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Bolívar Lamounier: Os riscos da recaída

Lula e Dilma instalaram no STF uma maioria que cria obstáculos ao combate à corrupção

Em sua acepção mais comum, o verbo latino rebellare é traduzido como rebelar-se, revoltar-se, sublevar-se. Foi nos albores do mundo moderno, nos séculos 16 e 17, que ele se enriqueceu de maneira notável, ganhando na teoria política uma conotação totalmente diferente, a de “voltar ao estado de guerra”.
Tal mudança ocorreu em íntima conexão com o surgimento da doutrina do contrato social, pilar inicial do Estado constitucional e da democracia representativa. Desde Thomas Hobbes, autor de O Leviatã (1650), numerosos pensadores adotaram como ponto de partida o contraste entre uma sociedade fictícia – o “estado de natureza” – e a sociedade real, na qual vivemos, a “sociedade civil”. No “estado de natureza”, a vida humana beira o inimaginável. Fraco e isolado, não podendo contar com a colaboração de seus semelhantes, cada indivíduo se sente constantemente ameaçado pelos demais. Nas expressões clássicas de Hobbes, “o homem é o lobo do homem” e a sociedade, uma perpétua “guerra de todos contra todos”.
Foi para superar tal condição que os homens instituíram a sociedade civil, um contrato ou pacto mediante o qual todos se poriam ao abrigo de instituições e leis estabelecidas por eles mesmos, às quais deveriam estrita obediência, pois elas é que haveriam de os proteger contra a morte violenta, garantir suas propriedades e assegurar a cooperação sem a qual não conseguiriam produzir os bens de que necessitavam para sobreviver.
Assim, a noção de “sociedade civil” abria caminho para a ideia de que a sociedade humana surge e evolui graças à razão, ou seja, à capacidade humana de imaginar futuros alternativos, de escolher entre eles e de cooperar em sua construção. A visão “naturalista” era assim substituída pelo contratualismo, base como antes assinalei, do Estado constitucional e representativo.
Implícita no contratualismo encontra-se, portanto, a ideia de que o indivíduo é portador de direitos que a sociedade é obrigada a respeitar e tutelar. Mais para o final do século 17, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, John Locke levou o argumento contratualista à sua conclusão lógica. Quem violasse as premissas da sociedade civil estaria se “rebelando”, ou seja, reinstituindo um “estado de natureza”. A recaída no estado de guerra poderia ser causada por qualquer um dos principais grupos ou instituições que compõem a sociedade, em especial por um governo tirânico, ou por súditos que se recusassem a reconhecer a legitimidade de um governo que fizesse por merecê-la.
À primeira vista, os apontamentos acima podem parecer puramente abstratos e irrelevantes, mas a História registra numerosos breakdowns, ou seja, crises ou rupturas que desembocam em violência generalizada. E não custa lembrar que até hoje é comum nos depararmos com a expressão “pacto social vigente” quando nos referimos à Constituição ou, mais amplamente, à situação prevalecente em determinada sociedade em certo momento.
Observadas tais ressalvas e fazendo referência ao Brasil atual, parece-me plausível caracterizar certos comportamentos das instituições públicas e certas atitudes disseminadas na sociedade e na política como indícios de um processo de desagregação análogo a uma regressão ao estado de guerra. Claro, a recaída não se dá da noite para o dia e raramente é causada por uma parte apenas da sociedade, mas o primeiro ponto a frisar é o discurso das agremiações de esquerda – e do PT, a mais importante delas. Em todas as suas variantes, a ideologia de esquerda orienta-se pela utopia de uma sociedade sem classes e perfeitamente harmoniosa. Arroga-se uma capacidade de antever as etapas do futuro histórico, sendo, pois, de seu dever liderar a marcha que conduzirá a humanidade a esse paraíso terrestre. Essa suposta superioridade alimenta uma ambiguidade em relação às instituições da democracia, às condutas prescritas pela ordem constitucional, e, especificamente, uma perceptível leviandade na ponderação entre fins e meios, da qual decorre um frequente recurso a ameaças de violência.
O caso do PT é ilustrativo. Em 1985 recusou-se a apoiar o restabelecimento do regime civil quando da eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral. Recusou-se a assinar a Constituição de 1988. Não mediu esforços para recolher dividendos eleitorais advindos do impeachment de Fernando Collor, mas recusou-se a assumir sua cota de responsabilidade no governo de transição de Itamar Franco.
Quando a hiperinflação bateu às nossas portas, o partido assumiu uma posição de frontal combate ao plano de estabilização. Lula, eleito em 2002, beneficiou-se da estabilidade e de uma transição de governo excepcionalmente cordial e transparente, mas não hesitou em pespegar o slogan “herança maldita” no governo que o precedera, sem dúvida a mais dura agressão de um presidente contra seu antecessor na História republicana brasileira.
Outro indício da desagregação ou recaída a que me referi é a extensão atingida em nosso país pela corrupção. O número e o volume das ocorrências que vieram a público no passado recente sugerem tratar-se de um caso sem paralelo entre as democracias contemporâneas.
Por fim, mas não menos importante, algo precisa ser dito a respeito do Judiciário e especificamente do Supremo Tribunal Federal. É inegável que os governos Lula e Dilma, valendo-se com má-fé de seu poder de nomeação, instalaram no Supremo uma maioria facciosa que não hesita em contrariar a jurisprudência (que em parte ela mesma criou) e não faz segredo de sua intenção de criar obstáculos ao combate à corrupção. Vale lembrar a lição de Locke: “Perde a confiança da comunidade uma instituição que manifestamente negligencia ou se opõe ao fim que lhe foi atribuído”.
* Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, membro da Academia Paulista de Letras e autor de 'Liberais e antiliberais' (companhia das Letras, 2016)

Marco Aurélio Nogueira: As ruas de abril

Muita expectativa em torno da manifestação convocada para amanhã, 3 de abril, com o objetivo de protestar contra o STF e o risco de generalização da impunidade nos crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro.

