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Merval Pereira: Mais uma tentativa

Começou ontem mais uma ação da defesa do ex-presidente Lula para livrá-lo da cadeia, onde já está há um mês. Os ministros votam, no plenário virtual da Segunda Turma, uma reclamação contra a ordem de prisão que já foi negada pelo ministro Edson Fachin. O agravo regimental questiona determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao juiz Sergio Moro para decretar a prisão do ex-presidente.

Os advogados de Lula alegam que havia recursos pendentes para análise no TRF-4 e, portanto, a decisão de reclusão foi ilegal, pois contrariaria a tese do Supremo no julgamento de 2016, que fixou a execução provisória da pena após finalizado o processo de condenação em segunda instância.

A defesa se refere aos embargos de declaração e aos “embargos dos embargos”, estes considerados meramente protelatórios, e que nunca são levados em conta pelos desembargadores do TRF-4, por não terem efeito suspensivo.

Criado em 2007 para dar celeridade à Justiça, o plenário virtual usualmente trata de questões sem grande significação, em que já existe uma decisão pacificada pelo Supremo. Não há debate entre ministros, nem sustentações dos advogados, e o conteúdo dos votos só é conhecido após a publicação do acórdão com a decisão final.

Os ministros terão até 10 de maio, próxima quinta-feira, para votar. Os integrantes da Segunda Turma são os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello e, no plenário virtual, não são obrigados a votar. Quem não se pronunciar estará automaticamente apoiando o voto do relator, que já foi apresentado.

Embora não se conheça seu teor, é presumível que sua posição seja a mesma já revelada: contra o agravo dos advogados de Lula, Fachin deve alegar que o recurso está superado porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) já julgou e rejeitou os novos recursos do ex-presidente e a instância está exaurida.

Se algum ministro divergir, pode pedir vista e solicitar que o julgamento ocorra no plenário presencial da Corte. Caso isso ocorra, não há prazo para a retomada do julgamento.

A grande discussão nos bastidores do STF é sobre os motivos do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, ter levado o agravo ao plenário virtual, evitando o presencial. A explicação mais plausível é que ele quis dar liberdade aos ministros que votaram a favor do habeas-corpus do presidente Lula, que ficaram em minoria no plenário do STF, mas têm a maioria na Segunda Turma. E indicando também que o assunto já está pacificado no Supremo.

Recentemente, o STF negou habeas corpus ao ex-presidente Lula em decisão tomada por 6 votos a 5, abrindo caminho para que o juiz Sergio Moro seguisse a determinação do TRF-4 de dar início ao cumprimento da pena, mesmo antes de encerrados todos os recursos, pois nenhum deles tem efeito suspensivo, não podendo alterar, portanto, o acórdão do julgamento do TRF-4 que condenou Lula em segunda instância. É improvável juridicamente, portanto, que a Segunda Turma resolva rever uma decisão que foi tomada por maioria no plenário do Supremo Tribunal Federal. Engano Recentemente, cometi um engano em uma coluna em que me referia às últimas tentativas do MDB, depois PMDB, de eleger candidatos à Presidência da República. Na verdade, em 1989, o deputado Ulysses Guimarães, saído da Constituinte como o protagonista da cena política brasileira, chegou em sétimo lugar, mas não atrás de Enéas, que chegou em 14º. Quem foi suplantado por Enéas foi Orestes Quércia, em 1994.


Nelson Motta: Aquele momento fatal

A meia hora fatal em que Lula e Dilma se trancaram em uma sala, e ela saiu candidata à reeleição, mudou o rumo do Brasil

Com a participação de todas as suas correntes internas na discussão dos programas do partido e na ocupação de cargos de governo, com suas assembleias intermináveis, o PT sempre se orgulhou de sua democracia interna, de ser um partido sem caciques — embora comandado por Lula e José Dirceu.

Lula sempre mandou no partido, nas executivas, nos diretórios, nas assembleias, em Dirceu, mas reinava principalmente nos comícios, insuperável com sua inteligência, seu histrionismo, sua malandragem política e suas bravatas que incendiavam a militância. Que partido não gostaria de ter um líder com o carisma e a personalidade de Lula?

O lado ruim de ter um líder carismático absoluto, cultuado e incontestável é depender de suas decisões pessoais, de acordo com as suas conveniências de momento.

Ao indicar no “dedaço” Dilma Rousseff para presidenta, enfrentando profundas e fundadas resistências no partido, afinal o DNA dela era brizolista, assumiu o seu maior risco — e conquistou a sua maior vitória. Depois, para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo, chegou a fazer uma aliança e posar ao lado de Maluf, para estupor dos petistas de todas as correntes. E, cheio de orgulho e certeza, cunhou uma de suas grandes frases: “De poste em poste vamos iluminando o Brasil”.

Se houvesse democracia interna no PT, com convenções para escolher candidaturas, em 2014 Lula teria sido aclamado pelo partido para a sucessão de Dilma e massacraria Aécio Neves. Mas, assim como a havia escolhido imperialmente, Lula teria que discutir com a rainha, só com ela, a sua sucessão.

Aquela meia hora decisiva em que os dois se trancaram em uma sala, e Lula saiu abatido e Dilma candidata à reeleição, mudou o rumo do PT e a História do Brasil. No momento em que sua força, sua experiencia e sua inteligência foram mais necessários, Lula piscou. E Dilma ganhou no grito, rompendo o acordo de o poste devolver-lhe o trono depois de quatro anos.

O resto é história, com as consequências funestas que teve para o Brasil, para o PT e para Lula, porque um grande líder popular quase religioso e infalível falhou num momento fatal.

 


O Globo: PGR denuncia Lula, Gleisi e mais 4 por corrupção e lavagem de dinheiro

O ex-presidente Lula, preso em Curitiba, a senadora Gleisi Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo e mais três foram denunciados ontem pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Eles teriam sido beneficiados em esquema da Odebrecht

André de Souza e Aguirre Talento, do O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO -  A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou ontem o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e mais quatro pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, a empreiteira Odebrecht prometeu US$ 40 milhões a Lula em 2010 em troca de decisões políticas que beneficiassem a empresa. Entre essas decisões está, por exemplo, o aumento da linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras tocadas pela companhia em Angola.

