lula

Equipe de Lula se reuniu com Marcelo Castro nesta quinta-feira (3) | Foto: Assessoria Jean Paul Prates (PT-RN)

Relator do orçamento e Alckmin propõem "PEC da Transição" para garantir verbas da gestão Lula

Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato

O Congresso Nacional poderá analisar e votar até o final do ano uma proposta de emenda constitucional que já vem sendo apelidada de "PEC da Transição". O objetivo é que esse texto dê conta de verbas adicionais que precisarão ser previstas no Orçamento de 2023 para financiar programas e ações do primeiro ano da gestão Lula (PT).

O anúncio sobre a proposição da medida veio após uma reunião ocorrida entre o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e uma comitiva de senadores e deputados ligados ao PT. O grupo se reuniu nesta quinta-feira (3), no Senado, no que foi a primeira agenda oficial da equipe de transição.

O Congresso Nacional discute atualmente a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o ano que vem. Enviado pelo governo Bolsonaro, o texto prevê um salário mínimo de R$ 1.302 a partir de janeiro, taxa básica de juros de 12,5% e inflação de 4,6% em 2023.

Os números, no entanto, só serão fechados quando o Legislativo aprovar finalmente o texto da PLOA, o que deve ocorrer em 16 de dezembro, segundo divulgado pelo presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Celso Sabino (União-PA). Enquanto isso não ocorre, a equipe destacada por Lula para liderar a transição se movimenta junto a parlamentares para costurar saídas que evitem um rombo no primeiro ano de gestão.

A ideia da PEC foi proposta pelo grupo como forma de solucionar o impasse relacionado à discrepância entre o orçamento previsto pela gestão Bolsonaro para o ano que vem e as promessas de campanha do presidente recém-eleito. A equipe ficou de detalhar os números na próxima semana, mas a situação preocupa o grupo desde já.

"É, seguramente, o orçamento mais restritivo, o que traz mais furo da nossa história, [em] que nós temos ano a ano diminuído os investimentos. Um órgão importante como o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] este ano só tem R$ 6,7 bilhões. Isso é insuficiente até para a manutenção da nossa malha. Nós já tivemos, em governos passados, uma média de investimentos no DNIT em torno de R$ 15 bilhões", comparou Marcelo Castro.

Ele ressaltou que o DNIT já chegou a ter orçamento anual de R$ 20 bilhões. "Apesar de estarmos com quase dez anos depois e com inflação durante todo esse período, estamos diminuindo em valores nominais", lamentou o senador.

Combo

A equipe de Lula tem, no centro da mesa de negociação, a preocupação de garantir o custeio de programas como o Bolsa Família, além de várias outras medidas de caráter social prometidas pelo petista ao longo da campanha. Castro destacou que há um conjunto de desafios pela frente em meio às tratativas sobre o Orçamento de 2023.

"Não tem recurso pro Bolsa Família, pro [programa] Farmácia Popular, pra saúde indígena, pra merenda escolar, então, são muitas as deficiências do orçamento, mas nós temos que trabalhar dentro da realidade. O orçamento em cima do qual estamos trabalhando foi apresentado legitimamente pelo atual governo e, legitimamente, o governo eleito está fazendo gestões para emendá-lo pra que ele possa se adequar à maneira de governar do novo governante eleito legitimamente pelo povo brasileiro", afirmou.

Segundo Castro, a ideia é que a proposta de aprovação da "PEC da Transição" seja apresentada agora às outras lideranças políticas que têm relação com o tema. O grupo pró-Lula entende que é preciso abrir exceções fora dos limites do Teto de Gastos para despesas consideradas "inadiáveis".

"É como o Bolsa Família no valor de R$ 600, que é um compromisso público assumido pelo presidente Lula. E seria inconcebível que 21,6 milhões de famílias recebessem a partir de janeiro apenas R$ 400", disse Castro.

Agenda

O roteiro das tratativas viverá novos capítulos a partir de segunda-feira (7), quando a equipe de transição se reúne diretamente com Lula. Depois, na terça (8), o grupo tem um novo encontro com o senador Marcelo Castro. Também ocorrerão agendas com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bem como com o presidente da CMO, deputado Celso Sabino.

De acordo com Alckmin, uma das preocupações do novo governo é evitar que haja paralisação de serviços no país. "Isso não está adequado no orçamento enviado para o Congresso Nacional, então, há necessidade de se ter uma suplementação pra garantir os serviços, as obras e, ao mesmo tempo, por exemplo, o Bolsa Família de R$ 600 reais".

Ainda segundo a equipe, o objetivo é que a PEC tramite em regime de urgência, já que precisaria ser aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado até dezembro para valer em 2023. "Tudo tem que ser muito rápido porque tem ainda uma série de procedimentos, então, a rapidez e a agilidade são muito importantes", reforçou Alckmin.

O senador recém-eleito Wellington Dias (PT-PI) disse que uma equipe técnica vai se debruçar sobre o texto da PEC até a próxima semana. "Eu diria que o grande desafio é o tempo. Nós teremos que já na terça-feira ter as condições da redação dessa emenda constitucional, ter a definição dos valores e também a posição do presidente Lula a partir da apresentação a ser feita."

Estrutura

A equipe de transição terá 50 nomes e ainda será formalmente constituída junto ao Diário Oficial da União (DOU) a partir de segunda-feira (7), mesma data em que os trabalhos mais operacionais do grupo terão início no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília (DF), local que já sediou outros gabinetes de transição de governo.

Texto publicado originalmente em Brasil de Fato.


FOTO: ALEXANDRE SCHNEIDER/GETTY IMAGES

Fim de sigilo de 100 anos? As decisões de Lula que poderão afetar Bolsonaro após posse

Mariana Schreiber*, BBC News Brasil

"Eu vou ganhar as eleições, e quando chegar dia primeiro de janeiro, eu vou pegar seu sigilo e vou botar o povo brasileiro para saber por que você esconde tanta coisa. Afinal de contas, se é bom, não precisa esconder", prometeu o petista, no debate do segundo turno da TV Bandeirantes.

Além do fim desses sigilos, outras decisões do próximo governo também poderão afetar a família Bolsonaro, como a troca de comando da Polícia Federal e a escolha do novo Procurador-Geral da República em setembro do próximo ano. O presidente enfrenta acusações de ter interferido nessas instituições para evitar investigações contra si e seus filhos.

Entenda melhor a seguir as decisões que Lula tomará e como elas podem impactar o futuro ex-presidente.

Sigilo de cem anos

A imposição de sigilo de um século ocorreu em situações que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, como nesses quatro casos:

- O cartão de vacinação de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio à pandemia de covid-19 e no contexto de que o presidente questionava eficácia e segurança dos imunizantes;

- O governo determinou sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro;

- A Receita Federal impôs sigilo de cem anos no processo que descreve a ação do órgão para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das "rachadinhas";

- O Exército impôs sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo.

As decisões de manter o tema em sigilo são feitas em resposta a pedidos apresentados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), geralmente sob alegação de que documentos continham informações pessoais.

Também há caso em que o governo tentou manter a informação secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Palácio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação para prefeitos aliados.

O sigilo de no máximo cem anos, decretado em resposta a pedidos de informação do governo, está previsto na lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais — a Lei de Acesso à Informação. Ela foi sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff — e foi assinada junto com a lei que criou a Comissão da Verdade.

No artigo 31, a lei prevê que informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem tenham acesso restrito pelo prazo de até cem anos.

Também está lá um trecho que busca conter o uso dessa medida: o texto diz que a restrição de acesso de "informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância".

Em meio à pandemia de covid-19, Bolsonaro questionou a eficácia e segurança das vacinas — e seu cartão de vacinação foi colocado em sigilo

Para o advogado Bruno Morassutti, fundador da agência especializada em transparência Fiquem Sabendo, pessoas que ocupam importantes cargos públicos, como a Presidência da República, não devem ter o mesmo nível de proteção de sua privacidade que cidadãos comuns.

Dessa forma, ele avalia que o governo Lula poderá, sim, revisar com facilidade os sigilos decretados pela gestão Bolsonaro.

"O presidente poderia, diante de alguns casos concretos, determinar a abertura das informações, já que ele é o chefe do Poder Executivo e tem competência jurídica para fazer isso. Ou, eventualmente, ele pode orientar o ministro da Transparência e os membros da Comissão Mista de Reavaliação de Informações a revisar essas decisões de acordo com critérios que ele estabelecesse", afirma.

A Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) é um órgão colegiado composto por nove ministérios: Casa Civil; Justiça e Segurança Pública; Relações Exteriores; Defesa; Economia; Mulher, Família e Direitos Humanos; Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União.

Além dessas ações, Morassutti também diz que o governo pode alterar o decreto que regulamenta a LAI ou enviar uma proposta de alteração da lei ao Congresso para que seja adotada uma nova redação que impeça um uso inadequado do sigilo.

"A lei, interpretada da forma correta, não permitiria esse tipo de sigilo. Acontece que ela foi interpretada de uma forma que a torna muito restrita. É uma visão que não interpreta a lei junto com o restante da legislação e com o que a Constituição diz sobre acesso à informação pública", ressalta.

Na sua avaliação, o potencial de impacto do fim desses sigilos vai depender do que for revelado.

No caso das visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto, por exemplo, o advogado acredita que há um interesse em saber se houve alguma atuação em encontros com ministros que poderia ser enquadrada como advocacia administrativa, que consiste no crime de patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública.

