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Itamar Garcez: O maniqueísmo ideológico dos inimigos da Lava-Jato
É humana a tendência de encarar nossas paixões com fervoroso maniqueísmo. Ou é bom, pleno de virtudes; ou é mal, infesto de defeitos. Este dualismo (ir)refletido, ao lado de inconfidências vazadas e interesses políticos difusos, esvanece o combate à corrupção
O desmanche da Operação Lava-Jato caminha a passos lentos e seguros. Sua desmoralização representará um novo golpe no combate à corrupção no Brasil, como a Operação Castelo de Areia, anulada pelo STJ, em 2011.
A Lava-Jato, no entanto, foi mais longe. As condenações poderão ser anuladas, quiçá os valores roubados e devolvidos pelos malfeitores restituídos. Mas restará histórico que um grupo de homens brancos, ricos e poderosos se organizou para surrupiar bilhões de reais de dinheiro do erário.
Por um punhado de anos foi possível acreditar que não somente pobres e negros mofariam nas masmorras de Cardozo. “Se tanta gente rica e poderosa foi encarcerada, por que não eu?”
Esta expectativa de novos tempos foi embarreirada pelos inimigos, méritos e erros da Lava-Jato. Entre os méritos, o giro excessivo de sua metralhadora, acertando gente demais nem sempre com um tiro fatal. Os erros foram a soberba e o desejo justiceiro. Juízes e promotores deveriam moldar-se pelo equilíbrio, pela sobriedade e pela fidelidade a leis justas. Justiceiros movem-se pela cegueira de convicções pessoais.
Larápios, uni-vos
Os colóquios vazados não representam novidade no mundo jurídico. Se alguém acredita que juízes, promotores e delegados não compartilham suas ações é candidato a viver na Venezuela democrática ou na Amazônia preservada. Causídico de sucesso não é apenas o que sabe os números das leis, mas o telefone de autoridades da Justiça brasiliana. Interações incestuosas indicam a distância entre o Judiciário e a justiça.
A indiscrição hackeada acionou o esprit de corps dos larápios apanhados pela Lava-Jato. A deixa à sobrevivência em liberdade conduziu bolsonaristas e petistas ao mesmo trem rumo à impunidade. PT e seus parceiros, como PP e MDB, acionaram a nata cara da advocacia patrícia. Condenados em busca da ficha-limpa; causídicos atrás dos fartos caraminguás jorrados, de acordo com a Lava-Jato, dos oleodutos irrigados pela corrupção nunca antes desvendada no Brasil, que virou commodity.
Aos acusados juntaram-se togados que, travestidos de promotores, assanharam-se em defesa dos que outrora sentenciaram. Xerifes de ocasião. Com despudor, como uma biruta ao léu, desdisseram-se e o dito passou a não dito. Diante das escancaradas provas dos roubos – R$ 4,3 bilhões devolvidos de R$ 15 bilhões ajustados -, a tática é desmerecer o acusador e desprezar os fatos. Reviravolta e contradições tamanhas, difíceis de explicar a um juiz ou investidor vindos de uma democracia civilizada.
Todo mundo faz…
Se condenados e seus defensores têm motivos palpáveis para se opor aos paladinos da Lava-Jato, o que dizer da militância sequaz que aplaude o desmoronamento da inédita operação policial? Não há aqui resposta única.
Parte dela acredita que nada foi roubado por seus líderes. Parte acha que o assalto ao erário foi praticado por outros companheiros, não pelos seus. Parte crê que o assalto foi por uma causa maior, quando o pecado de hoje justifica o paraíso vindouro. Parte considera que todos se aproveitam dos cofres públicos escancarados, não seria justo que apenas um punhado fosse punido.
Não há, nem de um lado nem do outro, paladinos impolutos. Um lado errou pelo excesso e pela empáfia, largamente respaldados por instâncias legais superiores; o outro, pela rapinagem despudorada e incontida, a qual certamente teria se avolumado inda mais não fosse a contenção lavajatista.
