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Ascânio Seleme: Dos arcos da velha Lapa
O Festival Lula Livre foi uma típica mobilização de campanha dos anos 1980/90
Foi bonita a festa, pá. E foi eclética. Presentes estrelas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Beth Carvalho. Ou desconhecidos como Dorina, Imira Tayguara e Manno Góes. Teve Odair José, Sérgio Ricardo e Jards Macalé. Mas teve também Tizumba, Alba Mariah e Aíla. Cada um cantou duas ou três músicas. Muitos falaram. Todos pediram a libertação de Lula. Participaram também artistas como Fábio Assunção e Lucélia Santos. Ou como a pernambucana Pally Siqueira. Foram mais de sete horas de show.
O Festival Lula Livre, realizado na semana passada nos Arcos da Lapa, foi uma típica mobilização de campanha eleitoral dos anos 1980/90. A festa foi alegre, as pessoas estavam entusiasmadas, o espetáculo era de regozijo coletivo. Não dava para dizer que se tratava de um ato contra a prisão de Lula por corrupção. Parecia a celebração de uma vitória. Apenas os discursos mostravam a razão do encontro. Lembrando que “quando você reza por chuva, tem que saber lidar com a lama também” (*), vale a pena ler o que foi dito.
Ana Cañas. A cantora foi um dos primeiros artistas a se apresentar e deu logo o grito de guerra: “Lula livre, porra!”. Bons modos à parte, mais tarde ela foi corroborada pelo cubano Bruno Arias: “Lula libre, carajo!”
Taciana Barros. Alguns exageraram no contexto, como Taciana Barros, cantora da extinta banda Gang 90 que produziu uma frase que parecia piada, mas se pretendia séria: “Sou a comissária de bordo e venho anunciar que o golpe está caindo”.
Lucélia Santos leu a convocatória para o ato. Este é “um gesto de solidariedade, um gesto de exigência para que se respeite a Justiça”. Mas não era justamente para desrespeitar a Justiça que todos estavam ali reunidos? Ela seguiu afirmando que o julgamento de Lula “na primeira instância foi um erro judicial sem limites (...) o mesmo se deu na segunda instância com a complacência de todas as demais instâncias”. Mais tarde, Lucélia improvisou: “O Brasil corre o risco de uma fragilidade democrática muito grande”.
Antônio Pitanga. O ator garantiu que não é dessas pessoas “que dizem ser povo, mas que não são, que têm as mão sujas de sangue”. E atacou: “Vejam o preço da cenoura, do abacate, da laranja. O Brasil está de quatro para o FMI”. Pitanga só não falou de alhos e bugalhos.
Gabriel Moura. Segundo o cantor, a culpa da prisão de Lula é de um certo “Al Capone de Atibaia”. Poucos entenderam porque a referência a Atibaia, já que o que estava em questão era o tríplex, não o sítio, que ainda não resultou em sentença.
Fábio Assunção afirmou que o ato significava “essa resistência, essa marcação de território, de dizer que a gente está em movimento, em atividade”. O ator acrescentou que é importante para o artista se comunicar com o público, com as pessoas ali presentes. “É uma reunião de várias figuras que estão aqui, intelectuais, escritores, jornalistas, profissionais liberais, enfim, é uma grande reunião de muita gente”. Verdade, havia mais de 50 mil presentes.
Odair José. Vindo de um tempo remotíssimo, o cantor brega foi um dos mais claros. “A gente não pode permitir que o presente leve o futuro para o passado”.
Gilberto Gil. O grande artista falou ao final do show para o canal do PT no YouTube. “A vida democrática exige diálogo permanente, muitas vezes áspero entre os vários conjuntos de valores da vida democrática, outras ameno. Este é um momento que tem as duas coisas, a música, a solidariedade humana pelo lado do afeto a quem devemos muito e de quem gostamos. E também pela aspereza natural desse confronto entre as forças da progressão e as forças do atraso”.
Chico Buarque. Na mesma entrevista, a estrela mais aguardada da festa concluiu: “Faço minhas as palavras do Gil. Ele disse tudo o que penso”.
(*) Frase de Robert McCall, personagem de Denzel Washington em The Equalizer
Tudo que seu mestre mandar
O chefe da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público, o procurador Deltan Dallagnol, postou mensagem no seu Twitter afirmando que “voto branco e nulo não funcionam como protesto”. E fez um vídeo explicativo. Com todo respeito ao procurador e ao trabalho do MP no combate à corrupção, o post foi um evidente exagero. Daqui a pouco o mestre procurador vai querer ensinar o brasileiro a votar. Manda logo o número do candidato para a gente sufragar, Deltan.
Competência ou crise
O número de brasileiros aptos a votar no exterior cresceu 41,3% de 2014 para cá. Segundo o TSE, que divulgou o novo perfil do eleitorado brasileiro, isso é resultado do esforço da Justiça Eleitoral e do Itamaraty em cadastrar os eleitores. Pode ser. Pode ser também um sinal de como a crise afugenta brasileiros do Brasil.
Contendo o Ciro
Foi evidente o esforço do pré-candidato Ciro Gomes para não perder a linha durante a entrevista que deu para a GloboNews. Ele mesmo admitiu que se comprometeu com seus assessores a não perder a cabeça durante a conversa. Foi duro, mas ele conseguiu. Numa campanha eleitoral os candidatos escondem mesmo seus pontos fracos. Resta saber se ele fará esse esforço durante seu governo, no caso de ser eleito, claro.
Ódio à política
Chico Alencar, candidato ao Senado no Rio, escreve para dizer que o PSOL vai denunciar na campanha os esquemas da velha política, dos conchavos e das alianças que têm a marca do cinismo e da hipocrisia. Chico lembrou Cazuza: “Ideologia, eu quero uma pra viver”.
