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Vera Magalhães: Lula ou Jair? Ulysses
A Constituição é o antídoto tanto para a corrupção quanto para as tentações autoritárias
“Qualquer governante deste País pode ganhar as eleições e não cumprir aquilo que prometeu porque é mais um e o povo já sabe. Nós não podemos.” A frase é do histórico discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na Avenida Paulista na madrugada de 27 para 28 de outubro de 2002. O petista havia sido eleito presidente da República em sua quarta tentativa desde 1989, a eleição que retorna agora, 30 anos depois da promulgação da Constituição, para testar da maneira mais cabal até aqui sua capacidade de resistir a tentativas de solapá-la.
A frase parecia conter a consciência da responsabilidade, do ineditismo histórico que representava sua eleição num País como o Brasil e dos riscos que haveria caso ele falhasse. E ele não falhou, apenas.
Lula deliberadamente optou por outro caminho, que seu companheiro Antonio Palocci definiu como “sonho mirabolante”, mas que na verdade foi um projeto deliberado de assalto ao País para perpetuar seu projeto político no poder.
Agora, diante da queda desse projeto pela Lava Jato e sua prisão, não fez o que disse que faria, no mesmo discurso, caso “errasse”: “Pode ficar certo que eu não terei nenhuma dúvida de ir pra televisão pedir desculpas ao meu povo”. Não pediu, urdiu uma narrativa falsa e atentatória à Justiça e às instituições de que era um perseguido político, arquitetou um plano infalível para voltar ao poder a despeito de tudo e nos trouxe até aqui.
Preso, Lula abriu a porta para a possibilidade, antes considerada remota, de eleição de Jair Bolsonaro – e tudo que ela representa de negação da história que vai da redemocratização à sua própria chegada à Presidência.
Pela arrogância de se auto conceder a condição de “uma ideia”, Lula ignorou que o mal que causou com os crimes que cometeu era tão profundo que fez fermentar a ideia oposta à sua, num caldo que mistura a legítima repulsa à corrupção com ideias fascistas que antes não ousavam ser ditas em voz alta.
E aqueles que não são coniventes com os crimes do PT nem condescendentes com a relativização da democracia presente no projeto de Bolsonaro, como chegam a este 7 de outubro? Perplexos, amedrontados e algo descrentes no tal dia seguinte que escrevi há algumas semanas que chegaria. O que Bolsonaro e Fernando Haddad, o representante de Lula nesse repeteco de 1989, têm a dizer a essas pessoas? Até aqui, nada.
A última entrevista de Bolsonaro foi uma reafirmação de suas ideias rasas sobre como um conservadorismo jeca e opaco será a base “filosófica” de seu governo e como o fato de ter uma mãe, uma filha ou um sogro seriam provas de que não é racista nem misógino.
No mesmo dia, a participação de Haddad no debate da Globo foi uma reafirmação cínica dos crimes do PT, do “L” com os dedos ao cumprimentar os telespectadores à arrogante incapacidade de reconhecer mínimos erros, quando inquirido por Marina Silva, ou a mentira pura e simples de que os governos do PT foram responsáveis fiscalmente ou valorizaram a Petrobrás.
Diante de tamanha incapacidade dos dois líderes nas pesquisas – esses que foram escolhidos por Lula da prisão – de apontar o caminho que seguirão a partir de amanhã (se um deles for eleito ou se os dois forem disputar o segundo turno), resta ao País e aos que têm a democracia como bem inalienável se fiar em outro discurso, de outro outubro: o de Ulysses Guimarães em 5 de outubro de 1988.
“República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.” A arma para enfrentar corruptos e demagogos é a mesma: a Constituição que Ulysses promulgou naquele dia. Esperamos por ela como o “vigia espera a aurora”, como ele disse. Trataremos de zelar para que não venha o crepúsculo. Com ela nas mãos.
Ascânio Seleme: Agradeça a Lula
Não importa quem vá para o segundo turno. Não importa quem ganhe a eleição no fim do mês. O vitorioso terá de agradecer ao ex-presidente Lula pelos eu sucesso. Se Fernando Haddad se credenciara gora elevar o pleito do dia 28, o poste terá vencido graças à genialidade do seu criador e mentor. Se Bolsonaro ganhar, aproveitando a onda antipetista que varre o país, será graças à política insistente do “nós contra eles” de Luiz Inácio.
Esse discurso começou no já remoto mensalão. Primeiro, quando o furúnculo explodiu mostrando o carnegão do esquema de compra de partidos em troca de apoio político, Lula disse que não sabia de nada, que foi traído e mandou alguns dos seus velhos companheiros para a guilhotina, como Genoino, Gushiken, Dirceu, Delúbio e João Paulo. Depois, quando percebeu que podia ir mais longe, passou anegara existência do esquema que resultou na condenação e prisão de 24 pessoas, seis delas do PT.
Lula começou então a nomear o “culpado” pelo mensalão. Foram “eles”, na palavra do líder que cumpre pena em Curitiba. Foram “eles” que inventaram a história para impedir que o brasileiro continuasse a comer três vezes por dia e a andar de avião, repetia. No princípio, nem os próprios companheiros de Lula acreditavam naquela bobagem. Mas ela foi se consolidando entre políticos e militantes que se recusavam a enxergara verdade e precisavam de uma saída honrosa.
Nenhum pedido de desculpas jamais foi feito por este ou pelo outro grande escândalo da era petista, o petrolão. Afinal, eles não existiram mesmo, afirmava o líder de todos. A culpa era “deles”, que queriam acabar com as conquistas do povo obtidas durante o governo do PT. É incrível como tanta gente de esquerda, honesta e inteligente, se agarrou àquela explicação patética como se fosse verdade. Muitos nunca acreditaram na lorota, e alguns deixaram o partido envergonhados, é bom que se diga.