O diretor da Petrobras Marcelo Zenkner disse ao jornalista Eduardo Kattah que o alvo do antilavajatismo é criar um “processo de desmoralização” para fazer crer que toda a operação policial foi “fruto de mera ficção”. Hoje, este processo tem no STF seu bastião irrecorrível. Aos poucos, a Lava-Jato vai derretendo, como visto nos discursos enraivecidos do xerife Gilmar Mendes.
Malfeitos? Não vi
Se é desconhecida a razão da fúria do sufeta supremo, o método adotado para a desconstrução da rara operação policial, que mirou gente muito graúda, é o do maniqueísmo ideológico. Não se trata de algo necessariamente planejado, mas de um mecanismo que cega o raciocínio.
Humanos têm a tendência de enxergar um único lado de suas paixões. A depender de nossos sentimentos ou interesses, superdimensionamos características alheias. Nada mais comum do que o ex-amante que passa a encarar o ex-ser-amado, antes pleno de virtudes, um humano vil e desprezível, onde sobejam defeitos. Sentimento teorizado por Roland Barthes (“O sujeito vê a boa imagem repentinamente se alterar e se inverter”) e poetizado por Chico Buarque (“Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ser dar mal“).
A maior parte da sociedade não reconhece as contradições do Parlamento. “Nada pode haver de positivo num colegiado que rouba e se locupleta”. Generaliza-se que todos os políticos roubam, logo nada de bom pode surgir dali.
O maniqueísmo empalidece a lucidez – ironicamente, um dos pecados fatais dos próceres da Lava-Jato, a sanha de despolitizar a política a partir da politização da Justiça. O Parlamento legou leis avançadas em diversos setores, como o meio ambiente, a proteção a minorias, o direito dos consumidores. “Mas como quem rouba e saqueia os cofres públicos pode produzir algo positivo?” Porque a Terra não é linear, é redonda, e não para de girar em torno de si mesma. Sim, a vida é contraditória.
O maniqueísmo ideológico gera discursos irracionais. “O Congresso Nacional só aprova boas leis porque é pressionado pela opinião pública”. Se assim o faz cumpre bem seu papel, pois, dos três poderes, o único que deve ser plenamente permeável à opinião popular é o Legislativo.
Impunidade estimulada
A Lava-Jato se enquadra neste dualismo excludente, entre o bem pleno e o mal absoluto. À medida que as artimanhas de seus integrantes vazavam, os crimes revelados pela operação eram paulatinamente esvaziados. O roubo que estava ali, escafedia-se. Como provas e evidências dos malfeitos são abundantes, prudente ignorá-las. Detratores da Lava-Jato – os quais, indiretamente, estimulam a impunidade – concentram-se nas intenções malévolas dos investigadores.
Parte desta interpretação polarizada jaz inconsciente. Se não é certo, é errado, fim de papo. Ao mesmo tempo, o maniqueísmo serve como tentativa de evitar que, em 2022, o hodierno mandatário siga à frente da nação. Parece patente, para uma parcela esclarecida e expressiva dos eleitores, que o presidente Jair Bolsonaro representa um retrocesso à democracia a ao desenvolvimento brasilianos. Não é possível contabilizar o valor que o maniqueísmo ideológico, e oportunista, legará aos velhos e novos larápios dos dinheiros públicos.
Malu Gaspar: Anular processos não apaga a história
É dos anos 90 uma das mais bem-sucedidas operações-abafa de um escândalo de corrupção na história brasileira. Numa quinta-feira de 1993, agentes da Polícia Federal descobriram no banheiro da casa de um diretor da Odebrecht em Brasília pilhas de documentos incriminadores. Havia de tudo nas 18 caixas e centenas de disquetes levadas pelos policiais: relatórios sobre negociações subterrâneas, contabilidade de doações não declaradas para campanhas eleitorais, listas de obras com os nomes de políticos, acompanhados de porcentagens e valores, até pedidos de liberação de verbas com assinaturas de prefeitos e governadores, já prontos para ser apresentados pelas próprias empresas à Caixa Econômica Federal.
Vivia-se o auge da CPI do Orçamento. A papelada deu origem a um relatório bombástico, lido em plenário pelo senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul. Bisol, porém, cometeu um erro primário ao propagar que um documento com o organograma formal da empreiteira era, na verdade, um mapa de organização criminosa.
