lula
Bolívar Lamounier: Os riscos da recaída
Lula e Dilma instalaram no STF uma maioria que cria obstáculos ao combate à corrupção
Marco Aurélio Nogueira: As ruas de abril
Muita expectativa em torno da manifestação convocada para amanhã, 3 de abril, com o objetivo de protestar contra o STF e o risco de generalização da impunidade nos crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro.
É compreensível. Não temos hoje, no País, um ambiente de grande mobilização popular e as controvérsias, que se têm intensificado de forma constante, não ajudam a criar um clima favorável à manifestação unitária dos cidadãos. Ajudam, em vez disso, a paralisar as pessoas. A indignação cívica, porém, segue em rápida ascensão, criando a sensação de que o imobilismo não permanecerá.
Há bons motivos para que as pessoas se disponham a ir para as ruas. Marcar posição contra a violência e a insegurança é uma delas, assim como pressionar para que o Judiciário não seja complacente com a impunidade e não dê marcha à ré na questão das prisões após segunda instância.
O STF atiçou a cidadania ativa. Mostrou-se confuso e errático ao aceitar o pedido de habeas corpus de Lula. Mesmo sem apreciar o mérito do pedido, deu indícios de que está disposto a abraçar novamente o “trânsito em julgado” e a presunção de inocência conforme a letra constitucional. Não há consenso a respeito e o tribunal exibe isso a todo momento. Fora dele, juristas renomados também divergem. O fator que organiza consensos e dissensos é o quanto se deseja, no momento atual, fazer avançar a luta contra a corrupção e em favor de uma justiça universal.
O STF deu um tabefe no bom senso e nos cidadãos que se mostram contrários à sucessão interminável de recursos, muitos dos quais somente são julgados quando os “pacientes” já estão mortos. O STF não foi somente parcial: foi antes de tudo inoperante em termos procedimentais e jurisprudenciais. Tornou-se um fator de alimentação do desarranjo em que se vive no Brasil. Perdeu pontos preciosos junto à opinião pública, situação que impulsiona o protesto que se procura mobilizar esta semana.
A conduta do STF – e particularmente de alguns de seus integrantes – foi interpretada como benéfica a Lula e a todos os demais criminosos de colarinho branco. A indignação reverberou. Voltaram à mesa os princípios fixados por Teori Zavascki (morto em janeiro de 2017) para acelerar a balizar as investigações da Lava Jato: execução da pena depois de condenação em segunda instância, valorização da colaboração premiada como meio para obtenção de provas e legitimidade das prisões temporárias e preventivas.
O garantismo jurídico está no art. 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Seguido ao pé da letra, o preceito produz consequências conhecidas: processos excessivamente estendidos no tempo, ineficiência da Justiça, benefícios obscenos a condenados com advogados mais caros e “dedicados”. É algo que faz o Brasil ser um dos países mais garantistas do mundo sem que esteja entre os mais justos e com melhor sistema judicial.
Como escreveu o ex-ministro Carlos Velloso em artigo publicado hoje no Estadão, “a execução da condenação em segundo grau é a regra em países de boa prática democrática”. Também era assim no Brasil, até 2005-2006, quando o Supremo Tribunal reformulou a jurisprudência. Por proposta de Teori Zavascki, o entendimento foi alterado.
Agora, observa Velloso, “tenta-se, numa interpretação gramatical, voltar ao breve momento – 2009 a 2016 – em que a interpretação literal, puramente semântica, extensiva, teve lugar, realizando o ‘paraíso’ de alguns”. Para ele, “a execução da sentença condenatória, após o julgamento em 2ª Instância, é acertada. É que os recursos que podem ser apresentados a partir daí não examinam a prova, não examinam a justiça da decisão”. A presunção de não culpabilidade (CF art. 5º, LVII) não implica, só por só, impedimento da execução penal. É que “dispositivos constitucionais não se interpretam isoladamente e sim no seu conjunto. O que a Constituição garante é o duplo grau de jurisdição, ou o contraditório e a ampla defesa, com os recursos assegurados na lei processual. Esta dispõe que os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo”.
Conclusão: “Certo é que o entendimento no sentido de se aguardar o trânsito em julgado contribui para a impunidade. O número exagerado de recursos pode levar à prescrição da pena, em detrimento da sociedade e da credibilidade do Judiciário”.
http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/as-ruas-de-abril/
Ruy Fabiano: O calvário institucional do País
O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise
Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli
Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?
Merval Pereira: O impacto da corrupção
Samuel Pessôa: Prisão em segunda instância
Quanto maior for o número de recursos possíveis, e quanto maior for o número de instâncias recursais em seguida à Justiça de primeiro grau, menor será a probabilidade de condenar um inocente. Consequentemente maior será a probabilidade de inocentar um culpado.
