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Ranier Bragon: Lula e Bolsonaro polarizam-se apenas no gogó

Abertura da cela de Curitiba reacende falsas equivalências entre lulismo e bolsonarismo

A não ser que classifiquemos os governos do PT como uma cruzada estatizante e antirreligiosa, uma espécie de ameaça comunista a corroer instituições e ameaçar fundamentos da democracia, trata-se de um senhor disparate classificar lulismo e bolsonarismo como ocupantes dos polos de nossa régua política, um à esquerda, outro à direita.

O PT não governou o país há tanto tempo assim. Não estamos falando da travessia do Rubicão, das guerras napoleônicas. Não é preciso escavar catacumbas no Egito para entender isso.

Alguns imaginam que a história teve início anteontem, mas quem não tem como única fonte de conhecimento os memes distribuídos pela tia-avó do grupo da família há de convir que não há nem como classificar os governos de Lula e Dilma (2003-2016) como de esquerda.

De esquerda em alguns pontos, de centro-esquerda, centro, centro-direita e até direita em tantos outros. Ou diga a tia-avó quem assumiu o poder mantendo o tripé macroeconômico, reformando a Previdência ou governando com afagos a evangélicos e suas fábulas à “kit gay”.

A abertura da cela de Lula na semana passada reacendeu as falsas equivalências, como se tivéssemos vivido há poucos anos uma real ameaça de sermos invadidos por neobarbudos vindos da Sierra Maestra.

Querem algum antípoda mais ou menos plausível ao bolsonarismo? Procurem no Partido da Causa Operária ou em algo assim. O presidente está no campo da direita, com viés de extrema direita (não dá para considerar defesa da tortura, da ditadura, da lei de talião, como “direita”). Por seus governos, o petista se posiciona na centro-esquerda. Se após o tempo na prisão caminhará mais para a esquerda, o tempo dirá.

Bolsonaro e Lula lideram hoje grupos políticos com mais força no país, se rivalizam no gogó, mas não são extremos entre si. Tal tese busca inflar alguns políticos velhos e novos —por ora carentes de voto— como o centro salomônico que irá dar um basta à insânia dos radicais. Falta apenas combinar com a realidade.


Carlos Andreazza: Lula livre é bolsonarismo livre

Campanha deveria ter acabado em algum momento. Nunca acabou

As tão famosas ADCs — que, afinal, resultaram em que só se possa cumprir pena depois do trânsito em julgado — estavam prontas a serem votadas desde dezembro 2017. Lula ainda não fora preso. Por covardia, porém, o Supremo — supondo poder se adiar para driblar o calor das ruas — permitiu que o que deveria ser uma deliberação impessoal relativa ao controle abstrato de constitucionalidade aos poucos se convertesse em veredicto fulanizado sobre o destino do ex-presidente.

Aqui estamos. O STF, temendo a impopularidade, quis fugir das ruas — e, com isso, só fez trazê-las para sua porta, por ora com tomates projetados contra as faces impressas dos ministros. Aqui estamos. Agora com o Parlamento pressionado a dar resposta por meio de emenda constitucional que se lance contra cláusula pétrea da Carta — do que decorreria veto do Supremo, choque entre Poderes e nova reação popular. O bolsonarismo agradecerá.

Aqui estamos. Novamente, a vida pública brasileira se orienta em função do ex-presidente. O STF, com medo da impopularidade de um julgamento cuja repercussão geral o beneficiasse, quis escapar das ruas — e às ruas ora entrega uma decisão impopular percebida como tomada especificamente em benefício de Lula.

O ex-presidente agradece. O bolsonarismo também.

Lula está solto; o STF, enfraquecido. O projeto de poder bolsonarista não saberia pedir presente melhor. Lula na rua, a manter o tom beligerante de suas primeiras declarações, a chamar um Chile de irresponsabilidade, é combustível para inflamar a ideia de novo AI-5. A mentalidade bolsonarista opera. Lula solto, por intermédio de um golpe desferido pelo establishment contra o desejo da população, projeta a desordem de que o bolsonarismo precisa para manter a tropa autocrática mobilizada. Lula solto é — para plena influência do imaginário bolsonarista — o Foro de São Paulo agindo.

Lula livre é bolsonarismo livre.

A polarização já encontrou a trilha para radicalizar. A depressão política em que o Brasil se encontra tende a se aprofundar. O tecido social se esgarçou desde há muito. Existe um ímpeto para a convulsão. Elegeu-se a convulsão. Já assim era no retrato — suprassumo da disfuncionalidade — do segundo turno de 2018: um autocrata contra o cavalo de um presidiário.

Não havia como dar certo. O país pagaria a conta. Pagará. O fetiche do liberal econômico não resiste a chão rachado como este. A instabilidade do terreno se agrava. À forja de crises artificiais com centro no próprio presidente da República, este multiplicador de inimigos, soma-se agora a fábrica de “nós contra eles” de um ex-presidente capaz de pregar que o atual governa para milicianos. É o vale-tudo. Não tem como dar certo. O país pagará a conta. Já paga. O megaleilão do pré-sal deu o recado. Vamos às vias de fato? Soco com mão de alface é soco do mesmo jeito. Alguma hora encaixa. A linguagem da violência já se encaixou. Tornou-se o normal. Nunca tantos psicopatas foram tão influentes no Brasil.

A tentativa de plantar aqui uma cultura plebiscitária prospera. Prosperou na Venezuela. É gente na rua. Dos dois lados. Todo mundo cheio de razão. As tribos vão se medir. Democrático, né? Sim. Democrático tanto quanto garantia de país paralisado. Que reforma econômica andará? Quem botará dinheiro aqui, senão para especular?

Advirto, contudo, que a campanha eleitoral não foi lançada. Para tanto, deveria ter acabado em algum momento. Nunca acabou. Bolsonarismo é campanha permanente. Lulopetismo, idem.

O ex-presidente ditará o ritmo. Ele sabe dançar essa dança. Já provou que não precisa estar elegível para — mais do que ser competitivo — escolher a música. Vai esticar a corda da beligerância — associando Bolsonaro às milícias, atacando o lavajatismo e batalhando pela anulação de suas condenações, com o que mira a credibilidade de Moro — e, ao mesmo tempo, tentar se mover para o centro falando em combate à desigualdade.

Não é difícil projetar como o bolsonarismo processará o presente que o Lula Livre oferta. O discurso já está na pista. Uma aposta no sentimento antilulopetista para reproduzir circunstância radicalizada como aquela de 2018: a de união dos virtuosos contra o mal que colocou outrora racionais para se cegarem ante o que o oportunismo bolsonarista encarna e sempre encarnou.