Em sua reação, Emílio Odebrecht explorou o deslize ao máximo. Numa entrevista coletiva tão performática quanto a leitura de Bisol, acusou o senador de perseguição, ignorância e má-fé. O argumento colou na imprensa da época e mobilizou mais de 300 deputados e senadores para enterrar a CPI. Conseguiram. A única consequência prática do escândalo foi a popularização da expressão “trezentos picaretas”, cunhada pelo então oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva para designar os parlamentares.
Dezesseis anos e um mensalão depois, em 2009, os alvos da Polícia Federal foram executivos e dirigentes de outra empreiteira, a Camargo Corrêa. A operação, batizada Castelo de Areia, pilhou um esquema de pagamento de propinas e desvios de recursos de obras como a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Segundo a investigação, o dinheiro desviado era remetido ao exterior por doleiros, usando empresas de fachada e contas offshore em paraísos fiscais. Mas a investigação acabou anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A corte considerou que as provas coletadas não eram válidas porque a apuração começara a partir de uma denúncia anônima.
Em 2014, o esquema voltou à tona. Descobriu-se, de novo, que as empreiteiras patrocinavam campanhas eleitorais e interesses particulares de políticos de todos os calibres e partidos com o dinheiro desviado de estatais como Petrobras, Eletrobras e Transpetro. Batizado petrolão, o escândalo deu impulso à Operação Lava-Jato.
Dessa vez, as investigações foram mais longe. Renderam 295 prisões, 140 delações premiadas, a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos e impulsionaram um processo de impeachment. Mas, como nos outros casos, o dia da desforra chegou. A revelação dos desvios indicados nas mensagens de celular trocadas por procuradores — e captadas ilegalmente por um hacker — criou um clima favorável à anulação de condenações e denúncias.
Sob o argumento de que o foro em que tramitavam não era o correto, foram anuladas as condenações dos ex-presidentes Lula e Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O mesmo argumento levou à suspensão de ações contra o atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Questões processuais já tinham enviado para a gaveta o processo contra o senador José Serra.
Todas essas decisões, comemoradas efusivamente por uns, discretamente por outros, têm enorme serventia político-eleitoral, ajudam a construir narrativas. Mas, embora a morte dos processos por inanição seja bastante provável, ainda é cedo para dizer que a Justiça tenha decretado a inocência de quem quer que seja. Fernando Collor de Mello, afastado da Presidência da República em 1992, só foi declarado inocente pelo Supremo — por falta de provas —em 2014.
Por ora, tais desfechos só provam mesmo duas coisas.
A primeira é que, no Brasil, quando o assunto é corrupção, a história se repete. Escândalos abalam a política, as investigações apontam culpados e, mais cedo ou mais tarde, os processos são sepultados por decisões judiciais que raramente entram no mérito das acusações.
A segunda, e mais importante, é que a história não se anula, muito menos a canetadas. Por mais que se queira esquecê-la ou distorcê-la, de tempos em tempos ela volta a nos assombrar. Quando isso acontece, acumulam-se os prejuízos, aumenta a insegurança jurídica e se reforçam narrativas políticas cada vez mais simplistas e muitas vezes irresponsáveis.
A história cobra um preço alto quando se ignoram suas lições. Quem paga somos todos nós. E não só com dinheiro, mas com um pedaço do nosso futuro.
Merval Pereira: Cabeça de juiz
A novela do julgamento de Lula pode chegar a um fim hoje, se o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que a Segunda Turma, que decidiu pela suspeição do então juiz Sergio Moro, poderia fazê-lo mesmo antes de ser definida a questão da competência da Vara de Curitiba nos julgamentos da Lava-Jato.
Mas, como em cabeça de juiz ninguém sabe o que se passa, a dizer que julgam com independência — a evolução da tecnologia médica não permite mais dizer que não se sabe o que tem em barriga de grávida nem em fralda de bebê —, existem algumas situações peculiares neste julgamento de hoje.
O decano do STF, ministro Marco Aurélio, não concordou com a afetação do processo ao plenário, mas, vencido pela “douta maioria” — nesse caso não tão douta assim, na sua opinião —, já votou a favor da manutenção dos processos em Curitiba, e pode votar outra vez, já que disse que a suspeição de Moro é bem mais importante. O ministro é sempre elogioso ao trabalho de Moro na Operação Lava-Jato e, com seu voto, pode ajudar a impedir que seja confirmada a suspeição dele.