Lula não inventou a luta de classes, ao contrário, fez um documento em que pregou paz na política nacional, onde caberiam todos, e jurou aplicaras regras do mercado na economia. Mas ele inventou a guerra do “nós e eles”. O “nós” era Lula e todos os seus companheiros de PT e de partidos aliados, os que lutavam por um Brasil mais justo. Por um bom tempo, o “nós” abrigava também o PMDB de Temer, Jucá, Cunha e Renan. E o “eles” eram os demais, os inimigos do povo.
Como diz o ex-deputado petista Eduardo Jorge (PV), candidato a vice de Marina Silva, “o ódio foi plantado há muitos anos, não nasceu como um cogumelo, da noite para o dia”. Ele se refere a Lula e ao seu discurso diuturno contra os que pensam de modo diferente ou encontram soluções alternativas às do PT para o Brasil. Discurso amplificado após o impeachment de Dilma e que ganhou o após todo golpe”.
Essa retórica de Lula, que ainda aglutina quem acredita na inocência petista e que agora dá a Haddad mais de 20% do eleitorado, está da mesma forma transferindo muitos votos para o outro lado, o oposto do PT, o antipetismo absoluto. Por isso, Lula será responsável por qualquer resultado na eleição presidencial. Se Haddad é o poste de Lula, Bolsonaro é o resultado da sua obra, é a sua criação.
É verdade que Lula teve uma mãozinha do seu velho inimigo, o hoje quase irrelevante PSDB. O partido, que fez o Real e governou o país por dois mandatos, colocou as mãos na mesma massa suja em que o PT enfiara as suas. Sem um líder carismático como Lula, um mártir, um “inocente” preso, o PSDB naufragou com um discurso antiquado e um candidato água morna.
Ninguém tem bola de cristal, nem Lula. Mas se ele tivesse se dado conta há um ano da tormenta que agora se avizinha, certamente teria trabalhado para que o PSDB fosse o adversário no segundo turno. Ou teria proposto uma aliança em torno de outro partido e com outro candidato, Ciro Gomes, por exemplo.
O fato é que, se vencer no dia 28 de outubro, além dos inegáveis méritos próprios, sobretudo ode saber surfara onda na hora certa e ode usar de maneira eficiente as redes sociais( com mentira semeias verdades ), Bolsonaro terá de agradecera Lula pela alavancagem que lhe garantiu um tsunami de votos que nem o mais fiel seguidor do capitão poderia imaginar.
Ricardo Noblat: Resta ao PT torcer por Alckmin
O preço da arrogância e da incúria
Seria ingenuidade pedir ao PT ou a qualquer outro partido que admitisse seus erros passados em plena campanha eleitoral ou às vésperas dela. Mas o PT teve tempo suficiente para pedir desculpas bem antes, e não pediu.
Deixou o eleitor sem saída: ou ele engolia a seco os erros não confessados e votava no PT ou simplesmente negava seu voto ao partido. É o que acontece, segundo as pesquisas de intenção de voto para presidente.
O transplante de votos de Lula para Fernando Haddad se deu a uma velocidade que surpreendeu os adversários. É possível que tenha acabado. O transplante da rejeição a Lula e ao PT ainda está em curso.
A quatro dias da eleição, resta ao PT acender velas para que Geraldo Alckmin (PSDB) cresça ou se mantenha como está, represando preciosos votos que poderiam eleger Jair Bolsonaro (PSL) direto no primeiro turno.
Alckmin ainda se mexe, embora respire por meio de aparelhos. Conforme-se o PT em apanhar dele hoje e amanhã, quando acaba no rádio e na televisão a propaganda eleitoral. Até torça para apanhar.
Por fim, cuide-se o PT para que Haddad não proceda mal no debate entre os candidatos nesta quinta-feira, o último e o mais decisivo da atual temporada. Fora isso, não terá muito mais o que fazer.
O medo de apanhar ao vivo e a cores
O dilema do capitão
Se ouvir o conselho dos amigos mais próximos e atender à recomendação dos médicos que o trataram no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o deputado Jair Bolsonaro não irá ao debate entre candidatos a presidente promovido pela TV Globo nesta quinta-feira.
A apanhar de corpo presente, escolherá apanhar de longe, acompanhando tudo pela televisão instalada no quarto de sua casa, no Rio, onde se recupera da facada que levou em Juiz de Fora. Em 2006, quando Lula fugiu ao debate da Globo no primeiro turno, o lugar dele ficou vago.
Não se sabe se no caso de Bolsonaro ficaria. A situação dele é outra. De casa, Bolsonaro sempre poderá responder aos ataques por meio das redes sociais. É seu ambiente preferido. É onde se sente seguro, protegido. De todo modo, seria tentador para ele comparecer ao debate em uma maca e ligado a aparelhos.
Bruno Boghossian: Algo está errado quando juízes querem ser árbitros da arena eleitoral
Tutelar o eleitor e interferir no debate político não cai bem ao Judiciário
O avanço das ações de combate à corrupção deu protagonismo inédito ao Judiciário na vida do país. O trabalho de magistrados produziu revelações que imprimiram uma marca permanente em partidos e agentes políticos. Algo está fora do lugar, entretanto, quando juízes pretendem assumir também o papel de árbitros da arena eleitoral.
