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Ruy Fabiano: As tramas do ano novo

O embate entre justiça e impunidade, que marcou o ano que se encerra, terá continuidade em 2018. A investida contra a Lava Jato, tramada nos bastidores dos três Poderes – e cumprida com esmero pelo STF -, terá sua prova de fogo no próximo dia 24, quando o TRF-4, de Porto Alegre, reverá a sentença que condenou Lula.

A expectativa é de que a confirme, podendo inclusive agravá-la. Ciente disso, o PT oferece antecipadamente sua contrapartida: ocupar Porto Alegre e, nas palavras de Lula e José Dirceu, “tocar fogo no país”. Resta saber se haverá povo, entidade que há algum tempo parece ter migrado do partido.

Mas não há dúvida de que os petistas têm expertise em matéria de bagunça e provocação, além de militância armada para materializá-la: MST, MTST, CUT etc. Vejamos o que acontece.

Confirmada a condenação, Lula pode ser preso. Vai depender de Sérgio Moro, responsável pela sentença inicial. Não se sabe se a decretará. Há aí um peso simbólico, que a recomenda, mesmo sabendo-se com antecedência que o STF o soltará.

A ministra Carmem Lúcia já antecipou que, havendo pedido de habeas corpus - e não há dúvida de que haverá -, irá atendê-lo. Afinal, foi Lula que a nomeou para o STF, tendo sido distinguido com um convite à sua posse na presidência da Corte, há dois anos.

Foi a primeira vez que um réu (na ocasião, já penta réu) foi alvo de tal distinção por parte de um magistrado. Réu, num tribunal, comparece para ouvir sentença, não discurso de posse.

Sendo ou não sendo preso, Lula perderá a condição de “ficha limpa” e estará impossibilitado de concorrer às eleições de outubro.

Ainda que seus advogados se valham do cipoal de recursos que a lei processual oferece – e não há dúvidas quanto a isso -, é improvável que um condenado, com sentença confirmada por um colegiado, e ainda réu em mais seis processos por corrupção, tenha condições de postular o mais alto cargo da República.

O Brasil é criativo, surpreendente, mas jamais elegeu alguém em tais condições. Aliás, ninguém, em tais condições, jamais ousou tal absurdo, embora os tempos sejam de absoluto ineditismo.

Na Presidência, Lula poderia indultar-se a si próprio e, por via indireta, condenar o juiz. Parece disparate – e é -, mas de certa forma, mesmo sem ter chegado lá, é o que já ocorre. Investe-se contra Sérgio Moro e a Lava Jato, odiado por parte do STF e do Congresso, e busca-se uma saída para Lula.

O detalhe é que os que assim agem subestimam a opinião pública, hoje atuante nas redes sociais, onde vídeos de Lula, dizendo os maiores disparates, viralizam. Lula hoje está no mais baixo estágio de sua popularidade. Sabe que as pesquisas que o mostram como favorito não têm qualquer consistência, meras peças de ficção.

A pesquisa concreta é a que o impede de circular nas ruas, restaurantes e aeroportos, onde é hostilizado e carece de segurança.

O único fenômeno de popularidade política, neste momento, goste-se ou não, é o que cerca o pré-candidato Jair Bolsonaro, sem partido, sindicato, prefeitura ou governo, aclamado onde chega.

Sua plataforma resume-se a dois itens principais: segurança e moralidade. Também aí a campanha eleitoral mostrará o que nela há de consistente. Bolsonaro favorece-se do fato de que, até aqui, todos os seus oponentes já estão na terceira idade da política. Ele é o outsider, embora esteja no ramo há seis mandatos.

Em 2018, o ano começa antes do carnaval, com Lula mais uma vez no banco dos réus. O Congresso reabre em fevereiro e retoma sua pauta defensiva, que busca melar a Lava Jato.

A ausência de manifestações de rua encoraja os infratores a ousar as mais descaradas propostas, no sentido de manter a impunidade. Sabem que contam com a leniência do Executivo, cujo chefe, o presidente Temer, padece dos mesmos males de seus colegas parlamentares, e a colaboração ostensiva do STF. A Procuradoria Geral da República é ainda uma incógnita.

Sem povo, tudo é possível.

* Ruy Fabiano é jornalista

 


Monica de Bolle: A solidão da América Latina

No Brasil, prevalece o embate Lula-Bolsonaro, com um centro pulverizado

Fim de ano é sempre época de escrever colunas e artigos sobre o que esperar para o próximo na política, na economia. É sempre tempo de dar algumas pinceladas nos desafios, aflições, dilemas e agruras. O ano de 2018 será marcado por algo quase sem precedentes na América Latina: cerca de 420 milhões de pessoas serão chamadas às urnas para escolher quem determinará o destino de seus países, dentre os quais estarão três das maiores economias da região – Brasil, México e Colômbia. Ao contemplar o destino incerto e nebuloso desses três países, é impossível escapar da sensação de que 2018 será o ano da política nos tempos da cólera nessa região que, apesar de avanços, solitária permanece. “Pátria imensa de homens alucinados”, assim definiu Gabriel García Márquez a América Latina em seu discurso, cujo título encabeça esse artigo, na entrega do Nobel de Literatura em 1982.

A violência física e econômica da desigualdade, a brutalidade da corrupção, temas de 1982 para García Márquez, temas de 2018 para os eleitores latino-americanos. Os eleitores latino-americanos, habitantes de região tão frequentemente esquecida, carente da atenção mundial, da consideração dos EUA, já que no centro das grandes batalhas geopolíticas não está, por maior que seja, hoje, a presença da China.

Solitários, desiludidos com seus governantes, enraivecidos uns com outros ante a polarização crescente que caracteriza tudo e todos, eleitores que representam quase 80% do PIB da região escolherão os próximos homens e mulheres que hão de compor seus governos no ano que vem. Tais decisões não estarão circunscritas às fronteiras de cada nação. Os novos governos e suas diretrizes econômicas fadados estão a influenciar o restante da América Latina e seus eternos conflitos.

Quais são esses conflitos? O controle da economia pelo mercado versus o controle da economia pelo governo; a eficiência versus a justiça social; a tomada centralizada de decisões versus a transparência democrática. Esses conflitos, hoje, estão exacerbados na região pelos escândalos sucessivos de corrupção, e pela capacidade desses escândalos de atravessar fronteiras.

Há alegações de envolvimento ilícito de construtoras brasileiras na alçada da Operação Lava Jato em diversos países latino-americanos, incluindo México e Colômbia, além de Peru, Equador, Argentina, Chile, Uruguai, República Dominicana, Costa Rica, Guatemala, Panamá e Honduras. Como revela ampla literatura sobre os efeitos da corrupção, ela geralmente vem acompanhada de maior desigualdade, prejudica a capacidade do Estado de prover bens e serviços à população, distorce incentivos na alocação de talentos e recursos, e reduz a legitimidade do governo. Isso dificulta o complexo debate sobre o equilíbrio entre o papel do governo e o papel do mercado na economia, levando a reflexões simplórias do tipo “melhor privatizar tudo para eliminar a roubalheira”.

Privatizações podem aumentar a eficiência e reduzir a corrupção, mas podem também aumentar o poder econômico de alguns em detrimento de outros. Como sempre, as melhores soluções e recomendações de política econômica estão no meio, no centro.

Mas, como encontrar o centro, hoje tão solitário em meio à polarização? É essa a pergunta que as eleições latino-americanas de 2018 terão de responder. Na Colômbia, onde se dará o primeiro dos pleitos presidenciais em maio, há a Coalizão Colombiana, cujo objetivo é beneficiar-se da rejeição aos partidos e políticos tradicionais. Há os partidos tradicionais que apoiam o atual presidente Juan Manuel Santos, e há o partido do ex-presidente Álvaro Uribe, o Centro Democrático, cujo viés populista de direita “dura” é claro. Uribe se opôs ferrenhamente ao acordo de paz do governo Santos com as Farc, e o candidato endossado por sua coalizão provavelmente será o principal opositor de Germán Vargas Lleras, candidato respaldado por Santos.