O processo está no Supremo Tribunal Federal (STF), aos cuidados do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato na Corte. Segundo a acusação, o dinheiro, que totalizava R$ 64 milhões na época, ficou à disposição do PT. Parte teria sido usada em 2014 na campanha de Gleisi ao governo do Paraná.

Também foram denunciados os ex-ministros Paulo Bernardo (marido da senadora) e Antonio Palocci, o empresário Marcelo Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, chefe de gabinete de Gleisi. Para que eles se tornem réus e tenha início um processo penal, é preciso que a Segunda Turma do STF, composta atualmente pelos ministros Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso Mello, aceite a denúncia.

Além da condenação, Dodge pediu que os petistas sejam obrigados a pagar valores milionários. Para Lula, Paulo Bernardo e Palocci, a denúncia solicita a condenação à reparação, juntos, de US$ 40 milhões, valor da vantagem indevida, mais R$ 10 milhões de indenização por dano moral coletivo. Para Gleisi e Paulo Bernardo, Dodge solicita reparação de R$ 3 milhões pela propina, mais R$ 500 mil de dano moral coletivo. Também pede que Gleisi devolva à União R$ 1,8 milhão referente ao valor inexistente declarado à Justiça Eleitoral.

A PGR sustentou ainda que, em 2014, Gleisi e Paulo Bernardo aceitaram receber R$ 5 milhões via caixa dois. Os pagamentos teriam alcançado pelo menos R$ 3 milhões. A entrega do dinheiro teria sido sido viabilizada por Benedicto Júnior, executivo da Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, que trabalhava para Gleisi. Tanto Benedicto quanto Marcelo Odebrecht fecharam acordos de delação.

PAGAMENTOS DISSIMULADOS
Um dos métodos usados por Gleisi para lavar dinheiro da propina da Odebrecht, segundo a PGR, foi declarar pagamentos inexistentes à Justiça Eleitoral. A denúncia aponta que Gleisi declarou à Justiça Eleitoral ter pago R$ 3 milhões à empresa Oliveiros Marques Comunicação e Política, mas o dono da empresa, Oliveiros Domingos, afirmou em depoimento que só recebeu efetivamente R$ 1,1 milhão.

“Ocorre que R$ 1.830.000,00 dessa prestação de contas à Justiça Eleitoral foram ocultados (não foram efetivamente gastos) e dissimulados como despesa de campanha para escamotear a natureza e origem criminosas: recebimento dessas vantagens espúrias”, escreveu Raquel Dodge.

A PGR considerou válidas as provas documentais obtidas a partir da delação da Odebrecht. “Os depoimentos prestados nas colaborações premiadas dos executivos da Odebrecht foram ponto a ponto corroborados por uma série de provas documentais (e-mails, planilha produzida em sistema periciável e anotações), todas praticadas de forma espontânea e contemporaneamente àqueles fatos de 2010”, escreveu Dodge na denúncia, apontando ainda informações obtidas a partir da quebra de sigilos telefônicos.

Em seu depoimento, a senadora negou as acusações e afirmou que não pediu recursos à Odebrecht em 2014. Sua defesa não foi localizada. As defesas de Paulo Bernardo e Antonio Palocci afirmaram que não poderiam comentar porque não tiveram acesso ao teor da investigação. Procurada, a defesa de Lula não respondeu até o fechamento desta edição.

Dos seis denunciados, apenas Gleisi, por ser parlamentar, tem foro privilegiado no STF. Mas Dodge entendeu que as acusações dos outros cinco têm relação com os crimes atribuídos à senadora.

LULA TENTA LIBERAR DINHEIRO
A ex-presidente Dilma Rousseff vai depor ao juiz Sergio Moro no próximo dia 25 de junho, no processo em que Lula responde à acusação de ter sido favorecido por obras no sítio de Atibaia (SP) feitas pelas construtoras Odebrecht e OAS e pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Dilma foi intimada ontem por um oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e falará como testemunha de defesa de Lula. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também foi incluído na lista de testemunhas do petista.

Preso desde o último dia 7, Lula pediu a Moro a liberação de parte dos recursos bloqueados pela Justiça — R$ 8,9 milhões em fundos de previdência e R$ 660 mil em contas bancárias. Alegou que, sem dinheiro, não consegue se defender nos oito processos, divididos entre Curitiba e o Distrito Federal. Em despacho ontem, Moro pediu que seja demonstrada a origem lícita dos valores.

Na petição, a defesa de Lula atribuiu os investimentos a valores recebidos da LILS Palestras, mas o juiz afirmou que “seria oportuno” esclarecer a “origem remota” dos recursos.

Os pagamentos feitos pelas empreiteiras à LILS Palestras e as doações ao Instituto Lula são alvo de investigações da força-tarefa da Lava-Jato.

Também ontem, a juíza Carolina Lebbos voltou a indeferir visitas ao ex-presidente na sede da Polícia Federal de Curitiba. Seis líderes de centrais sindicais, que estarão hoje na capital paranaense para um ato conjunto pelo 1º de Maio, Dia do Trabalhador, pediram para visitar Lula na cadeia na quarta-feira.

O ato das centrais começa pela manhã, quando caravanas prometem se reunir em torno do prédio da PF para o tradicional “bom-dia Lula” dos acampados no local. O clima é de preocupação depois que os manifestantes pró-Lula foram alvo de ataque a tiros na madrugada de sábado.

(Colaboraram: Cleide Carvalho e Katna Baran)


Merval Pereira: Guerra como política

Ataque a petistas não é aceitável na democracia. Num momento em que o país vive crises múltiplas, sendo a moral a geradora das demais, a radicalização do debate político chega ao limite quando grupos rivais são atacados a bala, como aconteceu no acampamento dos militantes petistas em Curitiba.

Não é aceitável numa democracia que o debate de ideias chegue a tal radicalização e que a disputa partidária se transforme em guerra aberta, distorcendo a visão de Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios.

O que aconteceu em Curitiba precisa ter uma resposta rápida e eficiente das autoridades, mesmo que os militantes acampados em frente à Polícia Federal sejam típicos representantes do mote “nós contra eles” ressuscitado pelo ex-presidente Lula em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, momentos antes de ser preso.