O ministro Alexandre de Moraes disse na sessão anterior que não é possível afirmar que o julgamento pelo plenário significa desrespeito ao princípio do juiz natural: “A estrutura da Corte privilegia o plenário, e as turmas só foram criadas devido ao excesso de trabalho do tribunal”. Com essa posição, é provável que defenda que o plenário tem preferência às turmas. Mas não significa que concorde ou não com a suspeição de Moro.
A ministra Rosa Weber convocou para assessorá-la durante o julgamento do mensalão o juiz Sérgio Moro, que era famoso apenas no círculo jurídico como especialista em combate à corrupção, não a celebridade de hoje. Ela tem melhores condições que qualquer outro para julgar se Moro é um juiz suspeito.
O ministro Nunes Marques é contabilizado como um dos quatro votos certos a favor de que a Segunda Turma tinha condições de julgar a suspeição naquela sessão, pois votou na ocasião, embora contra, para surpresa do ministro Gilmar Mendes. Mas pode alegar que, hoje, com a decisão tomada pelo plenário sobre a incompetência da Vara de Curitiba, considera que aquela questão se sobrepõe à suspeição.
Como ressaltou a ministra Cármen Lúcia, o plenário não é órgão revisor das turmas. Mas, nesse caso, seria uma análise técnica, não uma revisão. *
Nesse caso, o resultado é imprevisível. Já temos três votos pela suspeição dados na Segunda Turma —Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski — e um a favor de Moro, por Nunes Marques. Alguns ministros já se pronunciaram favoravelmente em várias oportunidades sobre a Operação Lava-Jato, como o presidente Luiz Fux e os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello. Assim como fizeram, contra, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Na visão de Fux, a discussão envolvida no caso é relevante, pois pode afetar outros processos da Lava- Jato e “atingir um grande trabalho feito pelo Supremo Tribunal Federal no combate à corrupção”. A sombra que paira sobre o julgamento, os diálogos entre os procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro divulgados depois de ter sido roubados por um hacker, sofreu um golpe com o laudo da Polícia Federal afirmando que não há possibilidade técnica de atestar sua veracidade ou origem. O laudo não apagou da mente dos ministros a impressão causada, mesmo que digam que não o usaram nas decisões, mas colocou concretamente a possibilidade de que tenham sido alterados.
A suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá criará uma situação esdrúxula: o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro, que confessou ter dado o apartamento a Lula em troca de benefícios recebidos durante seu governo, será também absolvido, assim como o ex-executivo Agenor Franklin Medeiros, ambos condenados no mesmo processo. O mesmo acontecerá nos demais processos contra Lula, caso o benefício seja estendido a eles pelo ministro Gilmar Mendes, novo relator da Lava-Jato na Segunda Turma do STF.
Vinícius Müller mostra passos fundamentais à criação da “pedagogia do centro”
Em seu artigo na Política Democrática Online de abril, doutor em história e professor do Insper e CLP sugere como não cair na polarização entre Bolsonaro e Lula
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Possíveis candidatos de centro à presidência da República (Ciro, Doria, Amoedo, Huck, Mandetta e Leite) devem superar, primordialmente, duas barreiras e criarem “uma pedagogia” da ala, se quiserem vencer nas eleições de 2022. A avaliação é do doutor em história Vinícius Müller e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Em artigo de sua autoria produzido para a revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ele explica, basicamente, o que os possíveis presidenciáveis devem fazer: “encontrar um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação” e não ter laços frágeis.
Veja a versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Também professor do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller diz que a primeira lacuna a ser vencida “é a fragilidade da proposição que vê o problema apenas na inexistência de um projeto comum entre eles”. “Não é o futuro que conta, e sim o passado”, alerta o historiador.
Aceno de aproximação
Por isso, de acordo com o artigo de Müller, os possíveis candidatos de centro precisam encontrar, antes de um projeto comum, um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação.