O investimento no adesismo incondicional vai escalar. “ Ou se fecha com Bolsonaro, ou a esquerda volta” — este é o texto. “Veja o que ocorreu na Argentina” — este, o exemplo. A adaptação superficial, para o Brasil, do que se passa na América do Sul não seria complicada. O roteiro está dado. Vem sendo ensaiado faz tempo. Lula solto é o gancho. É o gatilho para a mais perfeita teoria da conspiração. A ameaça está solta. José Dirceu também.

Não tem como dar certo.


César Felício: Foi dada a largada para a eleição de 2022

Lula assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro

A eleição de 2022 começou. Na realidade, já tinha começado quando o presidente Jair Bolsonaro, no terceiro mês de seu governo, se colocou como candidato à reeleição. Mas foi no sábado, com o discurso do recém saído da cadeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a eleição presidencial ganhou seu contorno.

Não está claro se o ex-presidente pretende repetir o recuo tático que Cristina Kirchner fez na Argentina, ao indicar um preposto para concorrer em seu lugar logo no começo da corrida eleitoral, agregando forças que haviam se afastado dela nos últimos anos. A outra possibilidade é Lula confiar que a pressão das circunstâncias políticas levarão a uma revisão da norma da Lei da Ficha Limpa que hoje o torna inelegível. O que é certo é que Lula já assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro. E deste posto de controle ele não abrirá mão.

O ex-presidente bateu em Bolsonaro do início ao fim. “Este país tem 210 milhões de habitantes não podemos deixar que os milicianos acabam com ele”, disse. Reconheceu a legitimidade do mandato de Bolsonaro, afastando da plateia qualquer veleidade de se lançar às ruas pelo impeachment. Lula quer brigar nas urnas. Associou o ministro da Economia, Paulo Guedes, à crise social que abala o Chile, ao citar que os fundamentos da política econômica do atual ministro são inspirados em linhas de ação desenvolvidas na ditadura de Pinochet. Acenou à classe média, ao lembrar que a taxa de juros cai, mas a do cheque especial e do cartão de crédito, não. Não é preciso usar palavrão para se referir a Bolsonaro, porque ele já é um palavrão.

Lula não se esqueceu de fazer uma referência sutil a um potencial adversário, o apresentador e empresário Luciano Huck. Sem citar seu nome, fez uma menção ao elitismo da gestação dessa suposta candidatura. “Os mais ricos querem criar uma nova classe dirigente. Não temos nada contra essa gente, mas queremos gente que seja formada nas dificuldades que passa o povo brasileiro.”

Lula busca se credenciar, portanto, como o concentrador do antibolsonarismo. Os 580 dias serviram como campanha antecipada e o Lula Livre virou o Volta Lula, como mencionou o ex-ministro Aloizio Mercadante na sexta-feira, em um evento em Buenos Aires. Nesta polarização que evoca para si, não há mais espaço para alternativas da centro-esquerda, como Ciro Gomes. Ciro apostou tudo em ser o pós-Lula. Seu irmão, o senador Cid Gomes, criou bordão ao dizer, dias antes do segundo turno, o famoso “Lula está preso, babaca”. As perspectivas de Ciro no cenário nacional tornam-se bem modestas.

A força de Lula dispensa maiores comentários: estrutura político-partidária, recall, a nostalgia de um tempo de crescimento alto e programas sociais inclusivos. O ponto fraco é que os problemas de Lula na justiça não se resumem a Sergio Moro. Após a sentença sobre o tríplex uma série de outras revelações comprometeram o ex-presidente, sendo certo que as delações premiadas de Antonio Palocci e Leo Pinheiro são as mais fortes. A liberdade de Lula foi a senha para o Congresso avançar na discussão para mudar a Constituição e rever a segunda instância. Uma parte das lideranças políticas e da sociedade estabeleceu como meta encarcerar de novo o ex-presidente. É uma possibilidade real e torna-se difícil imaginar que governabilidade ele irá construir, seja como candidato ou como grande eleitor.

Bolsonaro em um primeiro momento se fortalece. À catalização do antibolsonarismo corresponde o reforço do antipetismo, um sentimento que é muito maior que o bolsonarismo. O presidente tem a força da caneta nas mãos, mas o fantasma das suas relações com milicianos é uma sombra, que pode prejudica-lo nas eleições.

Terceiras vias podem prosperar caso o eleitorado fique exausto da polarização esquerda/direita. Por este caminho Huck ainda pode entrar, tendo como único ativo apoio na elite empresarial e grande popularidade na mesma faixa de eleitorado de Lula. O fato é que esta é uma rota muito mais arriscada do que seria a de competir para comandar a oposição ao atual governo. As chances de Huck dependem de acontecimentos excepcionais que sangrem os dois eixos do debate atual. Ficou mais difícil o caminho do centro.


Malu Delgado: Campos políticos aguardam ‘tamanho’ de Lula

Ex-presidente buscará tradicionais aliados, mas espera-se que ele amplie diálogo com lideranças

Todas as correntes políticas brasileiras passaram os últimos dois dias observando os discursos iniciais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A forma como Lula, solto na última sexta-feira, vai se reinserir no jogo político não está clara nem para seu próprio campo. Está evidente que num primeiro momento Lula apela para a junção mais fácil e segura, do PT com o PCdoB e o Psol, mas ele deixou claro a aliados que seu movimento será bem mais amplo. Foram esses os três partidos de esquerda citados por Lula tanto no discurso que fez no acampamento ao lado da sede da Polícia Federal de Curitiba quanto no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Mas a expectativa, sobretudo de alas mais moderadas da esquerda, é que Lula de fato esteja disposto a dialogar com lideranças de centro que não foram atraídas para o polo de poder do presidente Jair Bolsonaro.

A movimentação de Lula, na avaliação de políticos que lhe conhecem bem, vai se dar muito nos bastidores, até porque o petista tem ciência da desarticulação do campo da centro-esquerda e a noção exata de onde a base petista foi corroída. “A maior qualidade do Lula é ser um extraordinário operador político. Ele sabe que não dá para tomar um avião no saguão de Congonhas, mas dá para tomar no saguão do aeroporto de Recife. Sabe perfeitamente onde sua base estreitou e vai reconstruir o PT, sua base, e a liderança na esquerda tradicional”, aponta um político que conviveu de perto com o ex-presidente. Essa leitura ressalta a dificuldade de diálogo que Lula terá com Ciro Gomes (PDT). Para os centristas, Lula vai sufocar Ciro. Para políticos da centro-esquerda, os dois serão obrigados a se entender em algum momento, pois não há espaço para Ciro se mover neste grupo do centro progressista, que tem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um mentor.