Os inquéritos contra Bolsonaro

Bolsonaro enfrenta acusações de interferir na Polícia Federal, órgão que tem inquéritos abertos contra o presidente e seus filhos. Uma dessas investigações apura acusações de interferência levantadas pelo ex-ministro Sergio Moro em 2020, quando pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Assim que assumir o cargo, em primeiro de janeiro de 2023, o petista poderá nomear um novo diretor-geral para a Polícia Federal. O novo chefe da instituição, por sua vez, deve escolher novos nomes para postos chaves, como as superintendências regionais.

Para o professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Davi Tangerino, a gestão petista não vai promover uma "perseguição" à família Bolsonaro, tentando direcionar a atuação da PF contra o antigo clã presidencial, mas deve dar autonomia para que a polícia toque as investigações que julgar pertinentes.

Tangerino lembra que os governos do PT garantiram independência a órgãos de investigação, algo que até expoentes da operação Lava Jato já reconheceram, como o próprio Moro.

"É certo que o governo na época tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que aconteceram naquela época, mas foi fundamental a manutenção da Polícia Federal para que fosse feito o bom trabalho, seja de bom grado ou por pressão da sociedade, mas isso (a autonomia) foi mantido", disse o ex-juiz da Lava Jato, ao deixar o governo Bolsonaro.

Atualmente, há quatro inquéritos autorizados pelo STF em que o presidente é investigado pela Polícia Federal por suspeitas de diferentes crimes:

- Sobre divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra covid-19 (INQ 4888);

- Sobre vazamento de dados sigilosos sobre ataque ao TSE (INQ 4878);

- Inquérito das fake news, sobre ataques e notícias falsas contra ministros do STF (INQ 4781);

- Sobre interferência na Polícia Federal (INQ 4831).

Bolsonaro sem foro

Bolsonaro também enfrenta as acusações de crimes feitas pela CPI da Covid, que estão em apuração pela Procuradoria Geral da República (PGR).

No entanto, a partir do momento em que deixar a Presidência da República, Bolsonaro perde o foro privilegiado e passa a responder por suspeitas na Justiça Comum.

A Polícia Federal poderá continuar as investigações sem autorização do Supremo. As apurações que estão sendo feitas pela Procuradoria Geral da República passarão para a competência de instâncias inferiores do Ministério Público. Os processos no TSE passam para o TRE da região onde houve a suspeita.

Se o Ministério Público decidir fazer uma denúncia contra Bolsonaro, ele será julgado por um juiz de primeira instância.

Uma exceção a essa regra, porém, pode ocorrer no caso do inquérito das fake news, já que nesse caso pessoas sem foro privilegiado estão sendo investigadas no STF, suspeitas de ataques contra a própria Corte e o Estado Democrático de Direito.

Enquanto Bolsonaro perderá o foro privilegiado, seus filhos Eduardo Bolsonaro (deputado federal) e Flávio Bolsonaro (senador) continuam tendo foro especial no STF em casos de supostos crimes relacionados ao seus mandatos. Eduardo Bolsonaro é alvo também do inquérito das fake news.

Dessa forma, ambos podem ser afetados por uma provável mudança no comando da PGR, que hoje é chefiada por Augusto Aras, visto como um aliado do presidente. Seu mandato acaba em setembro.

Quando Lula foi presidente entre 2003 e 2010, sempre escolheu como Procurador-Geral da República o primeiro de uma lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O petista inaugurou essa tradição, vista como determinante para garantir a independência do Ministério Público Federal.

Dilma Rousseff manteve o procedimento, enquanto Michel Temer nomeou a segunda pessoa da lista tríplice. Já Aras foi nomeado por Bolsonaro sem ter sido selecionado para a lista da categoria.

Lula não se comprometeu na campanha a respeitar novamente a lista, mas Davi Tangerino acredita que ele pode resgatar a tradição, já que a escolha de Aras acabou gerando um desgaste grande para o Ministério Público Federal.

"Foi Lula quem começou (a nomear o PGR pela lista tríplice). Por que mudar agora, justamente para substituir um Procurador-Geral sobre quem sempre pesou a acusação de ser muito dócil com quem o indicou? Eu acho que é um ônus que o Lula não precisa", avalia o professor da FGV.

Flávio Bolsonaro, por sua vez, é alvo de investigação por um suposto esquema de rachadinha (desvio de recursos) em seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro. Essa investigação, porém, tramita na Justiça do Rio.

Texto publicado originalmente em BBC News Brasil.


Foto: reprodução/Shutterstock

O que eleitores mais querem saber sobre Lula e Bolsonaro 48 horas antes da votação

BBC News

Mas nem sempre essas dúvidas são facilmente sanadas — especialistas alertam para a torrente de notícias falsas espalhadas por diferentes plataformas.

Por isso, a 48 horas do pleito, a BBC News Brasil elencou as principais dúvidas dos eleitores sobre os dois candidatos à presidência — Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — e buscou as respostas.

Os dados foram colhidos a partir das buscas realizadas no Google nos últimos sete dias.

A maior parte das pesquisas mais recentes sobre Jair Bolsonaro e Lula gira em torno do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Aliado do atual presidente, ele foi o delator do escândalo do "mensalão", um esquema de compra de apoio político ocorrido durante o primeiro mandato presidencial do petista.

Roberto Jefferson
Legenda da foto,Roberto Jefferson teve prisão domiciliar revogada por ter descumprido medidas impostas pelo Supremo

Quem é Roberto Jefferson

Presidente de honra do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o ex-deputado Roberto Jefferson é aliado do presidente Jair Bolsonaro. Ele estava em sua casa no interior do Estado do Rio de Janeiro e teve sua prisão domiciliar revogada nesta semana pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, por violar os termos de seu benefício.

Jefferson resistiu inicialmente à prisão, disparando contra policiais da PF (Polícia Federal) e atirando granadas contra eles. Dois agentes ficaram feridos.

Ele foi preso em flagrante. Nesta quinta-feira (27/10), Moraes converteu a prisão em flagrante de Jefferson em preventiva (por tempo indeterminado).

Bolsonaro tentou desvencilhar sua imagem da de Jefferson, chamou-o de "bandido", apesar de criticar sua prisão que, segundo ele, carece de "inquérito" e "atuação do MP (Ministério Público)". Disse também que não havia fotos dos dois juntos, o que não é verdade.

"Não tem uma foto dele comigo, nada", disse.

Mas imagens dos dois juntos estão registradas e foram divulgadas pelo PTB.

Jefferson foi o delator do chamado "mensalão", um esquema de compra de apoio político ocorrido no primeiro mandato de Lula como presidente — parlamentares recebiam dinheiro em troca de votarem a favor dos projetos do governo. Seu partido, o PTB, fazia parte da base aliada.

O que Bolsonaro fez na carreira política?

Bolsonaro entrou para a política em 1989 ao se eleger vereador pela cidade do Rio de Janeiro. Desde então, foi deputado federal por sete mandatos (28 anos), até ser eleito presidente da República em 2018 com cerca de 58 milhões de votos (55,13% do eleitorado).

Durante sua carreira política, apresentou cerca de 170 projetos de lei, mas apenas dois foram aprovados — um que estende o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para produtos de informática e outro que autoriza o uso da chamada a fosfoetanolamina sintética, a "pílula do câncer", cuja eficácia não foi comprovada; o STF acabou barrando o uso do medicamento.

O jogador Neymar
Legenda da foto,'Acho que ele está com medo de que, se eu ganhar as eleições, eu vá saber o que o Bolsonaro perdoou da dívida do Imposto de Renda dele. Acho que é isso que ele está com medo de mim', disse Lula sobre Neymar

O que Lula falou de Neymar?

O jogador de futebol Neymar apoia abertamente Bolsonaro. Em entrevista ao podcast Flow, em 18 de outubro, Lula comentou o apoio do craque a seu rival, afirmando que Neymar deve estar "com medo" de que um suposto perdão do chefe do Executivo à sua dívida com a Receita Federal seja descoberto.

"Não fico p..., Neymar tem o direito de escolher quem ele quiser para ser presidente", disse Lula. "Acho que ele está com medo de que, se eu ganhar as eleições, eu vá saber o que o Bolsonaro perdoou da dívida do Imposto de Renda dele. Acho que é isso que ele está com medo de mim", acrescentou.

O petista disse considerar "óbvio" que tenha havido um acordo entre Bolsonaro e o pai do jogador, o empresário Neymar da Silva Santos.

"Obviamente o Bolsonaro fez um acordo com o pai dele. E ele agora está com problema com o imposto de renda na Espanha. Mas isso não é um problema do presidente, é da Receita Federal, e não meu", afirmou.

Por meio de um comunicado, a NR Sports, empresa da família de Neymar Jr. que gerencia a carreira do jogador, classificou afirmação como "falaciosa" e "leviana". Também disse que Lula deverá provar o que disse "no palco adequado".

"A NR Sports, seus Diretores e a família do Sr. Neymar da Silva Santos, repudiam a afirmação falaciosa que um dos candidatos à Presidência da República fez de forma leviana, ao acusá-los de práticas de condutas ilícitas supostamente praticadas em conjunto com o atual presidente Jair Messias Bolsonaro", escreveu a empresa no seu perfil no Instagram.

"Para encerrar definitivamente o assunto comunicamos que a informação é falsa. Os responsáveis deverão provar o contrário no palco adequado." "Em um momento importante que o país está vivendo não se espera de um candidato à presidência da república falas como essa, que ultrapassam os limites do razoável da liberdade de expressão", concluiu.

O que Bolsonaro fala sobre aposentadoria?

Em seu plano de governo, Bolsonaro diz pretender "aprimorar o sistema previdenciário, garantindo sustentabilidade financeira e justiça social".