A segunda lacuna, segundo o articulista da Política Democrática Online de abril, é encontrar uma solução para não se apresentarem com “laços frágeis”. Nessa hipótese, avalia, “consequentemente, o fortalecimento do centro não significará nada de muito diferente do que é para os candidatos polares, Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido).
Se não houver um passado que dê substância à formação de um centro político, este espaço será ocupado por aqueles que o usam apenas de modo instrumental, na avaliação do historiador do Insper.
Em seu artigo na revista da FAP, o autor diz ser necessária a criação de uma pedagogia do centro, “que não só repudie a narrativa histórica da ‘luta’ – característica daqueles que atiçam a polarização e usam o centro apenas como ferramenta -, mas também identifique os valores que são vistos no passado e transferíveis ao futuro”.
Negativo vs positivo
É por isso que, na Política Democrática Online de abril, ele apresenta quatro passos fundamentais à criação de um ambiente favorável para que o centro deixe de se posicionar como o “negativo’ à polarização e seja o “positivo” de nossa trajetória e de nosso futuro. (todos os detalhes podem ser conferidos diretamente na publicação).
“Ou seja, aquele que carrega – porque identifica, valoriza e comunica – “os avanços que tivemos em nossa história quando conseguimos anular a retórica da ‘luta’; e não o refúgio daqueles que só querem reproduzir nossos males”, analisa Müller, em seu artigo.
A edição de abril da Revista Política Democrática Online também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, análises de política nacional, política externa, cultura, entre outras, além da reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online
O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.
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Andrea Jubé: 'Deus poupou-me do sentimento do medo'
Centro já descartou Huck e Moro como presidenciáveis
Vamos tratar aqui de três presidentes: pela ordem, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, e Jair Bolsonaro. Este passou recibo, com firma reconhecida, de que sentiu a mão fria do “impeachment” roçar-lhe as costas na semana passada, quando o colegiado pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) desferiu-lhe duas bordoadas: confirmou a ordem de instalação da CPI da pandemia, e o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A CPI da pandemia, se não tem o impedimento do presidente como alvo, provocará enxaquecas palacianas. Lula, por sua vez, desponta hoje como a principal ameaça à reeleição de Bolsonaro. Mas, remarque-se que a política muda como as nuvens - ou como o humor presidencial.
Bolsonaro está mal humorado, e deixou o azedume transparecer na “live” de quinta-feira, quando o STF sacramentou a investigação contra seu governo, e a elegibilidade de Lula. “Só Deus me tira da cadeira presidencial, e me tira, obviamente, tirando a minha vida", vociferou.
Em recado velado, porém, audível, ao Congresso, ao STF e à oposição, acrescentou, com ênfase, que salvo a prerrogativa divina, “o que nós estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar, mas não vai mesmo. Não vai mesmo, tá ok?” Nesse trecho cifrado, Bolsonaro aludiu à ameaça de “impeachment”.
O temor do impedimento ronda o Planalto há meses, e vai e volta em ondas, como o mar. Ou como a pandemia, para ser exata. A primeira onda deu-se em junho do ano passado, quando Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso, o que acendeu a luz amarela no Palácio. O episódio teve o condão de suspender a sucessão de atos antidemocráticos pelo fechamento do Congresso e do STF, que Bolsonaro, e sua militância, estimulavam.
A segunda onda se consumou há algumas semanas, quando o Centrão redobrou a pressão pela saída do chanceler Ernesto Araújo, em paralelo ao recrudescimento da pandemia. Para não passar recibo, Bolsonaro improvisou uma ampla reforma, aproveitando-se para se livrar do incômodo ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas, que, pela sua percepção, não o respeitavam como comandante-em-chefe, conforme prescreve a Constituição Federal.
Nessa ampla reforma o medo do “impeachment” ganhou nome e sobrenome: Flávia Arruda, a elegante e discreta ministra da Secretaria de Governo, cuja nomeação selou a aliança de Bolsonaro com o Centrão raiz: o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o PL de Valdemar Costa Neto.