É compreensível. Não temos hoje, no País, um ambiente de grande mobilização popular e as controvérsias, que se têm intensificado de forma constante, não ajudam a criar um clima favorável à manifestação unitária dos cidadãos. Ajudam, em vez disso, a paralisar as pessoas. A indignação cívica, porém, segue em rápida ascensão, criando a sensação de que o imobilismo não permanecerá.

Há bons motivos para que as pessoas se disponham a ir para as ruas. Marcar posição contra a violência e a insegurança é uma delas, assim como pressionar para que o Judiciário não seja complacente com a impunidade e não dê marcha à ré na questão das prisões após segunda instância.

O STF atiçou a cidadania ativa. Mostrou-se confuso e errático ao aceitar o pedido de habeas corpus de Lula. Mesmo sem apreciar o mérito do pedido, deu indícios de que está disposto a abraçar novamente o “trânsito em julgado” e a presunção de inocência conforme a letra constitucional. Não há consenso a respeito e o tribunal exibe isso a todo momento. Fora dele, juristas renomados também divergem. O fator que organiza consensos e dissensos é o quanto se deseja, no momento atual, fazer avançar a luta contra a corrupção e em favor de uma justiça universal.

O STF deu um tabefe no bom senso e nos cidadãos que se mostram contrários à sucessão interminável de recursos, muitos dos quais somente são julgados quando os “pacientes” já estão mortos. O STF não foi somente parcial: foi antes de tudo inoperante em termos procedimentais e jurisprudenciais. Tornou-se um fator de alimentação do desarranjo em que se vive no Brasil. Perdeu pontos preciosos junto à opinião pública, situação que impulsiona o protesto que se procura mobilizar esta semana.

A conduta do STF – e particularmente de alguns de seus integrantes – foi interpretada como benéfica a Lula e a todos os demais criminosos de colarinho branco. A indignação reverberou. Voltaram à mesa os princípios fixados por Teori Zavascki (morto em janeiro de 2017) para acelerar a balizar as investigações da Lava Jato: execução da pena depois de condenação em segunda instância, valorização da colaboração premiada como meio para obtenção de provas e legitimidade das prisões temporárias e preventivas.

O garantismo jurídico está no art. 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Seguido ao pé da letra, o preceito produz consequências conhecidas: processos excessivamente estendidos no tempo, ineficiência da Justiça, benefícios obscenos a condenados com advogados mais caros e “dedicados”. É algo que faz o Brasil ser um dos países mais garantistas do mundo sem que esteja entre os mais justos e com melhor sistema judicial.

Como escreveu o ex-ministro Carlos Velloso em artigo publicado hoje no Estadão, “a execução da condenação em segundo grau é a regra em países de boa prática democrática”. Também era assim no Brasil, até 2005-2006, quando o Supremo Tribunal reformulou a jurisprudência. Por proposta de Teori Zavascki, o entendimento foi alterado.

Agora, observa Velloso, “tenta-se, numa interpretação gramatical, voltar ao breve momento – 2009 a 2016 – em que a interpretação literal, puramente semântica, extensiva, teve lugar, realizando o ‘paraíso’ de alguns”. Para ele, “a execução da sentença condenatória, após o julgamento em 2ª Instância, é acertada. É que os recursos que podem ser apresentados a partir daí não examinam a prova, não examinam a justiça da decisão”. A presunção de não culpabilidade (CF art. 5º, LVII) não implica, só por só, impedimento da execução penal. É que “dispositivos constitucionais não se interpretam isoladamente e sim no seu conjunto. O que a Constituição garante é o duplo grau de jurisdição, ou o contraditório e a ampla defesa, com os recursos assegurados na lei processual. Esta dispõe que os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo”.

Conclusão: “Certo é que o entendimento no sentido de se aguardar o trânsito em julgado contribui para a impunidade. O número exagerado de recursos pode levar à prescrição da pena, em detrimento da sociedade e da credibilidade do Judiciário”.