Segundo um aliado do petista, quem apostar no Lula sectário vai errar: “Creio que ele vai tentar liderar uma articulação que dispute um pouco o centro”. Esse diálogo “mais ao centro”, na avaliação da esquerda, será possível não necessariamente no campo partidário institucional, mas via lideranças políticas descontentes com Bolsonaro e que só não se desgarram do atual governo por absoluta falta de opção. “Tem um monte de gente solta neste meio, que foi polarizado pelo lulismo no apogeu, depois polarizado pelo bolsonarismo, e hoje estão todos vagando por aí, meio zumbis. São os políticos que se descolaram do bolsonarismo e ainda não encontraram uma alternativa”, diz um integrante da centro-esquerda. Esses zumbis seriam lideranças do MDB, do PP, do PR, do PSD, entre outros, que integraram a base de governos petistas.

“Lula tem uma dimensão política única. Ele nunca foi um radical e sempre gostou de conversar com quem pensa diferente dele. Uma coisa é entender o que ele diz porque está se posicionado, outra coisa é defini-lo como um ser sectário”, opinou um dirigente petista. De acordo com fontes do PT, é provável que o ex-presidente passe as próximas duas semanas ainda em São Paulo, organizando seu cronograma de viagens pelo país. Lula poderá usar ou a sede nacional do PT na capital ou da Fundação Perseu Abramo para fazer seus primeiros contatos políticos. Nem a agenda de viagens está definida e nem a forma como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, vai se aliar ao cronograma de Lula. Um outro sinal dos primeiros discursos de Lula é que ele quer Haddad a reboque, até porque trabalha, simultaneamente, fortalecendo o seu próprio nome e sua imagem, mas também a de Haddad, caso se configure intransponível a inelegibilidade por questões jurídicas. “Haddad ainda terá uma conversa com Lula nos próximos dias para detalhar tudo isso”, adiantou um petista.

A intenção já manifestada por Lula a petistas é elaborar, de fato, um projeto de desenvolvimento do país. O ex-presidente deu pistas nos seus primeiros discursos de que quer privilegiar quatro temas: economia, com foco direcionado para emprego e desigualdade, educação, cultura e, por fim, o aspecto da soberania nacional. Em uma das primeiras conversas que teve depois de ser libertado, Lula disse a petistas que há um aspecto que lhe intriga muito e que ele quer entender: a posição dos militares no governo Bolsonaro, e qual é a postura das Forças Armadas em relação à soberania nacional.

O campo político mais ao centro, que tenta se articular em torno de uma terceira via que se afaste dos radicalismos tanto da esquerda quanto da direita, minimiza a leitura de que a entrada de Lula em campo fortalece a polarização e tira do centro a competitividade em 2022. O ex-presidente Fernando Henrique publicou ontem um tuíte para agregar o pensamento deste grupo, mas reconheceu que Lula atiça os extremos: “A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal. Em meu tempo a questão central era a inflação; hoje é crescimento e emprego. Sem corrupção. No começo era o verbo. Novamente, com gestos e ações os caminhos abrem-se. A eles!”.

O apresentador Luciano Huck, que é apontado como essa possível novidade de centro, retuitou um comentário feito pelo presidente nacional do Cidadania, o ex-deputado federal Roberto Freire. “Penso que cada dia que passa nesse nosso Brasil do “nós x eles”, o Luciano Huck cresce como alternativa democrática. Os bolsonaristas e os lulopetistas, eufóricos com Lula solto, não o esquecem”, disse Freire.

Os políticos do centro insistem na tese de que o país não tem dois caminhos, tem três. E que a polarização, muito mais latente nas redes sociais do que nas ruas, vai oferecer uma “avenida de oportunidades” ao centro.

“Nenhum dos dois lados segurou o voto útil de 2018, nem o PT e nem Bolsonaro. Os dois lados se movimentam hoje em bases muito menores do que eles conseguiram na última eleição”, alega um defensor do centro. Lula é maior na sociedade atual? Seu apoio ainda se concentra em torno de 30%? Todos os campos aguardam as próximas pesquisas de opinião para agir. Um político experiente afirma que a vida não está fácil “para quem tem carimbo de corrupção na testa, e não tem vida fácil para quem não está conseguindo entregar emprego e renda, como é o caso do atual governo”.

Já a centro-esquerda se anima e assegura que o caminho do novo centro, que até agora elegeu Luciano Huck como uma possibilidade, “é anódino, sem sal e não representa o tamanho do Brasil”, nas palavras de um lulista. Por enquanto, as estratégias de todos os lados só serão melhor calibradas após a publicação da primeira pesquisa de intenção de votos. Aparentemente, com Lula na urna.


Bruno Boghossian: Lula cultiva o caldo da polarização para ativar suas bases

Presidente desenha linha de ação baseada em antagonismo absoluto com Bolsonaro

Antes de passar sua última noite preso, Lula disse a um líder do MST que deixaria a cadeia “mais à esquerda” do que quando chegara lá. Embora alguns petistas temam que o aumento da polarização favoreça Jair Bolsonaro, o ex-presidente deu todos os sinais de que pretende investir nesse antagonismo para tentar reativar suas bases políticas.

Lula quer atiçar uma oposição que considera “acomodada”, segundo dirigentes do PT. Nos discursos após a saída da prisão, couberam palavras para atenuar desejos de revanche, mas também desenhou-se uma linha de ação baseada na rivalidade.

Esse elemento está presente em três pontos a que o petista deu carga acentuada nos últimos dias: 1) o enfrentamento direto com o próprio presidente, associando seu governo a interesses de milícias; 2) os ataques à Lava Jato, cujo trabalho fez questão de vincular à vitória de Bolsonaro na eleição de 2018; e 3) os ataques à agenda econômica liberal.

Ainda que possa ter consequências negativas por restringir o debate público a contraposições rasas, a polarização faz parte do jogo político. Seu método não é necessariamente a radicalização.

Do caminhão de som no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o ex-presidente instigou a população a sair às ruas, como no Chile, para defender seus interesses. Falou em “atacar e não somente se defender”. Mas rejeitou o recurso ao que chamou de “jogo rasteiro” e ao impeachment.

“Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro”, disse. “O cidadão foi eleito. Esse cara tem um mandato de quatro anos”, completou.

Ao delimitar o campo de batalha, Lula indica que pretende cultivar até 2022 divergências absolutas nos campos político e econômico.

O tom pode até mudar daqui por diante, mas o PT bebe dessa disputa porque precisa mobilizar setores que formavam sua base mais fiel: movimentos sociais e a população de baixa renda. Ao apostar nesses nichos, Lula e o partido correm também o risco de despertar o antipetismo que ajudou Bolsonaro em 2018.