A radicalização da política, à esquerda e à direita, não é aceitável numa democracia, e é preciso que os líderes partidários entendam que não podem esticar a corda até onde o Estado de Direito não aguentar.

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, não é a líder que o momento exige. Ao contrário, estimula o radicalismo com seus vídeos absurdos, pedindo apoio a países ditatoriais que têm suas prisões cheias de presos políticos quando considera Lula um preso político numa democracia.

Agora mesmo, acusou irresponsavelmente o juiz Sergio Moro e os meios de comunicação, especialmente o Grupo Globo, de serem culpados pelos atentados. Considerar que quanto pior melhor é o lema desses radicais da direita e da esquerda, que agora se enfrentam nas ruas do país quando deveriam se enfrentar nas urnas de outubro.

A campanha presidencial deste ano, se não formos sensatos como sociedade, será a mais radicalizada desde 1989, quando milícias esquerdistas e seguidores de Collor de Mello se enfrentavam nos comícios, e não através dos discursos.

Os ataques ao acampamento de Curitiba e, anteriormente, ao ônibus da caravana de Lula, são a contrapartida de uma direita insana aos ataques que o MST e o MTST espalham pelo país, com invasões de prédios públicos e propriedades privadas, e até mesmo o ataque ao edifício em Belo Horizonte onde mora a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármem Lúcia.

É inaceitável em uma democracia que esse tipo de enfrentamento sirva como a linguagem da política partidária. Na terça-feira, comemorase o Dia do Trabalho, que tem sido um momento de confraternização nos últimos anos, e não pode se transformar em uma oportunidade para novos confrontos ou provocações.

O ex-presidente Lula aprendeu, em 2002, que só chegaria ao Palácio do Planalto se ampliasse seu eleitorado, e a radicalização com que o PT responde à prisão de seu grande líder coloca o partido num nicho militância radical que se afasta do centro, deixando o partido em um isolamento que nem mesmo a esquerda democrática deseja.

O slogan eleição sem Lula é fraude não mobiliza a população nem atrai os aliados petistas, que gostariam de uma definição do maior partido da esquerda para começar a enfrentar uma campanha que será das mais difíceis dos últimos tempos. Não será com a radicalização à direita e à esquerda que seus representantes chegarão ao Palácio do Planalto.

Explicação
O presidente da Câmara dos Deputados, deputados Rodrigo Maia, entra em contato para explicar que sua consulta ao TSE para saber se poderia permanecer no país quando o presidente da República viajar, sem se tornar inelegível, não tinha a intenção de assumir a presidência nessa interinidade, que continuaria sendo preenchida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, no caso a ministra Carmem Lúcia.

Nesse caso, quem ficaria de fora da linha de substituição da Presidência da República seriam outras duas instituições, a Câmara e o Senado. Não é uma boa solução para resolver questões partidárias pessoais.


Elio Gaspari: Palocci foi o quindim do mercado

Antonio Palocci chegou ao Ministério da Fazenda em 2003 antecedido por denúncias de malfeitorias praticadas quando era prefeito de Ribeirão Preto, mas foi protegido pela simpatia do andar de cima, sobretudo da banca. Uma das maracutaias envolvia uma licitação de R$ 1,2 milhão para a compra de cestas básicas, grosseiramente manipulada para favorecer empresas amigas.

Como ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci tornou-se o comissário do andar de cima. A aliança de empreiteiros, empresários e papeleiros com Lula, Dilma e José Dirceu era essencialmente oportunista. Com Palocci havia mais que isso. O ex-ministro enriqueceu ao passar pelo governo.

Quando o juiz Sergio Moro bloqueou suas contas pessoais e empresariais, tinha R$ 30,8 milhões. Vivia num apartamento cinematográfico comprado por R$ 6,6 milhões. Uma parte contabilizada dessa receita veio de contratos de consultoria com grandes empresas.

A colaboração do ex-ministro poderá resultar na exibição de novas conexões da máquina de roubalheiras. Hoje, empreiteiros e fornecedores larápios tornaram-se arroz de festa. Palocci operava no lado oculto da Lua e pode mostrar como as propinas disfarçavam-se de caixa dois ou fingem ser contratos de consultoria. Um exemplo pitoresco dessas ligações perigosas circulou há poucos meses.
Palocci teria contado que, em 2002, antes do início do romance do PT com a banca, armou a transferência de US$ 1 milhão do ditador líbio Muammar Gaddafi para a campanha de Lula. Tomara que o comissário tenha mostrado à Polícia Federal a trilha bancária dessa transação.

A CHAPA CIRO-HADDAD ESTÁ NO BARALHO
Com nome e sobrenome, a ideia de uma chapa com Ciro Gomes (PDT) na cabeça e Fernando Haddad (PT) na vice veio de Luiz Carlos Bresser-Pereira e foi revelada pelo repórter Mario Sergio Conti, narrando uma conversa que juntou os dois, mais o ex-ministro de FHC e o professor Antonio Delfim Netto. Sem nome e sobrenome, a ideia está nos baralhos de muita gente, inclusive nos de Ciro e Haddad.

Exposta assim, a chapa parece uma especulação prematura. Mostrada de outro jeito, ela é quase inevitável. Basta que sejam aceitas duas pré-condições:

1 - Nos próximos meses Ciro e o PT convivem num pacto de não agressão, como vêm fazendo até agora.

2 - Até agosto as pesquisas indicam que Ciro e Haddad (admitindo-se que ele venha a ser o poste de Lula) têm algum fôlego, mas nenhum dos dois é forte o suficiente para ter certeza de que chegará ao segundo turno. Hoje Ciro tem 9% e Haddad, 2%.

Admitindo-se que as pesquisas mantenham Ciro em melhor posição que Haddad, o PT troca uma eleição perdida pela esperança de uma vice.

A maior resistência à chapa Ciro-Haddad virá do PT, onde suas facções sonham com cenários que vão da imortalidade política e eleitoral de Lula ao delírio de uma explosão popular, com gente nas ruas e pneus queimados.

O PT tem uma propensão suicida. No início da campanha eleitoral de 2014, a senadora Marta Suplicy lançou-se numa operação para substituir Dilma Rousseff, com um "Volta Lula". Tinha apoios e até mesmo a cumplicidade silenciosa de "Nosso Guia".