Frio na careca
O senador José Serra passou alguns dias em Buenos Aires para aproveitar o inverno portenho. De tênis e bem à vontade, ele se encontrou com o ministro Raul Jungmann na chancelaria brasileira. E foi logo reclamando que perdeu o seu gorro. “Velho e careca com esse frio não dá”, disse Serra a Jungmann, que saía para dar uma volta na Calle Florida. “Aproveita e compra um gorrinho pra mim”, pediu Serra. Não foi possível saber se o ministro atendeu o senador.
O aloprado da semana
Impossível outorgar a outro que não a Emir Sader. Irritado, como sempre, Sader brindou seus cem mil seguidores do Twitter com uma pérola do machismo contra a procurador-geral da República. “Dodge leva o Prêmio Magda do mês: Calada!”, escreveu o sociólogo. Quer dizer, se não fala a nossa língua é melhor ficar muda.
El País: A ala do PT que defende o ‘tudo ou nada’ para levar a candidatura de Lula até o fim
Avaliação de petistas é que recursos ao Supremo não teriam como ser analisados antes de data limite para substituição. Partido deve formalizar nome de ex-presidente neste sábado
Por Ricardo Della Coletta, do El País
Os aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que usarão todos os recursos na Justiça para garantir que o petista participe das eleições neste ano, mas, caso insistam nessa estratégia, o país pode enfrentar uma situação inédita —e cheia de incertezas— no pleito de outubro: o líder nas pesquisas de opinião com uma candidatura com o risco de ser impugnado no meio (ou mesmo depois) do processo eleitoral. Embora alguns petistas avaliem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) vão correr contra o tempo para indeferir a candidatura de Lula antes de 17 de setembro, a data limite para a troca de candidato, os prazos apertados que a Justiça Eleitoral terá para analisar o processo e a possibilidade de apresentar recursos ao STF fazem com que a hipótese de não substituir Lula seja debatida dentro do PT.
"Dependendo das condições, sim, é muito possível [manter a candidatura de Lula sub judice]", afirmou ao EL PAÍS a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. A senadora deve presidir neste sábado a convenção do partido que prevê formalizar o petista como candidato ainda que sem nome de vice, em mais uma estratégia para ganhar tempo. O segundo da chapa, disse Gleisi, só seria anunciado no dia 14 e ela fez questão de repetir que o Ciro Gomes seria um bom nome para o posto. "Se for verdade que Lula será candidato, conversemos; se não for, por favor, Brasil: muita calma nessa hora! Nosso país não aguentará outra aposta no escuro", retrucou o pedetista em carta aberta na qual disse que "até as pedras" sabem que Lula, que está preso desde abril devido a uma condenação em segunda instância por corrupção que o enquadra na Lei da Ficha Limpa, será impedido.
A tese da candidatura sub judice ganha eco na ala mais radical do PT, que acredita que a solução drástica —não trocar a candidatura de Lula no dia 17 de setembro caso ele ainda possa apresentar recursos ao Supremo— seria uma forma de reforçar ainda mais o discurso de que a sigla e o ex-presidente estariam tendo seus direitos desrespeitados. Além do mais, a meta desse grupo é tentar garantir que, mesmo com o registro negado, o nome de Lula apareça na urna eletrônica. Com 33% das intenções de voto, segundo o último levantamento Ibope, tudo indica que o petista teria uma votação expressiva, o que deixaria o Supremo contra a parede: afinal, os juízes anulariam os votos dados a Lula, um candidato que poderia muito bem liderar o primeiro turno? "Ninguém na condição em que está o Lula hoje deixou de ser candidato", afirma o senador Lindbergh Farias, líder do PT no Senado. "Qualquer decisão definitiva no STF só ocorrerá depois das eleições. Então vai surgir a seguinte questão: não será o candidato Lula que estará sendo julgado, mas o presidente eleito", complementa o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta.
Encruzilhada
Mas como esse cenário seria possível? Caso o TSE e o Supremo indeferirem em definitivo o pedido de candidatura de Lula até 17 de setembro, não há mais o que discutir. A única opção do PT seria ungir um candidato alternativo e esperar que a popularidade de Lula transfira votos ao escolhido (o nome mais especulado hoje em dia é o do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad). Mas a coisa se complica se, devido a eventuais recursos no STF, uma decisão em definitivo da última instância do Judiciário não ocorra antes desse prazo.
Dessa forma, se a peleja jurídica se estender, o partido vai se deparar com uma encruzilhada em 17 de setembro: caso insistam numa disputa judicial "até o fim", a sigla não poderá mais substituir seu representante, mesmo se o STF vier a bloquear a candidatura de Lula depois disso. Haveria dois caminhos a seguir. Abrir mão de eventuais recursos que ainda poderiam beneficiar o ex-presidente na Suprema Corte e lançar um substituto no pleito ou redobrar a aposta no líder petista, numa espécie de "tudo ou nada" eleitoral. É uma aposta de alto risco. Segundo explica um ex-ministro do TSE, que falou sob condição de anonimato, no caso de uma impugnação após 17 de setembro o PT ficaria sem candidato e — se não houver tempo hábil para retirar o seu nome da urna — os votos dados a Lula seriam anulados. Mesmo assim há quem defenda esse caminho dentro do PT.
"É uma coisa que nós só saberemos nos dias 15 e 16 de setembro. Nós não adiantamos essa discussão, por isso que a gente tem insistido tanto que não tem plano B", contemporiza Gleisi, presidenta do PT. "Nós não temos essa clareza: se vamos substituir [o Lula] ou se vamos continuar sub judice. Vai depender muito do desempenho da disputa jurídica no Tribunal Superior Eleitoral. Nós temos argumentos fortes, o presidente tem aí recursos muito plausíveis e a jurisprudência eleitoral nos faz acreditar que é possível disputar uma eleição sub judice e levantar a elegibilidade", complementa.