No México, destaca-se a candidatura de Andrés Manuel Lopez Obrador por seu próprio partido, o Morena, de viés populista de esquerda – candidatos mais ao centro, por ora, não aparecem bem nas pesquisas para as eleições de julho. No Brasil, prevalece o embate Lula-Bolsonaro – ao menos até que o destino do ex-presidente seja definido – com um centro pulverizado e repleto de políticos que pouca inspiração trazem ao eleitorado.

Três eleições, várias possibilidades de que delas saia um líder mais extremado, inclinado a desfazer parte das reformas implantadas pelos governos anteriores ou, ainda, sem definição clara do que faria na economia. Colômbia e México têm algum estofo para enfrentar essas incertezas: são países que mantiveram taxas de crescimento razoáveis frente aos desafios internos e externos recentes, que têm economias bem administradas, que não passaram por convulsões institucionais severas.

Já o Brasil não tem a mesma sorte. O País tenta a duras penas engatar uma recuperação cíclica após dois anos de fortíssima recessão em meio a um ruidoso quadro político e convulsões institucionais diversas. A economia ainda necessita de profundo ajuste fiscal ante os déficits projetados para os próximos anos, o governo incapaz será de adotar reformas que sustentem o teto dos gastos públicos erguido há um ano – alguém acredita que a diluída reforma da Previdência será mesmo aprovada em 2018? E a campanha política promete ser das mais sangrentas e insubstanciais que já tivemos.

Tudo isso com o invólucro de uma administração instável nos EUA, de problemas geopolíticos em profusão mundo afora, da sanha populista que se alastra pelo Leste Europeu, pela Turquia de Erdogan, pelas Filipinas de Duterte, e que ameaça, ainda, a estabilidade da Europa.

Disse García Márquez em seu discurso de 1982 que a América Latina “não quer nem tem por que ser um bispo de xadrez sem arbítrio”. Referia-se à falta de vontade própria, à facilidade de ser a região manipulada pelas “potências”. Trazendo seu discurso para a atualidade, a América Latina não tem por que ser manipulada por seus piores instintos, refletidos na pobreza do debate político e suas perversas consequências para a economia. Saberemos em 2018 o destino dos homens alucinados distribuídos nessa imensa pátria.

* Monica de Bolle é pesquisadora do Peterson Institute for International Economics

 


Miriam Leitão: Fuga para o Planalto

O grande risco com o Lula não é o radicalismo. Ele nunca foi radical, tanto que, como disse em entrevista na última semana: “Esse mercado injusto que nunca me agradeceu com o tanto que ganhou.” Deveria também ter cobrado gratidão das empresas em geral, porque nos 13 anos do governo petista os benefícios para o capital foram de 3% do PIB para 4,5% ao ano, um aumento, ao PIB de 2015, de R$ 90 bilhões.

Na entrevista, em que convidou um grupo de jornalistas para um café da manhã, o ex-presidente disse: “Eu não tenho cara de radical, nem o radicalismo fica bem em mim.” De fato. Não é esse o problema. O risco Lula é institucional. Já condenado em primeira instância, réu em mais 5 processos, denunciado em outros, sua estratégia é a fuga para o Planalto, único local onde poderá escapar de todas as ações, todas as investigações, onde terá autoridade sobre a Polícia Federal, e poderá minar o poder do Ministério Público. O Brasil se transformará num país em que a impunidade será coroada se o réu chegar à Presidência da República.

Ele tem usado a candidatura como defesa nas ações a que responde na Justiça. Provavelmente calcula que quanto maiores forem suas intenções de voto mais inatingível ficará, mais poderá usar a versão de que é um perseguido político.

Contudo, a Justiça terá que decidir diante das provas e dos autos e agora a palavra está com o TRF-4. Mesmo na hipótese de ser absolvido, há outros processos contra ele. Lula se define como uma pessoa “mais conhecida que uma nota de R$ 10”, e tenta usar essa notoriedade para se blindar. Vai se aproveitar do tempo jurídico e das muitas possibilidades recursais em seu favor. “Se eles cometerem a barbaridade jurídica de me condenar tenho ‘n’ recursos para fazer, e vou continuar viajando.”

A Justiça Eleitoral tem aceitado, inexplicavelmente inerte, à campanha presidencial antes da hora. Também nada faz contra a descarada campanha de Jair Bolsonaro. Isso cria a distorção de punir quem cumpre a lei, e favorecer quem a ofende. “O mundo é dos espertos”, disse recentemente o técnico Renato Gaúcho, do Grêmio, ao ser apanhado espionando adversários com drones. A tese do técnico tem se confirmado porque as intenções de voto colocam Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Pelo visto, bobo é quem cumpre a lei eleitoral.

Ao dar os primeiros toques do que seria seu programa, ele, de novo, recorre à demagogia. “Por que o povo pobre tem que pagar mais imposto de renda do que o povo rico. Por que o rentismo não paga imposto de renda sobre o que ele ganha? Por que a gente não pode começar a pensar em uma política tributária em que as pessoas mais humildes paguem menos e os mais aquinhoados paguem mais? Por que não se coloca em prática a questão do imposto sobre as grandes fortunas? Parece radicalidade, mas não é.” Faltou uma pergunta: por que em 13 anos, quatro meses e 11 dias de governo, o PT não teve tempo de fazer o que ele propõe? Fez o oposto. As deduções de imposto para os grandes grupos e setores empresariais, as transferências através de empréstimo subsidiado, a elevação da dívida pública para aumentar em meio trilhão a capacidade de o BNDES dar crédito barato para grandes empresas, como JBS, grupo X, Odebrecht e outros, foram as grandes marcas dos governos petistas na economia. O programa econômico executado por ele e sua sucessora foi regressivo. Gastou-se mais dinheiro público com os muito ricos.

Lula prepara os truques com os quais vai responder às suas incoerências. Culpou o PT pela foto que tirou com Maluf. “Quando Haddad foi candidato a prefeito em 2012 eu estava com câncer, inchado e foram me tirar de casa para uma fotografia com Maluf.”

Ele se comporta como se o país tivesse amnésia coletiva. Propôs mudar tudo através de uma Constituinte, acusando a “elite”de ter feito uma nova Constituição desde 1988. O PT governou em quase metade desse tempo. Critica a atual gestão da Petrobras como se não tivesse acontecido nas gestões petistas o maior escândalo de corrupção da história do país.

Há todos os disfarces e truques de sempre, a demagogia costumeira, mas estes não são os maiores riscos, e sim um fato de que ele tem contas a acertar com a Justiça e tenta, como defesa, a fuga para a Presidência da República.

 


Alon Feuerwerker: O estado e as variáveis da corrida presidencial na virada de um ano animado para outro que promete

O que esperar e observar daqui até a eleição?

Oposição de esquerda. A variável decisiva será mesmo Lula. O ex-presidente atingiu por enquanto um objetivo: manter a autoridade absoluta no seu campo político. Os petardos da Justiça e da imprensa sobre ele e o PT, não necessariamente nesta ordem, poderiam ter enfraquecido a hegemonia sobre o conjunto da esquerda. Não aconteceu.

Há aqui e ali ensaios de alternativa. Mas não mostram por enquanto força para desafiar a ordem unida do chefe da tribo. Parecem mais movimentos para se fazerem ouvir por Lula e pelo PT, não polos reais de contestação à liderança tradicional. Se o PT não se complicar, os alternativos certa hora serão bem pressionados a caminhar com a formação principal.