Em agosto, o juiz Sergio Moro achou melhor adiar para novembro o depoimento de Lula em um dos processos que correm contra o petista. “A fim de evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva, reputo oportuno redesignar as audiências.”
O magistrado acrescentou uma crítica ao réu nesta segunda-feira (1º) e afirmou que o ex-presidente “tem transformado as datas de seus interrogatórios em eventos partidários”.
O comentário serviu de introdução ao despacho em que o juiz tornou públicos, a seis dias da eleição presidencial, trechos da delação de Antonio Palocci. O ex-ministro acusa Lula de ter conhecimento dos esquemas de corrupção na Petrobras e diz que o PT financiou ilegalmente suas campanhas políticas.
A divulgação do depoimento, com clara influência sobre o processo eleitoral, reforçou no PT o discurso de que o Judiciário age para prejudicar o partido. Moro sabia disso e buscou uma defesa prévia: “A farsa da invocação de perseguição política não tem lugar perante este juízo”.
No Supremo, Luiz Fux também olhou o calendário ao proibir uma entrevista de Lula à Folha. O ministro julgou razoável tutelar o eleitor, “considerando a proximidade do primeiro turno”, e afirmou que declarações do ex-presidente provocariam “confusão”. A única confusão até agora se deu no tribunal, que precisará discutir o caso no plenário.
Os juízes exercem um bom ofício quando tomam decisões para garantir direitos e punir aqueles que desrespeitam a lei, em qualquer dia do ano. Interferir e tentar mediar o debate eleitoral não cai bem a quem exerce essa função —“seja qual for a perspectiva”, como escreveu Moro.
Folha de S. Paulo: Lewandowski, do STF, autoriza Folha a entrevistar Lula na prisão
Jornal argumentou que decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba que negou a permissão impôs censura à atividade jornalística
Por Reynaldo Turollo Jr.
BRASÍLIA
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou a colunista Mônica Bergamo, da Folha, a entrevistar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão.
Lula está preso em Curitiba desde 7 de abril após ser condenado em segundo grau na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O despacho é desta sexta-feira (28) em uma reclamação feita pelo jornal, que argumentou ao STF que uma decisão da 12ª Vara Federal em Curitiba que negou a permissão para a entrevista impôs censura à atividade jornalística e mitigou a liberdade de expressão, em afronta a decisão anterior do Supremo.
“Não há como se chegar a outra conclusão, senão a de que a decisão reclamada [da Justiça em Curitiba], ao censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior, sob o fundamento de que 'não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares', viola frontalmente o que foi decidido na ADPF 130/DF”, escreveu o ministro.
No julgamento da citada ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), o Supremo garantiu “a 'plena' liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.
“O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa”, afirmou Lewandowski.
“Ressalto, ainda, que não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores ao sistema carcerário [...] Portanto, permitir o acesso de determinada publicação e impedir o de outros veículos de imprensa configura nítida quebra no tratamento isonômico entre eles, de modo a merecer a devida correção de rumos por esta Suprema Corte”, concluiu.
O ministro determinou que a Justiça em Curitiba seja comunicada da decisão e que agende, em acordo com a Folha, a data da entrevista.
Demétrio Magnoli: Haddad, a história aberta
Uma leitura circunstanciada das sondagens eleitorais indica que Fernando Haddad, o Lula de reposição, é o favorito para subir a rampa do Planalto em janeiro de 2019. Bolsonaro dificilmente perderá uma vaga no segundo turno, pois as chances de Alckmin repousam apenas na esperança de que a propaganda eletrônica produza um milagre. Há tempo suficiente para os eleitores lulistas receberem a notícia da reposição —e quase 70% deles dizem-se prontos a seguir a ordem de Lula. No turno final, a rejeição a Bolsonaro elege qualquer adversário. A chance real de vitória situa Haddad numa encruzilhada histórica: ele deve optar entre inércia e ousadia.
A via inercial é a reiteração da narrativa negacionista adotada pelo lulopetismo desde 2016. O núcleo dessa narrativa encontra-se na qualificação do impeachment como “golpe parlamentar”, que tem repercussões para trás e para frente. Numa ponta, o PT recusa-se a fazer a crítica da política econômica dilmista. Na outra, consequentemente, rejeita o princípio do equilíbrio fiscal.
Marcio Pochmann, coordenador do programa econômico de Lula/Haddad, argumenta que o erro do governo Dilma não foi a política de explosão de gastos, mas sua reversão, em 2015, pela entrega do Ministério da Fazenda a Joaquim Levy. A tese insana foi assumida pelo próprio Haddad, que a expôs em entrevista a “O Estado de S.Paulo”: “Houve uma decisão de política econômica equivocada, com um ministro da Fazenda que expressava a ruptura do que tinha sido feito em 13 anos”. A acrobacia revisionista suporta o programa da restauração do dilmismo: abolição do teto de gastos, rejeição da reforma previdenciária, cancelamento da reforma trabalhista.
Criada para aquecer a militância na hora da derrota, a narrativa serve para a finalidade de angariar votos — mas não para governar. Na moldura da nova “crise dos emergentes” deflagrada na Turquia e na Argentina, nossa trajetória fiscal será punida implacavelmente pelas forças de mercado. Um Haddad triunfante à base do discurso populista reproduziria o estelionato eleitoral de Dilma, mas seu giro ortodoxo teria que ser operado em meio a um cenário econômico externo hostil. É uma receita para o desastre.
