lula
Míriam Leitão: Cenário eleitoral
Doador de dinheiro sujo sabe que agora CEO vai para a cadeia. O quadro eleitoral fica mais presente, ainda que não tenha nitidez. A semana terá lançamento de pré-candidaturas e julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STJ. Isso depois de uma semana em que Lula deu a entrevista acenando para Michel Temer e o presidente passou a ser investigado em mais um processo, por pedido de sua escolhida Raquel Dodge e decisão do ministro Edson Fachin.
Há vários motivos pelos quais esta será uma eleição diferente das outras. Uma delas é o financiamento. A doação legal das empresas foi proibida, a ilegal está sendo constrangida fortemente. Hoje, as empresas sabem que o CEO vai pra cadeia, que dono e herdeiro de empresa podem passar uma longa temporada na prisão. Estão todos avisados. E isso, no mínimo, terá o poder de dissuadir muita gente que em outros tempos não hesitaria em encher malas de dinheiro e enviá-las para candidatos. Caso nada disso constranja o dinheiro sujo, quem fizer uma campanha cara ficará exposto.
Os dois partidos que têm o maior volume de dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral são o MDB, com R$ 304,9 milhões, e o PT, com R$ 300,9 milhões, segundo estimativa feita pelo cientista político Jairo Nicolau. Desses, o MDB ainda não disse com que candidato vai. O PT aferra-se à candidatura de Lula, que muito provavelmente será declarado inelegível. Dois candidatos que têm pontuado bem em todas as pesquisas, Jair Bolsonaro e Marina Silva, terão apenas R$ 14,8 milhões (PSL) e R$ 14,6 milhões (Rede), 23º e 24º lugares na distribuição de recursos públicos. O Podemos receberá R$ 41 milhões. Os grandes partidos ficam com a parte do leão. Ao todo serão 35 partidos recebendo o valor de R$ 2,362 bilhões do dinheiro do contribuinte. Pela estranha legislação brasileira de recursos públicos para as eleições, até os muito nanicos ou que acabaram de se formar terão direito a um bom bocado. Os três últimos serão PCO, PMB e Novo, cada um com em torno de R$ 2 milhões. A lei concentra os recursos nas oligarquias partidárias, e distribui um cala-boca para partidos sem qualquer viabilidade eleitoral.
O MDB não tem candidato a presidente desde 1994, quando Orestes Quércia ficou com 4,4% dos votos, atrás de Enéas. Desta vez, o partido tem um poder inédito: o da máquina da Presidência. Além do maior volume de recursos públicos, num tempo de vacas magras de financiamento. Resistirá ao apelo de ter um candidato mesmo que seja Temer e sua terrestre popularidade?
A entrevista de Lula à Monica Bergamo esclareceu muitos pontos. Ele criou a versão fantasiosa de conspiração americana contra a Petrobras porque essa ginástica nos fatos talvez sirva para os palanques. Com um mínimo de honestidade não dá para explicar o ataque do PT e seus aliados aos cofres da Petrobras sobre o qual há evidências acima de qualquer dúvida. Melhor dizer que tudo é culpa da cobiça americana atrás das reservas do pré-sal. O outro delírio também tem um propósito. Quando ele diz que Temer resistiu ao que ele definiu como tentativa de golpe da Globo está evidentemente querendo construir uma ponte para o futuro com seu velho aliado nas últimas campanhas, o partido do Temer.
Na campanha de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes deu entrevistas longas para explicar seu pensamento. Continua sem solução o mistério de como as ideias liberais de Guedes serão colocadas na mente intervencionista do candidato. Já nas ideias políticas, parece haver mais harmonia. À “Folha de S. Paulo”, Guedes declarou: “O Ustra disse que não torturou ninguém. Quem está falando a verdade, quem não está?” Mais de quarenta pessoas que passaram pelo Doi-Codi, entre 1970 e 1974, então sob o comando de Ustra, não podem sequer dar suas versões, porque não saíram vivas.
A eleição cuja campanha oficialmente não começou é um tabuleiro em que as pedras se movem a cada dia, mas ainda está muito longe de se saber como será o jogo para valer.
* Em 2017, exceto por uma semana, passei o ano mergulhada no trabalho neste país intenso e esqueci das férias. Por isso, sairei agora por três semanas. Vocês ficarão com o talento dos colunistas Alvaro Gribel e Marcelo Loureiro.
Demétrio Magnoli: O marketing acadêmico das disciplinas sobre o golpe de 2016
Merval Pereira: Semana decisiva
A próxima semana será um marco na definição de parâmetros jurídicos do julgamento do ex-presidente Lula. Na terça-feira, dia 6, o TRF-4 receberá a resposta do Ministério Público sobre os embargos de declaração da defesa de Lula, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará o pedido de habeas corpus para impedir que o ex-presidente seja preso se confirmada a condenação em segunda instância.