Quando os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto decidiram finalmente ceder e entregar a articulação política para o Centrão, uma semana antes do domingo de Páscoa, o primeiro nome lembrado foi o do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que tinha o padrinho mais forte do mercado: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Mas toda a força de Flávio empalidece diante da caneta de Arthur Lira (PP-AL), que despacha os requerimentos de “impeachment”. Por isso, os dois generais concluíram que o novo ministro tinha de ser egresso da Câmara, e abençoado por Lira. Ontem Flávia admitiu em uma “live” promovida pela XP Investimentos, que recebeu o convite de Bolsonaro para assumir o cargo, mas tratou do assunto com Lira, e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Com Flávia Arruda, Bolsonaro reforçou a blindagem contra o “impeachment” com uma segunda camada. A primeira camada é o vice-presidente, Hamilton Mourão. Num cenário de instabilidade quase permanente, nenhum deputado ou senador calejado de crises quer apear um ex-deputado do poder para passar a caneta para um general. “Ele não inspira confiança”, reconheceu um cacique do Centrão em conversa com a coluna.
Um cacique do Centrão é categórico ao rechaçar qualquer risco de “impeachment”, a começar porque falta o elementar: povo na rua. “Impeachment” depende de dois motivos: o político e o jurídico. A pandemia complica o elemento “povo na rua”, mas isso não basta para revisar a fórmula basilar dos impedimentos presidenciais: motivo político, primeiro; depois, o jurídico. “O motivo jurídico se arruma, no [Fernando] Collor foi o Fiat Elba, com a Dilma [Rousseff], foram as pedaladas, mas tem que ter o ingrediente da sociedade cobrando”, explica o líder do centro.
Nessa quadra, cresce a corrida pela terceira via capaz de quebrar a iminente polarização entre Lula e Bolsonaro. A novidade é que embora ainda figure nas pesquisas, o nome do apresentador Luciano Huck foi alijado das conversas de bastidores no Centrão. Com Lula no jogo, a convicção unânime é de Huck refugou. Por ora, o ex-juiz Sergio Moro também não é levado a sério como presidenciável, apesar da boa performance nas pesquisas.
Sem Huck e Moro, o nome que mais empolga no momento é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM. Na pesquisa Ipespe realizada no Estado de São Paulo, encomendada pelo Valor, Mandetta alcançou 6% no cenário com o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, disputando, sem João Doria.
Entretanto, o DEM também já colocou no radar de presidenciáveis o nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que larga com alguma vantagem em relação ao correligionário: ocupa cargo de visibilidade nacional, e é mineiro, representante do segundo maior colégio eleitoral, berço de presidentes da República, desde a política café-com-leite, até Tancredo neves e Itamar Franco.
Para citar os mineiros, faz falta a Bolsonaro um conselheiro político do quilate de Tancredo Neves, que serviu a Juscelino Kubitschek. Tancredo ajudou o poeta Frederico Schmidt a redigir para JK um pronunciamento que se tornou famoso ao repelir uma rebelião militar. A frase mais forte proclamava: “Deus poupou-me do sentimento do medo”.
Eliane Catanhede: Proliferam não só nomes, mas frentes para um projeto pela democracia, pela vida
Em debate, Ciro, Doria, Haddad, Leite e Huck focam na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial ‘genocida’
O principal recado do debate entre Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Eduardo Leite e Luciano Huck, sábado à noite, foi a civilidade, até gentileza entre eles, ao longo de quase três horas. Deixando as divergências de lado, eles focaram na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial “genocida”.
Há inúmeras frentes para virar a página Bolsonaro e tocar a reconstrução do País, uma espécie de transição à la Itamar Franco pós-Collor. Assim como naquela época, o PT não participa de um projeto de união nacional, mas Haddad compôs bem a mesa, com conhecimento e sobriedade.
Ciro Gomes, ex-candidato três vezes à Presidência, ex-ministro e ex-governador do Ceará, é o que mais impressiona, com seu malabarismo verbal para juntar temas diferentes, amontoar números e produzir uma imagem de experiência e competência. Foi, também, responsável pela maior lista de “atributos” do presidente.
Doria foi Doria, a começar do vídeo e do áudio impecáveis, tudo milimetricamente programado. O governador de São Paulo explorou o fato de ter liderado a guerra pelas vacinas contra a covid no País e deixou o carimbo mais contundente contra Bolsonaro: “mito das mortes”.