Ricardo Noblat: O que Bolsonaro tem a aprender com a luta de boxe do século

Muhammad Ali x George Foreman, 1974

Queriam o quê? Que Lula, menos de 24 horas depois de ter sido solto, falasse moderadamente para um país que não o ouvia há 580 dias? Que fosse mais Lulinha paz e amor do que a jararaca que ficou enjaulada tanto tempo e que se diz inocente?

Lula reapareceu em São Bernardo com um único objetivo: retomar o comando de sua tropa. Foi para ela que falou, não falou para os que o detestam, nem mesmo para os que no futuro poderão ou não segui-lo. Um general de pijama, sem tropa, não vale nada.

Falou o que ela esperava ouvir. Mexeu com seus brios. Animou-a. E avisou aos interessados que passará os próximos 20 dias preparando um pronunciamento que fará ao país. Algo mais bem pensado e que dessa vez não contemple apenas os convertidos.

Estava em boa forma. Reinseriu os pobres na agenda de discussões que passa ao largo deles desde que Bolsonaro e Paulo Guedes subiram a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez. Ensinou que sem povo nas ruas as coisas ficam como estão.

Horas antes do reencontro de Lula com os petistas de raiz, Bolsonaro comportara-se mais ou menos da mesma forma. Convocou os seus a se reagruparem para combater “o canalha” que fora solto. Não citou o nome de Lula, nem precisava.

Lula livre deverá travar a língua de Bolsonaro. Ou deveria. Porque, sem responsabilidade de governo, Lula pode dizer o que lhe vier à cabeça. Bolsonaro, não. O presidente é ele. E qualquer passo em falso que dê o prejudicará, e por extensão ao país.

Nos últimos 10 meses, Bolsonaro governou com céu de brigadeiro. Sem oposição. Sem rebeliões de monta às suas costas. As confusões que enfrentou foram criadas por ele mesmo ou por seus filhos. Uma oposição abatida a tudo assistiu inerte e perplexa.

Se Bolsonaro não entender que a situação mudou e que está na hora de descer do alto dos seus sapatos, pagará um preço caro. Se não for capaz de assimilar golpes sem perder o controle e sem ir à lona, se arriscará a ver rolar morro abaixo a ideia de se reeleger.

Algum assessor de Bolsonaro deveria ler para ele o relato do escritor americano Norman Mailer sobre a luta monumental entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, África, em 1974, pelo título mundial dos pesos-pesados.

É considerada a mais inesquecível da história do boxe de todos os tempos. Ali perdera o título por ter se recusado a lutar a guerra do Vietnã. Então desafiou Foreman, seu sucessor, uma máquina de disparar socos. Retomou o título quando parecia derrotado.

Se quiser reunificar os cinturões, Bolsonaro deveria estudar a estratégia que Ali usou para vencer Foreman. Mais não conto porque seria spoiler.


Bernardo Mello Franco: Com Lula livre, Bolsonaro passa a ter oposição de verdade

Depois de 580 dias preso, Lula vestiu um figurino moderado e disse sair da cadeia “sem ódio”. De volta ao jogo, ele aponta a mira contra o pacote de Paulo Guedes

Depois de 580 dias preso, Lula está livre para fazer política. Aos 74 anos, o ex-presidente volta à cena no papel de líder da oposição. Ele deve bater firme no governo, mas quem apostar numa radicalização corre o risco de quebrar a cara.

Na sexta-feira, o petista começou a mostrar as cartas. Ao deixar a sede da Polícia Federal, ele vestiu um figurino moderado e disse que saía da cadeia “sem ódio”. “Aos 74 anos, meu coração só tem espaço para o amor”, gracejou.

Lula desabafou contra a Lava-Jato e provocou Bolsonaro, mas indicou que seu alvo prioritário será outro: a política econômica de Paulo Guedes. “Depois que eu fui preso, o Brasil não melhorou. O Brasil piorou”, disse.

Na semana em que o governo promoveu um megaleilão do pré-sal, o ex-presidente prometeu “lutar para não permitir que esses caras entreguem o país”. Ele ligou o projeto neoliberal ao aperto na vida dos mais pobres. “O povo tá passando mais fome, o povo tá desempregado, o povo não tem mais trabalho com carteira assinada”, discursou.

Na quarta-feira, o IBGE mostrou que a extrema pobreza cresceu pelo quarto ano seguido e atingiu 13,5 milhões de brasileiros em 2018. A crise foi gestada na gestão de Dilma Rousseff, mas seus efeitos se agravaram depois do impeachment. Isso favorece a tática de comparar o Brasil de hoje com o que ele governou.

Dois dias antes de ser solto, o ex-presidente disse que a esquerda precisa “construir uma narrativa” para voltar ao poder. Em entrevista ao Blog da Cidadania, ele pediu que os petistas “acordem” e parem de morder todas as iscas jogadas pelo clã presidencial.

“O grande cancro deste país não é o Bolsonaro”, disse. “Todo dia a gente tá colocando o Bolsonaro nas nossas redes, dizendo que ele falou bobagem aqui, falou bobagem ali. Enquanto isso, o Guedes vai desmontando, vai vendendo”, afirmou.

Depois de tachar o ministro de aliado dos banqueiros, o petista orientou a tropa a estudar seu novo pacote para criticá-lo. “Não discuta do ponto de vista do economês. Discuta do ponto de vista do povo, da mesa do trabalhador”, reforçou.

“Todos os que não gostavam do PT por causa das suas políticas sociais adoram o que está acontecendo no Brasil”, disse o ex-presidente. Ontem, no palanque, ele chamou Guedes de “demolidor de sonhos” e repetiu que suas reformas empobrecem os trabalhadores.

Lula sabe que não tem adversários à esquerda, apesar do esforço de Ciro Gomes para se contrapor ao PT. Seu desafio é reconquistar os eleitores que bandearam para o outro lado em 2018. Gente que se desiludiu com os escândalos de corrupção e o aumento do desemprego, mas não viu a vida melhorar depois da queda de Dilma.

Na volta ao ABC paulista, o ex-presidente subiu o tom contra Bolsonaro e pediu que os brasileiros voltem ás ruas, seguindo o exemplo dos chilenos. Ao mesmo tempo, reconheceu que o rival foi eleito democraticamente e rejeitou articulações para derrubá-lo.

Em dez meses de governo, o capitão brigou com aliados e torrou capital político, mas nunca enfrentou uma oposição organizada. Com Lula livre, o jogo passa a ser outro.