http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/as-ruas-de-abril/


Ruy Fabiano: O calvário institucional do País

O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise 

“Não se conhece, no mundo civilizado, um país que exija o trânsito em julgado”, proclamava, há 17 meses, o ministro Gilmar Mendes, na ocasião em que, pela terceira vez, o STF firmava jurisprudência favorável à prisão em segundo grau.
Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.
Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula.
As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais), serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.
Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal impetrada por seu advogado, da tribuna do STF.
Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos – nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -, para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo muito simples, muito sumário.
A pantomima, no entanto, incendiou o país. E colocou o STF, que se arvora em poder moderador da República, como epicentro da crise. Desde o impeachment de Dilma, não se via nada igual. Os movimentos de rua estão excitadíssimos e tudo indica que as manifestações programadas para os dias 3 e 4 farão barulho.
O habeas corpus preventivo de Lula, que será julgado dia 4, equivale a seu impeachment. A crise voltou a ter um rosto, um símbolo unificador da indignação popular, o que não ocorria desde a queda de Dilma. O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise.
É vista, neste momento, como guardiã não da Constituição, mas da corrupção. Tudo isso ocorre simultaneamente ao sucesso de uma série de TV, “O Mecanismo”, que, parodiando o Petrolão, confere ao Supremo o papel de instância salvadora dos criminosos.
A vida imita a arte. E a reação petista agrava o quadro. É uma reação de desafio, em que o pivô da crise, Lula, em vez de se recolher à sua condição de condenado e réu em mais seis processos, sai em caravana pelo sul do país, desancando os juízes que o condenaram e ofendendo os que se incomodam com isso.
De quebra, simula atentados que só convencem os que o produziram – eles próprios. As primeiras avaliações de especialistas indicam que os tiros, de calibre 22, foram dados com o ônibus parado, o que fez com que os petistas mudassem de assunto.
Nesse ínterim, o STF solta prisioneiros de colarinho branco – como Paulo Maluf – e limpa a ficha de um ex-senador, cassado por corrupção, Demóstenes Torres, o que cria precedente para limpar a de Lula, viabilizando sua candidatura.
Para atenuar a farra, prendem-se alguns amigos do presidente da República, Michel Temer, envolvidos em tramoias ligadas ao porto de Santos. É louvável e necessário, mas não como compensação à impunidade de Lula. Mantida a blindagem, a crise continua.
* Ruy Fabiano é jornalista

Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.
O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!
O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.
Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.
Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...
Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.
Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois.
Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.
Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.
A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.
O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.

Merval Pereira: O impacto da corrupção

O que explica o paradoxo de a corrupção ser a maior preocupação hoje do brasileiro, e o ex-presidente Lula ser o candidato preferido desse mesmo eleitor? Estudos do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, baseados em pesquisa de opinião experimental realizada em parceria com os professores Lucia Barros, da USP e Rafael Goldzmidt, da FGV, mostram como funciona a mente do eleitor, influenciada por questões de ideologia e também por cálculos de custo/benefício.
Claro que a falta de informação acerca do envolvimento do candidato em corrupção é um fator importante nessa decisão, mas o gasto em políticas públicas (bens públicos) modera o impacto negativo de corrupção na probabilidade de reeleição, especialmente em países pobres.
Mesmo eleitores informados podem votar em governantes supostamente corruptos se eles esperam receber benefícios materiais que outros partidos ou candidatos não podem garantir.
Eleitores são mais propensos a escolher candidatos desonestos quando eles compartilham da mesma ideologia. Esse efeito é mais forte quando ideologias econômica e social são congruentes. Quando eleitores são informados de que políticos são corruptos, eles são menos propensos a percebê-los como tal quando compartilham da mesma ideologia.
A forma como corrupção é percebida afeta a escolha do eleitor. Quando eleitores percebem que seu candidato é corrupto, são motivados a buscar outras razões para continuar o apoiando. Esse processo leva a um cálculo cognitivo enviesado que favorece a decisão que os eleitores já haviam tomado.
Mas, pesquisas anteriores feitas em parceria com o cientista político Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, demonstram que prefeitos com contas rejeitadas pelos tribunais de contas têm chances cerca de 30% menores de se reeleger. Testes mostraram que a maioria dos eleitores votou no Candidato A, que não tinha passado corrupto. Também votaram mais frequentemente no candidato B quando era suspeito de corrupção (33% na média) do que quando condenados por corrupção (11% na média).
Sistemas políticos capazes de punir corrupção podem gerar responsabilidade (“accountabillity”) eleitoral. Funcionam não apenas punindo comportamentos desviantes mas, também impactam a formação da percepção do eleitor e de suas escolhas eleitorais.
Condenar e impor penalidades pode desencorajar comportamentos desviantes no futuro e libertar eleitores enfeitiçados por corruptos. Punição judicial é a chave para que o feitiço de candidatos corruptos se dissipe.
Apesar de mostrar Lula ainda em primeiro lugar, a pesquisa espontânea do Datafolha revela que o número de indecisos, brancos e nulos atingiu 46% após a condenação do ex-presidente. Isso sugere que parcela de eleitores já começa a buscar alternativas ao ex-presidente Lula.
Também subiu de 48% para 53% a fatia de eleitores que não votaria em um candidato apoiado por Lula. Para o cientista político Carlos Pereira, a insistência em sua candidatura, além de poder levar o PT a perder as eleições, pode também levar seu partido a perder a capacidade de aglutinar os outros partidos de esquerda em torno de seu protagonismo político e eleitoral conquistado desse 1989.
“A condenação do ex-presidente Lula e seu impedimento legal de concorrer à Presidência podem se traduzir no melhor cenário para a reestruturação competitiva do próprio PT e de seus aliados de esquerda”.
Se tudo correr dentro da legislação em vigor, Lula não poderá disputar o primeiro turno, pois sua candidatura será rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando for apresentada. Pela Lei da Ficha Limpa, assim que terminarem os recursos no TRF-4, a defesa de Lula tem que entrar no STJ pedindo a suspensão da inelegibilidade.
Se ganhar a liminar, seu recurso terá prioridade para ser julgado, e creio que perderá no plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dará a decisão final antes do prazo de registro das candidaturas, em agosto. Nesse caso, quando o TSE recusar-se a aceitar sua candidatura, já haverá uma decisão de tribunal superior, com base na Ficha Limpa, e a decisão será rápida. A não ser que o Supremo Tribunal Federal interfira no jogo eleitoral, mudando o sentido da Lei da Ficha Limpa. O que seria uma afronta à democracia.