A depressão econômica foi contratada, desde 2010, pela deriva populista de Lula e Dilma. O recuo ortodoxo dilmista de 2015 foi um remédio tardio aplicado a um doente em coma. Lula, ele mesmo, admitiu os erros colossais de política econômica (atribuindo-os, todos, à sua sucessora), ao defender o nome de Meirelles para a Fazenda, logo após a reeleição de Dilma. O revisionismo histórico lulopetista inspira-se nas antigas enciclopédias soviéticas, que apagavam fatos e fotos inconvenientes. Pochmann, um doutrinário incorrigível, acredita nele. Já Haddad não crê em bruxas, como indicam suas declarações semiprivadas a interlocutores do meio empresarial e do mercado financeiro. Nesse contraste, mora uma possibilidade.
O PT desceu à trincheira do populismo para escapar a um encontro com o futuro. A “era lulista” chega ao fim, como resultado da catástrofe dilmista, do impeachment e da condenação de Lula. O revisionismo negacionista é uma tentativa agônica de conservar um mundo de certezas partidárias que se dissolve. A prolongação artificial do lulismo num hipotético governo Haddad atiraria o país numa espiral caótica similar à que capturou o Estado do Rio de Janeiro. O vórtice consumiria, junto, o PT.
A saída existe, mas depende da integridade política e da independência intelectual de Haddad. O candidato inventado no laboratório lulista tem a oportunidade de corrigir a narrativa ainda durante a campanha eleitoral, falando em público aquilo que fala entre quatro paredes. O reconhecimento franco de um certo número de realidades ancoraria as expectativas do mercado, estabeleceria as fundações de um amplo acordo anti-Bolsonaro no segundo turno e eliminaria o espectro do estelionato eleitoral. Paralelamente, reconciliaria o PT com o futuro, inaugurando o pós-lulismo. Haddad pode ousar, refundando a esquerda brasileira, ou optar inercialmente pelo destino de Dilma.
Demétrio Magnoli: Existem três teses sobre legitimidade da eleição sem Lula
O veto legal à candidatura de Lula distingue a eleição de todas as anteriores
O veto legal à candidatura de Lula singulariza a eleição em curso, distinguindo-a de todas as anteriores, desde a redemocratização. Daí, emerge um debate sobre legitimidade, que se espraia ao longo de três teses. A primeira diz que a eleição é legal e legítima; a segunda, que é ilegítima; a terceira, e mais interessante, faz a legitimidade da eleição depender de seus resultados.
A visão convencional, adotada pela maioria dos partidos, não enxerga nenhum problema de legitimidade.
A Lei da Ficha Limpa, fonte do veto à candidatura de Lula, nasceu de um projeto de iniciativa popular e, depois de amplamente aprovada no Congresso, foi sancionada sem vetos pelo próprio Lula. É instrumento legal de validade geral, que cancelou as mais diversas candidaturas desde 2014, não uma ferramenta destinada a cassar os direitos de Lula ou do PT.
A eleição é legítima. O debate sobre o tema é que não é, derivando de um desejo de colocar Lula acima da lei ou de uma pervertida estratégia de campanha.
O segundo ponto de vista, adotado por correntes de extrema esquerda abrigadas no interior do PSOL ou em surpreendente aliança com o PT (caso do PCO), pode ser qualificado, com alguma ironia, de revolucionário. O veto a Lula é o prosseguimento do “golpe parlamentar” do impeachment e tem a finalidade de ladrilhar o caminho das “reformas neoliberais”. O Judiciário participa do “golpe”, conduzindo a perseguição legal ao ex-presidente. Os mensageiros desta tese repetem, letra por letra, a narrativa desenvolvida pelo PT desde 2016, mas com finalidades muito diferentes.
A extrema esquerda habituou-se a encher seu potinho de sonhos com as sobras do lauto banquete lulista. Em 2002, apoiou a candidatura presidencial do PT na esperança de que a “classe trabalhadora” experimentasse o governo de Lula — um “reformista” ou um “traidor”, a depender da versão — e, libertando-se de suas ilusões, ouvisse o chamado da Revolução (assim, com maiúscula). Hoje, ainda à beira da mesa, espera que a denúncia do veto a Lula finalmente desperte as massas de sua irritante letargia, propiciando o “assalto ao Céu”.
A terceira é a tese lulopetista. Na sua nunca explicitada inteireza, ela diz que a eleição terá sido legítima se Haddad vencer, mas terá sido ilegítima se Haddad perder. O alarido do protesto contra a “ilegitimidade” da eleição sem Lula, tão audível na etapa atual, cessará quando Haddad assumir o bastão, para só retornar na hipótese da derrota. A suspensão do juízo sobre a legitimidade até a proclamação dos resultados viola as regras elementares da lógica, mas atende a um imperativo partidário estratégico: na vitória, Haddad será o incontestável presidente do Brasil; na derrota, o eleito não será mais que um títere da “elite golpista”.
A história funciona mais ou menos assim. Em caso de vitória, o povo terá “corrigido” o desvio iniciado com o impeachment, derrotando o “golpe” e salvando a democracia. Já em caso de derrota, o desejo do povo de recolocar Lula no Planalto terá sido frustrado pela artimanha golpista do veto à candidatura. Restará, então, a via da resistência, convocada por meio da denúncia da ilegitimidade do presidente eleito.
A tese convencional é legalista ao extremo: identifica a democracia às normas legais, negando-se a encarar o problema político da limitação da soberania dos eleitores posto pela Ficha Lima. A tese revolucionária é finalista: identifica a democracia (“burguesa”, evidentemente) como o inimigo histórico e interpreta o veto a Lula como faísca providencial capaz de acender a grande fogueira da purificação. A tese lulopetista é, além de oportunista, autoritária: identifica a democracia ao sucesso eleitoral do Partido (assim, com maiúscula), exprimindo uma rejeição visceral ao princípio do pluralismo.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Ricardo Noblat: Lula bate o pé e insiste com a farsa
E se ele decidir não indicar ninguém para candidato?