El País: Lula provoca Bolsonaro e marca posição como seu maior rival

Ex-presidente usa discurso ácido para antagonizar com posições radicais do atual mandatário, mas enfrenta o rótulo de "criminoso" depois que saiu da prisão

O ex-presidente Lula da Silva voltou ao jogo político e já despertou suas bases ao mesmo tempo em que provocou reações de seus adversários. Em seu discurso, em São Bernardo do Campo, adoçou o coração de quem o segue com palavras de esperança de um país melhor, incluindo o aviso de que a esquerda vencerá a extrema direita em 2022. Trouxe também de volta os fantasmas que alimentam a narrativa do Governo Jair Bolsonaro e a massa de antipetistas do Brasil. Depois de acusar o presidente Bolsonaro de governar para os “milicianos do Rio de Janeiro”, e de chamar o ministro Sergio Moro de “canalha”, Lula mencionou os protestos de rua que o Chile vem enfrentando há duas semanas. Citou os chilenos como “exemplo” para “resistir” e “lutar”.

Foi a deixa para acusar o ex-presidente de estimular a violência. “Lula, em seu discurso, mostra quem é e o que deseja para o país. Incita a violência (cita povo do Chile como exemplo), agride várias instituições, ofende o Pres Rep e mostra seu total desconhecimento sobre carreira militar”, tuitou o general Augusto Heleno, ministro de Segurança Institucional, fazendo alusão também ao fato de Lula ter dito que Bolsonaro se aposentou cedo e agora tira direitos previdenciários com a reforma.

Claudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, avalia que o discurso inflamado de Lula para o seu público é estratégico para polarizar com Bolsonaro e posicionar-se como sua principal oposição. “Não foi radical, foi um discurso forte que marca a distância com a extrema direita [de Bolsonaro]”, completa. O que vai definir o jogo eleitoral, no entanto, não são palavras ácidas ou dóceis do discurso. “É saber se ele vai procurar o Ciro Gomes ou não, se será articulador ou se vai se isolar”, completa o professor da FGV.

A esquerda no Brasil saiu fragmentada da eleição de 2018 após a fratura exposta com o PDT, hoje dominado por Ciro Gomes, que nunca visitou Lula na prisão e não perde uma oportunidade de alfinetá-lo. Baixar a guarda é um desafio diante de uma direita que também se dividiu depois de uma aliança pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, mas que deu sinais neste sábado de quem também pode se reaproximar em nome de combater o petista que volta à arena política. “A esquerda nunca foi muito unida”, ressalva a cientista política Maria Hermínia Tavares, que não acredita numa radicalização de Lula e nem do PT. “Ele não foi radical nem nos discursos mais virulentos. O Lula é um político de negociação, e isso pode formar um campo amplo de oposição caso se estique até o ‘centrão’, ao MDB, porque ele já governou com essa gente”, opina. Mas, agora, o PT precisa juntar as forças primeiros, opina. “O partido estava preso em Curitiba e agora está solto”.

Couto concorda. “Hoje ele tem mais apoiadores do que detratores, embora também teremos uma mobilização forte dos bolsonaristas”. O professor entende que se Lula atuar como articulador da oposição, o discurso da esquerda se fortalece. “Ele só vai conseguir capitalizar essa vantagem se “brigar menos e conversar mais”. Ele tem a capacidade de atrair até lideranças do centro, como Renan Calheiros e Roberto Requião, mesmo que o partido deles tenha atuado pelo impeachment da Dilma”, opina.

Mas o petista tem contra si um rótulo pesado depois da prisão, ainda que seu processo seja objeto de questionamento na Justiça, com o recurso de suspeição do ex-juiz Sergio Moro (a ser votado ainda este mês, segundo o ministro Gilmar Mendes), que poderia anular seu processo. “Lula foi condenado e grande parte da população entende que ele é um criminoso. A maior parte do Brasil não comemorou sua saída e ele não tem mais o poder de levar tanta gente para a rua, apesar de sua oratória”, acredita Sergio Denicoli, diretor de big data da AP Exata. É um flanco que foi explorado por Bolsonaro e Moro neste sábado. O presidente se referiu a Lula como um “canalha, momentaneamente livre, mas cheio de culpa”. Moro tuitou hoje que não responderia  a “criminosos, presos ou soltos”, em referência aos ataques de Lula.

Se o recurso de suspeição do então juiz Moro, responsável pela sua prisão em primeira instância no caso do triplex, foi aceito pelo Supremo, teria poder para alterar seu status, avalia o jurista Marco Aurélio de Carvalho, que vê chances de o ex-presidente sair vitorioso no julgamento que pode ocorrer ainda este mês na Segunda Turma. “Ele pode se reabilitar politicamente, e todos os demais processos aos quais ele responde seriam contaminados pela suspeição de Moro”, diz ele. Nesse caso, Lula teria capacidade de regeneração política muito maior, avalia o professor Claudio Couto. “Se houver anulação do julgamento, o jogo muda totalmente de figura”.

Distração provocada

Couto acredita que o antagonismo entre Lula e Bolsonaro traz uma vantagem maior para o segundo. “O presidente opera o tempo todo sendo anti-PT. Lula fora da prisão lhe dá um discurso mais efetivo. Agora ele pode falar que a corrupção está vencendo e que o STF está cedendo à pressão dos condenados”, analisa. Os movimentos de rua da direita exploraram exatamente isso neste sábado, incentivando o apoio à PEC que rever a decisão do Supremo da semana passada sobre segunda instância que libertou Lula e outros desafetos deles, como o ex-ministro José Dirceu.

Para Bolsonaro, a volta de Lula ao cenário nacional ajuda a redirecionar o debate para um nível ideológico, “tirando o foco das dificuldades diárias que o seu Governo vem demonstrando ter”, avalia o analista Thiago de Aragão. “Isso também é o que o Lula quer, tirar o foco de Bolsonaro enquanto busca apoio dos [partidos] de centro para inibir cada vez mais a capacidade do presidente de formar uma aliança forte”, completa.

Essa cartada do presidente, porém, é limitada. Ele também tem seus esqueletos no armário jurídico, com o filho, o senador Flavio Bolsonaro, sendo investigado pelas movimentações financeiras suspeitas do ex-funcionário de seu gabinete, Fabricio Queiroz, o que ofuscou seu papel de defensor da luta anti-corrupção. Couto enxerga no fato de Sérgio Moro ser ministro do Governo um ponto a favor da postura lavajatista do presidente. “Se o Bolsonaro perdeu essa reputação íntegra, embora não tenha nenhuma trajetória histórica de político anticorrupção, ele pode retomá-la com a aliança de Moro”, opina. Hermínia Tavares não vê o presidente se beneficiando e nem se prejudicando com a soltura de Lula. “O fato pode criar um elo maior. Mas só para os que já estão do lado dele”. Vai ser um jogo de resistência para os dois campos até 2022.