Merval Pereira: Perigos da urna
A candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, que no momento é apenas um simulacro, pois a Lei da Ficha Limpa impede seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode tornar-se um fato real com repercussões traumáticas no país caso leis em vigor sejam sucessivamente superadas, revogadas ou alteradas para permitir que seu nome apareça na urna eletrônica no dia da votação.
Demétrio Magnoli: Intimidação
El País: boatos são base de 6 das 10 notícias mais compartilhadas sobre ataque à caravana de Lula
Levantamento é do Monitor do Debate Político no Meio Digital. Nesta semana, até o TSE usou uma notícia falsa para combater o fenômeno
Seis das dez notícias mais compartilhadas no Facebook sobre os tiros contra os ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula s Silva na última terça-feira no Paraná são falsas. Os boatos, de diferentes sites, afirmam que Lula e sua militância teriam armado os ataques e não tem qualquer base factual para fazer tal afirmação. A polícia do Paraná investiga o caso e ainda não houve identificação dos suspeitos do ataque.
O levantamento foi feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, um projeto que mapeia os conteúdos mais compartilhados e com mais interação na rede social ligado à USP. Para Pablo Ortellado, coordenador do projeto e professor de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, o resultado do levantamento é preocupante. "Mostra que a especulação mais selvagem e grosseira tem grande poder de difusão se colar na narrativa de um dos campos políticos", disse ao EL PAÍS. "É o que aconteceu no caso Marielle e acontece agora também". Após a morte de Marielle Franco, há quinze dias, diversas notícias falsas sobre a vida pessoal da vereadora do PSOL foram amplamente compartilhadas nas redes. A questão é tão grave que o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral) resolveu nesta semana anunciar medidas para combater as notícias falsas. O problema é que o TSE usou uma notícia falsa como parâmetrodos sites mais difusores de boatos e só depois de alertado corrigiu o erro.
Nova mira
A dinâmica tem um padrão. Com um novo alvo na mira, portais como Pensa Brasil ou Jornal da Cidade difundiram o conteúdo falso sobre o ocorrido na caravana petista. O primeiro portal, cuja manchete era "Jornalista dentro no [sic] ônibus entrega PT: 'Foi tudo armação os tiros [sic]", teve mais de 195.000 compartilhamentos. O segundo, com 110.000 compartilhamentos, dizia: "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar", atribuindo a informação ao ator Carlos Vereza. O ator usou seu Facebook para dizer que Lula não estava dentro do ônibus atingido e insinuar suas suspeitas, sem fundamento oficial, para dizer: "Ora, de repente, um tiro de um modesto 32 transforma-se numa bazuca de alto poder de destruição colocando em risco - não a vida do Pai dos Pobres que voava são e salvo num helicóptero financiado pelos degredados da senzala -, mas o bagageiro do ônibus, que resistiu (...)".
Somente a terceira notícia mais compartilhada sobre o assunto era, de fato, verdadeira. A manchete "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná", do jornal Folha de S. Paulo, alcançou 72.000 compartilhamentos. Ainda assim, é menos da metade do primeiro colocado no ranking.
Das dez mais compartilhadas, apenas duas eram noticiosas. Além da Folha, a manchete da revista Veja sobre o caso ficou em penúltimo lugar. O levantamento também mostra que todas as notícias falsas tendem para o mesmo lado, o da incriminação petista durante a caravana. Somente duas condenam o ocorrido: uma satírica, do humorístico Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - e outra analítica, do blog do Sakamoto - "Tiros contra a caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie", em último lugar, com 44.000 compartilhamentos.
Em quinto lugar neste levantamento, o site O Diário Nacional é compartilhado na página do Movimento Brasil Livre (MBL) no Facebook. Entre os difusores de fake news sobre Marielle Franco, o MBL foi apontado como um dos protagonistas reproduzindo nota do site Ceticismo Político.
Confira o ranking:
1. Pensa Brasil - "Jornalista dentro no ônibus entrega PT 'Foi tudo armação os tiros" - 195.000 compartilhamentos
2. Jornal da Cidade Online - "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar" - 110.000 compartilhamentos
3. Folha de S. Paulo - "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná" - 72.000 compartilhamentos
4. Imprensa Viva - "Tiros nos ônibus de Lula - Policiais experientes não descartam a hipótese de armação" - 72.000 compartilhamentos
5. O Diário Nacional - "Autoridades desconfiam dos tiros no ônibus de Lula, diz site - 68.000 compartilhamentos
6. Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - 67.000 compartilhamentos
7. Imprensa Viva - "Lula estava em helicóptero quando identificaram tiro em ônibus. PT tenta desmentir Secretaria de Segurança do Paraná" - 60.000 compartilhamentos
8. Noticias Brasil Online - "Delegado Alertou Para Falso Atentado Contra Lula Que Estaria Sendo Articulado Pelo MST" - 51.000 compartilhamentos
9. Veja - "Caravana de Lula é alvo de tiros no Paraná" - 49.000 compartilhamentos
10. Blog do Sakamoto - "Tiros contra caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie" - 44.000 compartilhamentos
1º de Abril no #ProgramaDiferente: É Domingo de Páscoa e Dia da Mentira no País da Propinocracia
Tem gente que acredita em Coelhinho da Páscoa, Papai Noel, duende, saci... Tem até quem acredita em políticos corruptos, denunciados na Lava Jato. A seis meses das eleições, neste #ProgramaDiferente de 1º de abril que reúne por coincidência a Páscoa e o Dia da Mentira, com a prisão dos amigos mais próximos do presidente Michel Temer e às vésperas de uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão do ex-presidente Lula, vamos tratar dessas histórias, lendas, crenças, fraudes, embustes, trapaças, balelas... É o Brasil da Propinocracia. Assista.