Estelionato é “obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, segundo o Código Penal brasileiro. Pena: de um a cinco anos de reclusão.
Estelionato eleitoral é “um conceito da ciência política utilizada para descrever os casos de candidatos eleitos com uma plataforma ideológica que, após a eleição, adotam um programa de signo ideológico contrário”, segundo a Wikipédia. Pena: nenhuma.
Misture as duas definições, bata bem e não tenha dúvida: Lula é um estelionatário. Sua falsa candidatura a presidente da República foi o meio fraudulento encontrado por ele para se beneficiar e conferir vantagem ilícita a quem venha a substitui-lo.
Estelionato eleitoral só se configura depois que as urnas cantam seu resultado, que o eleito começa a governar e a fazer o contrário do que prometeu. A criatividade assaz louvada do brasileiro acaba de patentear o estelionato eleitoral que dispensa tudo isso.
A candidatura de Lula não existe, jamais existiu. Ele não poderia ser candidato, impedido por lei que carrega sua assinatura. Mas foi preciso que a mais alta corte da Justiça Eleitoral esfregasse tudo isso na cara dele e na nossa cara para que… Para quê o quê?
Para nada. Para que parte de nós continue acreditando, por devoção ou ignorância, que Lula será, sim, candidato – quem sabe, não é? Fernando Haddad voou ontem a Curitiba com a esperança de voltar de lá ungido pelo encarcerado ilustre.
Voltou dizendo que o candidato será Lula para sempre, ou até quando ele quiser, ou até que se esgote o prazo de 10 dias dado pela Justiça para que o PT indique outro candidato. Pobre do Haddad, que imagina estar cumprindo bem o seu papel de capacho.
E se Lula decidir no último minuto que o melhor para o PT (leia-se: o melhor para ele) seria não indicar ninguém, ficando de fora da eleição presidencial? Hipótese remota? Quem disse? Há gente no partido, não sei se muita ou pouca, que deseja isso.
As alianças nos Estados já foram feitas. Faltam apenas 34 dias para o primeiro turno. O cadáver de Lula seguiria sendo explorado por quem já o faz. O choro, o ranger de dentes, a denúncia de mais um golpe não perderiam seus efeitos dramáticos e eleitorais.
De resto, convenhamos, seria muito mais coerente. Por que disputar se o candidato líder de todas as pesquisas de intenção de votos foi vetado por uma justiça infame, a serviço dos golpistas, reles capitães do mato de poderosos interesses internacionais?
Lula nunca foi de dividir o palco com ninguém (não é verdade, José Dirceu? Não é verdade, Antônio Palocci ou Tarso Genro?). Deu um chega para lá em Ciro Gomes só para que ele não ganhasse os poucos segundos de televisão que o PSB tinha para lhe dar.
PT é o nome de fantasia do lulismo. Os que se reuniram em torno de Lula para fundar o partido ou já morreram de morte morrida ou perderam relevância. Alguns ainda vagam arrastando correntes que já não fazem mais barulho nem arrancam fagulhas do chão.
Não se duvide da ousadia de um sobrevivente, que é o que Lula é. Conta a história oficial que ele sobreviveu à seca do Nordeste, à miséria da periferia de São Paulo, à amputação de um dedo quando usava macacão e à perseguição militar como líder sindical.
Sobreviveu à desconfiança ao seu nome de tendências mais radicais da esquerda, a três derrotas como candidato a presidente, aos desafios de governar um país complicado, de eleger e reeleger sua sucessora e de enriquecer como jamais pensara. (Ufa! Basta!)
Só sucumbiu ao rigor do juiz Sérgio Moro. Desde então estrebucha na maca para fingir que ainda tem futuro como líder político. Futuro não tem. Diz a Lei da Ficha Limpa que o ficha suja fica inelegível por oito anos, além do tempo a que foi condenado.
No caso de Lula, ele pegou 12 anos de cadeia. Não importa que saia de lá antes do tempo previsto. Importa que estará com 93 anos de idade quando puder se candidatar de novo. Mesmo que viva tanto, é improvável que o Brasil de 2038 lhe dê ouvido.
Roberto Freire: O TSE cumpre com o seu papel ao indeferir a candidatura de Lula
O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cumpriu com o seu papel ao decidir, “de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa”, barrar por 6 votos a 1 o registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O dirigente criticou as manobras adotadas pelo petista e seus advogados e disse que o indeferimento só não ocorreu antes por conta de chicanas.
“O TSE decidiu de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa. O criminoso Lula não será candidato. Era algo o que mais ou menos dia iria acontecer. Só não ocorreu antes por conta da chicana promovida pela defesa de Lula e toda uma campanha liderada pelo prisioneiro na tentativa de desmoralizar as instituições democráticas e republicanas do País”, disse.
“Voto patético”
Freire lamentou o voto do ministro Edson Fachin pelo deferimento da candidatura de Lula baseado em um parecer de dois membros de Comitê de Direitos Humanos da ONU. Para ele, o magistrado agiu de “forma patética”.
“O TSE cumpriu com o seu papel. Lamento apenas esse voto do ministro, de forma patética, que se submeteu a um mero parecer de dois membros de um Comitê composto por 16 outros e que não tinha nenhum valor vinculante a coisa nenhuma, nem mesmo a decisão do próprio comitê da ONU. É patético”, criticou.