Luiz Carlos Azedo: A jararaca está de volta

“Lula pretende percorrer o país para lutar contra o que chamou de “banda podre” do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e, é claro, contra o presidente Bolsonaro”

Para usar uma expressão do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num ato político no Sindicato dos Bancários de São Paulo, após uma condução coercitiva determinada pelo então juiz federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, hoje o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, a jararaca está solta. Sim, porque foi com espírito de jararaca que Lula deixou a prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na sexta-feira, e anunciou que pretende percorrer o país para lutar contra o que chamou de “banda podre” do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e, é claro, contra o presidente Jair Bolsonaro, cuja eleição disse que foi “roubada”, embora não se possa questionar a legitimidade do pleito de 2018.

Quando Lula falou que a eleição fora roubada, numa alusão à derrota do candidato petista Fernando Haddad, não estava se referindo à lisura da votação e contagem dos votos pelo sistema eletrônico, que o presidente Jair Bolsonaro, diga-se de passagem, colocara em suspeição durante a campanha. Não, Lula se referia ao fato de não poder participar da disputa, por ter sido condenado em segunda instância e ter sua candidatura cancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A propósito, sua candidatura catapultou Haddad para o segundo turno, porém, ao mesmo tempo, lhe roubou qualquer identidade e limitou a possibilidade de tecer alianças mais amplas.

A libertação de Lula projeta um cenário de polarização com o presidente Bolsonaro para 2022. Simultaneamente, é um tremendo déja vù político, pois a saída da cadeia não absolve nem devolve os direitos políticos ao ex-presidente petista, cassados em razão da Lei da Ficha Limpa. Com duas condenações e réu em mais sete ações criminais, para que possa ser candidato, são necessárias absolvições, anulação de sentenças e a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. É pasta fora do tubo.

Lula passou 580 dias preso sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, no Guarujá (SP), como propina paga pela OAS, em troca de três contratos com a Petrobras. Apesar de negar sistematicamente esses crimes, a condenação foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com pena de oito anos, 10 meses e 20 dias. Também foi condenado em primeira instância no caso do sítio de Atibaia (SP), por receber vantagens indevidas das empreiteiras Odebrecht e OAS em troca de favorecimento às empresas em contratos da Petrobras. As reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio frequentado por Lula configuraram prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Emenda Manente
Lula pode aguardar a conclusão do processo em liberdade, mas isso não muda sua condição de condenado, que aguarda o trânsito em julgado do caso para cumprir a pena, graças ao princípio da presunção de inocência. Essa é a consequência da decisão de quinta-feira passada do Supremo Tribunal Federal (STF), que aboliu a jurisprudência que determinava a execução imediata da pena após condenação em segunda instância. Processos judiciais são como um trem-parador, vão de estação em estação, até chegar ao fim do ramal.

A propósito da mudança de entendimento do Supremo, todos sabiam do resultado antes da conclusão. Essa é uma característica da Corte, cujas sessões são televisionadas ao vivo e os votos dos ministros, quase sempre, antecipados nas entrevistas e apartes. No caso desse julgamento, interrompido duas vezes, seu resultado já era esperado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A rigor, nenhum dos três se dispôs a confrontar a decisão do Supremo, como é normal numa ordem democrática. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, porém, pôs lenha na fogueira ao dizer que o Congresso poderia mudar o entendimento do Supremo alterando a Constituição. Ora, a exegese dos ministros que defenderam o fim da execução da pena em segunda instância invocava o artigo 5º. da Constituição como cláusula pétrea.

Tramita na Câmara uma emenda constitucional, de autoria do deputado Alex Manente (SP), do Cidadania, que estabelece como norma a execução da pena após condenação em segunda instância. Com o apoio do Novo e do Podemos, as três legendas catalisaram setores insatisfeitos da opinião pública com a decisão do Supremo e se declararam em obstrução a quaisquer votação, até que a PEC seja votada. Era tudo o que os movimentos pela ética na política precisavam para ter uma bandeira mobilizadora, para tentar reverter no Congresso a decisão do Supremo, mandando os condenados em segunda instância de volta à cadeia. Entretanto, não somente Lula estava interessado na mudança, há muitos políticos que pegam carona na decisão do Supremo. Talvez formem maioria no Congresso.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-jararaca-esta-de-voltax/79bf9ab0-3293-4f25-bac6-224d9f941f03/


Alberto Aggio: Lula não pacificará o país

A decisão do STF cancelando a prisão em segunda instância realiza uma intervenção radical na conjuntura política. A soltura de Lula e José Dirceu da prisão, condenados a crimes de corrupção, joga o PT novamente no centro da cena política. Quem imaginava que tudo caminhava morosamente com a divisão de três terços (direita, centro e esquerda) deve ter gostado do resultado da decisão do STF. Isso porque agora o PT sai da defensiva. Não sabemos os movimentos de Bolsonaro. Talvez fique na mesma toada, agitando seus cones ideológicos. O centro deve permanecer no mesmo lugar, em busca de uma identidade mais clara e consolidada para um perfil democrático-liberal, mais progressista ou menos, em oposição aos chamados “dois extremos”.

Pelos discursos dos dois próceres petistas atendidos pela decisão do STF, o PT deve radicalizar sua posição, situando-se em oposição a Bolsonaro (quem imaginava outra coisa estava fora do mundo), mas, mais do que isso. Parece que Lula e o PT irão levantar a bandeira da identidade de “esquerda e socialista”. Com isso, Lula e José Dirceu imaginam que podem “retomar o governo”; na linguagem mais direta de Dirceu: “tomar o poder”. Considerando discursos desse tipo, fica claro que a tal teoria dos três terços, feita para ser superada, não encontrará no PT e em Lula seu algoz já que um discurso assim vai distanciar o PT do centro, necessário para a empreitada de retomada do poder.

Com o PT indo mais à esquerda – sabemos que isso é mais retórica do que outra coisa – revela-se que uma das preocupações de Lula é com o Psol, que cresceu significativamente nesse processo. Trata-se, portanto de uma retomada. Não creio que falar em socialismo a essa altura possa atrair Ciro Gomes e o PDT, aferrados a um nacionalismo ancilosado (o mesmo me parece que se pode dizer do PSB). Essa retomada do discurso petista me parece que só pode vingar nos termos e no campo movediço do lulismo. E ai nós ja sabemos como as coisas se movem, juntando maneirismos e malandragem, no limites, a corrupção. Se não for isso, esquece: não haverá condições de ampliar seus apoios.