Como o STJ segue à risca a orientação do STF de que execução provisória da pena deve começar depois de a prisão em segunda instância, é improvável que a Turma não siga a decisão do relator Felix Fischer de negar o habeas corpus. No mesmo processo, a defesa de Lula pede que o STJ anule sua inelegibilidade em decorrência da Lei da Ficha Limpa.
Como o momento de recorrer da inelegibilidade é apenas depois que os embargos de declaração estejam terminados no TRF-4, é provável que o STJ nem examine esse aspecto da questão. Dificilmente o tema da prisão depois de condenação em segunda instância voltará ao plenário do Supremo Tribunal Federal, antes da decisão final do TRF-4 sobre os embargos declaratórios da defesa do ex-presidente Lula à sentença condenatória.
A não ser que algum ministro leve o tema “à mesa”, no jargão do STF, o que torna automático o exame do assunto. Mas, mesmo que alguns ministros deem declarações a favor do julgamento da questão pela quarta vez em poucos anos, não apareceu quem queira assumir a responsabilidade de colocar o assunto na pauta.
A presidente Cármen Lúcia continua na disposição de não pautá-lo, e nessa batida a decisão final sobre o recurso de Lula deve ser tomada neste mês de março, provavelmente ainda na primeira quinzena. Confirmada a condenação, a execução provisória da pena será determinada ao Juiz Sergio Moro pelo TRF-4, levando o expresidente Lula à cadeia.
Se, no entanto, o Supremo retomar o assunto e, como parece provável, mais uma vez mudar a jurisprudência para permitir a execução provisória da pena só depois de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já existe uma alternativa sendo examinada pela nova minoria que se formaria, com provavelmente cinco ministros derrotados pela mudança.
Há quem entenda que, a partir da condenação em segunda instância, estão dadas as condições da prisão preventiva do condenado, para evitar que tente fugir do país, perturbe a ordem pública ou atue atrapalhando a instrução processual.
Uma questão de ordem pode ser levantada após o resultado final para que o STF acate a tese de que, embora a prisão para execução provisória da pena não seja possível antes de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prisão preventiva nesses casos passa a ser a regra, sujeita a restrições que serão especificadas.
Essa seria uma saída para alguns ministros, que se encontram eventualmente constrangidos com a situação que envolve a questão pessoal do ex-presidente Lula. Toda a trama jurídica envolvendo recursos e apelações pode fazer com que o ex-presidente Lula esteja na cadeia quando o tema, afinal, chegar novamente ao Supremo, por meio de um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, desta vez não preventivo.
Pode acontecer que o ex-presidente Lula se beneficie de uma nova interpretação e fique livre até uma decisão final do STJ, mas ganhará pouco tempo, pois o processo já estará na reta final. E, antes disso, é provável que o STJ também já tenha analisado o recurso contra a inelegibilidade provocada pela Lei da Ficha Limpa. Lula poderá estar inelegível e preso antes do prazo para o registro das candidaturas, que termina em 15 de agosto.
Luiz Carlos Azedo: O medo de Lula
Alon Feuerwerker: O estado das variáveis-chave neste momento da corrida pela sucessão presidencial
O candidato do PT. Lula, a não ser que os tribunais superiores recusem uma liminar que o deixe concorrer. O que vai acontecer depende de com quem cair a coisa, e se o (in)felizardo terá coragem para decidir de um jeito ou de outro. Se Lula não puder disputar, o PT tende a substituir por um petista e Jaques Wagner é o mais provável. Mas Ciro Gomes corre por fora.
Se Lula for eliminado da corrida a menos de 20 dias da eleição, o PT não pode mais substituir: ou apoia alguém de fora ou boicota. Se houver uma ação eficaz de transferência, Lula repassa pelo menos 80% da intenção de voto, o que levará o apoiado ao segundo turno. Como sempre, o desafio mora nos detalhes. Executar isso não será simples. Mas é bem possível.
A resiliência de Bolsonaro. O senso comum diz que Bolsonaro vai emagrecer por falta de dinheiro, tempo de TV e apoios. Vale porém acompanhar melhor. O eleitorado dele é bastante coeso ideologicamente e parece pouco influenciável pelos canais tradicionais de difusão de informação. E ele está fechando o flanco do “despreparo” na economia. Bom ficar de olho.
Se Bolsonaro for lipoaspirado por uma ação combinada do governo, dos partidos habituais da direita (ou de seu genérico, o "centro") e da imprensa, o establishment precisará evitar um efeito centrífugo. Impedir que uma parte migre direto para a esquerda e outra refugie-se no não voto, no branco e no nulo. Se Lula for impedido, este será um problema também para o PT.