O precedente que mais se parece ao cenário do "tudo ou nada" defendido pela ala mais radical do PT ocorreu em 2006, quando Rui Costa Pimenta, então candidato pelo Partido da Causa Operária, disputou o Palácio do Planalto. O Tribunal Superior Eleitoral negou seu registro por problemas na prestação de contas de pleitos anteriores, mas Pimenta recorreu ao STF e seu nome apareceu na urna eletrônica. O caso dele só foi resolvido pelo Supremo em 25 de outubro daquele ano, mais de 20 dias depois do primeiro turno. A candidatura foi considerada irregular e os votos depositados em Pimenta, anulados. Uma questão pequena já que o postulante em questão era de uma legenda nanica e teve poucos votos. Quando se pensa nessa hipótese com o nome de Lula na urna, o problema se torna significativamente maior.
Pelas declarações mais recentes de membros do Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, a indicação é que o caso Lula será analisado de forma célere. O presidente do TSE, ministro Luiz Fux, argumentou recentemente que o petista está numa situação de "inelegibilidade chapada". Ministros do tribunal dizem reservadamente que a tendência é que a Corte julgue o processo do ex-presidente até 31 de agosto, portanto antes do início do horário eleitoral gratuito. Em outra frente, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, afirmou na semana passada que o Ministério Público vai pedir o ressarcimento dos recursos públicos usados por partidos políticos nas campanhas de políticos inelegíveis.
Divergência
Apesar de Gleisi afirmar que esse assunto só será tratado às vésperas do prazo limite para a troca de candidato, o tema já gera discussões internas dentro do PT. Um grupo de petistas mais moderados acredita que manter a candidatura sub judice mesmo depois da determinação da corte eleitoral seria uma espécie de plano suicida, com consequências imprevisíveis para o partido e para as próprias eleições. Um parlamentar ouvido reservadamente disse, por exemplo, que o ideal seria considerar a decisão do TSE como a linha definitiva para a troca de candidato.
De qualquer forma, o caminho que será seguido depende — como tudo no PT — da estratégia traçada pelo próprio ex-presidente Lula. Quem o visita na carceragem em Curitiba garante que ele está determinado a manter a sua candidatura até as últimas consequências, mas alguns interlocutores do petista acreditam que o plano é esticar o discurso de que não há plano B pelo máximo de tempo possível — se conseguirem até o dia 17 de setembro, melhor. O cálculo é que quanto mais próximo das eleições, mais chances o substituto terá de herdar o eleitorado que votaria no ex-presidente. Apostar numa candidatura com risco de ser anulada durante ou depois do pleito, dizem, seria igual a abdicar das possibilidades de um petista chegar ao segundo turno das eleições.
Roberto Freire: Ultraje a Nelson Mandela
“Free Mandela” foi uma palavra-de-ordem que correu o mundo.
O significado era duplo: liberdade para o líder sul-africano e ao mesmo tempo “libertemos Mandela”, um imperativo de consciência.
Lula – com a concordância de muitos lulopetistas – anda se comparando ao ex-presidente da unificada África do Sul.
Seus apoiadores mais empedernidos lançaram a campanha “Lula livre”, mirada no que aconteceu ao ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1993.
Mandela foi preso pela intolerância do apatheid; Lula é só um preso comum, por corrupção.
Mandela foi encarcerado em decorrência de sua luta contra o apartheid na África do Sul. Lula, por chefiar a corrupção sistêmica nos governos lulopetistas e por dela se beneficiar pessoalmente, segundo o entendimento da 13ª Vara Federal de Curitiba e do Tribunal Federal Regional da 4ª Região, de Porto Alegre. E não cabem mais recursos no mérito do julgamento, mas apenas na ritualística do processo do Triplex do Guarujá.
Mandela liderou o Congresso Nacional Africano – CNA – na época da segregação racial e da supremacia branca na África do Sul. Lutou pela universalização dos direitos civis em seu país.
Os crimes pelos quais Lula começou a cumprir pena aconteceram quando o Brasil vivia o Estado Democrático de Direito, no maior período da história do Brasil sob o império da democracia.
Mandela, encarcerado, manteve a luta contra o apartheid por 27 anos e comandou a transição para uma democracia, em que foi vitoriosa a bandeira “um homem, um voto”.
Lula tenta politizar sua condição de preso comum, como se sua liderança popular e realizações de seus governos lhe outorgassem passaporte para a impunidade.
Os crimes de que Mandela foi acusado – pleitear a igualdade jurídica entre todos os habitantes de seu país – o fizeram tornar-se uma personalidade mundial, reconhecida em todas as latitudes, como um herói da luta pelos direitos humanos.
Os crimes de que Lula é acusado foram, são e serão crimes em qualquer quadrante do Planeta. Não há um só país que aceite a corrupção como sistema de construção de alianças políticas e de obtenção de vantagens pessoais. Não há país que, em sua legislação, autorize chefes de governo a liderar o saque a recursos públicos e a beneficiar-se pessoalmente dessas ações.
Mandela teve a grandeza de unir os cidadãos e cidadãs de seu país em uma democracia imperfeita como qualquer outra, mas destituída da segregação e separações em decorrência da cor da pele e das características físicas das pessoas.
Não restou a Mandela qualquer revisão de seus objetivos de vida. Quanto mais se joga luz sobre seu passado, mais esse ser humano especial merece a consideração de todos.