Muito provavelmente essa esquerda não se unirá, a não ser pela lógica perversa da corrupção. Outros segmentos de esquerda, a democrática e liberal, está fora de qualquer compromisso como esse e fora desse suposto terço, parte da divisão politica e ideologicamente da sociedade brasileira. Ela ja abandonou qualquer veleidade socialista e não voltará atrás. Esses terços imaginários dificilmente se unirão. A situação também é complicada no campo das direitas e das correntes e partidos ao centro. O futuro de todos eles será decidido democraticamente na competição eleitoral.

Uma coisa é clara. Lula imagina equivocadamente que o tempo passou em vão. Sua libertação ajudará a compreender melhor que a teoria dos três terços só faz sentido dentro de uma lógica de irredutibilidade das estratégias políticas. Ela foi imposta por Bolsonaro e isso lhe garantiu até agora a inciativa política; há grandes cientistas sociais que acreditaram nisso. Mas a realidade não é idêntica a esse desejo, o Brasil é mais complexo. A libertação de Lula ajudará a colocar por terra também a tese de que com Lula na prisão o país não encontraria paz. Como se pode ver pelos discursos dos próceres que estão no centro da cena, trata-se de uma sandice, bem ao gosto do Sr. Fernando Haddad.

Lula não pacificará o Brasil. Bolsonaro é a antítese da paz e da democracia. O Brasil precisa encontrar um rumo novo.


El País: Livre, Lula acende esperança de reanimar uma combalida oposição

Ex-presidente discursa à militância e promete fazer nova caravana pelo Brasil com vistas às municipais de 2020. Petista cumpre promessa e bebe cachaça com militantes de vigília

Ainda não marcavam 13h, horário em que a Justiça Federal de Curitiba iniciaria os trabalhos do dia, e os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já haviam protocolado por meios eletrônicos o alvará em que pediam a soltura imediata dele. A argumentação era simples: a decisão tomada no dia anterior pelo Supremo Tribunal Federal, de que apenas condenados já sem direito a recursos poderiam ser presos, beneficiava diretamente o líder petista. "Torna-se imperioso dar-se imediato cumprimento à decisão da Suprema Corte", ressaltavam. Do lado de fora da carceragem da Polícia Federal, onde desde 7 de abril de 2018 Lula cumpria sua condenação em segunda instância, uma multidão já se aglomerava desde cedo. Centenas de pessoas de diversas partes do país, petistas e militantes de esquerda —alguns acampados ali há 580 dias—, ansiavam pela promessa feita por Lula ainda no cárcere, em uma entrevista ao EL PAÍS e à Folha em abril. Na saída da prisão, afirmou ele, caminharia até a vigília que o saudou diariamente desde que foi preso e tomaria um gole de cachaça com seus fiéis apoiadores para brindar.

Ao lado de um palco montado ali mesmo na rua para o primeiro discurso do petista em liberdade, a espera já era organizada. Sentadas em cadeiras de plástico, a bancária Sandra Goes, 43 anos, e a funcionária de um supermercado, Lenir Riva, de 58, esperavam havia mais de duas horas a chegada de Lula da fila do gargarejo. Lenir queria uma selfie e já planejava até uma forma de chegar mais perto do ex-presidente. "Será que eu consigo pular essa grade?", brincava ela, apontando para a separação que isolava o palco. Já Sandra pretendia mesmo era escutar o discurso. "Quero muito ouvi-lo. A gente precisa dessa presença dele, do que ele tem a dizer para a militância sobre o que devemos fazer neste país para manter a esperança viva em um momento desses", explicava.

A saída de Lula do cárcere, onde ele entrou seis meses antes da eleição que alçou o ultradireitista Jair Bolsonaro (PSL) ao poder, representava para seus apoiadores não apenas a presença física de um líder, mas a expectativa de um rumo para um partido e para uma esquerda que nos últimos anos não conseguiu formar fortes lideranças capazes de renovação e que a menos de um ano das eleições municipais não conseguiu apontar claramente seus candidatos para as maiores prefeituras do país, a de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Um PT que em pouco tempo viu crescer Bolsonaro, com um discurso radical de direita, apoio nas ruas e nas redes sociais antes visto apenas entre o próprio lulismo.  Estava ali, representada na figura de um Lula livre, a esperança de uma organização que o ex-presidente tentou manter a partir da cadeia por meio de recados por escrito e das visitas estratégicas que recebia. Foi de lá que ele decidiu, por exemplo, o momento de se retirar da disputa à Presidência —ainda que há muito já fosse claro que sua condenação em segunda instância o impediria de disputar—. Também foi dali que decidiu que Fernando Haddad seria seu substituto e de onde traçou uma estratégia minuciosa de campanha que quase foi vitoriosa —Haddad perdeu para Bolsonaro no segundo turno, mas o PT conseguiu, em meio à onda conservadora, eleger a maior bancada da Câmara.

Foi também daquele prédio que ele elaborou seu plano de agora, o de retomar outra vez a liderança nas ruas do país, em uma oposição frontal a Bolsonaro. Após um período com a família, ele pretende sair pelo Brasil em mais uma de suas caravanas. Quer reorganizar as bases. E, assim, dar início à campanha de 2022, que, como sempre, começa mesmo nos pleitos municipais de dois anos antes —eleger prefeitos é eleger palanques viáveis, algo extremamente necessário diante de um PSL que ganhou força política e dinheiro para campanha, ainda que esteja em crise com sua principal estrela, o próprio presidente Bolsonaro. No caminho de Lula para esse plano, há ainda obstáculos legais e outros vários processos em curso contra ele. O imediato é a Lei da Ficha Limpa: o petista está livre por causa da decisão do Supremo, mas segue inelegível por ter condenação em duas instâncias no caso do triplex de Guarujá —daí que a pressão a partir de agora é para que STF julgue o caso que pode declarar o então juiz Sergio Moro parcial, o que anularia todas as decisões relacionadas.

A decisão do juiz Danilo Pereira Júnior, da 12 Vara Federal de Curitiba, foi feita pública às 16h15 desta sexta-feira. Ele determinava a "interrupção do cumprimento da pena privativa de liberdade" de Lula, com base na decisão tomada no dia anterior pelo STF. Do lado de dentro do prédio da PF, em uma antessala na recepção, parentes do ex-presidente, como a filha Lurian e um neto, esperavam aflitos a chegada dos advogados que acompanhariam o procedimento de soltura. Já do lado de fora, um cordão de militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) abria espaço para um pequeno corredor, por onde pouco mais de uma hora depois Lula passaria em direção ao palco, dando lugar a um empurra-empurra sufocante.