A tática petista para enfrentar a quase certa inelegibilidade de Lula é inteligente, ou a única possível: levar a candidatura às últimas consequências e transformar os processos contra o ex-presidente em fatos 100% da política, terreno bem mais fácil para Lula defender-se. Mas a tática embute um risco importante. Os prazos podem conspirar contra o plano.

Um partido só pode trocar de candidato ao Executivo a até vinte dias da eleição. Se a impugnação definitiva de Lula vier antes, ele possivelmente indicará um substituto no PT. Mas, e se for depois? Lula e o partido ficarão espremidos entre boicotar e eleição ou apoiar um nome das legendas que estiverem na disputa. Ou substituir antes de a Justiça decidir. Complicado.

Se não será simples resolver, menos ainda executar. Outro fator é que se Lula for recondenado pelo TRF-4 e impugnado é provável que aumentem as pressões para tirá-lo não apenas da eleição mas também de circulação. Impedi-lo de fazer campanha e articular por um eventual substituto. Especialmente se as pesquisas futuras confirmarem as atuais sobre transferência.

Situação e novos. No estoque de votos não lulistas e fora da esquerda clássica, as variáveis a monitorar serão 1) a convergência ou não entre PSDB e PMDB/governo, 2) a resiliência de Bolsonaro, 3) o potencial de crescimento de Marina e Álvaro Dias, 4) as incógnitas, como João Amoêdo. O cenário projeta que aqui a pulverização deve permanecer até pelo menos agosto.

Ainda é cedo para dizer que o governo entrou em trajetória de recuperação de imagem, mas se as próximas pesquisas confirmarem vai esquentar a disputa para ver quem será o candidato oficial, mesmo com Temer amargando más avaliações. A narrativa de manter a reanimação da economia e evitar a volta do PT seria competitiva tanto num como noutro turno.

O risco principal para Lula e os dele é o campo governista aparecer com um novo no velho, um nome leve mas montado em ampla aliança de partidos e contando com o apoio de um governo que já não esteja em situação desastrosa. A vida do PT também complica se tucanos e peemedebistas convergirem. Mais ainda se for em torno do tal nome leve. Mas não está fácil.

Sobre os novos sem máquina, têm como fazer alguma colheita na forte rejeição à política e aos políticos. E devem contar com a ajuda talvez involuntária, mas objetiva, de novos e espetaculares fatos na esfera policial-judicial. Entretanto, além de lhes faltar apoio político estruturado, enfrentam ainda outra barreira: a aparente resiliência de Bolsonaro. Ele durará?

Todas as projeções apostam na economia rodando acima de 3% ao ano na eleição. Mesmo que não leve às nuvens um candidato do governismo, isso enfraqueceria o apelo para mudanças radicais, tanto pelo PT como pelo novo. O desejo de continuidade é diretamente proporcional ao risco de perda. Foi assim que o PT ganhou as últimas eleições.

E tem o imprevisível. Como já se disse aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever quando ou como vem. Mas é sempre bom contar com ele na hora de fazer projeções.

*

Se tudo correr conforme o roteiro, esta análise de conjuntura volta quando o processo eleitoral for precipitado pelo julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Ou antes, se algum fato exigir.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


IstoÉ: ‘Lula não é imbatível. Eu ganhei dele duas vezes’, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), 86, não está entre os milhares de brasileiros que querem a prisão de Lula. Ele diz não ser sádico para querer ver um ex-presidente preso. O líder tucano prefere que o petista dispute a eleição e seja derrotado nas urnas. “Se o Lula for candidato, não é imbatível. Eu ganhei dele duas vezes. Tá bom, eram outras circunstâncias. Mas naquele momento ele tinha uma aura de restabelecer a moralidade, que hoje não tem mais”, frisa ele. Para ele, Lula não deve voltar ao poder porque foi um dos responsáveis pela institucionalização da corrupção na vida partidária. “Lula e Bolsonaro são dois extremos indesejáveis”. Embora tenha sido um dos que defendeu a saída do PSDB do governo, o ex-presidente diz que Temer está fazendo mais do que ele esperava. E trabalha para que os deputados do PSDB votem em peso a favor da reforma da Previdência. “Se não resolvermos o déficit da Previdência, podemos virar uma Grécia”, onde os aposentados tiveram seus proventos ameaçados. Nesta entrevista, ele fala sobre a discriminação aos negros, o retrocesso no aborto, a liberação das drogas, violência e pena de morte. “Aqui, temos a pena como morte”.
Com a população desiludida, descrente nos políticos, como o senhor vê as perspectivas para 2018, quando teremos eleições?
Não é só no Brasil. Há desilusão com o modo de como a política é feita em todos os países onde há democracia representativa. Nos países autoritários não, porque as pessoas nem sabem, mas onde há liberdade há um sentimento de mal-estar. Há várias razões. Aqui se agrega a essas razões a enorme corrupção que foi destampada e isso produziu um sentimento do que é isso? Estou fora. Vocês não me representam. Isso vai ter conseqüências sobre aqueles que se dispõem a votar. Aconteceu no Chile recentemente. Houve uma queda na participação.
De acordo com as pesquisas, estaríamos hoje entre Lula e Bolsonaro. Qual é sua avaliação?
Eu acho que esse quadro é hoje. Ainda estamos longe do quadro real que vai se colocar nas eleições. Hoje isso reflete um pouco a desilusão da população. Por que Lula? Se pode entender porque as pessoas podem se lembrar dos bons momentos do governo Lula e vão esquecer os maus momentos e a responsabilidade grande que ele teve na aceleração da desarticulação do sistema partidário. Por que Bolsonaro? Porque as pessoas querem ordem. O crime está muito grande, desordem e tal, então tem esse apelo. Eu não creio que esse seja o quadro que vai se configurar nas eleições. É preciso se organizar um setor que seja democrático, popular, não de elite, progressista, que entenda qual é o papel do mundo e como o Brasil pode se engajar nisso. Para mudar o quadro, tem que ir pelo exemplo. Os políticos precisam voltar a tocar no coração dos brasileiros.
Na busca desse novo político, o senhor lançou o governador Geraldo Alckmin. A questão é que ele também está sendo investigado pelo STJ por ter recebido dinheiro de caixa dois. Esse não é um problema?
As acusações existentes sobre o Geraldo são frágeis. Não são alegações pessoais. Alegações sobre recursos de campanha. Isso não é o suficiente para desqualificar uma pessoa. O Geraldo tem história. Será que ele é o melhor brasileiro para ser presidente da República? Talvez não. Existem outros que têm tanto ou melhor qualificação do que ele. Ele tem melhores condições. Por que? Ele é governador de São Paulo. O PSDB governa São Paulo há 20 anos. Tem um caso aqui e outro ali de corrupção, mas não existe uma organização, uma máquina feita pelo partido para roubar. O Geraldo todo mundo sabe que é uma pessoa honesta e tem estilo de vida mais simples. É o que eu digo da exemplaridade. As pessoas já cansaram de gente com muita pompa e muita retórica.

Outros nomes do partido, como o prefeito João Doria, se inviabilizaram dentro do PSDB?
O prefeito Doria teve uma vitória surpreendente em São Paulo. Mas talvez seja cedo para se lançar a presidente da República. Ele já corrigiu esse rumo.
 