Em vídeo divulgado por sua campanha, ele disse recentemente que o salário mínimo do Brasil irá aumentar acima da inflação para 2023, além de prever aumento real para aposentados, pensionistas e servidores públicos.

"Consertamos a economia do Brasil, estamos arrecadando muito, a partir do ano que vem, a nossa garantia é dar a todos os aposentados e pensionistas um reajuste acima da inflação, a mesma coisa no tocante aos servidores públicos. O valor do salário mínimo também será acima da inflação", afirmou.

Sobre aposentadoria, Bolsonaro foi alvo de fake news. Um vídeo que circula nas redes sociais foi editado para fazer crer que ele cortaria salários de servidores, pensões e aposentadorias em 25% e que essa seria uma proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Já outro vídeo, manipulado para distorcer sua fala, faz crer que Bolsonaro confiscaria a aposentadoria dos brasileiros e nomearia seu aliado, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, como ministro da Previdência.

Por que Bolsonaro se aposentou?

Jair Bolsonaro é aposentado pelo Exército Brasileiro.

Ele iniciou sua carreira no Exército em 1973 e entrou para a reserva remunerada em 1989.

Isso aconteceu porque, em 1988, ele foi eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro, e assumiu o mandato em 1989.

Segundo o Estatuto dos Militares, o integrante das Forças Armadas, se for eleito para cargo político, será transferido automaticamente para a reserva remunerada.

Essa reserva é diferente da aposentadoria, porque o militar ainda pode ser convocado para as atividades, se for necessário.

Mas, mesmo que queira seguir na ativa, o militar é obrigado ir para a reserva, de modo a evitar a influência de interesses político-partidários.

Em 2015, quando completou 60 anos, Bolsonaro atingiu a idade limite de permanência na reserva remunerada do Exército, passando, portanto, a ser capitão "reformado".

É falso que Bolsonaro receba R$ 68 mil de aposentadoria, como parece mostrar um suposto extrato de pagamento compartilhado nas redes sociais. Segundo o Portal da Transparência, ele recebeu, em agosto deste ano, R$ 11.945,49 brutos por sua atuação como militar.

Também é falso que ele tenha sido aposentado ou expulso do Exército com laudo de "insanidade mental", como alegam algumas publicações nas redes sociais.

Por que Lula não foi ao debate?

Lula não compareceu aos debates do 2º turno que aconteceram no SBT (21 de outubro) e na Record (23 de outubro).

A campanha do petista optou por enfrentamentos contra Bolsonaro apenas na Band (16 de outubro) e na Globo (28 de outubro).

No primeiro turno, Lula já havia optado por não ir ao debate no SBT; já a Record não organizou encontro com os candidatos. Na ocasião, o petista alegou "incompatibilidade de agendas".

Lula já falava que não deveria comparecer a todos os debates, mesmo antes do início da corrida presidencial. Sua campanha argumenta que tais eventos demandam muito tempo de preparação.

Já Bolsonaro disse que o rival "brochou" por não ir ao debate no SBT e o chamou de "fujão" por não ter marcado presença no encontro realizado pela Record.

André Mendonça e Jair Bolsonaro
Legenda da foto,Mendonça ocupou lugar de Marco Aurélio Mello

Quem Bolsonaro indicou para o STF?

Bolsonaro indicou dois ministros para o STF (Supremo Tribunal Federal), instância máxima do Poder Judiciário: André Mendonça e Kassio Nunes Marques.

André Mendonça foi o mais recentemente indicado pelo presidente, em 2021, e ocupou a vaga que era de Marco Aurélio Mello.

Ex-advogado-geral da União (AGU) e pastor presbiteriano, foi descrito por Bolsonaro como "terrivelmente evangélico".

Já Kassio Nunes Marques foi indicado pelo presidente em 2020 e ocupou a vaga que era de Celso de Mello.

Nunes Marques era desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª região.

Piauiense de Teresina, atuou como advogado por 15 anos. Ele é o único nordestino entre os 11 ministros.

Quando Lula nasceu? Quando virou presidente? Quando saiu do poder?

Lula nasceu em Caetés, no interior do Estado de Pernambuco, em 27 de outubro de 1945. Ele tem 77 anos, 10 a mais do que Bolsonaro.

Ele foi empossado como presidente em 1º de janeiro de 2003. Governou o Brasil por dois mandatos e saiu do poder em 1º de janeiro de 2011, quando passou a faixa presidencial à sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, que havia sido ministra da Casa Civil e de Minas e Energia de seu governo.

Jair Bolsonaro leva facada durante campanha de 2018
Legenda da foto,Bolsonaro estava sendo carregado por apoiadores quando levou uma facada na barriga em 2018

Quando Bolsonaro levou a facada?

Bolsonaro foi vítima de um ataque durante um ato de campanha em Juiz de Foras (MG) em 2018.

Ele recebeu uma facada e precisou passar por cirurgia.

O autor do ataque foi identificado como Adélio Bispo de Oliveira. Ele segue preso em uma penitenciária federal em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Segundo um laudo pericial, Bispo "permanece com diagnóstico clínico de transtorno delirante persistente" e teria "alucinações de cunho religioso, persecutório e político que se manifestam frequentemente".

Um delegado que cuidou do caso concluiu por duas vezes que ele agiu sozinho e que não houve mandante no atentado contra Bolsonaro.

Em junho de 2020, com base nas conclusões da segunda investigação da Polícia Federal sobre o episódio, o Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais se manifestou pelo arquivamento do inquérito policial que apurava o possível envolvimento de terceiros no crime.

Apesar disso, Bolsonaro e aliados no governo alegam que o atentado foi orquestrado.

- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63426576


O corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Luis Felipe Salomão/Folhapress

CNJ suspende perfis de juízes favoráveis a Bolsonaro e Lula nas redes sociais

José Marques*, Folha de São Paulo

corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro Luis Felipe Salomão, determinou a suspensão de perfis de dois magistrados nas redes sociais que manifestaram posicionamento político-partidário a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adversários na disputa ao segundo turno presidencial.

Um dos juízes, que apoiou Bolsonaro, é reincidente e já responde a um procedimento disciplinar que pode resultar em perda do cargo. Sob determinação do ministro, uma juíza que se manifestou a favor de Lula também responderá a um procedimento, como antecipou a coluna Painel.

As determinações de remoção de conteúdo, da última quarta-feira (26), são inéditas no âmbito da Corregedoria do CNJ.

Salomão ainda oficiou ao ministro Alexandre de Moraes para que os magistrados entrem em inquérito relatado por ele no STF (Supremo Tribunal Federal).

Um dos magistrados que teve os perfis no Facebook e no Twitter suspensos é o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Marcelo Buhatem, presidente de uma entidade de classe da categoria, chamada Andes (Associação Nacional de Desembargadores).

Segundo a decisão, ele compartilhava em sua lista de transmissão no WhatsApp materiais contendo fake news contra Lula, associando o ex-presidente à facção Comando Vermelho.

Também publicava em suas redes sociais, segundo Salomão, conteúdo que "em tese, violam normas proibitivas aplicáveis à magistratura nacional".

Buhatem, por meio da associação, distribuiu uma nota em que se solidarizava com a ministra do Supremo Cármen Lúcia após ela sofrer ataques do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), aliado do presidente Jair Bolsonaro.

No entanto, a nota acrescentava que "recentemente idênticos impropérios foram duramente lançados por uma jornalista contra uma criança, menina de 11 anos de idade, com a nítida intenção de atingir o senhor presidente da República, mas que parece não ter sofrido críticas de setores da sociedade civil, tampouco qualquer reprimenda por parte dos legitimados"

Em sua decisão, Salomão afirmou que "o conteúdo da nota está a sugerir, em princípio, que o sindicado aproveitou o lamentável episódio envolvendo a Min Carmen Lúcia –noticiado amplamente na imprensa– para enxertar, no meio do texto, manifestação de apoio ao Presidente da República, atualmente candidato à reeleição".

O segundo caso é o da juíza Rosália Sarmento, do Tribunal de Justiça do Amazonas. Na decisão, Salomão afirma que ela veiculou em suas redes sociais publicações com conteúdo político-partidário.

Um dos posts da magistrada foi dizia "vote 13 e ajude a impedir que os réus decidam se devem ser presos ou não".

O ministro afirma que ela publicou "mais de 70 mensagens com conteúdo político-partidário, chegando, em várias delas, a declarar sua intenção de voto e a conclamar seus seguidores a votar no mesmo candidato de sua preferência. Em outras tantas, profere juízos depreciativos contra o candidato adversário".

Nas duas decisões, Salomão diz que, "a manifestação de pensamento e a liberdade de expressão são direitos fundamentais constitucionais dos magistrados, dentro e fora das redes sociais", mas "não são, no entanto, direitos absolutos".

"Tais direitos devem se compatibilizar com os direitos e garantias constitucionais fundamentais dos cidadãos em um Estado de Direito, em especial com o direito de ser julgado perante um magistrado imparcial, independente e que respeite a dignidade do cargo e da Justiça."

As redes sociais já cumpriram a decisão do ministro e suspenderam os perfis das redes sociais.

Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo.


Bolsonaro em evento de campanha - Douglas Magno / AFP

Artigo | Adolf Hitler e Jair Bolsonaro existem em quem?

Marilia Lomanto Veloso | Brasil de Fato 

Não basta perguntar por que um Presidente da República consegue ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo. 

Ivann Lago 

O Brasil está em processo de desagregação democrática desde os "distúrbios" de 2013, atravessando a destituição da Presidenta Dilma Rousseff, a prisão política do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018, através da mais escancarada fraude virtual de nossa biografia política, pactuada com a mídia corporativa, a sociedade alienada, um magistrado parcial, um Ministério Público traiçoeiro.