Quanto mais se joga luz sobre a vida de Lula, a política e mesmo a pessoal, mais se evidenciam os indícios e provas de sua participação – e obtenção de benesses pessoais – na apropriação privada dos recursos públicos, pelo seu partido, por muitos do seu entorno e pelo próprio, nos mecanismos de corrupção sem precedentes na história de nosso país e, provavelmente, do mundo.
Mandela agora faz parte da história e tem um legado político e pessoal admirável, ontem, hoje e no futuro.
O mesmo não pode se dizer do sr. Luís Inácio Lula da Silva, que passará muitos anos de sua vida nas malhas da justiça criminal comum. Seu horizonte é de, no máximo, colaborar com a Justiça e reconhecer seus erros, para obter alguma complacência.
Comparar Nelson Mandela a Lula é um acinte à memória do líder sul-africano e, em decorrência, à honra de todos os lutadores pelos direitos humanos e demais causas sociais e humanitárias.
Nenhum humanista, nenhum democrata, pode aceitar impassível tamanha estultice. (Diário do Poder – 30/07/2018)
Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!
Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.
Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.
O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.
Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.
Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.
Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?
Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?
Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.
Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.
É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?
Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!
*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente
Soninha Francine: Lula, um homem inocente
Há quem acredite que Lula é um homem inocente de todas as acusações.
Como não há muito espaço para debate, não cheguei a discutir com nenhuma das pessoas que defendem esse ponto de vista se elas:
- Não acreditam que tenha havido crimes graves (roubo e abuso de poder, em suma) nos governos do PT (2003-2016) e nas eleições de Lula e Dilma;
- Acreditam que houve crimes sim, mas Lula não tem nada a ver com eles.
Só me interessa, agora, discutir esses dois pontos. (E não: se houve ou não abusos na Lava Jato; se ele deveria ou não estar preso; se ele poderia ou não ser candidato; se o triplex era para ele ou não era para ele; se o Aécio é culpado ou não; se Temer é culpado ou não; se foi golpe ou não foi golpe e outros relacionados).
Caso não acreditem que tenha havido crimes:
- Por que empreiteiros, banqueiros, parlamentares, governadores, ministros, doleiros, lobistas, diretores de estatais, tesoureiros e marqueteiros da campanha estão ou estiveram presos?
Todas as acusações foram inventadas?
Nenhuma prova existiu?
Não foi devolvido/recuperado dinheiro?
A Petrobrás não foi usada para troca de favores ilegais e desvio de recursos?
As empreiteiras não foram favorecidas em processos ilícitos (superfaturamento, concorrência fajuta, pagamentos por serviços não realizados etc)?
Candidatos do PT não receberam, por dentro e por fora, dinheiro de empresas beneficiadas em esquemas?
Caso concordem que houve crimes:
- Lula não tinha nada a ver com crimes vultosos cometidos na cúpula da Petrobrás?
- Lula não tinha nada a ver com as fraudes em obras do PAC, das Olimpíadas, da Copa do Mundo, do Pré-Sal, de Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, do Minha Casa Minha Vida, dos Fundos de Pensão, da Bancoop etc? Do Cabral, do Geddel?
Se fosse possível discutir seriamente, educadamente, eu gostaria muito de ouvir respostas, compreender o pensamento, argumentar cada ponto. Acho que só daria certo por correspondência à moda antiga - carta pra lá, carta pra cá. Escrita à mão, com o limite que o braço impõe em velocidade e extensão.
Essas pessoas olham para mim e não acreditam que eu não vejo um gigantesco complô das elites, das forças do Capital, da direita reacionária.
Eu olho para elas e não me conformo que não vejam que as forças do Capital se refastelaram nesses 13 anos de governo do PT, com a decisiva participação do governo e do partido.
É louco, talvez uma obra de ficção - um diálogo entre entidades míticas, um julgamento do fim dos tempos, uma peça de teatro época - consiga absorver argumentos dos dois lados de um modo desafiador, que provoque no futuro a reflexão de quem não viveu e não quer partir de cara de um dos dois pressupostos (maior roubalheira da história x maior perseguição injusta de todos os tempos).
Eu adoro as cenas de julgamento bem escritas, de grandes obras literárias ou de seriados modernos - Law & Order, The Good Wife. Você ouve as conclusões da acusação e pensa "caceta, f*deu com a defesa". Aí vem a defesa e faz uma fala arrasadora, e você pensa "UAU, por isso um bom advogado vale tanto!!!!!!!!!!!!!" (ou, na minha mente de cineasta incubada, "pqp, que roteirista espetacular!!").
Às vezes estou do lado da acusação e, às vezes, da defesa, sem qualquer hesitação, e me coloco no lugar do júri e penso: "SERÁ que no lugar deles eu teria dúvida??". Há episódios em que o júri decide "errado" (nós, espectadores, temos as provas que eles não têm) e eu consigo entendê-los.
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O que acho mais, muito mais difícil entender: como alguém pode achar que Lula e Dilma acabaram com a miséria, com a fome, transformaram o Brasil em outro tipo de país, muito mais justo, menos desigual, mais inclusivo. Meu Deus! É o Brasil "de sempre", sem esgoto tratado, sem estradas minimamente decentes (São Paulo é um éden), sem ferrovias, sem moradia digna para milhões e milhões de pessoas, sem refeições diárias balanceadas para milhões e milhões e milhões de pessoas, sem saúde básica, sem educação básica, sem segurança urbana, sem presídios decentes, sem meio ambiente equilibrado, sem mobilidade urbana justa, sem equidade de raça e gênero.
Como podem acreditar que o Brasil foi mesmo tudo aquilo que a propaganda disse que foi? O Brasil real tá aí, no mundo de verdade! Não é a tese de alguém, é onde vivemos, é só viver, olhar, ouvir, cheirar, tocar, conhecer!