Mas sempre que o PSDB disputou eleições dividido, como agora, perdeu eleições…
Só dois partidos tiveram sucesso até hoje desde a redemocratização: PT e PSDB. O PSDB mostrou capacidade de abrangência, mas para ter um presidente eleito você precisa de 50% mais um voto. Dificilmente o seu partido faz isso. Você precisa de uma pessoa que fale além do seu partido. Esse é o desafio. Como estamos num momento em que a palavra conta, porque as pessoas estão descrentes, eu acho que se o Geraldo demonstrar que ele abre um espaço de esperança consistente com o comportamento dele, ele tem possibilidade de avançar. É preciso demonstrar que Lula e Bolsonaro são extremos indesejáveis. O Brasil requer um pouco de tranqüilidade, uma pausa nos fatos negativos. O Geraldo não produz fato negativo.
O senhor disse que prefere derrotar Lula nas urnas a vê-lo na cadeia. Mas o senhor não acha que o que ele fez em matéria de corrupção já não é suficiente para ser preso?
Primeiro é preciso dizer que o Lula, se for candidato, não é imbatível. Eu ganhei dele duas vezes. Tá bom, eram outras circunstâncias. Mas naquele momento ele tinha uma aura de reestabelecer a moralidade, que hoje não tem mais. Ele perdeu o discurso de combate à corrupção, portanto, pode perder a eleição. Segundo, ir para a cadeia ou não, é problema da Justiça. Não tenho o prazer sádico de ver ninguém preso, mais ainda quem foi presidente da República. Mas aconteça o que acontecer, não temos que ter medo do Lula
 
Lula é nocivo para a democracia brasileira, do tipo que vai sacramentar o rouba mas faz, como fizeram Maluf e Ademar de Barros no passado?
O Ademar de Barros e o Maluf são de outro momento. Roubavam para enriquecimento pessoal. O que aconteceu agora no Brasil foi muito mais grave. O Lula, como líder do PT, presidente da República, foi responsável pelo aconteceu. O mensalão e o petrolão inauguraram uma fase nova no Brasil. Tomar dinheiro público, passar pelo setor privado conivente com isso, e depois passar para o partido para sustentar o poder. Não foi desvio de conduta pessoal. Foi institucional. Corrompeu todo o sistema político.
Como é que pode um governo resolver os problemas econômicos do País e sair tão mal avaliado como o governo Temer?
Eu acho que o presidente Temer fez mais do que eu imaginava que pudesse fazer. Por que? Ele virou presidente numa condição muito especial. É difícil você ter o impeachment e quem sucede ter popularidade. Ele fez o que o eu acho que tinha que fazer: olhar para a história e não para a popularidade.
O senhor também fez uma reforma da Previdência e o PSDB sempre disse que ela era fundamental. Por que o partido reluta em aprovar agora a reforma?
Não é o PSDB. São algumas pessoas. Elas têm medo da conseqüência eleitoral disso. E não é só o PSDB. O PSDB tem 46 deputados. A Câmara tem 513. Então, há um pouco de manobra no sentido de fazer de conta que é o PSDB que é o responsável. Não é. Vários partidos que apóiam o governo estão na mesma situação: apóiam o governo mas não querem aprovar a reforma da Previdência. Porque têm medo da reação eleitoral. Eu acho isso um equívoco. Mas também houve falha na comunicação. Você tem que mostrar que a Previdência é contra privilégios. Só agora o governo está falando isso.
O senhor acha que os velhinhos do futuro podem ficar sem receber aposentadorias?
Na Grécia aconteceu isso. Mas não somos uma Grécia. Temos que tomar cuidado para não virar. Mas esses dados de déficit de R$ 188 bilhões, que é verdadeiro, estão levando em consideração um Brasil sem crescimento. Para dar certo, o Brasil precisa voltar a crescer, porque aumentando a renda, aumenta a arrecadação.
 
O senhor acha que o aborto deveria ser liberado de uma vez?
Estamos vivendo no Brasil um momento de retrocesso cultural em vários setores, raça, homofobia, tudo isso. Um País que aspira ser moderno, tem que se modernizar. Estão querendo acabar com o que a Constituição já autoriza, que é o aborto por estupro, por exemplo. Isso é um retrocesso. Temos que discutir em que condições a mulher tem o direito ao aborto. Liberar total nem a droga. Tem que regulamentar.
A maconha tem que ser liberada?
Se você consome de vez em quando heroína não faz tanto mal quanto fumar maconha o dia todo. Heroína todo dia te mata também. O que é preciso é a regulamentação. No Brasil, a droga é livre na mão do traficante. Eu prefiro que seja regulamentada na mão do Estado. O assunto é muito mais complexo do que simplesmente liberar. Tem que fazer campanha educativa. Pega o cigarro. Nunca foi proibido. Neste prédio não pode fumar. Foi avançando e hoje pouca gente fuma. Tem que fazer algo parecido com a droga. Não pode ser liberou geral. O problema maior não é o usuário, é o traficante. O usuário é vitima do traficante. Se regulamentar, tira força do traficante.
O senhor já disse que tinha os pés na cozinha, que era mulato. O senhor acha que o Brasil é um País que discrimina os negros?
Pega a galeria dos presidentes da República. Vê quantos são realmente brancos. O Brasil é um País diverso. Uns tem a pele mais escura do que os outros. É óbvio que temos discriminação. O nosso preconceito é diferente do que acontece nos Estados Unidos. Lá, uma gota de sangue te faz negro. Aqui não. Aqui o preconceito é de marca, não é de sangue. Aqui existe a discriminação. É só olhar a renda do negro e a renda do branco. Eu sou favorável às cotas. Temos que ter medidas para compensar aqueles que necessitam. Ou então devemos dar logo bolsa para os pobres, que são todos negros.
 
A violência está tomando conta do País. O que deveríamos fazer para enfrentar o problema?
O Brasil prestou pouca atenção à questão da violência, o que está dando espaço para o surgimento desses candidatos com viés autoritário. A minha geração sempre teve restrições a uma política mais dura e de entender que a polícia é necessária. Tem que melhorar a polícia e ter uma atitude mais austera de combate à violência. A violência é um problema do povo e não da elite. A elite se defende porque tem carro blindado e guarda-costas. As polícias têm demonstrado pouca capacidade de enfrentar o crime, porque supõe muito trabalho de inteligência. Como fazem pouco, os governos de vez em quando apelam para as Forças Armadas, que não são treinadas para esse tipo de coisa. Elas podem ajudar na inteligência.
O que o senhor acha da pena de morte?
Eu sou contra. No Brasil temos a morte sem pena. Matam demais no Brasil. Ter a pena de morte vai reduzir a criminalidade? Não vai.

Hubert Alquéres: O que há em comum entre Lula e Bolsonaro

Na teoria, o ex-presidente Lula e o deputado Jair Messias Bolsonaro são antípodas. Um está no espectro ideológico da esquerda e outro no da direita. Na prática, a teoria é outra. Há muito mais em comum entre os dois candidatos à Presidência da República, que por ora são os mais bem situados nas pesquisas, do que pode imaginar a nossa vã filosofia. À sua maneira, ambos adotam um discurso sebastianista, vestindo eles mesmos a roupagem do Salvador da Pátria.

Abstraindo as condições históricas que não são possíveis de se repetir, pois o país e o mundo são outros, ambos pregam uma volta a um passado. O “eu era feliz e não sabia” está presente tanto na pregação de Lula, como na de Bolsonaro.

Um faz a elegia do seu governo, para vender a imagem de um período de prosperidade e de pleno emprego. O outro alimenta sentimentos nostálgicos em relação à era do “milagre econômico” do regime militar para provar que à época havia emprego, crescimento e segurança. Conscientemente, hiperbolizam esses dois períodos históricos e jogam para debaixo do tapete a herança maldita que deixaram para os governos posteriores.

A inviabilidade da utopia nostálgica que pregam salta aos olhos quando se analisa mais detidamente os dois momentos. O “milagre econômico” do regime militar sustentou-se em uma conjuntura internacional de petróleo a preços baixíssimos (à época o Brasil não era autossuficiente) e de elevado grau de liquidez internacional.