Desde então, o país tremula entre ameaças de golpe, militarização de cargos públicos, negação de direitos, recuo de conquistas civilizatórias, aprofundamento das desigualdades sociais, escuta da linguagem de um simulacro de presidente pífio, desnutrido de capacidade cognitiva, sem postura ética e que se deleita com o discurso de ódio, a desumanidade, a necropolítica. Tudo isso culminando com o vexame das disputas eleitorais, em um dos processos mais aviltantes de nossa caminhada política, protagonizada pela caterva bolsonarista, na perspectiva arrogante de sua reeleição para presidente. 

Ivann Carlos Lago, doutor em sociologia e professor da Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS/RS), em seu artigo O Jair que há em nós, acredita que o Brasil precisa de décadas "para compreender" o que aconteceu em 2018 com a escolha de um presidente que respondeu a processo administrativo no Exército, foi acusado de organizar ato terrorista, com denuncia de "rachadinha", envolvimento com milícias, "ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar". Alguém que o sociólogo identifica como "o lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro".

Expressa Ivann Lago que o "homem médio/cidadão comum" se enxerga no presidente ofensivo com mulheres, indígenas, nordestinos, homossexuais. Sente-se pessoalmente no poder quando "enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais", que veem o mundo com uma dimensão que esse "homem comum" não consegue alcançar. E esse cidadão se sente empoderado quando seu líder prega que bandidos e opositores têm de morrer.

Diogo Bogéa, doutor em Filosofia, professor da UERJ, autor da obra Psicologia do bolsonarismo: porque tantas pessoas se curvam ao mito? refere-se ao imaginário bolsonarista que define a esquerda como "inimigos" que dominam as instituições. E remete o leitor a uma reflexão sobre as expectativas de violência bolsonarista nas eleições de 2022, indagando se a famiglia atualmente no poder vai aceitar possível aniquilamento institucional.

Bogéa anuncia não apenas sua perplexidade, como também expõe questionamentos que devem permear por todos os diagnósticos sobre esse apavorante tempo que estamos experimentando no Brasil. Sem a pretensão de usurpar a excelência das análises de cientistas políticos, temos que disputar, em nome das liberdades democráticas, a resposta ao que indaga o filósofo:

"Como explicar que pessoas muito bem formadas em nossas universidades – professores, engenheiros, advogados – recusem vacinas, acreditem em versões alternativas delirantes da História do Brasil e do mundo e tomem as fake news mais toscas como as mais puras realidades? Como explicar que médicos rejeitem vacinas e invistam em medicamentos que os próprios laboratórios fabricantes (haveria alguém mais interessado em promovê-los?) já desacreditaram para o tratamento da covid?"

A narrativa sobre o plano infeccionado e letal de Jair Bolsonaro estarrece parte do país que repudia sua figura sinistra que ameaça as democracias do mundo. Não basta a esse protagonista impar da sordidez política de maior pontuação em nossa história pisotear a dignidade de nosso povo, tripudiar sobre a honra de quem se nega a dar palco para suas encenações medíocres e vergonhosamente construídas no falso "jeitão" de homem reto e crente. Essa versão desprezível de Chefe de Estado se portou como um bárbaro em território indígena, em 2016.

Rubens Valente elucida o episódio que a Campanha de Jair Bolsonaro trata como "descontextualizado", sobre a doentia curiosidade do presidente em assistir ao que sua ignorância antropológica definiu como "cultura" dos indígenas. Em entrevista ao New York Times, Bolsonaro relatou estar em Surucucu, (Terra Indígena Yanomani) e alguém disse que estavam "cozinhando" um índio. Relatou ao jornal o desejo de "ver o índio sendo cozinhado", mas ninguém da comitiva quis aceitar o convite, então não quis ir sozinho. "Aí não fui. Senão comeria o índio sem problema algum. É cultura deles."

O fato causou a indignação de Junior Hekurari, Yanomani, Presidente do Considi (Conselho do Distrito Sanitário Indigena), que solicitou ao jornalista: "Coloca aí na sua matéria: presidente candidato mentiroso. Esse presidente não tem respeito com o ser humano". Afirmou não existir relato ancestral nem atual de canibalismo entre os grupos indígenas Yanomanis de Surucucu.

Essa informação também veio de Alcida Rita Ramos, doutora em Antropologia, professora Emérita da UnB, que participou da demarcação de Terra Yanomani e explica que o ritual funerário Yanomani passa pela cremação do cadáver, contrastando "cruamente com as tolices perversas e constrangedoras que circulam pelas redes sociais".

Jair Bolsonaro suscita horror ao mundo civilizado, de modo especial, por sua indiferença e o modo dissoluto e desumano como enfrentou a pandemia. Em algum momento, parece incorporar as características de Hitler, de "sua total falta de sentimentos, seu desprezo pelas instituições estabelecidas e sua falta de contenções morais", como descreve o psicanalista Walter C. Langer, em sua obra A mente de Adolf Hitler: o relatório secreto que investigou a psique do líder da Alemanha nazista, resultado do estudo que realizou sobre a mente do ditador alemão, solicitado por estrategistas militares norte-americanos, em 1943.

Tal qual Adolf Hitler, Bolsonaro tem perfeita consciência do mal que sua máquina de ódio produz. Segundo Ivann Lago, seu "show de horrores" não causa aversão, não envergonha nem produz qualquer rejeição no bolsonarista. "Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro."

Assim, quando um bolsonarista vai pra rua, não é na defesa de um governante "lunático e medíocre" [...]. "Ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada."

Edição: Nicolau Soares

Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato


Arte e foto: Verônica Holanda/Cimi

Nota do Cimi: impedir a reeleição do atual presidente é tarefa histórica de quem defende a democracia e a diversidade

Conselho Indigenista Missionário

“Já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo”
Laudato Si’, 160

O Brasil vive um momento histórico decisivo. As eleições presidenciais de 2022 serão cruciais não só para a democracia brasileira, mas para o futuro da vida no planeta e da própria humanidade. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) soma-se às pessoas que lutam pela construção de uma alternativa ao presente governo e pela defesa de uma sociedade mais justa, igualitária e plural, calcada no pacto constitucional estabelecido em 1988.

Os últimos quatro anos foram marcados pela erosão democrática e pelo desmonte das instituições do Estado brasileiro, alvos dos ataques constantes do atual governo. Esses ataques atingiram especialmente os grupos sociais minoritários e em situação de maior vulnerabilidade, e ficaram ainda mais evidentes durante a desastrosa gestão da pandemia, que custou ao nosso país quase 700 mil vidas.

Os povos indígenas também têm vivenciado, sob a gestão do presente governo federal, um contexto inédito de ataques contra seus direitos constitucionais, seus territórios e sua própria existência. Desde a campanha presidencial de 2018, quando prometeu não demarcar “nenhum centímetro” de terra aos povos originários, o atual mandatário fez da postura anti-indígena uma de suas marcas.

Na presidência, apresentou projetos legislativos e editou medidas infralegais que buscaram inviabilizar o reconhecimento dos territórios tradicionais indígenas e entregar as terras já demarcadas a grandes empresas, latifundiários e invasores. A atual gestão do governo federal desmontou mecanismos de proteção territorial, fiscalização ambiental e assistência a comunidades indígenas.

O desvirtuamento a que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi submetida evidencia o verdadeiro sequestro do Estado brasileiro e de suas instituições, que passaram a ser atacadas e corroídas por dentro.

O atual presidente atuou incansavelmente para desconstituir o pacto de 1988 e desmontar os mecanismos de fiscalização de crimes contra os povos e comunidades tradicionais e contra o meio ambiente.

O balanço desastroso dos últimos quatro anos é evidenciado pelo relatório anual em que o Cimi compila as violências contra os povos indígenas no Brasil – e que registrou, neste período, um aumento vertiginoso de ataques, invasões e violações diversas dos direitos destes povos.

Os diversos dados sobre o aumento do desmatamento, das queimadas e do garimpo ilegal, especialmente em biomas como a Amazônia e o Cerrado, corroboram este cenário calamitoso.

Ao longo dos últimos quatro anos, ao invés de atuar como mediador e defensor dos bens públicos de nosso país, o atual presidente usou todos os instrumentos ao seu alcance para entregar o patrimônio dos povos indígenas a grupos de interesse privados – e só não foi mais bem-sucedido em seus intentos porque sofreu reveses judiciais, despertou a reação da sociedade civil e, sobretudo, porque enfrentou a resistência dos povos originários.

Se, por um lado, o atual mandatário já deixou claro em diversas ocasiões seu desprezo pela democracia e pelos direitos constitucionais indígenas, por outro, evidencia a cada passo sua disposição ao golpismo, sua postura autocrática e sua admiração por regimes autoritários.

O Cimi, fundado há 50 anos em meio à resistência contra a Ditadura Militar, a repressão e a censura, faz coro aos que repudiam o atual governo federal e defendem a democracia e a liberdade.

Respeitar estes valores significa respeitar, especialmente, o direito à diversidade dos povos que vivem e são parte fundamental do que é o Brasil. Por tudo isso, o Cimi se soma aos que acreditam que, em 2022, a esperança deve vencer o medo e a tirania.