O Globo: Grupos ligados a Lula e Bolsonaro têm mais incidência de robôs, diz FGV
Estudo analisou mais de 5 milhões de publicações no Twitter
Por Jefferson Ribeiro, de O Globo
A partir de um estudo sobre 5,4 milhões de tuítes, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) rastreou a ação de robôs para disseminar conteúdo político durante a campanha eleitoral deste ano. Ao todo, as postagens na rede social tiveram mais de 2,3 milhões de interações ou retuítes entre 22 de junho e a última segunda-feira. O resultado mostra que 306 mil interações foram feitas por perfis associados a "bots", ou seja, ganharam corpo na rede por mecanismos automatizados.
O cruzamento dos dados revela que a maior incidência de "bots" ocorre justamente nos polos políticos, grupos identificados pela DAPP como "azul" (de direita, associado ao pré-candidato do PSL, Jair Bolsonaro) ou “vermelho” (de esquerda, associado ao ex-presidente Lula). Ao todo, o grupo "azul" lidera a influência de robôs, com 148.649 interações. O "vermelho" responde por 122.160 interações com influência artificial. O percentual despenca para 23.744 de interações quando se avaliam apenas os retuítes do grupo "rosa", identificado como esquerda não vinculada a nenhum ator político. E cai para 12.044 quando são avaliadas as interações artificiais do grupo "azul claro", identificado pelo DAPP como "centro".
— Não tenho dúvida de que vai crescer (a atuação de robôs no Twitter). O que aconteceu até agora reflete as negociações das coligações, um campo estava minando o outro. Isso já é ritmo de campanha e não de pré-campanha. O fato é que o exército de “bots” que a gente vê nos dois campos (esquerda e direita) supera em muito 2014. E não estamos nem na última semana da eleição ou no segundo turno — afirmou o diretor do DAPP, Marco Aurelio Ruediger.
Dos mais de cinco milhões de tuítes analisados, 22% eram de perfis ligados ao campo que tradicionalmente forma a base do ex-presidente Lula. Outros 21% tinha uma relação mais evidente com o campo conservador e alinhados a Bolsonaro.
Ruediger afirma que o uso dos robôs de forma sistêmica nos dois polos da disputa evidencia o papel decisivo que o debate nas redes sociais pode ter na disputa, embora ainda não seja possível avaliar como isto vai se refletir no resultado eleitoral.
Dos 5,4 milhões de tuítes observados, 56,6% são apontados como perfis inclinados à posições de centro-esquerda, que dão mais valor a temas de justiça social ou a uma atuação maior do Estado na economia, segundo Ruediger.
— Mas esse não é um campo cativo. Ele pode ser atraído por um candidato de centro, que ainda não apareceu pela indefinição do cenário político — disse o pesquisador. — Se tiver um candidato com discurso mais de centro e nacionalista pode galvanizar esse apoio. Essa indefinição tem relação com a situação do Lula e com a falta de alianças do Ciro. Isso mostra também como a polarização se mantém. E o que a gente não está vendo é um candidato que construa pontes entre os dois lados e isso pode se transpor para dificuldades na hora de governar.
O Globo: Lula e o dilema do PT na eleição
Encarcerado há mais de 100 dias em Curitiba, petista continua sendo o único a dar as cartas no partido
Por Catarina Alencastro, de O Globo
BRASÍLIA - Que Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente terá sua candidatura confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), isso o PT já sabe. A questão agora é a hora de parar. O partido vai registrar o nome do ex-presidente na disputa ao Palácio do Planalto no dia 15 de agosto, e se prepara para dois cenários: acatar a provável rejeição da candidatura do petista pelo tribunal e desencadear imediatamente o plano B (Jaques Wagner ou Fernando Haddad) ou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e judicializar até o fim a questão.
Como sempre, o partido está dividido. Há quem defenda o lançamento do sucessor de Lula tão logo a derrota na esfera eleitoral aconteça, evitando maiores traumas institucionais para o país. Isso pode acontecer em qualquer momento entre meados de agosto e meados de setembro. Lula é o líder das pesquisas com 30% das intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha do mês passado. Sem ele na disputa, 30% dizem que votam em alguém indicado por ele. Outros 17% cogitam fazê-lo. Se isso se confirmar, o candidato do PT está virtualmente no segundo turno, seja ele quem for.
Mas os que advogam por levar a candidatura de Lula até a última instância argumentam que foi o Judiciário que “cavou” essa situação, ao prender “injustamente” o pré-candidato mais bem quisto dos eleitores. Caso vença essa tese, Lula tentaria obter liminar na Justiça para figurar nas urnas. O risco seria ver todos os milhões de votos conquistados serem anulados por uma decisão judicial derrubando a liminar que o garantiu nas urnas.
- O PT vai agir com um olho na eleição e outro na história - prega um grão petista.
Nessa conta, os petistas terão que considerar o fator tempo de TV. Dono de pelo menos um minuto e meio por bloco, o PT terá o direito de apresentar Lula como candidato aos ouvintes e telespectadores até a decisão final sobre sua candidatura pelo TSE. Depois disso, ainda tem um prazo de dez dias para substituí-lo enquanto mantém seus programas no ar. Esgotado esse prazo, se não apontar um outro nome, perderá o valioso ativo, que seria então distribuído entre seus concorrentes.