A crise do petróleo de 1973 levou ao fim do “milagre”, mas o excesso de oferta de petrodólares no mercado internacional financiou o crescimento verificado no governo do general Ernesto Geisel por meio da expansão do intervencionismo estatal na economia.

Em 1979 veio a nova crise do petróleo e já não havia mais financiamento externo a juros baixos. O Brasil entrou em colapso, com uma dívida externa inadministrável e uma inflação de 242,68% no último ano do governo do general João Batista Figueiredo. O “milagre econômico” desaguou no pesadelo da década perdida dos anos 80. É para esse mundo que Bolsonaro quer nos trazer de volta.

A instrumentalização e deturpação do passado para fins eleitorais também é uma arma de Lula, com a sua cantilena do “momento mágico” da economia em seus governos. Como o “milagre econômico” dos anos 70, a expansão do período Lula-Dilma foi financiada pelo “boom” das commodities e turbinada por uma nova onda de intervencionismo estatal.

Quando a bolha da commodities estourou, o desastre da “nova matriz econômica”, iniciada no segundo mandato de Lula, gerou a maior crise econômica da história do país. Ao final dos anos Lula-Dilma, a dívida interna bruta saltou para quase 70% do PIB, a economia recuou 8,2%, a inflação chegou a casa de dois dígitos, voltando a atormentar as famílias. Os juros, por sua vez, dispararam. O modelo de Lula revelou-se uma máquina de destruir empregos, gerando quatorze milhões de desempregados.

Utopias regressivas costumam terminar em tragédias, quando não se reproduzem como farsas.

As semelhanças entre Lula e Bolsonaro vão bem mais além do que suas concepções saudosistas. Os dois sempre apostaram no intervencionismo estatal como motor do desenvolvimento, no expansionismo fiscal, em política econômica heterodoxas. Enfim, em modelos populistas. Também estiveram perfilados na defesa de privilégios de corporações de servidores públicos.

Para agradar o mercado, Messias Bolsonaro vem se apresentando como um convertido ao liberalismo econômico. Como ninguém muda do dia para a noite, estão aí as votações no Congresso Nacional para provar o quanto ele e o PT andaram de mãos dadas em questões fundamentais para o Brasil.

Votou contra o Plano Real - para delírio dos petistas desfilou na Câmara com uma moeda falsa do Real -, também contra o fim do monopólio estatal do petróleo, contra as privatizações das teles, contra medidas de ajustes de contas públicas que cortavam privilégios de servidores, contra a reforma da previdência proposta pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Adivinhem como o PT votou nessas questões.

Tampouco foi diferente nos anos do lulopetismo. O blog “O E$pírito das Leis” de Bruno Carazza publicou “Desmistificando Bolsonaro” com gráficos e levantamentos que mostram o comportamento de Jair Bolsonaro nos seus 7 mandatos como deputado federal. A materia revela corporativismo, intervencionismo econômico e conservadorismo mostrando que Bolsonaro votou com o PT ao longo de todo o governo Lula.

“Interessante observar, também, que a parceria Bolsonaro-PT, enquanto existiu, versou justamente sobre temas econômicos – e numa direção que passa longe do discurso liberal adotado pelo presidenciável patriota recentemente. Compilando o texto das ementas dos projetos em que Bolsonaro e PT votaram igual entre 1999 e 2010, nota-se um predomínio de temas associados à Nova Matriz Econômica – visão intervencionista da economia levada a cabo pelo PT. Bolsonaro concordou com o PT nas votações de projetos que tratavam de concessões de benefícios para o setor privado, como incentivos tributários, parcelamentos de débitos, créditos orçamentários, fundos, financiamentos, subvenções, etc. Uma pauta bem distante de políticas econômicas horizontais e não intervencionistas, portanto.”, escreve Carazza.

Diz o site que “a lua de mel entre Bolsonaro e o PT degringola-se a partir do primeiro mandato de Dilma”. É possível que as relações sejam restabelecidas tacitamente, por meio de um pacto de não agressão entre Jair Bolsonaro e Lula durante o primeiro turno, com um atuando como cabo eleitoral do outro para que se encontrem no segundo turno.

Afinal, Bolsonaro é a direita que Lula gosta e Lula a esquerda que encanta Bolsonaro. Como diziam nossos avós, um é a cara do outro. Esculpida em escara.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo


Jose Roberto de Toledo: A gravidade de Lula

Alimentado por sua mais recente pesquisa, modelo estatístico desenvolvido pelo Datafolha classificou 38% dos eleitores como próLula. Um mês antes, ranking do Ideia Big Data ouviu de 34% do eleitorado que Lula foi o melhor presidente que o Brasil já teve. Em outubro, o Ibope encontrou, em média, 35% de intenções de voto para o petista nas simulações do 1º turno presidencial. Os três fizeram perguntas distintas e acharam a mesma resposta.

Nenhum desses institutos têm conexões preferenciais com o PT, com Lula ou com forças interessadas no retorno do ex-presidente ao Planalto. Ao contrário. Logo, quem acha que todos esses resultados são forjados poupará tempo se parar de ler agora. Ganhará mais se voltar à mídia social de onde escapuliu.

Se chegou a este terceiro parágrafo, persistente leitor, é porque considera verossímil ao menos um dos conjuntos de dados citados acima. Como esboçam fundamentalmente o mesmo fenômeno, importa pouco em quais deles se acredita mais ou se crê menos.

Todas essas pesquisas mostram que um terço ou mais do eleitorado brasileiro permanece lulista – a despeito de condenações e acusações que pesam sobre o ex-presidente. Nenhum outro ator político exerce a metade de sua atração. Por isso, acerta o Datafolha ao dividir o eleitorado em três, todos com a mesma referência: próLula (38%), antiLula (31%) e pendulares (31%).

Goste-se ou odeie-se, é em torno de Lula que orbita a atual corrida presidencial. Nisso, ela pouco difere das quatro ou seis últimas disputas eleitorais pela Presidência da República. Lula ainda é o candidato a ser batido (1994, 1998, 2002, 2006), o cabo eleitoral a ser usado ou neutralizado (2010 e 2014).

As questões colocadas neste fim de 2017 nada têm de ímpar, salvo no calendário. Ecoam as mesmas perguntas ouvidas nos anos imediatamente anteriores aos pleitos presidenciais das últimas décadas: Lula vai conseguir sustentar sua força eleitoral quando a campanha começar para valer? Ou: Lula é capaz de transferir seu prestígio para quem ele vier a apoiar? Se o crescimento da economia acelerar, quanto poder ele perderá na urna?

Agora, como no passado, especulações em torno de tais dúvidas são incursões a remo em um mar de incertezas. Mar cada vez mais agitado. O desencanto com a política e a insegurança jurídica disseminados a partir de junho de 2013 avolumaram os vagalhões e acresceram riscos aos que navegam à procura de respostas. Qual será o tamanho da abstenção? Haverá mais votos brancos e nulos?

São fatores que tendem a ganhar peso quanto mais apertada for a disputa por uma vaga no 2º turno. O engajamento do eleitor será mais importante do que nunca. O mesmo tipo de disposição para votar que fez a diferença a favor de Trump em 2016 provocou a derrota de seu candidato ao Senado no Alabama um ano depois.

Tão importante quanto o desejo de eleger quem se admira é a gana de impedir a vitória de quem se odeia. Segundo o Datafolha, Bolsonaro lidera com folga no terço antiLula do eleitorado. O Facebook confirma: a maioria das publicações que viralizam nas redes de movimentos como MCC e Avança Brasil são contra o petista. Ambos apoiam o militar reformado porque é o candidato a presidente que mais bem personifica esse papel. Tomou-o do PSDB.