Roberto Freire: Faces do obscurantismo
Cada vez mais isolado, sem apoio da sociedade, sem ideias para o Brasil e sem uma alternativa clara para oferecer à população nas próximas eleições, o lulopetismo não se constrange ao manifestar sua falta de apreço pela democracia e pela liberdade. A lamentável campanha levada a cabo por simpatizantes e mesmo alguns próceres do partido, que vieram a público para defender um boicote à série “O Mecanismo”, produzida e exibida pela Netflix no país, é um retrato perfeito da falência política e moral e do completo descompasso entre certos setores da esquerda e o mundo real.
Para quem ainda não teve a oportunidade de ver, trata-se de “uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais” – esclarecimento feito a todos os telespectadores antes mesmo do início do primeiro episódio. O diretor José Padilha, um dos mais consagrados profissionais do cinema brasileiro, deixa claro que “personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”. A história gira em torno dos bastidores de uma investigação claramente inspirada na Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história do país e que simbolizou o desmantelo ético e moral dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.
Se, por um lado, já tivemos bolsonaristas e entusiastas da extrema-direita pregando o fechamento de exposições de arte em museus, agora é a vez de a extrema-esquerda defender a censura de séries e filmes que não são do seu agrado. O que fazem tais lulopetistas exacerbados, que mais se assemelham a fundamentalistas religiosos, é tornar “O Mecanismo” um sucesso absoluto de audiência, talvez maior do que todos os filmes e séries já produzidos no Brasil.
Fico imaginando se, em meio a tamanha cegueira ideológica, os que hoje defendem a censura e o cancelamento de assinaturas da Netflix também seriam capazes de queimar livros que, porventura, criticassem os seus heróis bandidos. Por outro lado, é importante notar que a justa crítica aos intelectuais lulopetistas acaba açulando os bolsonaristas que, em seu fundamentalismo, são tão ou até mais obtusos na sanha antidemocrática e fascistoide. A verdade é que ambos os grupos se igualam, lamentavelmente, na antidemocracia.
Chama a atenção – gerando, inclusive, um sentimento de vergonha alheia –, a patética convocatória ao boicote feita inicialmente por um suposto crítico de televisão de uma das revistas mais alinhadas e cooptadas historicamente pelo lulopetismo. Trata-se, evidentemente, de uma estultice - como se um profissional especializado na crítica televisiva e de entretenimento pudesse simplesmente ignorar o fenômeno mundial do "streaming" simbolizado pela Netflix.
Também não se pode ignorar a intervenção estapafúrdia da presidente cassada por impeachment, que se notabiliza cada vez mais pela enorme dificuldade de articular um pensamento minimamente coerente, lógico e concatenado. Fica claro que, assim como não entendia de economia, política, gestão pública, liderança e inúmeros outros assuntos para os quais deveria ter dado atenção durante o seu fracassado governo, Dilma não consegue interpretar ou identificar o que são liberdades dramáticas próprias de uma obra de ficção meramente baseada em fatos reais.
Tal comportamento intolerante e antidemocrático, seja no caso da série na Netflix ou no episódio de triste memória da tentativa de censura prévia a exposições artísticas, mostra que lulopetistas e bolsonaristas não têm limites. O que se viu nesta semana no Sul do país, com agressões dos defensores de Lula a jornalistas que apenas realizavam o seu trabalho e, por outro lado, manifestações inaceitáveis de violência por parte dos admiradores de Bolsonaro contra a caravana liderada pelo ex-presidente, revela de forma cristalina que os dois extremos caminham inescapavelmente para um fascismo exacerbado.
Essa esquerda de que falamos com certa vergonha e um profundo pesar se assemelha cada vez mais à extrema-direita da qual tanto pretende se diferenciar. São grupos que tentam censurar a arte em suas diversas manifestações e, neste caso mais recente, boicotar filmes, séries e plataformas digitais que fazem parte do dia a dia do mundo moderno. É uma visão arcaica, anacrônica, reacionária e até mesmo fascista.