A manobra morreu porque Lula não disse a frase fatal: "Quero a cadeira". Meses depois, reeleita, Dilma colocou Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, mas deixou que ele fosse fritado pelo PT. Olhando-se pelo retrovisor, a história do PT teria sido outra com Lula candidato e Levy trabalhando em paz.

LULA SOLTO
Um sábio que já viu cinco eleições presidenciais avisa:

"Se Lula estiver em liberdade no dia da eleição, mesmo sem ser candidato, dobrará as chances do seu poste, seja ele quem for.

Os ministros do Supremo podem saber muito direito, mas não conseguiriam explicar na rua por que um homem libertado 'Excelso Pretório' pode ser culpado de alguma coisa."

LULA PRESO
As chances de Lula ser libertado antes da eleição de outubro pelo Judiciário, pelo Padre Eterno, ou por extraterrestres, são praticamente nulas.

POSTE 2.0
Está entendido que o ex-governador baiano Jaques Wagner não é candidato a poste de Lula. Hoje, o lugar é de Fernando Haddad. Como o PT não consegue viver sem uma briga interna, surgiu um novo nome, o do ex-chanceler Celso Amorim.

JANOT X RAQUEL
Mesmo tendo cumprido uma obsequiosa quarentena no exterior, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot não conseguiu desencarnar.

AVANÇO E ATRASO
As montadoras brasileiras perderam a parada na qual pretendiam prorrogar a festa de incentivos fiscais que drenaram a bolsa da Viúva em R$ 28 bilhões desde 2006. Deverão se contentar com mimos menores.

As empresas querem benefícios e prometem investir em tecnologia, mas suas reivindicações acontecem num momento em que a China se arma para liderar o mercado de carros elétricos, coisa que em Pindorama não existe nem em sonho.

Piorando o quadro, os chineses da XEV acabam de apresentar um modelo de veículo popular elétrico cujas peças, salvo o chassi, os vidros e as baterias, são impressas em 3D.

TEMER CANDIDATO
Deve-se retificar a informação segundo a qual Temer não pode deixar que o balão de sua candidatura à reeleição murche, pois se o fizer, não conseguirá que o seu café venha quente.
Dizendo que não é candidato, nem água da pia receberá.

TERCEIRA DENÚNCIA
Há fortes indícios de que, havendo uma terceira denúncia contra Temer, ela não será votada pela Câmara antes da eleição de 7 de outubro. Disso resultará uma situação girafa, pois no dia seguinte existirão novos deputados, a serem empossados em 2019.

A Câmara de hoje, com um mandato caduco, não deveria abrir um processo que poderia afastar um presidente com poucos meses de mandato.

Nessa confusão, a denúncia poderia ficar nas nuvens, perdendo seu efeito letal no dia 1º de janeiro, quando Temer deixará a Presidência.

Pelas regras de hoje, no dia seguinte, ele perde o foro especial.

RECORDAR É VIVER
Os padecimentos do general Eduardo Villas Bôas, que sofre de uma doença degenerativa, parecem ter criado uma situação original. Ela é inédita num regime democrático, mas na ditadura o ministro do Exército, Orlando Geisel, comandou a tropa debilitado por um tifo. Homem magro, perdeu 12 quilos e passou alguns períodos em casa, obrigado a manter repouso absoluto.

A saúde de Orlando Geisel começou a ratear em 1972, com uma sucessão de gripes. Ele tinha um enfisema pulmonar, não se tratava e evitava médicos. No ano seguinte houve dias em que mal tinha forças para comparecer a uma cerimônia militar.

Naquela época ninguém sabia da doença do ministro e quem sabia fingia ignorância.


Luiz Carlos Azedo: Lula, Dirceu e Palocci

O mito fundador do PT foi a ideia de um partido operário que chegasse ao poder pela via eleitoral e fosse capaz de construir uma alternativa socialista com base na democracia. Reuniu em torno de um líder sindical operário, que aparecera na cena política nacional com a eclosão das greves dos metalúrgicos do ABC, em 1982, correntes de esquerda que haviam participado da luta armada, lideranças estudantis, o clero progressista e intelectuais marxistas que divergiam da linha do velho PCB, que aderiu ao reformismo, e sua antiga dissidência stalinista, o PCdoB. A fundação do PT foi viabilizada na brecha aberta pela reforma partidária de João Figueiredo, em 1979, enquanto a fracassada concorrência comunista somente conquistou a legalidade em 1985, em razão da estratégia bem-sucedida de abertura gradual e segura adotada pelos militares para se retirar do poder, cujo nó górdio foi a anistia ampla, mas recíproca, ou seja, dos torturadores aos ex-guerrilheiros.

O sucesso do PT foi garantido pelo ambiente favorável, tanto no plano internacional — o chamado “socialismo real” dava sinais de esgotamento na União Soviética e seus satélites do Leste europeu desde as greves operárias de Gdansk, na Polônia, e o surgimento do Solidariedade —, como no plano interno, com a crise do modelo de “capitalismo de Estado” adotado pelos militares (baseava-se no tripé investimentos estrangeiros, setor produtivo estatal e concentração de capital nacional) e as sucessivas vitórias eleitorais da oposição. O método de construção do PT foi uma inovação: a convivência pluralista entre suas correntes internas, algumas das quais oriundas de antigas organizações trotskistas ou da luta armada. O conceito que serviu de base para a essência do partido e a inspiração de seu nome, porém, não era novo, mas é o que mantém o partido unido até hoje. Tem inspiração no velho Manifesto Comunista de 1848, de Marx e Engels: a ideia do ser operário como “classe geral”, que, ao se libertar, é capaz de libertar todos os explorados e oprimidos da sociedade.

Quando o PT finalmente chegou ao poder, em 2002, a esquerda mundial estava impactada pelo fim da União Soviética e o colapso do socialismo no Leste Europeu. A ofensiva neoliberal comandada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pela primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher havia sido um sucesso. Mesmo nos países onde a social-democracia europeia era hegemônica, houve reformas do “Estado do bem-estar social”. A nova realidade imposta pela terceira revolução industrial era implacável com as velhas ideias de pleno emprego e redistribuição da riqueza pela via do setor produtivo estatal e da seguridade social. Os primeiros sinais de que uma quarta revolução estava se iniciando também não foram devidamente percebidos pela esquerda. Pelo contrário, a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi comemorada como uma espécie de ascensão de um novo Salvador Allende, capaz de liderar uma nação em desenvolvimento no rumo do socialismo democrático. Teve tanta repercussão que o presidente democrata Barack Obama, ao receber a visita de Lula nos Estados Unidos, saudou com entusiasmo a presença do petista na cena mundial: “Esse é o cara!”.