Eis o desafio de Alckmin. Ser do contra já não lhe garante passagem ao 2º turno. Como outros que tentam ocupar o vácuo no centro do espectro político, o tucano precisará ser a favor de algo forte o suficiente para atrair o terço restante, o dos eleitores pendulares, volúveis. São os que decidem a eleição, ao gravitarem rumo ou contra Lula – seja ele candidato ou não.


Tibério Canuto: O agosto petista

Quando o registro do PCB foi cassado em 1947 o PCB deu por finda sua política de “conciliação de classe” que o tinha levado a aconselhar os operários a apertar os cintos. Greve por melhores salários, nem pensar. Era antipatriótica, conspirava contra o governo de salvação nacional de Getúlio Vargas.

O PCB sentiu-se traído pela burguesia, que, guiada pela lógica da guerra-fria, embarcou de proa na onda anticomunista que varreu o mundo. Os comunistas entenderam que o pacto social estabelecido foi rompido e movimentou seu pêndulo para esquerda.

O Manifesto de agosto de 1950, assinado por Prestes, foi a maior expressão da guinada esquerdista. Os comunistas abandonaram os sindicatos e a via parlamentar para se concentrar na via extra institucional. Deliraram com a pregação do armamento geral do povo e a criação de um exército popular de libertação nacional.

A política sectária levou o PCB ao gueto, com a perda de vínculos com a classe da qual se auto atribuía porta-voz e vanguarda. Isolado, perdeu vínculos com a sociedade e suas fileiras definharam.

Só voltou a ser um sujeito da vida política nacional depois que suas bases atropelaram o sectarismo e pressionaram por enterra-lo, coisa que iria se consolidar com a Declaração de Março de 1958.

A referência ao Manifesto de Agosto vem ao caso para entender o movimento que o PT vem operando. Desde o impichi, sente-se traído pela burguesia. A carta que José Dirceu escreveu ainda na prisão reclama quanto a ruptura do pacto estabelecido e preconiza a inflexão à esquerda, propondo um retorno aos tempos da política de “classes contra classes” praticada pelo PT antes do seu amancebamento.

O sentimento de traição entende-se porque, no seu governo, Lula domesticou a CUT, o MST, a UNE e assemelhados, levando a pelegada ao paraíso das estatais. Mais ainda, porque uma das poucas verdades que Lula disse em sua vida é que empresários e bancos nunca ganharam tanto como no seu governo.

Quem leu o artigo de José Dirceu pregando o diálogo com os militares percebe claramente que o PT está de volta aos anos 50, quando a esquerda via o capital externo como um polvo a sugar as riquezas nacionais e dividia as Forças Armadas entre oficiais “entreguistas e golpistas” e “nacionalistas democráticos”.

Conheceremos melhor o “Manifesto de Agosto” petista no dia 24 de janeiro, quando Lula será julgado pela segunda instância da Justiça Federal. O PT quer fazer dessa data o seu 7 de maio de 1947, dia que o registro legal do PCB foi cassado.

Há uma falácia terrível nessa paródia. O PCB perdeu o seu registro sem ter cometido qualquer desvio de conduta no terreno ético. Já Lula corre o risco de ser condenado em segunda instância por ter pisado na jaca em matéria de corrupção.

Mesmo assim, o PT e Lula anunciam uma estratégia de apostar no confronto e de “ir até as últimas consequências” com a candidatura Lula. Em outras palavras, travará mais a batalha no campo extra institucional – leia-se por meio da “pressão das massas” - e menos no terreno jurídico.
Este será usado à exaustão com vistas a criar um clima de comoção nacional. Lula e o PT acreditam que as massas emparedarão o Poder Judiciário. Confia ainda que manterá seu bloco unido até o suspiro final.

A estratégia do tudo ou nada sempre dá em nada. Não será diferente com Lula.

A esquerda sempre teve uma fé messiânica de que na hora do aperto as massas sempre saem em seu socorro.

Quando a Aliança Nacional Libertadora foi colocada na ilegalidade por Getúlio Vargas, o PCB e a ala esquerda do tenentismo achavam que estavam dadas as condições de uma insurreição que seria respaldada por um levante popular. O putsch de 1935 não passou de uma quartelada sem respaldo nas massas populares.

O PCB, quando cassado, também não foi socorrido pelas massas, sobretudo porque enveredou pelo sectarismo. Nada indica que será diferente com o PT, se der consequência prática à sua estratégia aventureira.

Além do furo de não contar com as massas de um país cujo povo é refratário a radicalizações, o estratagema petista tem dois outros furos.

O primeiro é acreditar que a Justiça deixará seu caso arrastar-se até a undécima hora, a ponto de fazer irreversível sua presença na urna eletrônica. Tenho pra mim que a celeridade da Justiça Federal da 4ª Região não será um episódio isolado no caso desse julgamento de Lula. Por uma razão simples: todas as instâncias da Justiças terão o mesmo entendimento que a eleição não pode ocorrer em meio a tamanha insegurança jurídica.

O segundo furo é confiar na firmeza de aliados como Renan, Eunício, Roseana Sarney e demais coronéis do Nordeste. Se não houver a garantia de que a candidatura Lula não será impugnada ao fim do processo, eles pulam do barco. Ou sequer entram nele.

O complicador para Lula é que não é possível ter uma estratégia de dois bicos. Um, a sua candidatura e outro o chamado plano B. Essa coisa faz água para um lado ou para outro., quando não faz para os dois. Pensar em plano B para agosto é coisa para kamikaze. Mas pensar antes é mandar para a cidade de pés juntos a candidatura de Lula.

Se para o PCB agosto de 50 foi a data histórica do seu movimento pendular para a esquerda, para o PT agosto de 2018 pode ser seu mês de cachorro louco.


Luiz Carlos Azedo: A luta certa

Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lança o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer

Há cinquenta anos, mais precisamente no dia 13 de dezembro, realizava-se às margens da Represa Billings, em São Paulo, uma reunião política que selou o destino da oposição ao regime militar. Entre os participantes, ex-militares que haviam participado da Coluna Prestes, da Aliança Nacional Libertadora e da Intentona Comunista de 1935, se bateram contra o Estado Novo na clandestinidade, lutaram na Guerra Civil Espanhola e nos campos da Itália como voluntários da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Mesmo derrotados em 1964, disseram não à luta armada. Ao lado de sindicalistas, intelectuais, estudantes e ex-parlamentares, apostaram na organização e autonomia da sociedade civil e na articulação de uma ampla frente política com os liberais para restabelecer a democracia no Brasil.

O 6º Congresso do PCB se realizou em condições dramáticas. O serviço de inteligência da Marinha, o Cenimar, sabia da realização do congresso, porque havia infiltrado um agente entre os delegados de Pernambuco, que fora identificado e isolado ao chegar no Rio de Janeiro. Sua realização, porém, foi noticiada pelo Jornal do Brasil. Poucas pessoas conheciam o local do congresso, um acampamento no meio da mata, camuflado, para que não ser identificado por observação aérea. O ex-cabo Giocondo Dias, secretário de organização, e o ex-tenente-aviador Dinarco Reis, que havia lutado na Espanha e na Resistência Francesa, organizaram o congresso, cujo objetivo era rechaçar a aventura militarista defendida pelo líder comunista Carlos Marighela, que havia rompido com o PCB e comandava a guerrilha urbana no Brasil.

Um episódio dramático quase pôs tudo a perder. Salomão Malina, herói de Montese, na Itália, condecorado com a Cruz de Combate de 1a. Classe, que mais tarde seria secretário-geral do PCB, sofreu um grave acidente ao testar uma granada fabricada para a autodefesa do congresso, que lhe arrancou os dedos da mão direita e perfurou seu pulmão. Foi levado em coma para um hospital, clandestinamente, e operado na emergência; depois, removido entre a vida e a morte para não ser preso.