Haddad, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação e ex-adversário de Bolsonaro no segundo turno de 2018, foi menos candidato, mais militante, preocupado em defender os feitos dos governos do PT, enquanto batia duro no “autoritarismo” de Bolsonaro.
Eduardo Leite, o jovem tucano que saiu de uma prefeitura do interior para o governo do Rio Grande do Sul sem passar pelo Legislativo, mediu palavras e fugiu da eloquência e da agressividade dos demais contra o presidente e o governo. Foi bastante crítico, mas num tom abaixo.
Essas impressões são, de certa forma, consensuais, mas quem mais dividiu opiniões foi Huck, celebridade sem passagem pelo setor público. Para uns, incapaz de enfrentar o debate no campo da economia e das políticas públicas. Para outros, foi o que focou nos dois temas do futuro: era digital e desigualdade social. “Mais jovem, mais atualizado”, resumiu uma importante jornalista. Se isso define um bom candidato, é outra história.
No final, o professor Hussein Kalout, que dividia comigo a mediação no encerramento da Brazil Conference, organizada por estudantes brasileiros de Harvard e MIT, lançou um desafio: Bolsonaro fez algo de bom? O primeiro a cair na armadilha foi Ciro: a menor taxa de juros em 30 anos. Leite citou a reforma da Previdência. Huck, o auxílio emergencial.
Na verdade, a reforma veio do governo Temer e o auxílio emergencial foi obra do Congresso. Haddad foi no ponto: todo governo democrático tem qualidades e defeitos, mas os “autoritários” não têm qualidades. E Doria concluiu: o grande feito de Bolsonaro foi transformar o Brasil em pária internacional. Só ele conseguiria isso.
Foram abordados: pandemia, fome, economia, política externa, ambiente, educação, ciência e tecnologia, mas também autoritarismo e investidas sobre polícias estaduais. Ao citar o motim da PM do Ceará, quando seu irmão, senador Cid Gomes, levou dois tiros, Ciro Gomes disse que a intenção de Bolsonaro é “formar uma milícia militar para resistir, de forma armada, à derrota eleitoral”. O temor é generalizado.
Exceto Haddad, os outros já tinham assinado um manifesto pela democracia e novos nomes nessa linha continuam surgindo: Tasso Jereissati, Temer, Luiza Trajano, Luiz Henrique Mandetta... Quem tem tantos nomes é porque não tem nenhum, mas o fundamental é que proliferam frentes para construir um projeto de união nacional pela democracia, pela gestão, pela vida. É assim que tudo começa...
Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, suposto complô para matar o presidente vira denúncia bombástica
O vídeo em que a jornalista Leda Nagle repercute a postagem de um perfil falso do diretor-geral da Polícia Federal sobre uma suposta conspiração do STF e de Lula no atentado contra Jair Bolsonaro em 2018 incendiou as redes bolsonaristas nesta segunda-feira.
O vídeo de pouco mais de 2 minutos surgiu nas redes logo pela manhã, quando Leda leu os tuítes da conta falsa de Paulo Maiurino, já suspensa pelo Twitter, em uma live privada.
"Minha Nossa Senhora do perpétuo socorro (…) Eu não sei o que fazer, fico tão assustada com isso tudo! Porque isso não é política, né? Isso é tudo, menos política", disse a jornalista, depois de ler toda a postagem falsa em nome de Mairuino.
Imediatamente, foram disparadas mensagens em massa reproduzindo a fake news, e apontando Leda Nagle como a responsável pela suposta apuração.
“A ordem para matar Bolsonaro partiu do STF e Lula! Diretor da Policia Federal Paulo Maiurino fez declaração que pode provocar uma intervenção no país, assistam! Fonte: Jornalista Leda Nagle”, diz um texto replicado em vários grupos.
No início da tarde, Polícia Federal informou que o perfil do diretor, Paulo Maiurino, havia sido falsificado. Leda Nagle chegou a se desculpar publicamente por ter divulgado a informação falsa, mas era tarde.
A narrativa da conspiração foi multiplicada ao longo de todo dia, acompanhada de memes e reproduções de mensagens com apelos por uma ruptura institucional e ataques críticas ao STF e ao PT.