Os arrufos entre o governo e o PSDB. O PMDB foi linha auxiliar e coadjuvante dos tucanos durante os oito anos de FHC e dos petistas nos quase 14 anos de Lula e Dilma. Agora tem a caneta e não vai entregar sem luta. Temer espera que a intervenção no Rio rompa a inércia negativa. Se não, tem a opção de buscar um nome leve. Subestimar o governo é sempre um risco.
Já para Alckmin as coisas têm melhorado. Huck correu ao primeiro rugido do leão, Dória queimou a largada e foi punido no grid, Arthur Virgílio retirou-se atirando balas de festim. O tal espaço para um “centro” que salve o país da suposta ameaça do radicalismo vai caindo no colo do governador. O desafio dele é empolgar o eleitor com um discurso centrista. Não é trivial.
O cenário ideal para Alckmin é o cansaço com a bagunça nacional superar o cansaço com os políticos e, em outubro, o eleitor decidir escolher alguém rodado, para tentar acabar com a confusão crônica. A, até agora, anemia do “novo” ajuda o governador. Aliás, uma característica desta pré-eleição é o sistemático envelhecimento precoce do “novo" não bolsonarista.
A coesão ou a dispersão do “centro”, e o efeito-Freixo. Se PMDB e PSDB racharem o “centro", a aritmética se complica. Se o candidato do governo, Alckmin e Marina consolidarem, cada um, em torno de 10%, e se Álvaro Dias pelo menos mantiver os 3 ou 4%, pode acontecer o efeito caranguejo no balaio. Toda vez que alguém tentar subir, os demais vão puxar para baixo.
Na eleição do Rio em 2016 era provável que Pedro Paulo, Osório ou Índio fossem para o segundo turno. Aí o voto centrista dividiu-se bem entre os três, e quem passou à decisão foi Freixo. O candidato a “Freixo” agora é Bolsonaro. Diz a lógica que o estoque de votos centristas uma hora vai convergir. Mas política não é geração espontânea. Precisa de execução.
Uma centelha pode incendiar a pradaria. A melhora (ou a não piora) da situação econômica favorece algum equilíbrio político, mas este é instável. É provável que o apedrejamento maciço e sistemático da representação política e a louvação dos salvadores da pátria continuem na campanha. E uma centelha pode incendiar essa pradaria seca.
O que seria? Um “novo” atropelar do nada e arrastar a maioria do atual estoque de brancos/nulos/não sei/não vou votar? A reação popular, não nas ruas mas na urna, à cassação da candidatura de Lula? Uma onda antipetista que junte a direita, o “centro” e o não voto, para impedir a volta do PT ao poder? Nesta eleição, convém aumentar a atenção sobre o imprevisível.
O problema é que, como já dito aqui algumas vezes, o imprevisível costuma ser muito difícil de prever.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
http://www.alon.jor.br/2018/02/o-estado-das-variaveis-chave-neste.html
Demétrio Magnoli: Ideias fora de lugar
O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Jair Bolsonaro
As ideias já estavam fora de lugar antes da condenação de Lula pelo TRF-4 e sua consequente inelegibilidade. O voto unânime dos três magistrados mudou radicalmente o panorama político-eleitoral. As ideias moveram-se junto com os votos, girando 180 graus — e continuaram fora de lugar. Não era verdade, antes, que as eleições presidenciais necessariamente ficariam reféns da polarização entre populistas de esquerda e de direita. Não é verdade, agora, que o espectro dos populismos simétricos tenha sido conjurado. Agora, como antes, o enigma situa-se em outro lugar: a crise do centro político no Brasil.
Antes da sentença do TRF-4, as sondagens atribuíam a Lula algo em torno de 35% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro atingia cerca de 15%. O número relevante, que passava quase imperceptível, era 50% — não a soma dos potenciais eleitores de ambos, mas a metade do eleitorado avesso às duas alternativas populistas. Num cenário em que a massa menos informada dos cidadãos só sabia da existência daquelas duas candidaturas, 50% declaravam rejeitá-los. O espaço para uma candidatura vitoriosa de centro ampliou-se, obviamente, com a virtual destruição da postulação de Lula. Mas o centro não triunfará se persistir na sua crônica incapacidade de formular um discurso político popular.
O outono do lulismo reflete-se na fragmentação do campo do populismo de esquerda. Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos, presumível candidato pelo PSOL, já disputam seu espólio eleitoral, enquanto o PSB tenta atrair o interesse de Joaquim Barbosa. Tudo indica, porém, que o PT erguerá uma candidatura própria. Nutrido a partir da campanha fantasmagórica de Lula, que promete a restauração de uma mítica “idade de ouro” e exibe-se como vítima da “perseguição das elites”, mister X, o candidato do PT, tem chances apreciáveis de ultrapassar a barreira do primeiro turno. Nessa hipótese, uma imagem holográfica de Lula reunificaria, no segundo turno, o bloco do capitalismo de compadrio, do corporativismo e do paternalismo estatal.