Encarcerado há mais de 100 dias em Curitiba, Lula continua sendo o único a dar as cartas no PT. É quem vai bater o martelo de quem assumirá a candidatura presidencial no seu lugar - e quando isso ocorrerá. Até lá, o PT vai tocando a campanha. Com programa, mas sem candidato. O partido prevê gastar R$ 50 milhões - R$ 20 milhões a menos do que o teto definido em lei - para levar a cabo a campanha que mescla o grito de "Lula Livre" com propostas que conversam com os menos favorecidos, como, nas palavras de um dos coordenadores da campanha, "a necessidade de baixar o preço do gás, o alerta de que voltou o pesadelo da fome e que o SUS e as universidades públicas estão em situação de penúria".
O Estado de S. Paulo: Preso há 100 dias, Lula mantém PT imobilizado
Ex-presidente dita rumo da sigla a um mês do prazo final para o registro da candidatura
Por Ricardo Brandt e Katna Baran, de O Estado de S. Paulo.
Condenado na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa amanhã 100 dias preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba. Mais magro do que estava quando chegou de helicóptero, na noite de 7 de abril, o petista ainda dita as estratégias e os passos do partido e de seus principais aliados na campanha presidencial. E mantém o PT imobilizado na definição de uma alternativa eleitoral.
As vésperas da convenção partidária e a um mês do prazo final para o registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – o prazo é 15 de agosto –, o mais importante preso da Lava Jato transformou sua “cela” em comitê político e eleitoral, numa espécie de campanha via porta-vozes.
Desde que foram autorizadas as visitas especiais de amigos, o ex-presidente já esteve com 16 pessoas em 11 datas distintas. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, é quem mais visitou o ex-presidente. É ela a responsável por avisar o partido, governadores e líderes políticos sobre as decisões de Lula – que, segundo a sigla, tem a palavra final.
Anteontem, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad esteve com o ex-presidente pela primeira vez como advogado com procuração para atuar no processo da execução penal. Coordenador do programa de governo do PT e apontado como possível “plano B” do partido, Haddad havia estado com Lula em sua cela duas vezes, desde que foram liberadas pela Justiça visitas de amigos nas quintas-feiras, pelo período de uma hora. Como advogado, o petista pode agora ver o ex-presidente em qualquer dia da semana.
A intenção do grupo diretamente ligado a Lula é arrastar até o momento final a definição da candidatura e tentar reverter a situação em benefício eleitoral para o nome que for escolhido como candidato do partido, já que Lula está potencialmente impedido de concorrer com base na Lei da Ficha Limpa.
O PT avalia que o bom desempenho do ex-presidente nas pesquisas, mesmo depois de preso, é um trunfo eleitoral importante para as composições estaduais. E assim, busca manter Lula candidato durante o máximo de tempo possível e fazer a troca só depois que a Justiça decidir se aceita o registro da candidatura.
Lula acompanha o cenário eleitoral e político do País pelos canais da TV aberta – que assiste boa parte dos dias – e pelos relatos de amigos, familiares e advogados.
Reveses. No inicio de junho, o PT pediu à Justiça o direito de Lula participar de “atos de pré-campanha e, posteriormente, de campanha”, de comparecer ou participar
por vídeo da Convenção Partidária Nacional do PT marcada para o dia 28. Além disso, o partido pleiteava que Lula pudesse participar de debates e sabatinas realizadas pela imprensa.
Na última semana, porém, a juíza federal Carolina Lebbos, responsável pelo processo da execução provisória da pena de Lula, negou o pedido. Para a Justiça, o status do ex-presidente atualmente é de inelegível, em decorrência da condenação em segunda instância – a 8.ª Turma do TRF-4 confirmou sentença de Moro em janeiro e elevou a pena.
A decisão de negar direitos especiais a Lula saiu dois dias depois de o desembargador de plantão do TRF-4, Rogério Favreto – que tem histórico de ligações com o PT – conceder liberdade ao ex-presidente no último dia 8. A ação foi revertida no mesmo dia pelo relator da Lava Jato, desembargador João Pedro Gebran Neto, e pelo presidente da Corte, Carlos Eduardo Thompson Flores.
O ex-presidente foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. O partido e a defesa do ex-presidente sustentam que ele é inocente e vítima de uma perseguição política-judicial.
Nos primeiros 57 dias de prisão Lula leu 21 livros, uma média de 52 páginas por dia: desde os mais densos como Homo Deus, de Yuval Noah Harari; Quem Manda no Mundo , de Noam Chomsky; a clássicos como O Amor nos Tempos do Colera, de Gabriel García Márquez; Ressurreição, de Liev Tosltoi; e a biografia Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, do jornalista Jotabê Medeiros.
Nesses 100 dias, Lula passou a receber semanalmente visitas de religiosos, todas as segundas-feiras. Ele já foi visitado, por exemplo, pelos amigos Frei Beto e Leonardo Boff. Um pastor evangélico, um monge e um pai de santo também estiveram com o ex-presidente em sua cela neste período.
Elio Gaspari: A cadeia de Lula virou seu melhor palanque
Lula não pode dar entrevistas, mas sua voz estará na campanha, como a do aiatolá Khomeini nos anos 70
A juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba decidiu que Lula não pode receber jornalistas. Ela informou também que ele está em “situação de inelegibilidade”. Seja lá o que for o que isso signifique, a essência da decisão faz sentido. O que lhe falta é eficácia.
No início dos anos 70, quando começaram a aparecer cassetes com os áudios de sermões do aiatolá Khomeini, o Xá do Irã mal ligou. Afinal, ele era um islamita radical exilado na Turquia, Iraque e França. A liderança religiosa desprezava-o, e os poderes do mundo acreditavam que era apenas um excêntrico. O sujeito de barbas brancas tomou o poder e criou uma ditadura muito mais intolerante e repressiva. A ilusão foi favorecida pelo romantismo da voz do ausente. Isso aconteceu no tempo em que não havia internet.