Implosão
A eleição de Lula resultou de seu enorme carisma popular, mas também de uma estratégia eleitoral concebida e comandada por dois quadros do PT que ocupariam lugar de destaque no seu governo: os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda). O primeiro era ex-guerrilheiro; o segundo, ex-militante trotskista da Libelu. Ambos foram responsáveis pela nova clivagem da campanha de 2002, que derrotou o candidato governista José Serra (PSDB), graças à ampliação das alianças do PT em direção às oligarquias políticas articuladas pelo ex-presidente José Sarney e dos grupos empresariais descontentes com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nessa operação, uma mão lavava a outra, ou seja, os grupos empresariais que desejavam se beneficiar das benesses do Estado financiavam os políticos ligados às oligarquias, o que não era nenhuma novidade, pois o PSDB e o DEM também recorriam ao mesmo expediente. A diferença foi a entrada do PT como eixo organizador de todo o sistema, o que nunca havia ocorrido antes. O resto é consequência.

Lula, Dirceu e Palocci estão muito enrolados na Operação Lava-Jato, assim como Aécio Neves e Eduardo Azeredo, do PSDB. Mesmo o presidente Michel Temer, que assumiu o poder como o impeachment de Dilma Rousseff, padece na crise ética, como outros caciques do PMDB, PP, DEM etc. Entretanto, Lula é o único cuja liderança ainda não foi parar no fundo do poço. A explicação para isso é a resiliência de seu partido, que preserva o seu velho mito fundador como ideia-força. As injustiças sociais e desigualdades no Brasil também realimentam essa crença na base social do PT, enquanto seus intelectuais e artistas ainda acreditam na existência de uma “classe geral”, mesmo que o “ser operário” como materialização dessa tese esteja em extinção. José Dirceu acredita na energia que isso ainda desperta e na possibilidade de o PT voltar ao poder, por isso, admite mofar na prisão; Palocci, não, ao fazer sua delação premiada, para se livrar da cadeia, se dispôs a implodir o que restou do partido como encarnação desse mito fundador.


André Singer: Esquerda deve unir forças para plantar as sementes da transformação

Conversa ocorrida entre Ciro Gomes e Fernando Haddad deveria ser encarada como positiva

Enquanto o noticiário continua a girar em torno de acusações, processos e depoimentos, os setores interessados na mudança da sociedade têm obrigação de apresentar uma proposta séria e organizada para tirar o país do buraco.

Para tanto, é indispensável construir uma plataforma a ser submetida ao eleitorado em outubro. Não se trata somente de competir com chances de ganhar, mas de plantar as sementes da transformação futura.

A conversa ocorrida entre Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), na última segunda (23), deveria ser encarada como positiva, caso avance.

É claro que outros personagens do mesmo campo, como Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B), precisariam ser incorporados ao diálogo, na hipótese de se pensar um programa comum, e não apenas em arranjos de ocasião.

Por maiores que sejam as diferenças entre os citados personagens, todos fazem parte do arco que se opõe ao atual estado de coisas. Os seus partidos e, aliás, também o PSB, formalizaram uma frente pela democracia na Câmara dez dias atrás.

Para visualizar a necessidade absoluta de juntar forças, basta pensar no desafio representado pelo teto do gasto público que o governo Temer conseguiu impingir ao país.

Sem revogá-lo, dificilmente vai se encontrar um meio de fazer o Brasil voltar a crescer e retomar o combate à pobreza. Mas para reunir a maioria necessária no Congresso será indispensável somar muitas correntes e isolar os que desejam preservar a desigualdade.

Um dos segredos do sucesso representado pelo PT na história brasileira residiu na capacidade de Lula reger uma pluralidade de posições no interior do partido. Foi a tolerância dele que permitiu a todos seguirem sob o mesmo guarda-chuva. O PSOL foi a única divisão de maior peso em quase quatro décadas e, mesmo assim, esteve junto na hora extrema da prisão em São Bernardo.

Com Lula preso, a tarefa de unificar a área popular se complica. José Dirceu, que se revelou, mais uma vez, bom analista, advertiu na entrevista a Mônica Bergamo que se Lula não for mantido como candidato até agosto, o PT se dividirá em “quatro ou cinco facções”.

Em outras palavras, a ameaça de fragmentação existe dentro do próprio petismo, quem dirá fora dele. Mas política consiste em reunir aqueles que, espontaneamente, jamais se sentariam à mesma mesa.

Embora acompanhe o processo à distância, o cidadão médio intui a dificuldade envolvida na retomada de um ciclo favorável às massas. Não obstante, o espaço eleitoral à esquerda existe, devido ao sofrimento que a orientação em curso impõe aos trabalhadores.

Será que as agremiações existentes estarão à altura do desafio de preenchê-lo?

* André Singer, cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.


Palocci

Merval Pereira: A hora de Palocci

A delação premiada do ex-ministro de Lula e Dilma Antonio Palocci parece ser uma bomba de efeito seletivo, e por isso os procuradores de Curitiba não a aceitaram. Mas a Polícia Federal considerou que a seleção — que, por exemplo, evita acusações a pessoas com foro privilegiado — não invalidava as outras denúncias, e agora caberá ao juiz Sergio Moro decidir se homologa ou não o depoimento.

Um dos principais focos dos procuradores eram as contas que o PT teria escondido em paraísos fiscais, e não está claro se Palocci conseguiu provar a sua existência. Emílio Odebrecht e seu filho Marcelo declararam a Moro que era Palocci quem manejava a conta “amigo”, que se referia ao ex-presidente Lula. E que muitas vezes Palocci fazia saques em nome do presidente.

A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é o que de pior poderia acontecer na perspectiva de quem espera que as investigações sobre corrupção no Brasil levem a uma mudança no cenário político nacional.