Na ponta oposta (ao menos, aparentemente), o populismo de direita apresenta-se unificado desde o início. Bolsonaro investiu no promissor mercado eleitoral do ódio ao lulismo, mesclando sua alma original ultranacionalista a uma agenda ultraliberal fornecida por seitas ideológicas das catacumbas da internet. O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Bolsonaro. Contudo, por enquanto, sua candidatura progride, alimentada pela ilusória candidatura de Lula. Dias atrás, num evento patrocinado pelo BTG Pactual, o sombrio deputado foi ovacionado por mais de dois mil investidores, uma reiterada comprovação de que a idiotia política e a habilidade para ganhar dinheiro não são mutuamente excludentes.
Mister X (Lula em holografia ou Ciro Gomes, ou mesmo Boulos) versus Bolsonaro? Mesmo agora, não pode ser descartada a hipótese de um tóxico segundo turno, uma “escolha de Sofia” entre a tradição varguista e a nostalgia da ditadura militar, uma recusa absoluta a encarar os dilemas do presente. Contudo, só seremos arrastados a essa encruzilhada impossível se o centro político concluir sua trajetória de implosão.
O PSDB avançou, de olhos abertos, rumo ao abismo engalfinhando-se durante 15 anos nas estéreis lutas intestinas entre seus caciques, firmando um pacto faustiano com Eduardo Cunha em nome do impeachment e, finalmente, perfilando-se com o Aécio Neves do malote de dinheiro da JBS. Mas o colapso tem raízes mais profundas: desenhou-se lá atrás, quando o partido de FHC não soube formular uma política social alternativa ao programa paternalista de estímulo ao consumo privado conduzido pelo lulismo triunfante. O vazio de ideias da candidatura de Geraldo Alckmin espelha um impasse antigo, que se manifesta agonicamente nas periódicas celebrações tucanas dos aniversários do Plano Real.
“Exemplo de lealdade no ninho: enquanto Alckmin tenta consolidar sua candidatura, FHC busca um Macron para chamar de seu”, disparou um obscuro deputado petista, acertando o alvo. Duvidando do candidato tucano, FHC descreve círculos especulativos ao redor da potencial candidatura de Luciano Huck, qualificando-a como “boa para o Brasil”, capaz de “arejar” o cenário e “botar em perigo a política tradicional”. O Macron da França surgiu no vórtice de uma crise dramática, criou um partido centrista viável e ofereceu à nação um ousado projeto de reformas econômicas, sociais e institucionais. Já o Macron de FHC emerge como fenômeno exclusivamente midiático: uma estrela brilhante na constelação das celebridades.
Macron — como, em circunstâncias nacionais diferentes, o argentino Mauricio Macri e o partido espanhol Cidadãos — evidencia que o centro político é capaz de se reinventar diante do desafio populista. O Macron de FHC é o exato oposto disso: um atestado de falência do nosso centro político.
Míriam Leitão: Nas franjas da Justiça
As muitas nuances do Judiciário tornam o caso Lula mais complexo. Não é o ministro Luiz Fux, hoje presidente do TSE, que vai decidir se pode ou não haver registro de candidaturas. Ele já não estará no cargo. Em relação à prisão, se algum recurso da defesa for levado pelo ministro Edson Fachin para a turma, será à Segunda Turma. Lá, a maioria é a favor de que a pena seja cumprida só após o julgamento de tribunal superior.
No dia 15 de agosto, às 19 horas, o ministro Luiz Fux deixa de ser presidente do TSE. Exatamente neste momento começa o prazo para a inscrição das chapas. A opinião forte de Fux sobre a Lei da Ficha Limpa é importante, mas quem vai dizer se a candidatura de Lula é “irregistrável” será o TSE presidido pela ministra Rosa Weber.
A expectativa é a de que o ex-ministro Sepúlveda Pertence imprima novo tom à defesa do ex-presidente. Ele foi ontem ao ministro Edson Fachin falar do habeas corpus em favor de Lula. Reclamou do ritmo “porto-alegrense” da Justiça, querendo dizer que os desembargadores do TRF-4 foram rápidos demais em condenar. O problema é que ele precisa desse mesmo ritmo para que andem os pedidos no STJ e STF de habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Lula.
Se o assunto chegar à Segunda Turma, o resultado pode ser bem diferente do que foi no caso do deputado João Rodrigues, preso ontem, depois da decisão da Primeira Turma. A Segunda tem outra composição e outra maioria sobre essa questão. Lá estão Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Fachin. Destes, apenas Fachin é a favor da prisão após a condenação em segunda instância.