Conselho Indigenista Missionário

Brasília (DF), 26 de outubro de 2022

Nota publicada originalmente no portal CIMI


Foto: Flickr/Cidadania

Revista online | Roberto Freire: “Votar em Lula é salvar a democracia”

Entrevista concedida a Caetano Araújo, Luiz Sérgio Henriques, João Rodrigues e Paulo Fábio Dantas Neto, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)

Na reta final do segundo turno da campanha presidencial, diversos fatos ainda movimentam o xadrez político nacional. No último domingo (23/10), por exemplo, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) atacou policiais federais com granadas e tiros de fuzil, após resistir a uma ordem de prisão expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para analisar a conjuntura política e o futuro da democracia no Brasil, a equipe da revista Política Democrática online entrevistou o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “Votar 13 no próximo domingo é a nossa única chance de salvar o Estado Democrático de Direito no Brasil”, resumiu Freire.

Ex-senador e deputado federal, líder do governo Itamar Franco e candidato a presidente da República em 1989 pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Roberto Freire defende que o voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é essencial para frear o projeto fascista do bolsonarismo. Freire também foi membro da Assembleia Nacional Constituinte e um dos responsáveis pela transformação do antigo PCB no Partido Popular Socialista (PPS), em 1992.

O papel estratégico da senadora Simone Tebet (MDB-MS) na campanha do ex-presidente Lula (PT), a ampliação da federação PSDB Cidadania, com uma eventual inclusão do MDB, e a importância de movimentos de renovação política estão entre os temas abordados. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com Roberto Freire.

Confira, abaixo, galeria de imagens do entrevistado:

Roberto Freire em escritório |Foto: reprodução/Wikimedia Commons
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira | Foto: João Rodrigues/FAP
Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)
Roberto freire. Foto reprodução: Cidadania23
Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Brasília 19.12.2016  Ministro da Cultura, Roberto Freire.  Fotos: Acácio Pinheiro/MinC
Roberto Freire em escritório
previous arrow
next arrow
Roberto Freire em escritório |Foto: reprodução/Wikimedia Commons
Roberto Freire em escritório
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira
Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)
Roberto freire. Foto reprodução: Cidadania23
Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
roberto-freire
Roberto Freire vai assumir o Ministério da Cultura
roberto-freire
roberto-freire-2
Ministro da Cultura, Roberto Freire
previous arrow
next arrow

Política Democrática (PD): Como você avalia esta reta final da campanha, com todas as incertezas que este complexo processo eleitoral tem demonstrado?

Roberto Freire (RF): Em primeiro lugar, gostaria de registrar que considero as pesquisas eleitorais confiáveis e acredito que elas devem ser consideradas. No primeiro turno, as pesquisas acertaram o percentual de votos atingido pelo ex-presidente Lula (PT). O problema maior foi em relação ao presidente Bolsonaro (PL). Porém, como muitos eleitores bolsonaristas, por orientações de ministros do atual governo, inclusive, se recusaram a responder os levantamentos, pode ter ocorrido influência. Estou em Brasília, não tenho percorrido o Brasil neste segundo turno. Até porque não adianta muito a gente andar na rua, pois a campanha é majoritariamente digital. Contudo, penso que a eleição está mais ou menos decidida. Esse episódio do Roberto Jefferson – que atacou com granadas e tiros de fuzil agentes da Polícia Federal para descumprir uma decisão do STF – pode fazer com que pessoas que antes diziam votar nulo agora decidam votar 13, no Lula. Certamente, houve um impacto muito negativo para a campanha do Bolsonaro. Foi algo patético, bizarro. Você imagina se fosse um negro, favelado, pobre? Atirar na polícia é inaceitável. O apoio da Simone Tebet e da Marina Silva, em diversos eventos pelo país afora, também ajuda o Lula a diminuir o receio de alguns setores da sociedade. A minha impressão é de que está bem encaminhada a vitória do ex-presidente Lula no próximo domingo, 30 de outubro. A não ser que surja um fato novo, algo imponderável.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

PD:  Qual a sua avaliação do desempenho de Simone Tebet no primeiro turno da eleição presidencial e como analisa o papel estratégico dela na campanha do ex-presidente Lula (PT)?

RF: O desempenho foi ótimo. Infelizmente, tivemos poucos votos. Talvez, tenha sido a terceira via com menor percentual de votos absolutos nas eleições. A rejeição dos dois principais candidatos e a polarização foram fatores decisivos para esse cenário. Mas a Simone Tebet é muito maior do que os votos que conquistou. Ela obteve um crescimento exponencial, saiu bastante fortalecida do processo eleitoral e está consolidada como uma das maiores lideranças políticas do país. A presença dela no palanque do Lula é um diferencial, ajuda muito. Logo no início do segundo turno, eu me lembrei da campanha de 1989, quando mandamos fazer camisas e adesivos com a frase: ‘Sou Freire e estou Lula’. Reproduzimos esse slogan agora com a Simone. Nosso objetivo é passar aquela ideia: ‘com a Simone a gente vai’. Digo isso porque esse fato abriu um pouco alas para as pessoas que ficavam meio encabuladas, pois vinham perguntar: mas você não vivia esculhambando com o Lula? Ou qualquer outra coisa desse tipo. A partir dessa ideia (“Sou Simone e estou Lula”), conseguimos um anteparo. São diversos economistas, o pessoal do Plano Real, intelectuais, artistas, que agora passam a apoiar mais efetivamente o voto em Lula neste segundo turno. Todos esses atores têm um papel importante. A Marina Silva, por exemplo, que já foi do PT, mas tinha se afastado, exemplifica esse esforço por um bem maior, que é a democracia brasileira e o compromisso com o progresso nacional.

A militância do partido da Cidadania está muito ativa no lulismo, tem participado energicamente em tudo quanto é lugar do Brasil. O que a Simone está fazendo também é de uma militância impressionante. Ela está colada em Lula, até parece a vice, que não descola da vinculação com o titular. É algo praticamente inédito, de ter um apoio tão efetivo de uma candidata que não foi ao segundo turno, mas está totalmente comprometida com a candidatura. Isso é uma coisa que está engrandecendo-a. Aqueles que estavam decepcionados com Bolsonaro imaginavam que não iriam para o Lula de jeito nenhum e ela foi. Então, ela cresceu no conceito e no respeito de todos exatamente por conta dessa integração com muita ênfase na campanha presidencial. É uma militante que alguns petistas mais ativos devem estar mirando como exemplo.

Roberto Freire: “Esquerda é prisioneira de dogmas dominantes no século 20”

“Brasil não ficará refém de Lula ou Bolsonaro”, diz Roberto Freire

Roberto Freire analisa perspectivas do cenário político para 2022

PD:  Pensando em um cenário pós-eleitoral, você acredita que, assim como Tancredo Neves foi chamado de “candidato da conciliação nacional”, o ex-presidente Lula poderia ajudar a pacificar o país?

RF: Essa é a questão em que a gente vai ter que se concentrar a partir de segunda-feira (31/10). Que quadro nós vamos ter? Vitória de um ou de outro. Vamos admitir que hoje não temos essa definição, apesar de certo favoritismo do ex-presidente Lula. Mas é um grande debate. Hoje já fui confrontado com isso em uma entrevista que dei a uma rádio de Pernambuco (PE). Eu disse que não estamos definidos. Eu dizia que Lula seria presidente, mas que nós não tínhamos definido se estaríamos no governo ou ficaríamos na oposição. Sem grandes problemas. Até porque oposição sistemática tivemos apenas na ditadura. O fato concreto é de que nós vamos ter que nos debruçar sobre isso. Vamos usar mais uma vez a Simone Tebet como exemplo. Como é que a Simone vai se posicionar? Estou querendo conversar com ela e ainda não pude. Ela tem viajado bastante. Falei pelo telefone, mas não avançamos em nada, por enquanto. Eu acredito que ela não queira participar de um novo governo Lula. Estava até discutindo uma questão colocada na ampliação da federação PSDB Cidadania, com a integração do MDB, para criar talvez a terceira ou quarta bancada. Se conseguirmos, podemos estar nos preparando para planos maiores em 2024 e 2026, fugindo desses dois polos que vão continuar. Qualquer que seja o resultado é fundamental para nós discutirmos, inclusive com a Simone, MDB e PSDB, ela liderando e nós vamos ter que discutir enquanto Cidadania. Pode oferecer a Lula a possibilidade de ele brigar contra seus radicais e entender que precisa minimamente não pacificar, mas, ter uma ampla maioria para evitar uma radicalização bolsonarista. Garantir a capacidade da sociedade de impedir que isso frature ainda mais o que já está fraturado. A presença da Simone, dos economistas, do setor liberal, de setores empresariais em apoio a sua candidatura tem que ficar junto dele no seu governo. Esses economistas, que vão ter um certo peso para contrabalançar o programa econômico de Lula, precisam estar junto também para dizer a ele: ‘olhe, você tem que ter o cuidado no governo de buscar pacificação, tolerância. Não pode excluir parte da sociedade que porventura não tenha votado em você.’ Embora a Lei não permita nenhum revanchismo, qualquer distúrbio que porventura possa existir deve ser suprimido. Não vamos pensar que esse episódio Roberto Jefferson, que ocorreu agora como um sinal de sedição, não sei, mas depois de uma derrota, isso pode se tornar algo comum. Indivíduos que queiram não admitir os resultados. Precisa ter um governo que tenha capacidade de juntar na realidade aqueles que estão votando para ter um processo democrático e não retrocessos. A gente não fala muito do Viktor Orbán e fala muito da Venezuela. O Bolsonaro não vai ser aquele que vai tentar experimentar um sistema de estatização da economia, de provocar aquilo que a Venezuela provocou concretamente, um empobrecimento da própria sociedade. Nós somos muito mais para a economia da Hungria, que cresce, do que para a economia da Venezuela, que vai lá para baixo. O governo Bolsonaro, autoritário, pode ter amplo apoio da sociedade. Não gerar o que gerou a Venezuela do empobrecimento, de uma decadência como ocorreu.Esse é o risco! Vamos analisar a Venezuela apenas como processo, mas não como base. Isso vai ficar mais para Polônia, para aquele sistema inserido na economia de mercado, que não vai sofrer retrocesso. O perigo está aí. Não é um processo de ruralização. Não vamos ter uma venezuelização por aqui, nesse sentido. Eu me lembro, quando vim de Cuba, em 1981, com o Goldman (Alberto), que estava sentado comigo, quando descemos em São Paulo, no aeroporto de Guarulhos, e vimos que aquilo era uma imensidão, uma potência. E eu brinquei com Goldman: ‘se a gente quiser fazer o que Cuba fez, vamos precisar de cinco Stalin e cinco Miami.’ Em Cuba, precisou de um só, mas por aqui precisariam de cinco. É uma economia que não tem como você imaginar que vai implantar isso e continuar. Eu acredito que esse é um grande desafio que a gente tem que pensar. É levar esse movimento que está ocorrendo no segundo turno para uma base efetiva do governo Lula. Nem mesmo participando necessariamente, não é isso. Mas é tendo o apoio crítico, mesmo com a independência, mas dando sustentação. E Lula entendendo que é fundamental ter isso. E não pensar que vai pegar o Centrão com qualquer movimento de aceitar processos de orçamento secreto ou qualquer outra forma para garantir o apoio meramente fisiológico. Ele tem que buscar esse apoio nesse sentimento democrático da sociedade. A Simone pode exercer o papel de liderança junto ao MDB e ao PSDB e, claro, nós do Cidadania estamos integrados nisso. Até porque esse objetivo, independente de quem for, a gente sempre teve.