Mesmo assim, o congresso foi realizado. A existência do “aparelho” era desconhecida da vizinhança. Um rio represado abastecia os banheiros e, na cozinha, um forno foi construído para fazer o pão e evitar compras suspeitas nas cidades próximas. Para a eventualidade de “cair” o congresso, alguns dirigentes ficaram de fora, entre os quais Severino Teodoro Melo, outro veterano de 1935, que mais tarde viria a colaborar com os serviços de inteligência do Exército, supostamente após ser preso na década de 1970. O veterano secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, um mito da esquerda brasileira, porém, participou da reunião.

Voluntarismo

O PCB fez autocrítica do seu próprio golpismo e do voluntarismo com que atuou ao combater a “política de conciliação” do governo João Goulart, do qual fez parte. Também fez autocrítica do cupulismo nos sindicatos. Estabeleceu como objetivo a redemocratização do país e não a tomada do poder; a tática adotada foi unir as forças democráticas, em aliança com os liberais, em defesa da anistia e da convocação de uma Constituinte. Foi um caminho bem-sucedido, ao contrário da luta armada, mas gradativo, de acumulação de forças, que resultou nas vitórias eleitorais do MDB, partido de oposição, em 1974, 1978 e 1982, desaguando na campanha das Diretas Já e na eleição de Tancredo Neves, em 1985.

Nesse processo, houve grandes revezes, como a repressão que se abateu sobre o PCB em 1975, numa operação de “cerco e aniquilamento”, com a prisão de milhares de pessoas e o sequestro e o assassinato dos 12 dirigentes do Comitê Central, entre outros militantes assassinados, como Vladimir Herzog. Mesmo depois da anistia de 1979, a perseguição prosseguiu. Em dezembro de 1982, quando tentava realizar o 7º Congresso, no Centro de São Paulo, toda a cúpula do PCB chegou a ser detida. Mas a democratização e a legalidade do PCB já eram uma questão de tempo.

A política de frente democrática derrotou o regime, mas não foi o PCB que chegou ao poder com a democracia. O velho partido fundado em 1922 por Astrojildo Pereira e seus oito companheiros não sobreviveu ao fim da União Soviética, mudou de nome para PPS e abdicou do velho símbolo da foice e do martelo como gesto de ruptura com o passado e adesão incondicional à democracia. Foram os remanescentes da luta armada, como o ex-ministro José Dirceu e a ex-presidente Dilma Rousseff, que ajudaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a organizar o PT e a vencer as eleições de 2002 e 2006. O mesmo voluntarismo que dera errado na luta contra o regime militar fracassou novamente no governo de Dilma Rousseff, eleita em 2010. Reeleita em 2014, jogou o país na maior recessão da sua história com seu experimentalismo econômico e sua inaptidão para o diálogo político. Acabou afastada do cargo pelo Congresso, que aprovou seu impeachment.

Entretanto, esse voluntarismo não morreu. Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lançou o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer. Do outro lado, um saudosista do regime militar e dos tempos do “prendo e arrebento”, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, cresce como alternativa ao suposto “comunismo” petista. Parece até um filme de época, em plena guerra fria. Entretanto, um pouco de História nos ajuda a compreender que existe outro caminho possível.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-luta-certa/


Eliane Cantanhêde: 2018 nas mãos do TRF-4

O processo contra Lula é hoje mais decisivo para a eleição do que os próprios eleitores

O ano do Executivo, do Legislativo e do Judiciário acabou na sexta-feira e 2018 já começou com a decisão do TRF-4 de julgar o ex-presidente Lula em 24 de janeiro pelo triplex do Guarujá (SP). É em torno de Lula que se movem todas as peças do tabuleiro da eleição presidencial. Logo, as articulações e expectativas estão em suspenso dentro e fora do PT. O cenário é totalmente nebuloso.

Mesmo que Lula seja absolvido – o que não é a principal aposta do mundo político e jurídico –, ele não estará livre, leve e solto para concorrer, pois ainda há possibilidade de uma série de recursos da acusação. E não se pode esquecer que ele responde a seis outros processos. Ou seja, se o TRF-4 inocentá-lo no caso do triplex, Lula continuará como está hoje: alvo da Justiça e com destino incerto e não sabido.

Da mesma maneira, uma condenação na segunda instância, confirmando o veredicto do juiz Sérgio Moro, ou até aumentando a pena de 9 anos e 6 meses, não significará o fim de Lula. As leis brasileiras permitem um festival de recursos da defesa, no próprio TRE e, depois, nas instâncias superiores. Na prática, Lula estará condenado, mas não estará; estará inelegível, mas não estará.

Seu maior risco nem é perder a candidatura a um terceiro mandato, é parar na cadeia, já que a prisão já pode ocorrer após condenação em segunda instância. Essa questão foi decidida com voto apertado no Supremo e pode ser revista com o recuo de ministros e com o novo equilíbrio do plenário da Corte. Mas, até uma nova votação no pleno, sabe-se lá se e quando, Lula que se cuide.

Pelo sim, pelo não, ele continua em campanha, não exatamente para ser o candidato, mas para ficar em evidência e manter mobilizados a tropa petista e o eleitorado lulista. Quanto mais em evidência Lula estiver, mais força terá o sucessor que escolher para sua vaga de candidato e mais poderá consolidar o seu papel de vítima das elites, da Justiça, da Lava Jato. É assim que sua plateia continuará pronta para defendê-lo contra qualquer evidência, contra a própria realidade.

O PT, porém, sabe que não pode esperar sentado a candidatura Lula evaporar de um dia para outro. Se não for para ganhar com Lula, que a eleição sirva para garantir vagas em governos estaduais, Senado e Câmara, depois da derrota acachapante em 2016 (a única capital onde ganhou foi Rio Branco, no Acre). Logo, o foco desloca-se de Fernando Haddad, em São Paulo, para Jaques Wagner, na Bahia. O Nordeste é questão de vida ou morte.

Com Lula, o cenário presidencial é um. Sem ele, é outro bem diferente. E isso vale não só para o PT, mas para todos os partidos e candidatos, que traçam suas estratégias a partir dele. Vejamos Jair Bolsonaro: ele se consolidou no segundo lugar das pesquisas muito por causa do “medo do Lula” e da percepção de que ele é o único com chances de evitar a volta do petista. E sem Lula?

Com ou sem a polarização Lula x Bolsonaro, continuará a busca por um candidato “novo”, de “centro”, distante do discurso dogmático da esquerda e da aventura oportunista da direita após a quebradeira dos partidos tradicionais com a Lava Jato. Mas não dá para prever se Geraldo Alckmin ou Marina Silva serão os beneficiados, porque há indefinição também sobre o futuro de Bolsonaro.

Se a Justiça inviabilizar a candidatura Lula, os eleitores potenciais de Bolsonaro perderão o “medo do Lula” e poderão se diluir entre outros nomes? Ou, ao contrário, muitos apoiadores de Lula darão um salto mortal para Bolsonaro? Nas redes sociais, já não está tão claro se os ataques mais agressivos partem dos lulistas ou dos bolsonaristas. É a velha história: os opostos se atraem. E podem ficar muito parecidos.

 

 


Merval Pereira: A lei e a política

Considerar que a Lei da Ficha Limpa é um obstáculo à democracia representativa, pois não permite que um líder popular como Lula seja julgado pelo eleitor nas urnas, é misturar alhos com bugalhos, como se uma eleição vitoriosa isentasse o candidato de seus crimes.

O que deveria ser julgado nas urnas é a vida pública do candidato. Mas se ela foi usada para cometer crimes contra o patrimônio público, em benefício próprio ou de terceiros, não há nenhuma justiça em permitir que esse candidato, que se aproveita da popularidade para enganar seus eleitores e burlar a lei, continue disputando eleições como maneira de não ser julgado. Não importa quanto suposto bem-estar esse líder espalhou em sua passagem pelo governo.