Lula é um “apenado” na carceragem da Federal de Curitiba, e, proibindo-o de dar entrevistas, cumpre-se a lei, mas não se impede que ele seja ouvido. Mais: limita-se a sua capacidade de dizer tolices, como a louvação dos pneus queimados ou as ocupações de propriedades, cometidas na sua última fala.
A decisão judicial não tem eficácia porque Lula recebe advogados, e eles podem gravar o que ele lhes diz, com direito a divulgar o áudio. Por ser um preso, ele não pode montar palanques na cadeia. Por ser um cidadão, pode falar.
Em situações malucas, até os doidos acabam mostrando que são sábios. No século passado, quando o frenesi anticomunista tomou conta dos Estados Unidos, o compositor Woody Guthrie acabou num hospício, seus amigos preocuparam-se, e ele acalmou-os:
“Eu é que estou preocupado com vocês. Lá fora, se você diz que é comunista, vai para a cadeia. Aqui, eu digo que sou comunista, e eles dizem que sou maluco.”
Roberto Freire: Rosa Weber e o primado da colegialidade
No domingo 8 de julho, o país esteve à beira de um confronto.
Rogério Favreto, investido desembargador na quota presidencial no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, durante um plantão, afrontou seu próprio Tribunal, o Superior Tribunal de Justiça e a Corte Suprema.
Ele, em decisão monocrática, sem competência funcional para tanto, resolveu libertar o ficha-suja e presidiário Luís Inácio Lula da Silva.
Para fazê-lo, Rogério Favreto aceitou um pedido de Habeas Corpus de três parlamentares federais petistas, que aguardavam o início do seu plantão, para, orquestradamente, dar um golpe no sistema jurídico do Estado Democrático de Direito.
O dublê de desembargador e tarefeiro partidário alegou a aceitação de um fato novo, a pré-candidatura de Lula à presidência.
Tamanho absurdo, se prosperasse, implicaria em que todo e qualquer condenado passasse a ter direito à liberdade sumária, caso se declarasse, igualmente, pré-candidato.
O Judiciário reagiu em horas, institucionalmente, diante de tamanho atentado às leis e até ao bom senso.
O juiz Sérgio Moro negou-se a cumprir uma decisão inepta e ilegal.
O desembargador Gibran Neto, do TRF-4, reafirmou a decisão de seu tribunal e respaldou o entendimento do juiz federal Sérgio Moro.
O presidente do TRF-4, Desembargador Thompson Flores, fez valer sua prerrogativa de Presidente deste Tribunal e respaldou a decisão do seu colega, Gibran Neto e, por tabela, do Juiz de Curitiba.
Na sequência, a Ministra Laurita Vaz, presidente do STF, proferiu uma sentença histórica, ao negar um pedido de habeas corpus para soltar Lula. E de novo respaldou as decisões das instâncias inferiores.
Em horas, o golpe petista foi abortado institucionalmente pelas devidas autoridades competentes e legítimas, do Judiciário, em tempo hábil.
A Procuradora-geral da República, Rachel Dodge, não deixou por menos.
Entrou com um pedido de processo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça contra Rogério Fabrício, o plantonista de Porto Alegre, e apresentou um pedido de investigação do elemento citado, no Superior Tribunal de Justiça.
Esse descalabro só ocorreu em razão de acontecimentos no Supremo Tribunal Federal.
Na Corte Suprema, uma das turmas rasgou as decisões de sua plenária e tornou livre um condenado de 30 anos, em dupla instância, sob uma alegação no mínimo teratológica, a da plausibilidade de que suas penas seriam revistas em tribunal competente.
Refiro-me ao arquiteto do lulopetismo, o senhor José Dirceu, condenado por corrupção em dupla jurisdição, sem cabimento, nessas instâncias, de mais recursos.
O acontecido em Porto Alegre tem também a ver com o que grassa no Supremo Tribunal Federal, que é o uso e abuso de decisões individuais, monocráticas, ao arrepio do que a plenária estabelece. Decisões de turmas também passam por cima de deliberações do plenário.
Como resultado, instaura-se a insegurança jurídica.
Chega-se, no Supremo, ao ponto de a defesa de Lula apresentar pleitos para escolher em que turmas ou magistrados seus pedidos devam ser julgados. Nem a imaginação fértil de um Dias Gomes ousaria chegar a tanto, em suas obras satíricas e emblemáticas de realidades brasileiras.
Encerro este artigo com uma homenagem.
Trata-se da Ministra Rosa Weber.
Ela tem explicitado, em votos, sempre nos autos, que pode ter divergências com decisões da Corte a que pertence, mas, quando instada a decidir monocraticamente, ou em que casos que têm base em decisões anteriores, segue o entendimento da plenária do Tribunal.
Essa homenagem que presto à Ministra Rosa Weber é sinal dos tempos.
Não deveria ser necessária, a homenagem, posto que, em um Estado Democrático de Direito, o respeito ao princípio da prevalência do colegiado, em decisões de um Tribunal, deveria ser tão comum quanto o ar que respiramos.
Luís Francisco Carvalho Filho: Lula, estado mental e crise
Cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco
O sistema eleitoral, contaminado pelo ranço autoritário e pelo cinismo, aproxima-se do esgotamento.
Até 16 de agosto é o país do faz de conta. Propaganda antecipada não pode. O candidato que desrespeitar é punido se tiver conhecimento prévio: como os candidatos não sabem de nada, nem se são candidatos, nada acontece.
Propaganda só em língua nacional. Ato grave de insubordinação, punido com até seis meses de prisão, é criminoso o slogan em idioma estrangeiro. Para intérpretes rigorosos, língua nacional é o português (idioma oficial da República), o que inviabilizaria publicidade eleitoral em caiapó ou em bororo.