Samuel Pessôa: Prisão em segunda instância

Definir cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado é perder luta contra a corrupção
No direito penal americano, o réu é preso na primeira instância. No julgamento, o juiz instrui os jurados de que o réu deve ser considerado culpado mesmo se eles não estiverem 100% convictos da culpa. Basta que a dúvida seja mais fraca do que uma dúvida razoável.
Ou seja, o direito americano considera explicitamente no seu ordenamento a possibilidade do erro jurídico. É possível condenar uma pessoa inocente. Mesmo que os jurados não estejam certos da culpa, se o conjunto probatório for muito consistente —isto é, se, em razão do conjunto probatório, a probabilidade de a pessoa ser inocente for extremamente baixa, segundo o juízo dos jurados—, o sistema jurídico americano instrui os jurados a considerar a pessoa culpada.
Qualquer pessoa que tenha feito um curso introdutório de estatística sabe que existe um teorema que estabelece que, se um sistema jurídico for construído de sorte a ser impossível condenar um inocente, também será impossível condenar um culpado. Qualquer sistema jurídico estabelece, a partir de toda processualística, uma ponderação entre um erro, condenar o inocente, e outro erro, inocentar um culpado.
Se for um processo civil, isto é, entre cidadãos e que não pode redundar em pena de privação de liberdade, mas somente em compensações financeiras, o requerimento de certeza é ainda menor. Decide-se a responsabilidade civil de um cidadão para com outro de acordo com a preponderância da evidência. Quem contar a melhor história ganha o caso.
É por esse motivo que, no direito americano, é possível uma pessoa ser condenada no processo civil e absolvida no processo penal, como foi o caso do jogador de futebol americano O. J. Simpson.

Quanto maior for o número de recursos possíveis, e quanto maior for o número de instâncias recursais em seguida à Justiça de primeiro grau, menor será a probabilidade de condenar um inocente. Consequentemente maior será a probabilidade de inocentar um culpado.

Se o STF mudar o entendimento e estabelecer que o início do cumprimento da pena será apenas após se esgotarem todos os recursos possíveis na última instância, será impossível condenar um culpado em crime de colarinho-branco, que são os crimes que em geral não deixam prova material. Nesses casos a regra será a prescrição, em razão das inúmeras oportunidades de protelação.
De fato, mesmo num caso em que houve prova material claríssima, o exemplo escandaloso do assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves, que foi réu confesso, levaram-se 11 anos para o início da pena, após o STF se pronunciar. Não me pergunte o porquê de o processo de um crime planejado, por motivo torpe e sem que o assassino tenha dado o direito de defesa à vítima, terminar no STF.
No código de Processo Penal há excrescências como “Embargo de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário no Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo nº 13874499”. Demorei uns 15 minutos para copiar da página 189 do livro “A Luta contra a Corrupção”, de Deltan Dallagnol.
Assim, o entendimento do STF de que o início do cumprimento da pena ocorra apenas após o trânsito em julgado é equivalente a dizer que réus em crime de colarinho-branco com bons advogados nunca serão condenados mesmo que culpados. Perderemos a luta contra a corrupção.
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Samuel Pessôa é formado em física e doutor em economia. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Merval Pereira: Perigos da urna

A candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, que no momento é apenas um simulacro, pois a Lei da Ficha Limpa impede seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode tornar-se um fato real com repercussões traumáticas no país caso leis em vigor sejam sucessivamente superadas, revogadas ou alteradas para permitir que seu nome apareça na urna eletrônica no dia da votação.