https://open.spotify.com/episode/0GZjTu7gFPbt5klrK4tihV?si=f9733f937ad84ce0

PD: O que poderemos chamar de “centro democrático” no Brasil pós-eleição, ganhando Lula ou Bolsonaro?  Quais são as condições para se articular com a razoável autonomia?

RF: Esse é o nosso grande desafio. Eu fico imaginando, tem um pouco de torcida, mas começa a ser um pouco de realidade. É um favoritismo. Vamos admitir que o governo Lula é o melhor para nós. O centro democrático se consolida mais com o governo Lula. Um eventual segundo governo Bolsonaro seria terrível para o Brasil. Teríamos que tomar uma série de medidas para não conviver com uma clara escalada golpista. Se Bolsonaro for eleito, o STF vai ter novos membros. Eles vão, talvez, abrir alguns impeachments de ministros do Supremo no Senado Federal. Caso ganhem, eles teriam uma postura autoritária e fascista, com forte presença no Senado, com figuras que terão lideranças importantes até vinculadas às Forças Armadas, como é o caso do atual vice-presidente, Hamilton Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul (RS). Ele foi um dos primeiros a verbalizar a ideia do aumento de ministros no STF. Esse é apenas o passo inicial. Eles vão querer modificar as relações com o Judiciário, que hoje é o poder mais frágil do Estado brasileiro. Precisamos reconhecer que o Supremo foi importante para conter avanços antidemocráticos nos últimos anos. Com Arthur Lira no comando da Câmara Federal, o Congresso não agiu em praticamente nenhum movimento para conter arroubos autoritários. Na época do Rodrigo Maia, ainda tivemos algumas votações de decretos legislativos, impedindo retrocessos. Se Bolsonaro ganhar, o STF ampliado por novos ministros eventualmente bolsonaristas pode ser bastante prejudicial para a nossa democracia. Acabou. A partir daí, controla tudo. Isso é o modelo do Chaves na Venezuela. O Bolsonaro tem fortes aliados. Parte do setor de bancos, a maior parcela do agronegócio, que pode ajudar tremendamente a que isso se transforme em uma atitude de separação dos poderes, afirmando que o Executivo não pode ser impedido de governar, independente do Legislativo e, especialmente, do Judiciário. É preciso ter cuidado. Quem ganhar a eleição tem espaço para ajustar discurso do futuro democrático do Brasil. Agora, se ganhar o Lula, nós podemos, a partir da presença que Simone pode ter – e eu fico imaginando que ela não participe – porque poderíamos construir uma federação ampliada, da qual ela seja a presidente, passando a ter um papel político importante na sociedade brasileira. Uma federação ampliada com o MDB, com todos os eventuais problemas, poderíamos, sim, chamar de ‘frente democrática brasileira’, que não é ampla como a uruguaia, que foi feita a partir das esquerdas. Porém, nós podemos e devemos encaminhar isso. Vamos ter alguns bolsonaristas que vão querer fazer uma oposição maior, mas isso a gente terá que trabalhar para segurar. É mais fácil segurar quem quer fazer oposição do que quem adere. Nós, do Cidadania, podemos, com o governo Lula, manter a independência e ao mesmo tempo construir uma possibilidade, pois não vamos construir uma alternativa democrática à direita. O campo da direita durante algum tempo vai ser hegemonizado pela parte mais extremada.

PD: Você acha que isso acontecerá mesmo com a vitória do ex-presidente Lula?

RF: Com certeza. O bolsonarismo permanecerá, independente do resultado das urnas neste segundo turno. É ótimo que estamos aqui com pessoas que têm a visão da esquerda que quer ser contemporânea desse mundo que está aí, uma esquerda moderna. Ao contrário da esquerda dogmática, que pensa que é ainda revolucionária dos tempos do capitalismo industrial, bolchevique ou quer outros tipos de revoluções. E a América Latina tem muito disso. A América Latina é refratária a toda movimentação que houve no pensamento de esquerda, que é hoje o sustentáculo da União Europeia. Outro exemplo é a esquerda norte-americana, que consegue entender que para derrotar Donald Trump era melhor colocar Joe Biden do que Bernie Sanders. Essa esquerda que é democrática no mundo e entende a globalização, essa nova economia, as mudanças nas relações de trabalho e a evolução da própria sociedade.

A tendência do mundo, quando se fala de reforma trabalhista, é de querer regulamentar esse novo que está surgindo e não modificar o do passado. O próximo governo vai ter que lidar com um mundo que já não corresponde mais à mentalidade metalúrgica de Lula, daqueles que falam de classe operária enchendo a boca como a gente enchia, imaginando que o mundo era da classe operária no futuro. Era uma marcha que nós devíamos fazer na história. Não conseguem entender que não foi derrotado, houve a superação desta realidade, desta sociedade. E isso vai gerar crise lá dentro. Estou imaginando que esta força, o crescimento desta terceira via, é o avanço de uma visão que envolva também pensamentos – vamos chamar de social-democrata, centro-esquerda, o referencial que teremos para o futuro de uma esquerda democrática. A Europa democrática entende que deve se posicionar contra Putin em defesa da soberania da Ucrânia. Isso é um pouco essa visão progressista, e não da visão que aproxima Lula, também Bolsonaro a Putin. O eventual novo governo Lula vai ter essa contradição muito maior do que teve, por exemplo, em 2003, no início do primeiro mandato do PT, quando eles pensaram em fazer alguma reforma ali e, como reação, foi criado o Psol, de Heloísa Helena e tantos outros. Depois veio o mensalão, o que aumentou ainda mais as dissidências internas e tudo mais. Agora, vai ser muito mais concreto, não vai ter condições de alguém pensar na economia com a visão de que vamos fazer protecionismo, vamos construir uma indústria nacional, como disseram: ‘na pandemia, tivemos problema com agulhas, com máscaras, que poderiam não ter existido’. Por favor, isso foi um colapso da logística do mundo. Não é um problema para ficar imaginando que precisamos estar lá nas fronteiras produzindo algumas dessas coisas como se voltássemos ao mundo das barreiras alfandegárias.

Esse processo de globalização só vai se intensificar. Precisamos de um governo que tenha capacidade de administrar o país com a essa nova realidade e nenhum dos dois que estão aí está tendo capacidade para isso. Lula pode vir a ter, e vai ser necessário, porque ele precisa ampliar a sua base, mas, no momento que ele tomar determinadas decisões, pode enfrentar dissidências pela extrema esquerda. Vai ter problemas com aqueles que não permitem o que chamam de neoliberalismo, não admitem que você tenha uma visão de integração na economia mundial. Que diga que são sustentáveis, que isso seja mais importante que a economia do petróleo, do pré-sal. Teremos conflito com as corporações, haverá discussões sobre as necessárias reformas que estão em pauta. Por isso, fico imaginando que nós – e é dramático porque o MDB, com muito setor bolsonarista, o PSDB também, e até nós do Cidadania – como vamos gerar uma unidade para entender que nem Bolsonaro nem as posições majoritárias no PT são o futuro? O amanhã promissor nasce a partir da liderança da Simone Tebet, que também precisa entender que tem um grande papel. Esse é o nosso grande desafio. Concretizando essa federação ampliada, com o MDB, é até um desafio que se possa imaginar que tem que se criar uma nova formação política com esse setor, mas isso precisaria ter lideranças e eu não sei se o Eduardo Leite, eleito no RS, e se a Raquel Lyra, provavelmente eleita em PE, terão força suficiente para trazer o PSDB minimamente para um projeto desse porte. Nós, do Cidadania, estamos com dificuldade, poderíamos exercer esse papel se tivéssemos muita unidade com a nossa bancada. Esse é o drama. Não termos o velho Partidão, que enfrentou na época da ditadura a esquerda em cima, resolução, aventura, romantismo, outras tantas dificuldades e a gente se segurou e dentro do MDB, construindo uma alternativa democrática. Foi demorado, não foi fácil. As pessoas pensam que foi no final, quando as Diretas Já eram realidade, mas poucos sabem dos percalços. Nós acompanhamos. E agora, eu não sei qual força pode fazer isso. O PSDB não tem força para fazer. Esse é o drama que estamos vivendo. Mas é necessário construirmos. Se a gente tivesse esse setor que está indo para o Lula com a compreensão de que temos, desde já, buscar maior integração e construir novas alternativas políticas ao país, seria um avanço importante. Tem que tentar desde agora construir essa alternativa: a frente democrática que vai disputar 2026 não como um azarão, mas como uma força política que supere essa polarização que se afirmou novamente agora.