Pré-candidatos não pedem voto. Fazem "menção à pretensa candidatura", exaltam suas "qualidades pessoais", prometem a salvação do país, mas o "vote em mim" é proibidíssimo. Admite-se até o "impulsionamento" patrocinado de mensagens em redes sociais, mas não podem pedir voto explicitamente. Só implicitamente. Dizem que o sistema é liberal porque autoriza a divulgação do posicionamento de pré-candidatos sobre questões políticas: era o que faltava proibir.
A liberdade de expressão é "passível de limitação" por formidáveis juízes em todo o Brasil. O TSE promete a "menor interferência possível no debate democrático" e sugere "remoção de conteúdo".
Pesquisa eleitoral é tratada com desconfiança por candidatos, legisladores e magistrados, como se fosse ato de propaganda, para iludir o eleitor, e não fonte de informação.
Mentir pode, mas fake news tem status de perigoso inimigo.
É proibido ridicularizar partidos e candidatos mesmo quando partidos e candidatos são ridículos. A propaganda não deve atentar contra os "bons costumes". Desenho animado é abuso de poder. Artistas estão impedidos de "animar comícios". É proibido confeccionar ou distribuir camiseta, chaveiro e boné. No dia da eleição só se admite "manifestação individual e silenciosa".
É como se o ano eleitoral fosse um intervalo de obscurantismo. O desejo de tutelar a cabeça do eleitor —protegendo-o de influências perniciosas— é antigo, mas o jogo da influência é da natureza democrática.
Um princípio curioso da lei brasileira vem do regime militar e tenta impedir meios publicitários destinados a "criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".
Difícil imaginar qual seria o estado não mental que o TSE pretende estabelecer no eleitorado, mas, em 2018, Lula é candidato a ser fio condutor de algum "estado mental". Resta saber se é artificial.
Quer se eleger, mas não pode ser eleito. Quer se pronunciar e ser sabatinado, mas está preso e, segundo a Justiça, preso não fala. Emudecido e atrás das grades, lidera as intenções de voto. Seus seguidores não enxergam lisura na eleição sem Lula, vítima de conspiração judicial. Seus oponentes não enxergam lisura na eleição com Lula, condenado por corrupção em duas instâncias de julgamento.
Até o registro de seu nome pelo PT, depois da convenção, a candidatura de Lula não existe. Ou existe? A partir de 16 de agosto, solto ou preso, se o PT quiser, Lula estará habilitado a fazer propaganda oficial: o julgamento da impugnação do registro acontece até 17 de setembro (20 dias antes do primeiro turno).
Cassada a candidatura, uma liminar do Supremo (Brasil, terra das liminares) esticaria sua permanência na disputa eleitoral. E se Lula vencer? Vai ser cassado? Antes ou depois de assumir? A Lei da Ficha Limpa deixaria de existir para todos ou ela só não existirá para Lula?
O cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco. Independentemente do resultado.
* Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).
Folha de S. Paulo: Moro foi 'imparcial durante toda a marcha processual', diz PGR em pedido de Lula contra juiz
Defesa queria afastar magistrado da condução do processo do ex-presidente
Por Nathan Lopes, da Folha de S. Paulo
A Procuradoria-Geral da República (PGR) posicionou-se contra o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para considerar o juiz Sergio Moro suspeito e afastá-lo do processo do sítio de Atibaia (SP) em que o petista é réu na Justiça Federal no Paraná. Para os advogados de Lula, Moro é parcial.
Em parecer apresentado ao ministro Félix Fischer, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) —instância em que a petição tramita agora, depois de ter sido negada tanto por Moro quanto pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região)—, o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho disse que "Moro se manteve imparcial durante toda a marcha processual".
O subprocurador apresentou o parecer na última segunda-feira (9), um dia após o embate jurídico dentro do TRF-4 em torno de um pedido para a libertação de Lula, que está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde abril cumprindo pena relativa ao processo do tríplex.
Para Silva Filho, há uma "insistência infundada" da defesa do ex-presidente com pedidos para afastar Moro de processos de Lula. "Segundo bem assinalado pelas instâncias ordinárias, já foram julgadas improcedentes inúmeras exceções de suspeição".
No início do mês, o jornal "O Estado de S. Paulo" levantou que, no processo do tríplex, a defesa de Lula apresentou 78 recursos questionando ações e condutas.
Na ocasião, a advogada Valeska Teixeira Martins avaliou que a imprensa estaria tentando intimidar a defesa de Lula a não apelar.
A reportagem procurou a defesa de Lula para comentar a decisão, mas ainda não obteve resposta.
REDISCUSSÃO
O subprocurador avalia que o "inconformismo" tem como objetivo "rediscutir indefinidamente os termos da condenação proferida de forma escorreita após ampla ponderação do contexto fático", referindo-se ao caso do tríplex.
Todos os pontos de parcialidade de Moro apontados pela defesa foram refutados pelas instâncias inferiores, salientou Silva Filho. Entre eles, estão comentários sobre a Lava Jato e de que já haveria um pré-julgamento em relação a Lula.
"[As instâncias] concluíram que a defesa não demonstrou a quebra de imparcialidade do magistrado natural da causa. Assim, inviável a declaração de nulidade de todos os atos praticados no curso da ação penal", pontuou o subprocurador.
No documento, o subprocurador ainda comentou que um processo penal estabelece "procedimentos que possibilitem o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa". "A imparcialidade e a transparência são, de fato, pilares do direito processual penal, e o magistrado deve imediatamente declarar-se suspeito de analisar e julgar o feito quando houver motivo que comprometa sua isenção, o que, na hipótese, não ocorre".
O caso ainda deverá ser analisado pelo ministro Fischer. Não há prazo para que a decisão seja proferida.