Essas possibilidades têm sido alvo de vários estudos acadêmicos liderados pelo cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, tanto do ponto de vista da ideologia quanto da repercussão no eleitor comum das condenações por corrupção de um candidato. Pesquisas indicam que a condenação de um candidato, no fim das contas, reduz sua intenção de votos, mesmo em casos excepcionais de resiliência como o de Lula.
Do ponto de vista puramente eleitoral, o advogado Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral e direitos políticos, publicou recente artigo na “Folha de S. Paulo” onde explora a possibilidade de a candidatura de Lula, impugnada após a realização do primeiro turno, levar a um resultado inusitado das eleições. Os dois analistas não acreditam que a candidatura de Lula vingue. Carlos Pereira a vê diretamente associada à estratégia de sobrevivência jurídica, enquanto Ricardo Penteado faz uma simulação sobre a possibilidade de Lula vir a disputar o primeiro turno, sendo seus votos considerados nulos pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Essa situação, além de provocar uma instabilidade política no país com consequências imprevisíveis, pode dar a vitória ao segundo colocado ainda no primeiro turno. Ele lembra que a Constituição diz que “será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos” e “se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição..., concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos”.
Assim, se depois do primeiro turno Lula não estiver registrado, seus votos serão considerados nulos e, como manda a Constituição, não serão computados para a proclamação do eleito ou dos concorrentes no segundo turno.
O inusitado disso, diz Ricardo Penteado, é que quanto mais sucesso Lula venha a fazer junto ao eleitorado, menos votos precisam ter os demais candidatos para uma eventual definição do eleito no primeiro turno. Se a eleição se define apenas com votos válidos, desprezados os nulos e brancos, quanto mais votado venha a ser Lula, maior será o número dos votos nulos e menor será a base de cálculo para a definição do vencedor no primeiro turno, dentre os candidatos registrados.
Existe a possibilidade, calcula Ricardo Penteado, de que a candidatura de Lula ajude a definir a eleição no primeiro turno com um presidente eleito por menos de 25% do eleitorado brasileiro. Esse resultado catastrófico da eleição de outubro, digo eu, só acontecerá se os tribunais superiores não fizerem sua parte, permitindo que a candidatura de um condenado em segunda instância prospere através de artifícios jurídicos.
Já Carlos Pereira considera que, como todos os outros candidatos e partidos sabem que a maior probabilidade é que a candidatura de Lula seja impugnada pelo TSE (Lei da Ficha Limpa), existem incentivos para que os demais partidos de esquerda e de centro lancem candidatos. Entretanto, acredita que esse efeito de pulverização de candidatos seja mais forte na esquerda. O centro se acertará no final pois, na opinião dele, tem menos problemas de coordenação.
Como o PT se tornou o núcleo da esquerda do qual os outros partidos de esquerda têm sido satélites desde 1989, a ausência de uma candidatura do PT em alternativa ao Lula gera fortes incentivos a que os outros partidos nutram a ambição de se tornar o novo núcleo. Ou seja, “PT do amanhã”.
Daí porque Carlos Pereira acredita que existirão vários candidatos de esquerda “não competitivos”, inclusive o nome do PT se Lula deixar para retirar a sua candidatura no limite legal. Ou seja, quanto mais tarde Lula retirar a candidatura, menores serão as chances de o PT continuar a exercer esse papel aglutinador da esquerda.
Se de fato houver pulverização de candidaturas à esquerda, corre-se o risco de nenhuma delas chegar ao segundo turno. Carlos Pereira faz uma ressalva: esse quadro pode ser alterado se o ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, decidir se candidatar à Presidência pelo PSB. Joaquim Barbosa talvez seja o candidato que melhor encarne o combate à corrupção, a maior preocupação do eleitor brasileiro atualmente. Amanhã, os efeitos da corrupção.

Demétrio Magnoli: Intimidação

Juntos, Lula e Bolsonaro triunfaram na Batalha do Sul. Sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política
“O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”, gritavam os partidários de Bolsonaro no Paraná, plagiando o antigo bordão dos fiéis lulistas para expressar sua repulsa ao jornalismo, em geral, e à Globo, em especial. Mais surpreendente, talvez, foi outro paralelismo registrado em meio aos ataques à caravana de Lula no Sul. “Lula quis transformar o Brasil num galinheiro; agora está colhendo os ovos”, declarou Bolsonaro. “Estão colhendo o que plantaram”, declarou Alckmin. Por que eles não articulam uma chapa única —a coligação “Pau, Pedra, Ovo e Tiro”?
Nas emboscadas à caravana eleitoral lulista, queimaram-se pneus. Quantas vezes os movimentos que orbitam ao redor do PT incendiaram pneus para atingir objetivos partidários simulando protestar em nome de reivindicações sociais? Enquanto, no Sul, a baderna envolvia os militantes lulistas, no Nordeste o MST invadia uma fábrica de Flávio Rocha, recém-declarado candidato presidencial. As milícias que se coordenaram contra a caravana evidenciam a força da pedagogia da intimidação. “Petistas da direita”, eis uma alcunha apropriada para os arruaceiros que perseguiram Lula. Quando Alckmin pronuncia seu elogio implícito da violência política, está dizendo que, ganhando ou perdendo as eleições, o PT venceu —isto é, que não há mais espaço para a divergência democrática no Brasil.
A política da intimidação nasce da pulsão totalitária. “As ruas são nossas” —a ideia de expulsar os rivais da praça pública sempre foi um traço comum aos partidos fascistas e comunistas. O PT não é uma coisa nem a outra, mas assimilou as práticas do castrismo, fonte mítica de inspiração para suas principais correntes. Daí, os “atos de repúdio” contra “inimigos do povo”, a vandalização de debates acadêmicos ou eventos de lançamento de livros, as invasões políticas de propriedades patrocinadas pelo MST (o “exército do Stédile”, que opera como milícia de Lula), as agressões a concorrentes em atos eleitorais. O Alckmin que justifica os petistas da direita está, de fato, celebrando os petistas do PT.
O pilar central da democracia é o princípio do pluralismo: a crença compartilhada de que nenhum partido singular tem o monopólio da verdade. A política da intimidação equivale a uma insurreição contra a democracia. É essa a chave para interpretar o cerco dos milicianos à caravana de Lula.
Na hora do impeachment, um clamor pela cassação do registro do PT escorreu dos arautos de uma “nova direita” avessa ao pluralismo. A causa da abolição do PT fracassou, assim como se desvaneceram as esperanças na simples desaparição do partido. O projeto liberticida mudou de alvo: trilhando um longo desvio para atingir a mesma meta, eles empenham-se em forçar a prisão de Lula. Os ovos, pedras, paus e tiros desferidos contra a caravana devem ser entendidos como instrumentos de persuasão dos ministros do STF. No Sul, mirava-se o julgamento de 4 de abril.
João Doria entendeu isso, explicitando a demanda dos milicianos. Depois de repetir Alckmin (“o PT sempre utilizou da violência; agora sofreu da própria violência”), Doria esclareceu o que se pretende: “Não recomendo ovos, e sim prisão para ele”. As lideranças petistas habituaram-se a ameaçar juízes com o espectro da convulsão social, na hipótese da prisão de Lula. O porta-voz voluntário dos petistas da direita produziu uma ameaça simétrica: a convulsão social seria o fruto do habeas corpus para Lula. A política da intimidação eleva-se a um patamar inédito quando aderem a ela os candidatos tucanos ao Planalto e ao Bandeirantes.
Fogueiras de pneus pertencem ao universo dos petistas —os de esquerda ou os de direita. Lula e Bolsonaro triunfaram, juntos, na Batalha do Sul. Eles configuraram o noticiário e sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política. Aos vencedores, irmãos-inimigos, uma chuva de ovos.
* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.