Aceitar a tese de que, por ser popular e até mesmo líder das pesquisas de opinião neste momento, Lula não deveria ser impedido de concorrer, pois isso tiraria a legitimidade da escolha final, é submeter as leis à política partidária, o que desvirtua a democracia. A lei é ou não para todos?

A Lei da Ficha Limpa traça apenas critérios para que qualquer cidadão possa se candidatar, e os que são condenados em segunda instância, portanto por um colegiado, não têm mais esse direito. Assim como menor de 35 anos não pode ser candidato à Presidência da República, por exemplo.

Ao tratar dos direitos políticos, a Constituição, em seu Capítulo IV, estabelece condições de elegibilidade e elenca algumas hipóteses de inelegibilidade, além de admitir que novas sejam definidas em lei complementar, com o intuito de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato e a normalidade e legitimidade das eleições.

Uma Lei Complementar de iniciativa popular foi promulgada em 2010 para “incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”, a chamada Lei da Ficha Limpa. O fato de ser uma iniciativa popular dá bem a dimensão da decisão, que foi ao encontro do anseio da sociedade que já àquela altura clamava por barreiras éticas e morais nas condições de elegibilidade, além das que já estavam incluídas na Constituição, como a idade mínima, domicílio eleitoral, inscrição partidária, e por aí vai.

Para o Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei da Ficha Limpa é “significativo avanço democrático com o escopo de viabilizar o banimento da vida pública de pessoas que não atenderiam às exigências de moralidade e probidade, considerada a vida pregressa”. Evidentemente, as leis não impedem que crimes continuem sendo cometidos, e por isso chega a ser ingênuo apontar o fato de a corrupção revelada agora pela Operação Lava-Jato ter continuado a acontecer, mesmo depois de sua promulgação, como exemplo de que a Lei da Ficha Limpa não teve efeito prático.

E se uma decisão da Justiça, condenando o expresidente Lula, for considerada suspeita de politização, estaremos aceitando que o Estado democrático de direito não funciona entre nós. O que não passa de uma tentativa canhestra de defesa contra as evidências passaria a ser uma verdade absoluta.

E por que a Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada pelo próprio Lula na Presidência, nunca foi contestada antes? O ex-presidente tem todo o direito de explorar todas as brechas legais para tentar manter-se na corrida presidencial de 2018, e se, por qualquer motivo dentro da legalidade, conseguir chegar até o dia da eleição em condições de ser votado, o que é muito difícil, e ganhar, terá o direito de assumir a Presidência da República.

Uma República desmoralizada é bem verdade, que terá o presidente que merece. Assim como se Bolsonaro for eleito. Uma patética continuidade do ambiente político do governo Temer, que se salvou do impeachment com manobras fisiológicas dignas de uma republiqueta de bananas, natureza que será reafirmada caso um caudilho populista condenado em segunda instância seja alçado novamente ao poder central graças a chicanas jurídicas.

 

 


Ruy Fabiano: A gangorra do destino

Lula e Jair Bolsonaro, os dois fenômenos contemporâneos da política brasileira – um em declínio, outro em ascensão -, foram forjados por vias opostas, que, no entanto, os levaram a resultado equivalente: tornaram-se lideranças populares e populistas, quebrando convenções, protocolos e padrões de conduta do meio.

A semelhança finda aí. Lula teve, desde o início, ainda na década dos 70, trajetória marcada pela simpatia da mídia, dos artistas e intelectuais, que, em conjunto, compuseram um personagem romanesco: o retirante que vence barreiras sociais e, de líder operário, chega a chefe de partido e presidente da República.

Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, protagonizou narrativa inversa, marcada por vaias, insultos e processos judiciais. O mesmo universo que incensou Lula depreciou-o num grau extremo, que o tornou uma espécie de anticristo da política brasileira.

Nazista, fascista, homofóbico, racista, machista são apenas alguns dos apodos com que foi brindado ao longo de sua carreira.

Nada indicava que tal trajetória desembocaria em popularidade. Desde sua matriz profissional, colecionou problemas. Em 1986, capitão do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, foi preso por quinze dias após publicar artigo na revista Veja, reclamando dos salários dos militares.

A mesma postulação o levaria, um ano depois, a se meter em outra encrenca, acusado de participar de ação subversiva que previa até o uso de bombas nos quartéis. Foi absolvido pelo STM, mas a agitação que provocou comprometeu sua carreira.

Estava mais para sindicalista que militar. Como sua categoria não é sindicalizável, migrou diretamente para a política em 1988, passando à reserva do Exército. Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro – e, desde então, não mais cogitou em voltar ao quartel.

Jamais, porém, perdeu os vínculos com seus antigos companheiros de farda e deve em parte a eles as sucessivas reeleições à Câmara. Foi sempre o candidato da Vila Militar do Rio.

Aos 62 anos – é dez anos mais novo que Lula -, está no seu sexto mandato de deputado federal. Sua carreira parlamentar não foi mais tranquila que a militar. Pelo contrário, teve ali espaço para dar expansão a um temperamento impulsivo e explosivo, que não mede palavras, o que o levou a colecionar inimigos e processos.

É classificado ideologicamente como de direita; Lula como de esquerda. Mas ambos frequentemente violam as respectivas ortodoxias e escandalizam os próprios seguidores. Lula já elogiou o governo Médici, enquanto Bolsonaro certa vez elogiou Hugo Chávez.
Seus aliados, no entanto, absorvem essas heresias em nome de um culto que está para além do meramente racional.

As mutações do Brasil, a partir da Era PT, em 2003, inverteriam o destino de ambos. Lula encontrou-se com a vaia e a desonra, enquanto Bolsonaro passou a conhecer o aplauso e a admiração. A chave dessa mudança é uma palavra simples, historicamente corrente na política brasileira: corrupção.

No poder, Lula, que construiu sua ascensão a partir de um discurso fortemente moralista (Brizola chegou a chamá-lo de “a UDN de macacão”), associou-se a ela de tal modo que hoje, além de condenado em um processo, é réu em mais seis.

Tenta se defender acusando a Justiça de criminalizar a política, mas o que faz, na prática, é investir na politização do crime. “O que o PT fez é o que todos fazem”, disse certa vez, como se a vulgarização de um delito o revogasse. Como Sérgio Cabral, quer rebatizar a corrupção, chamando-a de “contribuição de campanha”.

Corre o risco de findar sua carreira na cadeia - e não só ele, mas correligionários e aliados, e até os que posavam de adversários, como o PSDB. Todos, em graus variados, estão hoje às voltas com a Lava Jato. E foi exatamente esse o universo político que se opôs desde o início a Bolsonaro e lhe esculpiu a imagem de pervertido.

O strip-tease moral dos adversários inverteu a equação, conferindo ao capitão da reserva – e pré-candidato à Presidência da República - foros de herói político. É, de fato, um dos raros parlamentares ficha limpa no atual Congresso, condição ressaltada até por gente que nenhuma afinidade ideológica tem com ele, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, ao tempo do Mensalão.

Bolsonaro hoje é saudado triunfalmente onde chega. Na quinta-feira, uma multidão paralisou o aeroporto de Manaus para recebê-lo. Tem sido uma rotina. Sua crescente popularidade, atestada em pesquisas, associa-se à sua origem militar e, segundo recente manifestação do general Mourão, é bem vista nos quartéis.

Honestidade, matéria escassa na vida pública, converteu-se em patrimônio político, capaz de compensar limitações e deficiências de outra ordem. Foi por essa via que Lula ascendeu - e, ao profaná-la, caiu. Na gangorra da política, está neste momento no chão, enquanto seu antípoda, Bolsonaro, o contempla do alto.