Acompanhado de Haddad e da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, ele subiu ao local e agradeceu nominalmente uma lista enorme de organizadores de sua vigília. "Não importa se estivesse chovendo, não importa se estivesse 40 graus, não importa se estivesse zero grau. Vocês eram o alimento da democracia de que eu precisava", afirmou o ex-presidente. Apresentou publicamente Rosângela da Silva, sua namorada, um romance iniciado dentro da carceragem de Curitiba, e anunciou que se casa em breve. E nos seus cerca de 20 minutos de fala, atacou primeiro a Operação Lava Jato e o "lado podre" do Estado que "trabalham e trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, o PT, e o Lula". Mirou contra o Governo de seu opositor direitista, a quem acusou de "mentir pelo Twitter", e prometeu lutar para "melhorar a vida do brasileiro", que "está uma desgraça". Fez ainda críticas às políticas educacionais e à taxa de desemprego atual, dando um indício do caminho de seu discurso nos próximos meses. "Amanhã tem encontro no Sindicato dos Metalúrgicos e, depois, as portas do Brasil estarão abertas para que eu volte a percorrer esse país e discutir com o nosso povo uma saída", disse, confirmando os planos da nova caravana e também sua presença em São Bernardo do Campo, seu berço político na Grande São Paulo, neste sábado, onde deve ter novo evento público.

À militância, que o acompanhava atentamente, conseguiu apenas fazer um afago parcial, já que a multidão e o esquema de segurança montado pelos movimentos sociais o impediam de se aproximar da aglomeração. Após sua fala, desceu pela lateral do palco, onde funcionava uma das estruturas da vigília, com uma cozinha. Abraçou e beijou simpatizantes, que, emocionados, choravam. Recebeu um copo de vidro, com alguns dedos de uma cachaça produzida pelos membros do MST. Brindou com militantes e tomou um gole, passando adiante o copo, que ao final do frenesi ainda deitava sobre um balcão, como um troféu. "O Lula abraçou todo mundo. Chorou. Eu disse que o amava no ouvido dele", comemorava a petista Lúcia Fernandes, 58 anos, que estava ali no exato dia em que o ex-presidente foi preso.

- E ele tomou a cachaça que prometeu?

- Tomou! Olha ali! - diz ela, enquanto busca o copo

- Toma um gole, toma! Olha só, era o copo do Lula!


Igor Gielow: Decisão amarra a Lava Jato e cria dilema para Lula Livre

Resta saber se o ex-presidente irá morder a isca do radicalismo jogada por Bolsonaro

Ao longo da discussão acerca da prisão em segunda instância, o número de beneficiados potenciais de uma mudança na jurisprudência variou. Chegou a 190 mil, para ser determinado em 4.895 pelo Conselho Nacional de Justiça.

Mas o fato é que todo o burburinho se deveu apenas a um desses condenados presos: Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-presidente nunca deixou o debate público brasileiro nesses 580 dias entre sua prisão em Curitiba e a decisão desta quinta (7) do Supremo Tribunal Federal.

Tentou forçar uma ilusória candidatura a presidente de forma a viabilizar o poste da vez, Fernando Haddad.

O fez com louvor: o petista chegou ao segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL) e não perdeu de forma acachapante.

Dada a licenciosidade das autoridades com as lideranças do PT, Lula teve amplo tempo para passar suas ordens adiante ao políticos travestidos de advogados de defesa.

Ainda assim, ao restaurar os quatro graus de jurisdição para determinar a prisão de um condenado, o Supremo reinsere Lula como pessoa física na arena política.

Por quanto tempo será, não se sabe, mas certamente o suficiente para embaralhar as cartas de um jogo hoje dominado por Bolsonaro.

A grande incógnita é saber se Lula reagirá com o instinto de quem passou um ano e meio confinado ou se ostentará credenciais de estrategista nessa sua nova fase.

Em público, seu entorno aposta na primeira opção, com a retomada de comícios e caravanas pelo país. Talvez funcione para angariar algum apoio ao PT, sigla que foi dizimada na eleição municipal de 2016 e não tem exatamente grandes expectativas à sua frente no ano que vem.

Mas também pode ser a mordida na minhoca do anzol que Bolsonaro já jogou na água após a aprovação do primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em julho: a da radicalização.

O presidente recolheu-se ao seu terço fiel do eleitorado e apostou na imagem exacerbada que marcou sua candidatura à Presidência.

Com isso, nada melhor do que um Lula aos berros em palanques para justificar existencialmente o esquema de poder espelhado com sinal trocado que ora está no Planalto.

Apenas uma reedição improvável do “Lulinha paz e amor” de 2002 quebraria essa lógica, desenhada nas últimas semanas com as sugestões da família presidencial e aliados acerca de um suposto cenário de protestos à la Chile no Brasil.

Parece algo exagerado prever que Lula ainda mobilize gente desta forma, dada a anemia dos protestos recentes da esquerda, mas basta um incidente mais grave para que seja dado “casus belli” para uma escalada que envolva a mobilização das Forças Armadas, já insinuada por Bolsonaro.

É tudo o que os fardados da cúpula não querem, e que seria combatido pelo Supremo e pelo Legislativo, um caldo institucional tóxico.

Mesmo sem tal cenário, a dicotomia Lula/Bolsonaro é o que pior poderia acontecer ao centro político, que se debate entre os interesses pontuais de seus principais partidos e uma divisão incipiente entre os nomes do governador João Doria (PSDB-SP) e do apresentador Luciano Huck.

A decisão do Supremo tem outros efeitos, não menos importantes. Um já estava decantado nas decisões mais recentes da corte: é a provável pá de cal na Lava Jato, ao menos na forma com que a operação foi delineada desde seu começo, em 2014.

Primeiro, o Supremo mudou o entendimento com que delações premiadas são usadas nos processos. Agora, mata o pilar da prisão em segunda instância. O fez de forma dividida, mas deixando claro que a pressão da opinião pública sobre o tema arrefeceu.

A Lava Jato obviamente continuará, e o seu legado de intolerância com a corrupção não sairá tão cedo do imaginário público. Apesar de todos os excessos, a operação mudou a forma como políticos de má-fé agem no país.

A decisão desta quinta pode gerar uma sensação de retorno à impunidade, mas não é possível dizer agora que isso irá se materializar numa volta inexorável ao passado.

Para o Supremo, há um grande ônus na vitória de sua ala garantista, enfim colhendo a derrota dos métodos da dita República de Curitiba. Mudar de opinião três vezes em dez anos sobre algo tão básico no direito penal é característica de outro tipo de república, a das Bananas.

É impossível não apontar o casuísmo que acompanha o processo decisório do ente que supostamente garante a segurança jurídica no país.

Para bem ou para mal, contudo, é possível acreditar que o tema ainda voltará à baila num futuro próximo, dada a inconstância que marca a mais alta corte. O que é péssimo para sua vocação de poder moderador dos potenciais conflitos à frente.