El País: boatos são base de 6 das 10 notícias mais compartilhadas sobre ataque à caravana de Lula

Levantamento é do Monitor do Debate Político no Meio Digital. Nesta semana, até o TSE usou uma notícia falsa para combater o fenômeno

Polícia realiza perícia em um dos ônibus da caravana atingidos.
Polícia realiza perícia em um dos ônibus da caravana atingidos. ERALDO PERES AP

Seis das dez notícias mais compartilhadas no Facebook sobre os tiros contra os ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula s Silva na última terça-feira no Paraná são falsas. Os boatos, de diferentes sites, afirmam que Lula e sua militância teriam armado os ataques e não tem qualquer base factual para fazer tal afirmação. A polícia do Paraná investiga o caso e ainda não houve identificação dos suspeitos do ataque.

O levantamento foi feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, um projeto que mapeia os conteúdos mais compartilhados e com mais interação na rede social ligado à USP. Para Pablo Ortellado, coordenador do projeto e professor de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, o resultado do levantamento é preocupante. "Mostra que a especulação mais selvagem e grosseira tem grande poder de difusão se colar na narrativa de um dos campos políticos", disse ao EL PAÍS. "É o que aconteceu no caso Marielle e acontece agora também". Após a morte de Marielle Franco, há quinze dias, diversas notícias falsas sobre a vida pessoal da vereadora do PSOL foram amplamente compartilhadas nas redes. A questão é tão grave que o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral) resolveu nesta semana anunciar medidas para combater as notícias falsas. O problema é que o TSE usou uma notícia falsa como parâmetrodos sites mais difusores de boatos e só depois de alertado corrigiu o erro.

Nova mira

A dinâmica tem um padrão. Com um novo alvo na mira, portais como Pensa Brasil ou Jornal da Cidade difundiram o conteúdo falso sobre o ocorrido na caravana petista. O primeiro portal, cuja manchete era "Jornalista dentro no [sic] ônibus entrega PT: 'Foi tudo armação os tiros [sic]", teve mais de 195.000 compartilhamentos. O segundo, com 110.000 compartilhamentos, dizia: "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar", atribuindo a informação ao ator Carlos Vereza. O ator usou seu Facebook para dizer que Lula não estava dentro do ônibus atingido e insinuar suas suspeitas, sem fundamento oficial, para dizer: "Ora, de repente, um tiro de um modesto 32 transforma-se numa bazuca de alto poder de destruição colocando em risco - não a vida do Pai dos Pobres que voava são e salvo num helicóptero financiado pelos degredados da senzala -, mas o bagageiro do ônibus, que resistiu (...)".

Somente a terceira notícia mais compartilhada sobre o assunto era, de fato, verdadeira. A manchete "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná", do jornal Folha de S. Paulo, alcançou 72.000 compartilhamentos. Ainda assim, é menos da metade do primeiro colocado no ranking.

Das dez mais compartilhadas, apenas duas eram noticiosas. Além da Folha, a manchete da revista Veja sobre o caso ficou em penúltimo lugar. O levantamento também mostra que todas as notícias falsas tendem para o mesmo lado, o da incriminação petista durante a caravana. Somente duas condenam o ocorrido: uma satírica, do humorístico Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - e outra analítica, do blog do Sakamoto - "Tiros contra a caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie", em último lugar, com 44.000 compartilhamentos.

Em quinto lugar neste levantamento, o site O Diário Nacional é compartilhado na página do Movimento Brasil Livre (MBL) no Facebook. Entre os difusores de fake news sobre Marielle Franco, o MBL foi apontado como um dos protagonistas reproduzindo nota do site Ceticismo Político.