Sobre o entrevistado

Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania, advogado, ex-senador, ex-deputado federal e foi candidato a presidente da República em 1989 pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

** Entrevista produzida para publicação na revista Política Democrática Online de outubro de 2022 (48ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

Equipe de entrevista

Caetano Araújo: Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), consultor legislativo do Senado Federal e diretor-geral da Fundação Astrojido Pereira (FAP)

Luiz Sérgio Henriques: tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das “Obras” de Gramsci no Brasil, além de integrante do Conselho Consultivo da FAP

João Rodrigues: jornalista, sociólogo, mestre em Ciência Política e coordenador de Audiovisual da FAP

Paulo Fábio Dantas Neto: cientista político, economista, professor da Universidade Federal da Bahia e integrante do Conselho Consultivo da FAP

Leia também

Revista online | A economia política dos corpos

Revista online | Luz (Verde) no fim do túnel?

Revista online | Um tsunami chamado Godard

Revista online | Cotas de gênero na política: como avançar para garantir a participação das mulheres

Revista online | Mercado informal e a recuperação fiscal

Revista online | Quilombos Urbanos: Identidade, resistência, memória e patrimônio

Revista online | E agora, Darcy?

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Bolsonaro convoca cerco de apoiadores a seções eleitorais

DW Brasil

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a fazer nesta terça-feira (11/10) ameaças contra o sistema eleitoral, levantando dúvidas infundadas sobre a legitimidade da apuração no primeiro turno e estimulando um cerco de apoiadores a seções eleitorais na nova rodada de votação marcada para 30 de outubro.

Em discurso durante um comício em Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, Bolsonaro convocou seus apoiadores a "permanecerem na região" das seções até o anúncio do resultado final.

"No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E, mais do que isso, vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado. Tenho certeza que o resultado será aquele que todos nós esperamos, até porque o outro lado não consegue reunir ninguém. Todos nós discordamos. Como pode aquele cara ter tantos votos se o povo não está ao lado do mesmo", disse Bolsonaro.

Segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a aglomeração de eleitores em grupos organizados próximos das seções viola a legislação.

"Vale reforçar que a lei eleitoral proíbe, até o final do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado com bandeiras, broches, dísticos e adesivos, de modo a caracterizar manifestação coletiva", diz uma publicação do site do tribunal divulgada logo antes do primeiro turno.

Segundo o TSE, na data do pleito, eleitores devem se limitar a se "manifestar, de forma individual e silenciosa".

Em desvantagem nas pesquisas, Jair Bolsonaro tem lançado há meses ataques contra o sistema de votação, levantando acusações infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas e sobre o processo de apuração.

Para tentar rebater pesquisas de preferência de voto ou até mesmo o resultado do primeiro turno, nos quais aparece atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro tem feito uso do que seus aliados chamam de "datapovo": a organização de grandes atos com apoiadores da base radical do presidente.

Um dos pontos altos da estratégia ocorreu no feriado de 7 de Setembro, quando Bolsonaro se apropriou da data festiva para organizar manifestações de apoio ao governo.

No primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro recebeu 43,2% dos votos válidos, ficando atrás de Lula, que registrou 48,4%.

Antes do primeiro turno, Bolsonaro chegou a afirmar que, se não recebesse mais de 60% dos votos, "algo de anormal" teria acontecido dentro do TSE. O presidente, no entanto, evitou, no seu primeiro pronunciamento após o resultado, contestar o resultado da primeira rodada de votação, que foi marcada por uma nova "onda de direita" na disputa por cargos no Legislativo, com a eleição de vários nomes ligados ao Planalto.

Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil


Simone Tebet em apoio a Lula | Foto: Facebook/Esquerda Democrática

Por que não ser neutro

Roberto Freire,* Esquerda democrática

Resposta que dei a um eleitor de Simone Tebet que listou uma série de crimes e escândalos nos governos lulopetistas e pregou a neutralidade:

"Caro [...], nós do Cidadania – na época em que tudo isso acontecia nos governos de Lula e Dilma fazíamos uma firme oposição – podemos dizer que hoje, nos tempos de Bolsonaro, temos (em muito menos tempo de governo) tantos crimes e escândalos de corrupção como antes. Não vamos desempatar com o voto no segundo turno.

Estamos votando em Lula e vetando Bolsonaro, pelo que este representa de obscurantismo (vide posição na pandemia). Como órfão da ditadura, comete atos de desrespeito aos direitos humanos e atenta contra a democracia. Está pronta, inclusive, uma PEC para o caso de ele ser vitorioso, aumentando o número de ministros do STF para controlar o Judiciário. Não podemos esquecer que Chávez, pela esquerda, iniciou a escalada ditatorial com o controle do Judiciário, igualzinho a Orban na Hungria, pela extrema-direita, que também aumentou o número de ministros da Corte Suprema. E o resultado é o fascismo reinando no país dos magiares.

Não podemos admitir que isso ocorra entre nós. Daí o voto em Lula, que, apesar de corrupto (tal como Bolsonaro), nos mais de 13 anos de governo não promoveu nenhum ato para criar um regime autoritário. Convém não esquecer que ele próprio foi investigado e muitos dos dirigentes do PT condenados durante seu próprio governo."

Texto publicado no Facebook da Esquerda Democrática https://bit.ly/3Mv1WNU


Bolsonaro e Lula se enfrentam no 2º turno da eleição presidencial, no dia 30 — Foto: Evaristo Sá/AFP

Análise | Ainda falta a travessia

Alberto Aggio/Horizontes Democráticos

O resultado das eleições presidenciais de 02 outubro de 2022 surpreendeu pela vitória exígua de Lula (48%) sobre Bolsonaro (43%), quando todas as pesquisas oficiais apontavam uma diferença muito maior e algumas até mesmo a vitória de Lula no primeiro turno. A disputa agora vai se estender até o próximo dia 30, quando será realizado o segundo turno. O desejo de ultrapassar um governo que se apresentou como uma ameaça na trajetória da democratização que a sociedade vinha estabelecendo por mais de 30 anos foi adiado e agora não se sabe se, de fato, será concretizado.

Lula chegou em primeiro lugar porque não permitiu que sua campanha eleitoral se esquerdizasse e porque conseguiu alguma agregação de apoio de personalidades da sociedade civil, do mundo da cultura, empresarial e sindical. Atraindo Geraldo Alckmin para ser seu vice, Lula iniciou um movimento de enfraquecimento orgânico de um tradicional adversário, o PSDB, já cambaleante por problemas e divisões internas. Foi um tiro certeiro, comprovado pelo resultado. Mas isso não tem nada a ver com a ideia de “frente ampla” contra o fascismo, como se alardeou a cada apoio que a candidatura Lula recebia. Com Bolsonaro radicalizando suas posições e ameaçando as eleições e seus resultados diuturnamente, o que ocorreu foi que Lula manteve-se como um polo de atração a partir de sua expectativa de poder, que se manteve firme nas pesquisas. Mas isso foi insuficiente para consumar sua vitória acima dos 50%.

A resiliência de Bolsonaro demonstrou ser maior do que se previa e foi sobretudo uma demonstração de força comprovada pela vitória que obteve nas eleições para diversos governos estaduais, para o Senado da República e pela ampliação da bancada de apoiadores na Câmara dos deputados – seu partido, o PL, avançou para quase 100 deputados que, somados aos seus aliados do Centrão, seguramente irão compor uma maioria expressiva no Congresso. O fato notável é que Bolsonaro consegue um êxito significativo elegendo apoiadores mais afins a seus propósitos ideológicos do que em 2018, quando se registrou um apoio ainda rarefeito.

Se computados todos os resultados, fica claro que a extrema-direita ficou raízes no cenário político brasileiro, uma situação historicamente nova. Caso Lula vença no segundo turno, as dificuldades de governança serão enormes em função da composição do Congresso, que certamente terá uma maioria inclinada ao bolsonarismo e ao Centrão. Em sentido contrário, caso Bolsonaro vença, o caminho em direção a mudanças de caráter iliberal nas instituições políticas do país terá o seu percurso facilitado. Portanto, não foi de pouca monta os resultados que saíram das urnas.

