e presidente do Senado, mas... não tem marca. Dá para alguém dizer por que votaria em Moro, PSDB, Ciro, Bolsonaro ou Lula. Mas por que em Pacheco?
Nem tudo são flores, muito menos certezas, para Moro. Até onde ele, e a própria terceira via, terão força para tirar Bolsonaro ou Lula do segundo turno? Mas o fato é que a chegada dele chacoalhou a eleição. Moro está no páreo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tudo-conspira-a-favor-de-moro-crise-tucana-filiacao-de-santos-cruz-renuncia-de-mandetta,70003909011
Luiz Carlos Azedo: Ao comparar Merkel a Ortega, Lula baixou a guarda para Moro
Todo o sucesso de seu périplo pela Europa foi zerado pela declaração infeliz
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou a guarda para seus adversários ao comparar a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ao em entrevista ao prestigiado jornal espanhol El País. Todo o sucesso de seu périplo pela Europa, no qual se encontrou com as principais lideranças do continente, para efeito da sua narrativa de campanha eleitoral, foi zerado pela declaração infeliz.
Lula começou bem: “Todo político que começa a se achar imprescindível ou insubstituível, começa a virar um pequeno ditador. Por isso, eu sou favorável à alternância de poder”, afirmou. No meio do caminho, pisou na bola: “Posso ser contra, mas não posso ficar interferindo nas decisões de um povo. Nós temos de defender a autodeterminação dos povos. Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e o Daniel Ortega não?”
Lula foi contestado pela entrevistadora, que lembrou ao petista que Merkel não mandava prender seus opositores, como Ortega. Lula ainda tentou consertar, mas o estrago já estava feito. Merkel governou a Alemanha por 16 anos, num regime parlamentarista, no qual dependia de resultados eleitorais e das alianças no Congresso para se manter no cargo. Ortega se reelegeu, pela quarta vez sucessiva, depois de mandar prender sete candidatos de oposição e inventar candidatos laranjas.
As alianças de Lula na América Latina, principalmente com Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua, além da defesa do regime comunista em Cuba, são pontos fracos da candidatura de Lula, porque sinalizam falta de compromisso com a democracia representativa. Provocado por jornalistas, o petista levantou suspeitas sobre suas intenções: “Não é só em Cuba que protestos são proibidos. No mundo inteiro protestos são proibidos. Greves são proibidas. A polícia bate em muita gente, no mundo inteiro, a polícia é muito violenta”, argumentou.
Existe muita ambiguidade nas posições do PT em relação à democracia representativa. O partido fez autocrítica pela esquerda em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff, que foi afastada pelo impeachment, o que os petistas classificam como um “golpe de Estado”. Na resolução que analisou as razões do impeachment, o PT defende posições do tipo: não controlamos a mídia, fizemos concessões demais aos aliados do Centrão e à oposição, erramos nas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa postura abre espaço para todos os adversários, não somente ao presidente Jair Bolsonaro. Já vinha sendo atacada pelo candidato do PDT, Ciro Gomes, que representa uma barreira à ampliação das alianças petistas em direção ao centro político. Mas são a narrativa contrária à Operação Lava-Jato e a falta de autocrítica em relação ao escândalo da Petrobras que revelam uma nova ameaça: a pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. O ex-ministro criticou Lula: “É muito preocupante que não tenhamos clareza nas credenciais democráticas de um candidato à Presidência da República.”
A jornada do herói
O ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, que comandou a Lava-Jato e condenou Lula, voltou dos Estados Unidos, onde trabalhava como consultor num grande escritório de advocacia, e entrou na cena eleitoral com muita força. Moro avança na faixa dos indecisos para ocupar espaços desejados por outros candidatos: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM); o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); a senadora Simone Tebet (MDB-MS); e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) se enrolaram nas prévias do PSDB e disputam uma partida de soma zero.
No hemisfério das paixões políticas, houve uma mudança de cenário. O choque principal da eleição era entre dois políticos carismáticos com passagens pelo poder, que permitem comparações objetivas sobre suas realizações passadas, e candidatos que se esforçavam por trazer a disputa para o terreno da racionalidade de propostas exequíveis de futuro. Moro pôs em cena o mito da jornada do herói, cujo padrão é aquele da odisseia grega de Ulysses. O herói se aventura de um mundo familiar para terras estranhas e, às vezes, ameaçadoras: a passagem pelo deserto, a tempestade no oceano ou a travessia da floresta escura. Com isso, atrai aqueles que estão se sentindo perdidos e desorientados, mas que podem mudar de vida e se beneficiar se aventurando a segui-lo, por não terem quase nada a perder.