Confira o ranking:

1. Pensa Brasil - "Jornalista dentro no ônibus entrega PT 'Foi tudo armação os tiros" - 195.000 compartilhamentos

2. Jornal da Cidade Online - "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar" - 110.000 compartilhamentos

3. Folha de S. Paulo - "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná" - 72.000 compartilhamentos

4. Imprensa Viva - "Tiros nos ônibus de Lula - Policiais experientes não descartam a hipótese de armação" - 72.000 compartilhamentos

5. O Diário Nacional - "Autoridades desconfiam dos tiros no ônibus de Lula, diz site - 68.000 compartilhamentos

6. Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - 67.000 compartilhamentos

7. Imprensa Viva - "Lula estava em helicóptero quando identificaram tiro em ônibus. PT tenta desmentir Secretaria de Segurança do Paraná" - 60.000 compartilhamentos

8. Noticias Brasil Online - "Delegado Alertou Para Falso Atentado Contra Lula Que Estaria Sendo Articulado Pelo MST" - 51.000 compartilhamentos

9. Veja - "Caravana de Lula é alvo de tiros no Paraná" - 49.000 compartilhamentos

10. Blog do Sakamoto - "Tiros contra caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie" - 44.000 compartilhamentos


1º de Abril no #ProgramaDiferente: É Domingo de Páscoa e Dia da Mentira no País da Propinocracia

Tem gente que acredita em Coelhinho da Páscoa, Papai Noel, duende, saci... Tem até quem acredita em políticos corruptos, denunciados na Lava Jato. A seis meses das eleições, neste #ProgramaDiferente de 1º de abril que reúne por coincidência a Páscoa e o Dia da Mentira, com a prisão dos amigos mais próximos do presidente Michel Temer e às vésperas de uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão do ex-presidente Lula, vamos tratar dessas histórias, lendas, crenças, fraudes, embustes, trapaças, balelas... É o Brasil da Propinocracia. Assista.


Roberto Freire: Faces do obscurantismo

Cada vez mais isolado, sem apoio da sociedade, sem ideias para o Brasil e sem uma alternativa clara para oferecer à população nas próximas eleições, o lulopetismo não se constrange ao manifestar sua falta de apreço pela democracia e pela liberdade. A lamentável campanha levada a cabo por simpatizantes e mesmo alguns próceres do partido, que vieram a público para defender um boicote à série “O Mecanismo”, produzida e exibida pela Netflix no país, é um retrato perfeito da falência política e moral e do completo descompasso entre certos setores da esquerda e o mundo real.

Para quem ainda não teve a oportunidade de ver, trata-se de “uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais” – esclarecimento feito a todos os telespectadores antes mesmo do início do primeiro episódio. O diretor José Padilha, um dos mais consagrados profissionais do cinema brasileiro, deixa claro que “personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”. A história gira em torno dos bastidores de uma investigação claramente inspirada na Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história do país e que simbolizou o desmantelo ético e moral dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.

Se, por um lado, já tivemos bolsonaristas e entusiastas da extrema-direita pregando o fechamento de exposições de arte em museus, agora é a vez de a extrema-esquerda defender a censura de séries e filmes que não são do seu agrado. O que fazem tais lulopetistas exacerbados, que mais se assemelham a fundamentalistas religiosos, é tornar “O Mecanismo” um sucesso absoluto de audiência, talvez maior do que todos os filmes e séries já produzidos no Brasil.

Fico imaginando se, em meio a tamanha cegueira ideológica, os que hoje defendem a censura e o cancelamento de assinaturas da Netflix também seriam capazes de queimar livros que, porventura, criticassem os seus heróis bandidos. Por outro lado, é importante notar que a justa crítica aos intelectuais lulopetistas acaba açulando os bolsonaristas que, em seu fundamentalismo, são tão ou até mais obtusos na sanha antidemocrática e fascistoide. A verdade é que ambos os grupos se igualam, lamentavelmente, na antidemocracia.

Chama a atenção – gerando, inclusive, um sentimento de vergonha alheia –, a patética convocatória ao boicote feita inicialmente por um suposto crítico de televisão de uma das revistas mais alinhadas e cooptadas historicamente pelo lulopetismo. Trata-se, evidentemente, de uma estultice - como se um profissional especializado na crítica televisiva e de entretenimento pudesse simplesmente ignorar o fenômeno mundial do "streaming" simbolizado pela Netflix.

Também não se pode ignorar a intervenção estapafúrdia da presidente cassada por impeachment, que se notabiliza cada vez mais pela enorme dificuldade de articular um pensamento minimamente coerente, lógico e concatenado. Fica claro que, assim como não entendia de economia, política, gestão pública, liderança e inúmeros outros assuntos para os quais deveria ter dado atenção durante o seu fracassado governo, Dilma não consegue interpretar ou identificar o que são liberdades dramáticas próprias de uma obra de ficção meramente baseada em fatos reais.

Tal comportamento intolerante e antidemocrático, seja no caso da série na Netflix ou no episódio de triste memória da tentativa de censura prévia a exposições artísticas, mostra que lulopetistas e bolsonaristas não têm limites. O que se viu nesta semana no Sul do país, com agressões dos defensores de Lula a jornalistas que apenas realizavam o seu trabalho e, por outro lado, manifestações inaceitáveis de violência por parte dos admiradores de Bolsonaro contra a caravana liderada pelo ex-presidente, revela de forma cristalina que os dois extremos caminham inescapavelmente para um fascismo exacerbado.