Início da campanha
Roberto Freire disse ainda que a decisão do TSE resolve o imbróglio criado pela tática lulopetista e permite o início efetivo da campanha à Presidência da República.
“Seja o que foi feito pelo PT não prejudica o que se pode dizer do rigor com que o TSE julgou o pedido de impugnação [da candidatura] de Lula. Agora que o PT cuide e se liberte de Curitiba e indique o seu candidato para que se inicie efetivamente a campanha no País”, disse.
Folha de S. Paulo: TSE barra candidatura de Lula e PT tem dez dias para indicar substituto
Corte havia vetado participação do PT do horário de TV até troca de candidato, mas recuou
Por Letícia Casado e Reynaldo Turollo Jr., da Folha de S. Paulo
Em sessão extraordinária de mais de 11 horas, 6 dos 7 ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) votaram por barrar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com base na Lei da Ficha Limpa, deixando-o fora da eleição.
A corte decidiu que o PT tem dez dias corridos para substituir Lula. Inicialmente, foi deliberado que, enquanto não houvesse a troca do candidato, o partido não poderia fazer campanha nem utilizar seu tempo no rádio e na TV. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT), registrado como vice, deverá assumir a cabeça da chapa.
Por volta da 1h15 deste sábado (1°), ao final da sessão, os ministros fizeram uma inusitada reunião de 30 minutos a portas fechadas e abrandaram a decisão sobre a propaganda, atendendo a um pleito da defesa. Ficou definido que o PT pode usar seu tempo no horário eleitoral, contanto que Lula não apareça como candidato.
Pela lei, apoiadores de determinado candidato podem ocupar até 25% do tempo do horário eleitoral, entendimento que deverá ser empregado para as aparições de Lula em apoio a Haddad.
Nos termos do voto do relator, Luís Roberto Barroso, que foi acompanhado pela maioria, a decisão do plenário do TSE é a palavra final sobre a candidatura e passa a valer imediatamente, mesmo que a defesa recorra ao próprio tribunal e depois ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O registro de candidatura do petista foi alvo de 16 contestações de adversários e da Procuradoria-Geral Eleitoral. Lula está preso em Curitiba desde 7 de abril, depois de ter sido condenado em segunda instância na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Ele nega os crimes e diz ser perseguido politicamente.
Votaram por negar o registro de candidatura o relator do processo, Barroso, e os colegas Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e Rosa Weber, presidente do TSE.
A ministra Rosa, porém, divergiu quanto à possibilidade de Lula continuar em campanha. Ela afirmou que um candidato sub judice pode concorrer até decisão final do Supremo, mas foi vencida nesse ponto.
Já Edson Fachin, apesar de reconhecer a inelegibilidade do petista, foi o único a votar por liberar a candidatura por causa de uma decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU obtida pela defesa.
O processo de registro de candidatura do petista entrou na pauta da sessão desta sexta (31) de última hora, em meio a uma discussão sobre prazos. A defesa solicitou, logo de início, o adiamento do julgamento, argumentando que houve açodamento e faltou tempo para que as partes que contestaram o registro rebatessem os argumentos de Lula, que foram entregues ao TSE na noite da quinta (30).
Esse pedido foi negado por 4 votos a 3. Fachin, Og Fernandes e Rosa queriam abrir o novo prazo, mas foram vencidos.
A procuradora-geral, Raquel Dodge, e o relator do processo, Barroso, afirmaram que era preciso resolver a situação de Lula antes do horário eleitoral na TV e no rádio, que começa neste sábado (1°) para os candidatos à Presidência.
O argumento central da defesa, de que há uma liminar do Comitê de Direitos Humanos na ONU que determina que Lula possa concorrer até que a Justiça brasileira julgue todos os recursos de sua condenação criminal, foi o mais enfrentado pelos ministros em seus votos.
“A Justiça Eleitoral não está obrigada a se submeter ao Comitê dos Direitos Humanos da ONU”, entendeu Barroso. Segundo ele, o órgão internacional é administrativo, sem competência jurisdicional, e suas decisões não vinculam (obrigam) a Justiça brasileira. Além disso, argumentou, “a decisão foi proferida por apenas 2 dos 18 membros do comitê”.
“Dois peritos internacionais modificariam todo o processo eleitoral brasileiro”, observou Og Fernandes sobre esse mesmo aspecto da liminar do comitê da ONU.
O ministro Mussi destacou o caráter administrativo do órgão internacional ao votar contra o petista. “Ressalto: o comitê [da ONU] não possui competência jurisdicional, é órgão meramente administrativo”, disse.
Boa parte do voto de Mussi foi para assentar o entendimento, condizente com o de Barroso, de que a palavra final sobre uma candidatura é do plenário do TSE, o que torna imediato o cumprimento do que foi decidido. Isso esvazia o efeito prático de eventuais recursos.
Fachin, diferentemente dos colegas, fez uma longa análise sobre a abrangência da medida cautelar do comitê da ONU e entendeu que o Estado brasileiro tinha o dever de acatá-la.
“Diante da consequência da medida provisória do Comitê de Direitos Humanos, [Lula] obtém o direito de paralisar a eficácia da decisão que nega o registro de candidatura. Assento, como fez o relator [Luís Roberto Barroso], a inelegibilidade, e entendo que essa inelegibilidade traz o indeferimento da candidatura”, disse Fachin.
“Contudo, em face da medida provisória obtida no Comitê de Direito Humanos, se impõe, em caráter provisório, reconhecer o direito, mesmo estando preso, de [Lula] se candidatar às eleições presidenciais de 2018”, afirmou. Tal entendimento, porém, não prevaleceu.