A votação de Lula expressa, certamente, sua sagacidade política e popularidade. Contudo, mostra também um líder que é imensamente maior do que seu partido e fixado num tipo de política “fulanizada”, pouco afeita a articulações montadas em cima de programas partidários ou de coalizões amplas. Nesse ponto, apresenta uma coincidência com Bolsonaro, que não acredita em partidos políticos, foi incapaz de construir um que pudesse controlar integralmente, mas demonstrou habilidade para fazer a política típica do Centrão que opera alianças pontuais independentemente de qualquer critério que não seja a obtenção e voto, garantindo benefícios subsequentes.

previous arrow
next arrow
Manifestação contra governo Bolsonaro em Brasília – #3J Brasília. Foto: Ricardo Stuckert
previous arrow
next arrow

Se pela direita Bolsonaro faz uma política de “vale tudo”, no campo da esquerda, a proposição de uma “frente democrática” nunca se estabeleceu como uma fórmula produtiva do ponto de vista eleitoral, permanecendo no âmbito da retórica e alcançando um único ponto positivo, qual seja, a identificação entre “frente democrática” e a defesa da democracia. Lula e o petismo fizeram apenas discurso eleitoral com essa fórmula política. O pluralismo político que a sociedade carrega, a adesão à competitividade política como uma esfera democrática legítima e a predominância da chamada “democracia de audiência”, são alguns dos elementos que obstaculizaram a possibilidade de êxito à fórmula da “frente democrática” do ponto de vista eleitoral. Foi nessa impossibilidade que naufragou a candidatura do centro político, facilitando a Lula trabalhar com a ideia de identificação entre sua candidatura e a “salvação” da democracia frente a ameaça de continuidade de Bolsonaro. Mas, por outro lado, fez com que esse mesmo centro político perdesse qualquer condição de ampliar sua ascendência sobre o eleitorado de centro-direita ou direita moderada que se inclinou para Bolsonaro ampliando sua votação.

Como afirmei em artigo anterior, o retorno de Lula e a polarização que se estabeleceu com Bolsonaro acabou condicionando os termos da disputa eleitoral a opções estanques: “nós contra eles”; “bem contra o mal”. Com isso, a única alternativa das forças do centro político estaria na estruturação de um “novo polo” eleitoral que alterasse o sentido da disputa política. E isso não significava, como alguns entenderam, se afastar da defesa da democracia. Esse “novo polo” poderia representar uma “alternativa democrática e progressista” real à atual polarização que é entendida como nefasta à democracia brasileira.

Um polo ao centro que fosse, em certo sentido, “excêntrico”, com resultados administrativos distintos para mostrar e atrair os eleitores por meio de uma projeção desses resultados para um futuro imediato. E mais: deslocar o discurso e o embate político para um terreno que não fosse apenas democracia versus fascismo e apresentasse temas mais afeitos à valorização objetiva e subjetiva dos avanços do capitalismo brasileiro e suas potencialidades conectadas com as dimensões do compromisso social, da inovação tecnológica e da modernidade ecológica. Nesses três campos Bolsonaro e Lula aparecem como lideranças precárias e inconvincentes.

Mas nada disso aconteceu e a disputa eleitoral acabou se reduzindo ao embate de dois mitos, Lula e Bolsonaro. De acordo com o colunista político Luiz Carlos Azedo, Lula “é o líder metalúrgico que chegou lá, passou o pão que o diabo amassou após deixar o poder e renasceu das cinzas, como fênix. Bolsonaro é o ‘mito’ que desafiou o sistema, construiu uma carreira política na contramão, lançou-se à disputa pela Presidência com a cara e a coragem, sobreviveu ao atentado que o deixou entre a vida e a morte na reta final da campanha de 2018”. O primeiro busca sua “voltar ao poder, com o passivo dos escândalos de seu governo e um legado de realizações sociais” enquanto o segundo, tenta a reeleição, “com uma agenda conservadora e o fardo de um governo desastrado, da falta de empatia e das suas grosserias misóginas”.

Tal polarização acabou se tornando uma condenação que agora carregamos para o segundo turno. O país que Lula e Bolsonaro estão disputando vive uma crise que se expressa a olho nu. Conforme o editorial do Estado de São Paulo, “a fome voltou a assombrar milhões de brasileiros. Nossa imagem internacional é um desastre. O arcabouço fiscal foi devastado. Programas de assistência social foram substituídos por arremedos eleitoreiros. A inflação só recuou à base de marretadas para conter o preço dos combustíveis. Políticas públicas na área de saúde, educação, meio ambiente, cultura e ciência foram destroçadas para acomodar bilionárias emendas eleitoreiras de parlamentares”.

E não serão palavras ao vento que irão produzir convencimento nos eleitores que retornarão às urnas no final desse mês. Por essa razão, como afirma Marcelo Godoy, jornalista do Estado de São Paulo, é inquietante verificar que ninguém sabe o que Lula, diferentemente de 2002, pretende lidar com a economia em um mundo afetado por novos conflitos geopolíticos e antigos desafios, como a desigualdade no país; ou como será seu comportamento no sentido de impedir a corrupção e se relacionar com um Congresso hostil, que domina 50% dos investimentos do orçamento. Essas são apenas algumas dúvidas, mas há outras inquietações. Até o momento as alianças indicadas pelo petismo permanecem no interior do campo tradicional da esquerda. Basta ter olhos para ver que, agora no segundo turno, Lula e o PT estarão desafiados a pensar a construção de uma coalizão ampla se quiserem vencer as eleições.

Os eleitores colocaram à esquerda brasileira um desafio insólito que só poderá ser desvendado indo além do famoso dilema socrático que vaticinava “conheça-te a ti mesmo”, atualizando-o para uma fórmula mais simples: “reinventa-te” aqui e agora.


Montagem com fotos dos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Persio Arida — Foto: GloboNews/Reprodução e Folhapress

Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Persio Arida declaram voto em Lula no 2º turno

g1*

Os economistas Edmar Bacha, Pedro Malan e Persio Arida declararam voto em Luiz Inácio Lula da Silva no 2º turno das eleições.

Armínio Fraga, presidente do Banco Central (BC) durante o segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, já havia declarado sua preferência na terça-feira (4).

Em nota, os quatro economistas afirmaram: "Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia".

Malan foi ministro da Fazenda durante o governo de FHC e presidente do Banco Central durante o governo de Itamar Franco. Junto com ele, Persio Arida e Edmar Bacha foram os criadores do Plano Real.

Persio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central, declarou seu voto na quarta-feira (5), segundo o jornal "O Globo". Ele afirmou que considera o presidente Jair Bolsonaro “claramente uma ameaça à democracia brasileira” e que houve “imenso retrocesso civilizatório” em seu governo.

Para o economista, um eventual governo Lula será responsável fiscalmente e está com “expectativa de boas políticas econômicas na direção das reformas”, diante de uma base de apoio mais ao centro. Arida já coordenou o programa do atual candidato a vice-presidente pelo PT, Geraldo Alckmin, em campanhas anteriores.

Armínio Fraga já demonstrava ser crítico à gestão de Jair Bolsonaro (PL). Ele discursou durante a leitura de duas cartas em defesa da democracia, no dia 11 de agosto. O evento, organizado na Faculdade de Direito da USP, ocorreu em meio a ataques de Bolsonaro contra o processo eleitoral, com insinuações golpistas.

Em entrevista à GloboNews, Fraga apontou que os grandes temas não são econômicos.

"Nós estamos aqui falando de riscos pra nossa democracia, que na minha leitura aumentaram depois dos resultados de domingo. E é essencialmente isso. Não há como colocar isso de uma maneira diferente", afirmou.

"Nós estamos observando movimentos autocráticos mundo afora. São situações em que a deterioração da qualidade da democracia ocorre gradualmente. O povo continua votando, mas as coisas vão perdendo a sua qualidade, vão perdendo a sua força. Isso é relevante porque, na esteira disso, vêm fracassos retumbantes na economia também".

Texto publicado originalmente no g1.


Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Cidadania declara apoio a Lula no segundo turno

Hamanda Viana e Beatriz Borges,* g1

Cidadania anunciou nesta terça-feira (4) apoio do partido ao candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo turno da disputa pela Presidência da República.

A decisão de dar apoio ao petista contra o presidente Jair Bolsonaro, candidato do PL à reeleição, foi tomada em uma reunião da Executiva do Cidadania.

"[O partido] decidiu pelo apoio ao candidato do PT no segundo turno. Uma decisão que foi quase por unanimidade. Tivemos três votos defendendo neutralidade. E unanimidade contra Bolsonaro", declarou Roberto Freire, presidente da legenda.

"Bolsonaro, nesses quatro anos, demonstrou o seu total desrespeito às instituições democráticas. Por causa de todo esse risco, vamos votar no número 13", completou.

O presidente do Cidadania já havia declarado apoio pessoal à candidatura de Lula na última segunda-feira (3).

segundo turno das eleições de 2022 será disputado entre Lula, que no primeiro turno obteve 48,4% dos votos válidos, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição e ficou com 43,2%. A votação será no próximo dia 30.

No primeiro turno, o Cidadania apoiou a candidata derrotada do MDB à Presidência, Simone Tebetque ficou em terceiro lugar com 4,16% dos votos válidos.

Durante entrevista em Brasília, Roberto Freire disse que na reunião chegou a ser levantada a hipótese de o Cidadania declarar "apoio crítico" ao candidato do PT. No entanto, a ideia foi rejeitada.

"Tenho muita clareza de que precisamos vencer as eleições pra afastar qualquer risco futuro às liberdades", disse Freire.

Questionado se a declaração de apoio é uma sinalização de que o Cidadania poderá integrar um eventual governo Lula, Freire declarou: "Não. Trata-se de um voto em segundo turno nas eleições presidenciais."

Primeiro turno

No primeiro turno, o Cidadania se coligou com o MDB, o Podemos e PSDB em torno da candidatura da senadora Simone Tebet.

Na noite do domingo (2), em um breve pronunciamento após o resultado do primeiro turno, Tebet afirmou que não ficará neutra no segundo turno. No entanto, ela disse que esperaria as manifestações dos partidos dos partidos da sua coligação para anunciar seu posicionamento.

A executiva do PSDB tem uma reunião marcada para a tarde desta terça-feira (4) e também divulgará sua posição no segundo turno.