Essa esquerda de que falamos com certa vergonha e um profundo pesar se assemelha cada vez mais à extrema-direita da qual tanto pretende se diferenciar. São grupos que tentam censurar a arte em suas diversas manifestações e, neste caso mais recente, boicotar filmes, séries e plataformas digitais que fazem parte do dia a dia do mundo moderno. É uma visão arcaica, anacrônica, reacionária e até mesmo fascista.

Quando afirmamos a necessidade de construirmos uma alternativa concreta que unifique o campo das forças democráticas para as eleições de outubro, é também em função disso. O Brasil não pode, de forma alguma, ficar refém de uma polarização entre os extremos, à direita e à esquerda, que atacam a cultura, a democracia e a própria liberdade. As diversas facetas do obscurantismo, que se retroalimentam e se confundem entre si, devem ser duramente combatidas no âmbito democrático. Nosso mecanismo é o voto.

 


Miriam Leitão: Contradições e perigos

O juiz Sérgio Moro deu ao Roda Viva o dado definitivo sobre a importância de se manter o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Desde 2016, só na 13ª Vara Federal em Curitiba, houve 114 execuções de pena por esse motivo. Desses, 12 são da Lava-Jato. Os outros 102 foram de “peculatos milionários” e também “traficantes, pedófilos, doleiros”. Será que o STF quer soltar todos eles? Quando, depois da Semana Santa, os ministros do STF se reunirem para decidir sobre o habeas corpus para o ex-presidente Lula, precisam ter em mente o que farão com todos os inúmeros condenados que, pelos crimes mais diversos, estão cumprindo pena no país. Porque o impressionante número de 114, em menos de dois anos, se refere apenas à 13ª Vara Federal.

Quantos são os condenados na mesma situação no resto do país? O habeas corpus para Lula pode ter fundamento e, se for o caso, que eles o expliquem. Mas se suspenderem o cumprimento da pena após o julgamento colegiado do mérito terão aberto o caminho da impunidade. De todo o tipo de criminoso. Do político corrupto, do funcionário público que desviou dinheiro público, do traficante, do doleiro, do pedófilo e do assassino.

O país voltará da Páscoa para a semana em que o STF ficará de frente com as suas contradições, de ter dado um salvo-conduto ao ex-presidente contra suas próprias súmulas e entendimentos. Há situações difíceis de explicar, como a decisão de ontem na 2ª Turma que favoreceu o senador Romero Jucá. Os ministros disseram que a denúncia de que houve doação ilegal do grupo Gerdau a Jucá é fraca e, claro, diante disso a decisão certa foi a que tomaram. Mas sobre o senador pairam tantas dúvidas que seu sonho, como ele bem a expressou, é de parar a Lava-Jato.

Depois da Páscoa haverá também a troca de ministérios. É preciso, em ano eleitoral, blindar o Ministério da Fazenda contra a pressão de políticos. Por isso, neste momento, a maior virtude de um possível ocupante do posto é ser criticado pelos políticos. É o que acontece com o secretário executivo Eduardo Guardia e o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida. No BNDES, também haverá novo presidente.

A Fazenda tem a chave do cofre de um país que está em crônica crise fiscal. No BNDES estão os empréstimos subsidiados. Os dois terão seus atuais ocupantes saindo para possíveis candidaturas presidenciais. A escolha terá que ser a mais técnica possível, e de pessoa que não se submeta a acertos políticos nas decisões do Ministério. Do contrário, a pouca melhora na economia pode retroceder.

Pessoas que ocupam esses cargos deveriam seguir, por bom senso, outra regra de desincompatibilização, mesmo que não escrita. Não é compatível estar nesses postos-chave e negociar uma candidatura. Um trabalho contamina o outro. Quem tem pretensão político-eleitoral simplesmente não pode continuar sendo ministro da Fazenda ou presidente do BNDES. Rabello de Castro anunciou que fará hoje em coletiva o anúncio da sua saída: está usando a estrutura do banco como palanque até na saída. Meirelles ainda continuará no cargo até a semana que vem.

A economia chega ao início do tempo de maior tensão político-eleitoral com vários ganhos, e um deles foi explicado ontem na Ata do Copom. Como a inflação está abaixo do previsto, foi de 0,96% no primeiro trimestre, os juros que caíram para 6,5% devem cair mais na próxima reunião. Além disso, a recuperação econômica está muito devagar, o pouco aumento do emprego ocorre no postos do mercado informal. Diante disso, a Selic será cortada pelo menos mais uma vez.

Mas há um imenso rombo fiscal ainda não coberto. Uma das previsões do ano era a privatização da Eletrobras. Ontem a estatal divulgou mais um resultado negativo. Desde a desastrosa MP 579, de 2012, já são R$ 29 bilhões de prejuízo. Se ela não for privatizada, precisará de aporte do governo.

Numa situação fiscal tão frágil, se um candidato com ideias populistas avançar nas intenções de voto, ou se a área econômica passar a tomar decisões de ampliação de gastos para alavancar a candidatura oficial — seja Meirelles, seja o presidente Temer — o quadro econômico pode piorar fortemente. O país está assim, nesse fio da navalha, em todos os lados.