Barroso fez de seu voto uma defesa da Lei da Ficha Limpa, posição já adotada em outras ocasiões.
“A Lei da Ficha Limpa não foi um golpe ou uma decisão de gabinetes. Foi, em verdade, fruto de uma grande mobilização popular em torno do aumento da moralidade e da probidade na política. Foi o início de um processo profundo e emocionante na sociedade brasileira de demanda por integridade, idealismo, patriotismo”, afirmou.
“Mais de um milhão e meio de assinaturas foram colhidas para apresentar o projeto de iniciativa popular. A lei foi aprovada na Câmara e no Senado com expressiva votação e sancionada com loas pelo presidente da República [o próprio Lula]. A lei desfruta de um elevado grau de legitimidade democrática”, disse.
O advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, que defendeu Lula no TSE, afirmou que havia precedentes para que o petista pudesse disputar. “O que o presidente Lula quer não é nada a mais do que o que deram para 1.500 [candidatos] de 2010 [quando a Ficha Limpa entrou em vigor] para cá. Mas também não pode ser nada a menos”, disse.
Segundo ele, nas eleições municipais de 2016, 145 candidatos concorreram sub judice, e parte conseguiu se eleger e assumir o cargo posteriormente com o sucesso de seus recursos na Justiça. Ainda segundo Casagrande, há um precedente de candidato à Presidência que apareceu na urna em 2006, mesmo com registro indeferido pelo TSE: Rui Costa Pimenta, do PCO.
Os ministros, porém, afirmaram que a jurisprudência da corte mudou, e que hoje entende-se que, com a palavra final do plenário do TSE, não há como concorrer sub judice.
Rubens Barbosa: Descrédito do Brasil no exterior
PT usa falsa retórica em campanha externa pró-Lula
O ex-ministro Celso Amorim, em artigo publicado neste espaço (21/8), dá curso à versão de que a eleição sem Lula é uma fraude. Com crescente protagonismo na divulgação das políticas e ações desenvolvidas pelo PT, Celso Amorim tornou-se o agente e o arauto das ações lulopetistas no exterior, com crescente visibilidade interna e externa.
No artigo, a realidade é obscurecida por inverdades como forma de iludir os (e)leitores. O papa Francisco, a pedido do ex-ministro, em vez de manifestar apoio ao ex-presidente, mineiramente pediu que Lula rezasse por ele...
A teoria conspiratória da trama urdida com ramificações fora do país está longe de poder ser comprovada. A medida liminar dos peritos do Comitê de Direitos Humanos, sem nenhum aviso ou pedido prévio de informações, não tem validade porque, ao contrário do que se afirmou, o Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos não foi promulgado no Brasil por inépcia do governo petista.
Pela primeira vez, o comitê opinou sobre eleições, confundindo direitos humanos (universais) e direitos políticos (que dependem da legislação de cada país). Cumprido todo o devido processo legal no julgamento do ex-presidente, a eleição será legítima, e não uma fraude. Amorim continuou a prática de substituir a realidade por uma falsa retórica, iniciada durante sua passagem pelo Itamaraty.
Desde 2016, a campanha no exterior ganhou várias vertentes: golpe do impedimento da presidente Rousseff mobilizando até candidato à Presidência dos EUA e líderes de partidos ideologicamente afins ao PT na Europa; versão da vitimização com o desrespeito aos direitos e a privação de liberdade do ex-presidente, apresentado como prisioneiro político; publicação de carta do ex-presidente com essa ficção no jornal "The New York Times"; politização das decisões da Justiça brasileira com recurso ao comitê facultativo do Conselho de Direitos Humanos.
Dando seguimento à divulgação da versão petista da realidade, segundo se informa, o PT vai aumentar a ofensiva internacional para garantir a presença de Lula nas eleições.
Trata-se realmente de uma campanha liderada pelo partido na mobilização de jornais, cientistas políticos, ONGs, governos e Parlamentos desinformados —ou que não querem se informar— sobre as leis, a Justiça e a democracia brasileira.
A estratégia é colocar em questionamento o regime democrático caso Lula seja, de fato, barrado pela Lei da Ficha Limpa. Não conheço ação semelhante em outro país. Nenhum partido político age de forma tão desassombrada contra a reputação de seu país, não para defender princípios ou direitos inquestionáveis, mas para auferir ganhos políticos de curto prazo.
Por que o PT não se associa aos que lutam pela democracia e a liberdade de verdadeiros prisioneiros políticos, como fazem os partidos de oposição na Venezuela, em vez de defender o regime autoritário de Maduro?
É inaceitável que, a partir de retórica distorcida e repleta de inverdades, essa campanha seja utilizada para reforçar o descrédito das instituições e das leis brasileiras.
Não se pode admitir que a reputação do país seja colocada em questão, no momento em que todos se empenham em superar a atual situação crítica em que nos encontramos, resultado de políticas equivocadas adotadas durante o governo do partido que agora apresenta no exterior uma democracia em frangalhos.
Celso Amorim, em entrevista, ousou declarar que o Brasil tem a alternativa de cumprir a determinação do comitê ou se tornar um pária global, equiparando-se a Mianmar e a Africa do Sul na época do apartheid.
Depois de passar oito anos defendendo uma política alegadamente ativa e altiva, o ex-chanceler está alienando a soberania brasileira com o único objetivo de defender as mentiras de seu partido.
Com a credibilidade externa do Brasil abalada pela crise econômica e pelos desmandos e corrupção dos últimos anos, a campanha de descrédito não pode passar sem indignada condenação dos que defendem interesses partidários e pessoais, nem sempre claros e muitas vezes questionáveis, por parte dos que põem o Brasil acima de intrigas ideológicas.