A respeito do plenário, permanece a mesma dúvida. Qual seria o resultado de um novo julgamento sobre o momento do início da execução da pena? Se chegar ao pleno, será a quarta análise do assunto em oito anos. Já analisou o assunto em 2009, 2015 e 2016, com resultados diferentes. E agora a questão pode voltar novamente. Esta semana, a surpresa foi o voto do ministro Alexandre de Moraes. Ele é a favor do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Resta a dúvida sobre Rosa Weber, que votou contra a segunda instância, e uma eventual mudança de voto dos outros ministros. A única certeza é a nova posição do ministro Gilmar Mendes
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A favor de Lula há o fato de que agora ele contará com uma defesa juridicamente mais sólida, porque conduzida pelo ex-ministro e veterano jurista Sepúlveda Pertence. A defesa de Lula até agora foi excessivamente politizada, o que ajudou a dar uma narrativa aos manifestantes e aos defensores políticos do ex-presidente, mas não afetou o julgamento.
Há algumas frestas para o ex-presidente. Estreitas. A situação dele permanece muito difícil. A publicação do acórdão do TRF-4 dá à defesa, na prática, 12 dias. Ela tem 10 dias para abrir o acórdão eletronicamente e, depois de aberto, dois dias para a apresentação dos embargos de declaração. Há duas batalhas para a defesa: evitar a prisão ao fim do julgamento dos embargos e reverter a inelegibilidade. A maioria dos juristas costuma sustentar que a aplicação da Lei da Ficha Limpa é muito difícil de ser contornada e que há caminhos — mas não muitos — para adiar a prisão de Lula.
Fux fez questão de deixar claro que a Lei da Ficha Limpa, legislação de iniciativa popular, será respeitada, e que um ficha-suja é irregistrável. Lula, quando concluir o julgamento da segunda instância, será um ficha-suja pela lei que foi defendida, em relatoria e votos, pelo PT. Quem decidirá sobre essa espinhosa questão do registro de candidaturas será o TSE sob o comando de Rosa Weber. Estarão também como representantes do Supremo na Justiça Eleitoral os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Esse trio será mais duro do que o que acaba de sair e o que se formou sob Fux.
Os ministros do Supremo no TSE têm mandato, e o de Fux termina em agosto. É por isso que na eleição mais incerta da nossa história recente a composição do tribunal será tão mutante. Num mesmo ano, o TSE está tendo três presidentes. O emaranhado jurídico pode ser enorme, mas a tendência até agora parece ser contra o ex-presidente Lula.
Luiz Carlos Azedo: “Não é nada meu”
Lula corre o risco de uma nova condenação em Curitiba, por causa do sítio de Atibaia. Todos os pagamentos das obras da reforma do sítio foram feitos em dinheiro vivo pela empreiteira
O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, decidiu ontem que os recibos de pagamento de aluguéis do apartamento vizinho ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, não são materialmente falsos. O imóvel é investigado em uma das ações da Operação Lava-Jato, em Curitiba. Às vésperas do carnaval, parece piada pronta. Lembra o Samba do tríplex, do compositor Boca Nervosa, lançado por Neguinho da Beija Flor: “Não é nada meu (oba)/ Não é nada meu/ Excelência, eu não tenho nada/Isso tudo é de amigo meu./E o tríplex na praia, me diga de quem é?/É de um amigo meu/ E o sítio de Atibaia, de quem que é, neguinho?/É de um amigo meu”.
Segundo Moro, a lei não distingue falsidade material ou ideológica, porém, “ficou incontroverso que os recibos dos aluguéis não são materialmente falsos”. A falsidade ideológica depende de questões que precisam ser esclarecidas; por exemplo, se dinheiro da Odebrecht de fato custeou a aquisição do apartamento. Glaucos da Costamarques, dono do apartamento, afirmou que, apesar de o contrato de locação ser de 2011, passou a receber os pagamentos em 2015. Disse ainda que assinou os recibos todos em uma única vez.
“O próprio Glaucos da Costamarques, apesar de afirmar que não recebeu os valores do aluguel, também declarou que assinou os recibos a pedido de Roberto Teixeira e de José Carlos Costa Marques Bumlai, ainda que parte deles extemporaneamente”, disse Moro. Ambos são amigos de Lula. Segundo Moro, a prova pericial não resolve a questão da falsidade ideológica, porque “ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporaneamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos”, explicou.
Lula corre o risco de uma nova condenação em Curitiba, por causa do sítio de Atibaia, citado no samba irreverente e sarcástico de Boca Nervosa. Frederico Barbosa, engenheiro da Odebrecht que comandou a reforma do sítio de Atibaia, em depoimento na tarde de ontem, confirmou a Sérgio Moro que todos os pagamentos das obras da reforma do sítio encomendadas por Lula e sua falecida esposa, Marisa Letícia, foram feitos em dinheiro vivo pela empreiteira. Também confirmou que recebeu orientação para manter o assunto em sigilo, porque a reforma era para o ex-presidente da República.