Quando afirmamos a necessidade de construirmos uma alternativa concreta que unifique o campo das forças democráticas para as eleições de outubro, é também em função disso. O Brasil não pode, de forma alguma, ficar refém de uma polarização entre os extremos, à direita e à esquerda, que atacam a cultura, a democracia e a própria liberdade. As diversas facetas do obscurantismo, que se retroalimentam e se confundem entre si, devem ser duramente combatidas no âmbito democrático. Nosso mecanismo é o voto.
Miriam Leitão: Contradições e perigos
O juiz Sérgio Moro deu ao Roda Viva o dado definitivo sobre a importância de se manter o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Desde 2016, só na 13ª Vara Federal em Curitiba, houve 114 execuções de pena por esse motivo. Desses, 12 são da Lava-Jato. Os outros 102 foram de “peculatos milionários” e também “traficantes, pedófilos, doleiros”. Será que o STF quer soltar todos eles? Quando, depois da Semana Santa, os ministros do STF se reunirem para decidir sobre o habeas corpus para o ex-presidente Lula, precisam ter em mente o que farão com todos os inúmeros condenados que, pelos crimes mais diversos, estão cumprindo pena no país. Porque o impressionante número de 114, em menos de dois anos, se refere apenas à 13ª Vara Federal.
Quantos são os condenados na mesma situação no resto do país? O habeas corpus para Lula pode ter fundamento e, se for o caso, que eles o expliquem. Mas se suspenderem o cumprimento da pena após o julgamento colegiado do mérito terão aberto o caminho da impunidade. De todo o tipo de criminoso. Do político corrupto, do funcionário público que desviou dinheiro público, do traficante, do doleiro, do pedófilo e do assassino.
O país voltará da Páscoa para a semana em que o STF ficará de frente com as suas contradições, de ter dado um salvo-conduto ao ex-presidente contra suas próprias súmulas e entendimentos. Há situações difíceis de explicar, como a decisão de ontem na 2ª Turma que favoreceu o senador Romero Jucá. Os ministros disseram que a denúncia de que houve doação ilegal do grupo Gerdau a Jucá é fraca e, claro, diante disso a decisão certa foi a que tomaram. Mas sobre o senador pairam tantas dúvidas que seu sonho, como ele bem a expressou, é de parar a Lava-Jato.
Depois da Páscoa haverá também a troca de ministérios. É preciso, em ano eleitoral, blindar o Ministério da Fazenda contra a pressão de políticos. Por isso, neste momento, a maior virtude de um possível ocupante do posto é ser criticado pelos políticos. É o que acontece com o secretário executivo Eduardo Guardia e o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida. No BNDES, também haverá novo presidente.
A Fazenda tem a chave do cofre de um país que está em crônica crise fiscal. No BNDES estão os empréstimos subsidiados. Os dois terão seus atuais ocupantes saindo para possíveis candidaturas presidenciais. A escolha terá que ser a mais técnica possível, e de pessoa que não se submeta a acertos políticos nas decisões do Ministério. Do contrário, a pouca melhora na economia pode retroceder.
Pessoas que ocupam esses cargos deveriam seguir, por bom senso, outra regra de desincompatibilização, mesmo que não escrita. Não é compatível estar nesses postos-chave e negociar uma candidatura. Um trabalho contamina o outro. Quem tem pretensão político-eleitoral simplesmente não pode continuar sendo ministro da Fazenda ou presidente do BNDES. Rabello de Castro anunciou que fará hoje em coletiva o anúncio da sua saída: está usando a estrutura do banco como palanque até na saída. Meirelles ainda continuará no cargo até a semana que vem.
A economia chega ao início do tempo de maior tensão político-eleitoral com vários ganhos, e um deles foi explicado ontem na Ata do Copom. Como a inflação está abaixo do previsto, foi de 0,96% no primeiro trimestre, os juros que caíram para 6,5% devem cair mais na próxima reunião. Além disso, a recuperação econômica está muito devagar, o pouco aumento do emprego ocorre no postos do mercado informal. Diante disso, a Selic será cortada pelo menos mais uma vez.
Mas há um imenso rombo fiscal ainda não coberto. Uma das previsões do ano era a privatização da Eletrobras. Ontem a estatal divulgou mais um resultado negativo. Desde a desastrosa MP 579, de 2012, já são R$ 29 bilhões de prejuízo. Se ela não for privatizada, precisará de aporte do governo.
Numa situação fiscal tão frágil, se um candidato com ideias populistas avançar nas intenções de voto, ou se a área econômica passar a tomar decisões de ampliação de gastos para alavancar a candidatura oficial — seja Meirelles, seja o presidente Temer — o quadro econômico pode piorar fortemente. O país está assim, nesse fio da navalha, em todos os lados.