*Rubens Barbosa. diplomata, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999, governos Itamar e FHC) e em Washington (1999-2004, governos FHC e Lula)
Luiz Carlos Azedo: O ciclo de Maluf
“A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era símbolo da impunidade e da compra de votos e de aliados”
Depois de muito protelar, ontem, a Mesa da Câmara cassou o mandato do deputado Paulo Maluf (PP-SP), por unanimidade. Ele havia perdido os direitos políticos em razão de condenação pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por lavagem de dinheiro, em maio de 2017. Em março deste ano, por razões humanitárias, o ministro Dias Toffoli autorizou que Maluf cumprisse prisão domiciliar. Estava preso desde dezembro do ano passado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Em fevereiro, fora afastado do cargo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Aos 86 anos, Maluf encerra um ciclo político iniciado na abertura do regime militar, quando se elegeu governador de São Paulo em eleição indireta, contra a vontade do presidente Ernesto Geisel, que apostava na eleição de Laudo Natel, de quem Maluf havia sido secretário de Transportes no começo dos anos 1970. Geisel subestimou a capacidade de articulação do então presidente da Associação Comercial de São Paulo, que visitou um a um os 1.261 delegados à convenção da Arena e, por isso, foi escolhido o candidato governista, por 617 votos, contra os 589 obtidos por Natel.
Ligado ao ex-ministro do Exército Sílvio Frota, Maluf foi uma invenção política do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto, que se encantou com sua gestão à frente da Caixa Econômica Federal, na qual ampliou a oferta de serviços e criou o financiamento da casa própria. Por influência do então ministro da Fazenda, Costa Silva nomeou Maluf para a prefeitura de São Paulo, a contragosto do então governador, Abreu Sodré. Foi na prefeitura que construiu a imagem de tocador de grandes obras, a maioria viárias, como o polêmico Minhocão, trechos importantes das Marginais Tietê e Pinheiros e vários viadutos e avenidas.
Repetiu a estratégia no governo de São Paulo, onde executou grandes obras, abriu estradas e pavimentou o caminho para disputar a Presidência da República. Em 1982, renunciou ao mandato e concorreu à Câmara, sendo eleito por 672.927 eleitores, o mais votado do país. No Congresso, Maluf iniciou a estratégia para se tornar o candidato a presidente da República do PDS (antiga Arena), na sucessão do general João Figueiredo. Com os mesmos métodos de abordagem individual de delegados que usara em São Paulo, conseguiu derrotar, na convenção do partido, o candidato do Palácio do Planalto, o ex-ministro dos Transportes Mario Andreazza, que havia se notabilizado em razão da construção da Ponte Rio-Niterói e da Rodovia Transamazônica.
A emenda das eleições diretas havia sido derrotada no Congresso, apesar do grande apoio popular, e a escolha do futuro presidente se deu de forma indireta, no colégio eleitoral, no qual o PDS tinha maioria de votos. Ocorre que o candidato do PMDB era Tancredo Neves, o governador de Minas, uma velha raposa do antigo PSD, que recebeu o apoio velado de outro veterano pessedista, Amaral Peixoto, então presidente do PDS; do vice-presidente Aureliano Chaves, que havia sido preterido por Figueiredo; e dos caciques regionais Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e José Agripino, que fundaram o antigo PFL. José Sarney saiu do PDS e se filiou ao PMDB para ser vice na chapa de Tancredo; acabou assumindo a Presidência com a morte de Tancredo.
Persistência
A derrota não afastou Maluf da política. Disputou e perdeu a prefeitura de São Paulo para Luiza Erundina, então no PT, em 1988. No ano seguinte, se lançou candidato a presidente da República pelo PDS, ficando em quinto lugar, mas apoiou Collor de Mello no segundo turno. Em 1990, bateu na trave na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, pois venceu o primeiro turno e perdeu no segundo para Luiz Antônio Fleury (PMDB). De tanto insistir, em 1992, se elegeu prefeito de São Paulo, derrotando o petista Eduardo Suplicy. E, depois, conseguiu eleger seu ex-secretário de Fazenda Celso Pitta como sucessor, mas deu errado. Foi o pior prefeito que São Paulo já teve.
Mesmo assim, Maluf não desistiu. No ano 2000, com rejeição de 66% dos paulistanos, foi derrotado por Marta Suplicy (PT), a quem chamou de desqualificada e levou um sabão. “Cala a boca, Maluf!” — a resposta de Marta — virou um bordão de campanha e ela ganhou a eleição com 58,51% dos votos. Maluf voltou a concorrer à prefeitura em 2004, desta vez perdendo para José Serra. Teve 12%. Na eleição seguinte, também para a Prefeitura em 2008, sua votação caiu para 5,1%. Mesmo com capital político reduzido, Maluf continuou no jogo. Seu “gran finale” foi na campanha de 2012: retirou sua candidatura e decidiu apoiar o petista Fernando Haddad (PT), num acordo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.
A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era um símbolo da impunidade e da utilização de recursos públicos na compra de votos e de aliados, para a qual estabeleceu um padrão quase inexpugnável. Somente foi condenado por lavagem de dinheiro, em 2017, pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2005, chegou a ser preso preventivamente, por 40 dias. Também teve um mandado de prisão expedido pela Interpol, em 2010, a pedido da promotoria de Nova York. Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Maluf, nem que ele mudou ao longo de sua trajetória política. Quem mudou foram os antigos desafetos.