Cada vez mais enrolado na Justiça, parece que a ficha caiu. Lula recorreu ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Sepúlveda Pertence, que assumiu sua defesa. Jurista respeitado e querido pelos ex-colegas das duas Cortes, a primeira iniciativa de Pertence foi prestigiar a posse do novo presidente do TSE, Luiz Fux, que fez um discurso duríssimo em defesa da aplicação da Lei da Ficha Limpa. Segundo o novo presidente do TSE, quem estiver com a ficha suja não conseguirá registrar a candidatura, caso de Lula.
Nem entre os petistas cola mais a estratégia de manter a pré-candidatura de Lula na marra. A legenda mantém uma narrativa fora da realidade para ganhar tempo, enquanto Lula não se convence de que deve antecipar o nome do substituto nas eleições, antes que as divisões internas se tornem forças centrífugas. Os dois cogitados, até agora, eram Jaques Wagner e Fernando Haddad, mas ambos já começam a considerar os riscos de ficar sem mandato; já se fala num terceiro nome, o ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias.
Previdência
O deputado Arthur Maia (PPS-BA) apresentou ontem a última versão de seu relatório sobre a reforma da Previdência. Admitiu que o governo precisa mobilizar o apoio de mais 70 deputados para obter 308 votos em plenário a favor do projeto. Para isso, propõe a formação de uma nova base, a partir do apoio de prefeitos e governadores, que também têm interesse na reforma. “A Previdência ajuda muito os governadores. Aliás, mais do que a União. Os governadores têm interesse na votação da securitização de suas dívidas, têm interesse em discutir um formato de um fundo da Previdência dos estados fora dos orçamentos dos estados. É um caminho, desde que a gente não onere a União. Acho que tem condição de o parlamento construir com governadores e prefeitos uma agenda, uma pauta que trate do campo das despesas.”
Na avaliação de Maia, se a reforma não for aprovada em fevereiro, não sairá mais neste ano. A situação na Câmara, porém, é do tipo “me engana, que eu gosto”. Todos os líderes da base são a favor da PEC, mas não garantem o apoio maciço de suas respectivas bancadas. O presidente Michel Temer diz que já fez a sua parte; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também, exceto pôr em votação. Tudo parece jogo combinado. Não foi à toa que o Banco Central reduziu os juros para 6,75%, mas anunciou que esse é o piso da taxa Selic. O fracasso da reforma já foi precificado.
Eliane Cantanhêde: Lula: golpe de mestre?
A inclusão de Pertence na defesa de Lula tem poder simbólico e risco aritmético
O ex-presidente Lula deu um golpe de mestre para tentar escapar da prisão depois de o TRF-4, de Porto Alegre, julgar os embargos de declaração contra sua condenação a 12 anos e 1 mês: a contratação do advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo.
Pertence é grande amigo de Lula e um dos ícones do Supremo, sempre citado e reverenciado nos votos de ministros dos mais diferentes estilos e correntes. Seu reforço na defesa de Lula não tem apenas esse significado, ou esse peso simbólico, mas pode ter resultados práticos.
Analistas da cena jurídica e política veem na inclusão de Pertence na defesa de Lula (pro bono ou não) uma possibilidade também de um novo equilíbrio de votos no STF quanto à questão mais sensível: a prisão já após segunda instância, ou seja, sem o processo passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegar ao Supremo e ser considerado “transitado em julgado”.
O que chamou a atenção é que houve dois movimentos simultâneos: enquanto a defesa anunciava o reforço de Pertence, as redes sociais espalhavam que ele é primo da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, mineira como ele. Isso foi encarado como uma tentativa de acuar a ministra, que votou sempre a favor do cumprimento da pena após a segunda instância e poderia se considerar impedida para julgar um caso do “primo” Pertence.
A isso se soma uma outra questão: a chefe de gabinete do ministro Luiz Fux é casada com um filho de Pertence, o que poderia gerar o mesmo efeito: o de levar o ministro a se considerar impedido para julgar a questão. Como Cármen Lúcia, Fux também votou a favor da prisão após a segunda instância.
Pertence foi o patrono da indicação de Cármen Lúcia para o Supremo no governo do amigo Lula, cheio de elogios para aquela procuradora de Minas, que tinha sido boa aluna de Direito e cultivava a fama de ser dura e “de esquerda”. Um é de Sabará, a outra é de Espinosa, na região de Montes Claros, e um parente distante da ministra tinha o sobrenome Pertence. Por isso os dois se cumprimentavam como “primos” no Supremo, mas eles não são primos nem têm parentesco direto.