Mas é tudo o que esperam os que desejam “estancar a sangria”, um desentendimento sobre procedimentos e interpretações que permita desacreditar as delações premiadas e, em decorrência, impossibilite utilizá-las como base para investigações mais aprofundadas.

Na visão da Polícia Federal, por exemplo, acusados de obstrução da Justiça, os políticos são liberados, pois as conversas são vistas apenas como desejos e intenções de políticos dentro de suas atividades parlamentares e similares, nada havendo de criminoso nelas. Os procuradores de Curitiba têm outro entendimento do assunto.

Como os casos de que tratam as investigações da Lava-Jato são complexos e de difícil elucidação, é necessário que os órgãos investigadores trabalhem em conjunto de maneira harmônica, e acreditando que os indícios levarão às provas. Se houver uma disputa como a que já ocorreu entre a Polícia Federal e o Ministério Público e parece estar recomeçando agora com o caso de Palocci, as brigas por espaço aumentarão, cada instituição querendo reduzir a importância da outra, e os beneficiados serão os denunciados.

Sempre houve, por parte do Ministério da Justiça, a tentativa de controlar as investigações, e no governo Temer essa tendência consolidou-se. Desta vez é a Polícia Federal que está à frente da delação que pode ser a mais importante de todas, e o Ministério Público quer exigir mais revelações. Mas Palocci já adiantou temas que não podem estar fora de sua delação, quando, em depoimento ao juiz Sergio Moro, ofereceu-se para fazer a delação premiada.

A reunião que Lula teria tido com o presidente da Odebrecht, da qual teria participado a presidente eleita Dilma para acertar a continuidade do relacionamento especial do governo petista, foi confirmada pelo ex-presidente, que, no entanto, minimizou sua importância, dizendo que não durou nem dez minutos.

Mas pela agenda que Palocci apresentou aos procuradores, no entanto, a reunião foi detalhadíssima, com diversos assuntos elencados, inclusive um item principal: o histórico da parceria. Também “disponibilizaram” apoio no Congresso; fizeram uma exposição sobre a atuação no exterior alinhada com a geopolítica brasileira, ou seja, financiamentos aos governos bolivarianos com o mesmo esquema feito no Brasil, com obras superfaturadas que estão sendo investigadas na América Latina e já levaram à prisão vários presidentes desses países.

Com Lula, houve uma agenda à parte, em que constava o estádio do Corinthians, obras no sítio (de Atibaia), primeira palestra em Angola e Instituto (Lula). É o “pacote de propina” a que aludiu Palocci, registrado na agenda oficial da Presidência, e que certamente foi destrinchado em sua delação.

Em nota divulgada ontem, a ex-presidente Dilma Rousseff diz que “o senhor Antonio Palocci” mente e, ao comentar a notícia de que o ex-ministro assinou acordo de delação, negou ter participado de tal reunião. No depoimento ao juiz Sergio Moro, o ex-ministro Antonio Palocci afirmou, com imagens fortes para impressionar, que Lula fez um “pacto de sangue” com o presidente da empreiteira, no qual a Odebrecht se comprometeu a pagar R$ 300 milhões em propinas ao PT entre o final do governo do petista e os primeiros anos do governo de sua sucessora.

Há também a afirmação, nas primeiras tratativas para a delação premiada de que o ex-ditador líbio Muamar Kadafi enviou ao Brasil, “secretamente”, US$ 1 milhão para financiar a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.


Eliane Cantanhêde: Ataques em série

Intenção é favorecer Lula e esvaziar Moro, ou favorecer todos e esvaziar a Lava Jato?

A Lava Jato enfrenta três ataques frontais: a pressão para revogar a prisão após condenação em segunda instância, a autorização do Supremo para o senador cassado Demóstenes Torres ser candidato em outubro e, agora, a retirada de trechos das delações da Odebrecht da mesa do juiz Sérgio Moro. Aí tem!

São três frentes e três ministros da Segunda Turma do Supremo, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, com um aliado atuante na Primeira Turma, Marco Aurélio Mello, que decidiu matar no peito a prisão em segunda instância.

A nova jogada, envolvendo os trechos sobre o ex-presidente Lula nas delações da Odebrecht, gerou perplexidade e uma única certeza até no próprio Supremo: há uma trama não apenas para favorecer Lula e esvaziar Moro, mas para favorecer os demais peixes graúdos fisgados e esvaziar a própria Lava Jato. Só por isso, Gilmar, Lewandowski e Toffoli teriam mudado o voto dado em outubro de 2017.

A partir dessa certeza, acumulam-se dúvidas sobre qual a amplitude da decisão e quais serão os próximos passos. Um ministro do Supremo chegou a encomendar parecer de auxiliares para tentar desvendar o mistério e não ser surpreendido mais adiante.

Até agora, há esforço para tentar minimizar a decisão da Segunda Turma, alegando que foi uma “mera formalidade” e que Moro continua com os inquéritos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, podendo até pedir o compartilhamento de provas (como as delações da Odebrecht), se julgar necessário.

Não é tão simples. Se fosse, os três ministros não mudariam o voto de poucos meses antes, nem passariam por cima de uma constatação óbvia para juristas e leigos: as delações da Odebrecht tratam didática e diretamente das relações triangulares entre Lula, a empreiteira e a Petrobrás. Logo, são parte inquestionável da Lava Jato, que está sob a jurisdição de Moro.

Isso é tão óbvio quanto a importância da prisão em segunda instância no combate à impunidade. Ou quanto a irrelevância das revisões no STF e no STJ de julgamentos em tribunais regionais – como, aliás, mostrou o ministro Luís Roberto Barroso com números contundentes. Apesar disso, persistem as tentativas de retrocesso no Supremo e também no Congresso.