Aliás, já há um precedente para manter Cármen Lúcia no julgamento de questões que tenham Pertence na bancada de defesa. Ela julgou normalmente um processo contra o banqueiro André Esteves, que era defendido pelo ex-ministro, sem nenhum motivo para se declarar impedida.
A questão tem um aspecto praticamente aritmético. Como, em 2016, o plenário do Supremo aprovou, por seis a cinco, a prisão após condenação em segunda instância, qualquer mexida pode inverter o placar e impedir a prisão. Seria o caso, por exemplo, do impedimento de Cármen Lúcia e de Fux, dois dos votos vitoriosos.
Uma das dúvidas que havia foi respondida nesta semana, quando o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu na vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, votou pela primeira vez sobre a questão e se manifestou a favor da prisão após a segunda instância num outro processo, o do deputado João Rodrigues (PSD-SC), condenado pelo mesmo tribunal de Lula, o TRF-4.
Isso tudo significa que os dois personagens-chave no destino de Lula no STF passam a ser Sepúlveda Pertence, que pode levar ao impedimento de Fux, e, ora, ora, o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da execução da pena em segunda instância, mas admitiu mais de um vez rever sua posição. Logo, eis mais um dilema típico da confusão que o Brasil vive: Lula está nas mãos de um grande amigo, Pertence, e de um adversário público, Gilmar Mendes.
Almir Pazzianotto Pinto: Eleições sem lula
Com a rapidez das más notícias, aproximam-se as eleições. Embora lidere as pesquisas de intenções de voto, parece-me difícil a inclusão de Luís Inácio Lula da Silva no rol dos pretendentes à presidência da República. Analise objetiva indica serem reduzidas as chances de participar da disputa. Já não conta com o apoio de antigos companheiros, alguns presos, outros aposentados, cansados ou desiludidos.
O Partido dos Trabalhadores sofreu graves perdas no capital político acumulado na década de 1990. Encolheu, perdeu o antigo encanto, igualou-se aos demais. Acusações de corrupção provocam-lhe irreversíveis prejuízos. Encontrará dificuldades para celebrar alianças e lhe faltarão recursos destinados à campanha e à contratação de marqueteiros. Por último, Lula encontra-se na incômoda posição de condenado em julgamento de segundo grau, e corre perigo de ter a prisão decretada.
Sinto dificuldades para entender a preocupação dos adversários quanto à candidatura do único nome do PT. O PSDB, o mais aguerrido dos adversários, aparentemente nutre pelo ex-presidente sentimento de temor pânico. Foi nocauteado em quatro combates sucessivos. Se voltar ao rinque para enfrentá-lo estará com moral debilitada pela memória das derrotas, e dividido, como é habitual entre chefes tucanos.
Afastada a enigmática candidatura Lula, nivelam-se as demais. Geraldo Alckmin é honrado, bom governador e provável candidato. Não domina, contudo, a arte de eletrização o eleitorado. De perfil conservador é incapaz de atrair multidões. Com o desemprego na casa dos 12 milhões, a economia patinando, a violência à solta e o surto de febre amarela, ser-lhe-á dificultoso ultrapassar os limites do Estado e subir nas pesquisas. Contra o PSDB pesam acusações de não ter feito vigorosa oposição a Lula e Dilma Roussef, e de permanecer com um pé no governo de Michel Temer, cujo baixo índice de aprovação não lhe faz justiça.
Entre os demais pretendentes, quem poderá chegar à segunda rodada? O soturno e macambúzio Ministro Henrique Meirelles, o homem que não sorri? O senador Álvaro Dias, combativo parlamentar paranaense, mas desprovido de cacife para enfrentar campanha de tal envergadura. Cristovão Buarque, do PDT, a quem faltam a história e o carisma do falecido Leonel Brizola? Marina Silva sofreu amarga experiência ao ser derrotada com Aécio, e deixou de ser a mesma de anos passados. Joaquim Barbosa é inexperiente na areia movediça da política. No xadrez eleitoral será apenas um peão, descartável nos primeiros movimentos.
Por mais que se procure não se encontra alguém capaz vencer o desânimo da população. Dizem que Ciro Gomes tem experiência, mas é acusado de falta de credibilidade. Percorreu várias legendas e em lugar algum se deu bem. O capitão Bolsonaro limita o discurso à questão da segurança. Promete acabar com a bandidagem à bala. Não se sabe, todavia, como se articulará com o Poder Legislativo e enfrentará os desafios da desindustrialização, do atraso tecnológico, da recuperação do mercado de trabalho, da pobreza e da fome. Luciano Huck é apenas animador de auditórios. O prefeito João Dória deve sentir-se moralmente impedido de abandonar São Paulo.
Em ano eleitoral o cenário é desanimador. A tragédia emerge dos fundamentos da pirâmide política, assentada sobre partidos amorfos, afeitos a todas as negociações espúrias e alianças inexplicáveis, entre os quais os eleitores não conseguem identificar uma única liderança merecedora do voto.
Plagiando Winston Churchill, as eleições de 2018 são uma charada envolta em mistério, dentro de um enigma.
* Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabaho.
Merval Pereira: Sem prescrição
A defesa do ex-presidente Lula caminha para mais uma derrota no recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao basear sua tese na prescrição do crime de corrupção passiva, que já foi rejeitada tanto na primeira instância pelo juiz Sergio Moro quanto no TRF-4 pelo relator Gebran Neto, que foi seguido pelos outros dois desembargadores da Turma.
A alegação da defesa nos memoriais é de que “(...) se o benefício material — vantagem indevida — ocorreu em 2009, o crime de corrupção, em qualquer modalidade aventada, já teria se consumado naquele momento”. Com o prazo para prescrição de 6 anos, o crime estaria prescrito em outubro de 2015, 11 meses antes do recebimento da denúncia por Sergio Moro, em setembro de 2016. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado no mensalão e hoje atuando como advogado no Supremo, defende a tese da prescrição.
No entanto, na sentença condenatória, que foi aceita pelo TRF-4, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas, e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, presidente da empreiteira.
Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente. Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime.
O relator no TRF-4, desembargador Gebran Neto, aumentou a pena de Lula pela “alta culpabilidade”, sendo 8 anos e 4 meses por corrupção passiva e 3 anos e 9 meses por lavagem de dinheiro, dois crimes distintos cujas penas são somadas por “concurso material” entre as condutas, sem contar para o cálculo da prescrição.
Baseando-se na tese de Moro, confirmada pelo TRF-4, mesmo que não houvesse aumento da pena, o crime de corrupção passiva não estaria prescrito. O de lavagem de dinheiro não entra na disputa judicial, pois, na interpretação do Supremo, trata-se um crime permanente, cuja execução se prolonga no tempo. Nos Tribunais Superiores há o entendimento de que a ocultação é um crime permanente.
O balanço das decisões do STJ divulgado recentemente mostra que os recursos que tiveram a defesa como parte solicitante, seja advogado ou defensoria pública, apresentaram resultados pouco animadores para os condenados: em 0,62%, absolvição; em 1,02%, substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos; em 0,76%, prescrição; em 6,44%, diminuição da pena; em 2,32%, diminuição da pena de multa; em 4,57%, alteração de regime prisional.
Isso acontece porque tanto o STJ quanto o STF só podem analisar questões de direito e não de fato. O primeiro verifica se houve violação às leis federais, e o Supremo, violações à Constituição. Podem rever o mérito, mas raramente o fazem. Tendo sido mantida a condenação, e aumentada a pena, é difícil que o STJ admita uma prescrição que foi rejeitada pelas duas instâncias anteriores.
Se houvesse a hipótese de a pena ter sido aumentada no TRF-4 para impedir a prescrição do crime, estaria determinada uma ilegalidade, pois esta não é uma das razões para agravar a pena de um condenado. No julgamento do mensalão houve uma discussão sobre o tema entre os ministros Luís Roberto Barroso e o relator Joaquim Barbosa.
Barroso, que só participou do julgamento na fase dos embargos infringentes e ajudou com seu voto a absolver os réus, inclusive José Dirceu, da acusação de crime de quadrilha, insinuou que houve a exacerbação de certas penas para evitar a prescrição de crimes.
Surpreendentemente, foi interrompido por Joaquim Barbosa, que, como relator, era o responsável por sugerir as penas: “Foi feito para isso sim”, afirmou. O ministro Barroso tentou levar a decisão sobre formação de quadrilha para a prescrição da pena, sem que o mérito fosse julgado, mas acabou defendendo a absolvição de todos os condenados no caso de quadrilha, pois considerou inexistentes as características daquele crime.
A polêmica afirmação de Joaquim Barbosa não teve consequências, pois acabou prevalecendo a absolvição.
PS — Na coluna de domingo, me referi à súmula 291 do STF, quando se trata da súmula 691, que diz que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. (Com a assessoria técnica do advogado criminalista João Bernardo Kappen).
Eliane Cantanhêde: O País do carnaval
Os milhões que não vão às ruas por Lula e pela política se esbaldam no carnaval
Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!
Eles protestavam contra ou a favor da condenação do ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos?
Seria então contra ou a favor da posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes, procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com mandato pelo Supremo?
Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica, das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras? Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya, H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???
Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas.
O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço, tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...
Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.
O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília, o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.
O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos, de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.
Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife, porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas populares.
Se houve fotos impactantes assim na política foi nas Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças, partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.
Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e pró-carnaval!