E o que dizer da decisão de Toffoli, em liminar, e depois da Segunda Turma, em julgamento, autorizando a candidatura de Demóstenes apesar da cassação pelo Senado? Ou melhor, depois de tudo? Uma ironia que se faz em Brasília é que Toffoli não decidiu assim por morrer de amores por Demóstenes, mas talvez por morrer de amores por outro personagem: Lula, que, hoje, está preso em Curitiba e tecnicamente inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Não custa lembrar que, num mesmo dia, a terça-feira passada, Gilmar admitiu de manhã em São Paulo, em tese, a possibilidade de redução da pena de Lula; à tarde, chegou esbaforido ao STF para votar pelo envio das delações da Odebrecht sobre Lula para a Justiça paulista; à noite, foi se encontrar com o presidente Michel Temer no Palácio Jaburu. A ironia, no caso de Gilmar, é que ele não fez tudo isso por amor a Lula nem por algum personagem específico, mas por vários deles. Além de fazer também por rigor na interpretação da lei, que ninguém lhe nega.

Agora, tenta-se adivinhar os próximos movimentos de Toffoli, Lewandowski e Gilmar na Segunda Turma e de Marco Aurélio correndo por fora, mas com o Ministério Público na cola e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, compartilhando a perplexidade geral e as desconfianças que assolam Brasília.

Meio de brincadeira, meio como provocação: a delação de Antonio Palocci também não tem nada a ver com a Lava Jato? E será retirada de Sérgio Moro? Tudo parece possível.


Roberto Freire: Sobre pesquisas. As chances do centro democrático

As pesquisas publicadas na imprensa são deturpadas pelas chamadas, que visam, obviamente, vender jornal.

“Fulano tem 20% das intenções de voto”, é comum algo do gênero.

Na verdade, as intenções de voto são divulgadas sobre o montante dos que votaram, não da totalidade dos pesquisados.

10 entre 10 pesquisas seriamente realizadas apontam o fato de que cerca de 65% do eleitorado não têm candidato.

Mesmo entre o percentual reduzido (entre 30% e 35%) dos que foram levados a declarar voto (uma pequena parte dos pesquisados apresentou espontaneamente seus candidatos), seria uma estupidez inferir que esse quadro representa o que acontecerá no dia 7 de outubro vindouro.

Não estamos nem no pré-jogo, para usar uma linguagem futebolista. No máximo, os elencos estão em montagem.

O pré-jogo começará quando a campanha for para as ruas, na segunda metade de agosto. O jogo, somente nas duas, três semanas prévias ao pleito, quando a população começar a conversar, entre si, pela definição do que fará na urna eletrônica.

Teremos dezenas de milhares de candidatos a vereador (isso mesmo, eles já começam a se mexer em 2018 com o olhar em 2020), deputados-estaduais, deputados-federais, senadores, governadores e a Presidência da República em marcha, na mídia eletrônica, nas redes sociais e nos logradouros dos mais de 5.500 municípios brasileiros.

Contam tempo de televisão, alianças, capilaridade, propostas, debates, corpo a corpo, recursos financeiros, aliás, como sempre.

O que as pesquisas revelam, e isso tem pouca repercussão para vender jornal e para dar chamadas nos noticiários, é que o eleitorado, em sua maioria, quase dois terços, está farto da polarização e quer ver propostas sobre a melhoria de suas condições de vida, notadamente na saúde e na educação.

A ficha-limpa e o combate à corrupção são condições básicas que o eleitorado exige dos candidatos, segundo todas as pesquisas.

Lula está fora do jogo eleitoral, diretamente, e seu poder de transferência de votos é apenas uma possibilidade, não uma certeza.

As pesquisas, aliás, dizem que, com Lula fora das eleições, seus votos potencias migram em todas as direções e, na maioria, sobem no muro.

Bolsonaro vive da retroalimentação com Lula.

Dificilmente suas intenções de voto permanecerão nos atuais patamares, quando o pré-jogo e o jogo começarem, logo depois da Copa do Mundo. Muito provavelmente sofrerá desidratação severa. A extrema-direita, como também a extrema-esquerda, são pouco expressivas no Brasil, apesar de barulhentas, sobretudo nas redes sociais.

A hora é de apostarmos na unificação do centro democrático e na explicitação das grandes propostas mudancistas e reformistas para o Brasil. Precisamos virar a página e começar a discutir programas e propostas de governo.

O mais, sobre as pesquisas, é especulação, é videogame.


O Globo: Palocci compromete Lula e Dilma em depoimentos já feitos à PF

Em delação, ex-ministro narra relação do partido com as empresas investigadas na Lava-Jato

Por Jailton de Carvalho e Robson Bonin, do O Globo

O acordo de delação premiada assinado pelo ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal, revelado ontem pelo GLOBO, é uma reunião de fatos que envolvem, em grande parte, o esquema de arrecadação do PT com empreiteiras citadas na Lava-Jato e a atuação dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff nos crimes apurados pela operação. Por se tratar de uma colaboração negociada na primeira instância, os temas abordados pelo ex-ministro dizem respeito a fatos investigados — ou passíveis de investigação — pela 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sergio Moro, que terá o papel de homologar o acordo.

Palocci está preso em Curitiba desde setembro de 2016. Ele foi condenado por Moro a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Nas últimas semanas, além de fixar as bases dos benefícios concedidos ao ex-ministro — ainda sob sigilo —, os investigadores concluíram a fase de depoimentos. O acordo estaria na fase de homologação por Moro, o que deve acontecer em até duas semanas.

O GLOBO apurou ontem que boa parte das histórias abordadas por Palocci — que ainda poderão ser detalhadas no curso das investigações — reconstitui o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como Lula e Dilma se envolveram nas tratativas que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões aos cofres da estatal, segundo estimativa da própria PF. Durante o processo de delação, Palocci também poderá apresentar anexos suplementares com novos casos considerados relevantes pelos investigadores.

Lula e Dilma negam acusações
Ao falar de Lula, Palocci detalhou ocasiões em que foi pessoalmente levar pacotes de dinheiro vivo ao ex-presidente e relacionou datas e valores entregues por um de seus principais assessores, Branislav Kontic, na sede do Instituto Lula. Segundo Palocci, os pagamentos a Lula, feitos nos últimos meses de 2010, quando ele se preparava para deixar o Planalto, chegavam a somar R$ 50 mil. Dinheiro que seria usado pelo ex-presidente para bancar despesas pessoais.

Na ocasião das entregas, relata o ex-ministro, ele e Lula combinavam o local de encontro para o pagamento. Como o ex-ministro não dirigia o próprio carro, costumava levar um auxiliar ao volante que agora, na delação, poderá ser chamado a testemunhar sobre o caso. Além do assessor, cuja identidade é mantida em sigilo, Palocci listou datas e horários das entregas de dinheiro a Lula como parte do conteúdo probatório. A partir dessas informações, investigadores teriam condições de atestar encontros, por meio de ligações telefônicas entre Lula e Palocci, e pela posição dos aparelhos celulares no mapa de antenas.

Ao falar da relação de Lula com empreiteiras, o ex-ministro disse que parte do dinheiro entregue nas mãos do ex-presidente e na sede do instituto teria saído diretamente da “conta Amigo”, a reserva de propina atribuída ao petista no Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht. Já ao citar Dilma, Palocci afirmou aos investigadores que ela teria atuado para atrapalhar as investigações da Lava-Jato no episódio da nomeação de Lula para ministro da Casa Civil, em março de 2016.

Conversa no Planalto
O ex-ministro narrou ainda pelo menos uma conversa com Lula no Palácio do Planalto na qual teria tratado do esquema envolvendo a construção de sondas para exploração de petróleo em águas profundas. O objetivo da negociação, feita na presença de Dilma, seria levantar dinheiro para bancar a eleição da ex-presidente, em 2010.

Em nota divulgada ontem, Dilma afirmou que “o ex-ministro mente para sair da cadeia e não tem provas para sustentar acusações a ela ou Lula”.

Advogado de Lula, Cristiano Zanin negou envolvimento de seu cliente nos fatos narrados:

— Qualquer afirmação de entrega de dinheiro ao ex-presidente Lula é mentirosa e, por isso mesmo, desacompanhada de qualquer prova. Lula jamais pediu ou recebeu vantagens indevidas.

Em nota, o PT afirmou que Palocci “rendeu-se às chantagens da Lava-Jato” e faz “falsas acusações” contra Lula para receber benefícios.

Além de detalhar os casos de corrupção dos quais participou ou teve conhecimento, o ex-ministro terá de apresentar provas do que diz. Se mentir ou quebrar algumas das cláusulas firmadas, poderá perder os benefícios negociados. Não está claro se Palocci irá apresentar anexos tratando dos casos de corrupção envolvendo clientes de sua consultoria, a Projeto. Também não há sinal de que ele irá citar casos que estão fora da jurisdição de Moro, como o caso dos pagamentos de propina pela J&F ao PT e fatos relacionados a antigas campanhas eleitorais do partido.

Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. O PT sempre negou irregularidades nas doações de campanha do partido.


Merval Pereira: Decisão limitada

País discute se é necessária uma contrapartida para corrupção. Em recente seminário promovido pela Universidade Harvard, em Boston, numa mesa em que se discutiam os crimes de colarinho branco, alguém da plateia perguntou qual é o meio termo entre a exigência muito estrita de uma contrapartida específica para a corrupção, e uma leitura tão ampla que possa levar à criminalização da política.

Nancy Kestenbaum, ex-procuradora da República e atualmente advogada de uma grande banca, que estava na mesa com o juiz Sergio Moro, respondeu que a regra da contrapartida (quiproquó) é aplicada estritamente nos Estados Unidos, mas em alguns casos, quando não há uma contrapartida evidente, eles aplicam o chamado teste do but if, (mas, se), isto é, o corruptor não daria um presente (no nosso caso, o tríplex do Guarujá), por generosidade, ou por deferência a um ex-presidente, como no caso do sítio de Atibaia.

A vantagem indevida se caracterizaria em casos como esses, que não foram citados especificamente em Harvard. O juiz Moro explicou que muitas vezes essa contrapartida não está clara, o dinheiro não teria que sair no mesmo momento dos cofres públicos (no nosso caso, a Petrobras) para pagar a propina diretamente.

É justamente o que está em discussão hoje no país, com a decisão da Segunda Turma do STF de mandar para a Justiça de São Paulo partes da delação de executivos da Odebrecht, sob a alegação de que não têm ligação com a corrupção na Petrobras.

O que muitos viram como o embrião de uma ação mais ampla da defesa de Lula para reafirmar a incompetência do juiz Sergio Moro em vários processos, tentando até mesmo a anulação do julgamento que condenou o ex-presidente em primeira e segunda instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá.

No entanto, ontem, ficou esclarecido, tanto no voto vencido do ministro Edson Fachin, como no voto vencedor do ministro Dias Toffoli, que a decisão não firmou, em caráter definitivo, a competência do juízo da Justiça de São Paulo, e nem promoveu alteração de competência de eventual investigação ou ação penal que já tramita em qualquer dos juízos.

A decisão também não impede pedido de compartilhamento dos depoimentos e respectivos anexos entre os juízes, como o próprio Sergio Moro. Também os procuradores da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato enviaram a Moro um documento em que rebatem argumentos da maioria da Segunda Turma e reafirmam que as investigações continuarão sem prejuízo.

A referência à “investigação embrionária” no voto de Dias Toffoli é rebatida pelos procuradores, que afirmam ser “fato notório” que houve uma larga e profunda investigação conduzida sobre os fatos envolvendo o sítio de Atibaia, que culminou no ajuizamento e já processamento avançado da ação penal.

Eles reafirmam “a existência de investigações e ações penais relacionadas a benefícios indevidos em favor do ex-presidente Lula” e argumentam que os que fizeram delação premiada estabelecem a ligação das vantagens indevidas, por parte do Grupo Odebrecht, à obtenção de benefícios em detrimento da Petrobras.

Essa relação de conexidade, negada por Dias Toffoli, torna-se ainda mais evidente, dizem os procuradores, em razão do processamento de ações penais por fatos análogos. A vinculação dos fatos com propinas pagas no âmbito da Petrobras, afirmam os procuradores, decorre de um amplo conjunto de provas, entre elas documentos, perícias, testemunhas e depoimentos dos colaboradores inseridos nos autos das investigações e ações penais que tramitam no Juízo de Curitiba.

Eles ressaltam que essas provas foram, em grande parte, colhidas muito antes da colaboração da Odebrecht, demonstrando que havia um caixa geral para pagamento de propinas abastecido com dinheiro proveniente de, entre outros, dos crimes de cartel, fraude a licitações e corrupção de diversos contratos das empreiteiras com a Petrobras.