Numa delas, Adélio Bispo, preso pela facada que deu em Bolsonaro durante a campanha de 2018, aparecia dizendo "eram 11, mas só um deu a ordem".
“Estamos neste momento em guerra. Conforme o chefe da Polícia Federal, foi o STF quem mandou matar Bolsonaro. Exigimos o fechamento e a prisão de todos os membros do STF que estão por trás desse crime”, escreveu um bolsonarista em caixa alta.
“As suspeitas de envolvimento do STF na tentativa de assassinato do presidente, se confirmadas, poderão levar a uma reviravolta completa na atual organização política do Estado Brasileiro. E muitas, muitas prisões serão efetuadas”, apostou outro apoiador do presidente, com mais de 10 mil seguidores no Twitter, em publicação replicada em vários grupos do WhatsApp.
No Telegram, um áudio apócrifo contava sobre um suposto relato do senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e de um integrante “barra pesada” do Gabinete de Segurança Institucional que "revelava" outros mandantes da falsa conspiração: Jean Wyllys, José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso.
À noite, quando diversas reportagens denunciando as fake news já haviam sido publicadas, o teor das postagens se inverteu.
Aí, o link mais compartilhado era o de uma postagem em um site bolsonarista acusando "gabinete de ódio" da esquerda de “linchar” Leda Nagle e promover fake news a respeito dela.
Em outro vídeo bem popular, o jornalista Alexandre Garcia, também ligado a Bolsonaro, defende a colega. "A ironia disso é que muita gente que está caindo de pau sobre ela inventa notícia todos os dias. Não tem moral para gozar alguém que foi enganada."
Junto com as postagens, uma mensagem bastante reproduzida dizia: "Leda Nagle, o Brasil te Ama".
Juan Arias: Por que Lula prefere que Bolsonaro chegue politicamente vivo às eleições?
Para entender esta estranha postura do petista, é preciso levar em conta que se trata de um estrategista que sabe observar a situação política em longo prazo
Muita gente acha estranho que Lula veja com desagrado a abertura da CPI da covid-19, que poderia acabar com uma condenação de Bolsonaro, e a abertura de um processo de impeachment presidencial no Congresso.
Lula não diz isso abertamente, mas é o que dá a entender através de seus assessores mais íntimos. Jacques Wagner, por exemplo, um dos caciques do PT a quem Lula mais escuta, causou surpresa ao se manifestar no Senado contra a abertura da CPI da Covid. Da mesma forma, Lula não demonstra nenhum interesse em que o Congresso abra um processo que possa resultar na destituição do capitão.
Para entender esta estranha postura de Lula, é preciso levar em conta que se trata de um estrategista que sabe observar a situação política em longo prazo. Nisso poucos ganham.
Assim, de olho na candidatura presidencial em 2022, ele considera, conforme confidenciou a alguns amigos que mais o frequentam, que definitivamente o melhor adversário para um duelo político tão crucial para ele seria Bolsonaro, mais do que qualquer outro.
Por isso prefere que o presidente não caia antes das eleições. Lula sabe que sua maior vitória, inclusive em nível internacional, seria destronar o genocida que arrastou o Brasil para o inferno. Para Lula, ganhar de qualquer outro candidato não teria a mesma força simbólica que derrotar o psicopata que está transformando o país um cemitério com seu negacionismo e com seu hábito de inclusive zombar da pandemia.
Lula sabe que, se Bolsonaro for impedido de disputar as eleições, a única alternativa à disposição do bolsonarismo seria seu vice, o general Hamilton Mourão, um militar duro, mas que tem um maior gabarito intelectual e uma maior capacidade de diálogo político.
Lula sabe que muitos direitistas que não votariam mais em Bolsonaro poderiam fechar com seu vice. Isso incluiria muita gente no mercado e no mundo das finanças que está desiludida com Bolsonaro e, embora em condições normais nunca votasse na esquerda, poderia optar por Lula se ele tiver um vice oriundo do mundo que domina a economia, como foi o caso do empresário José Alencar em seus mandatos anteriores (2003-2011).
Ao mesmo tempo, até os militares hoje em dia estão no mínimo perplexos com o capitão, que acabou desprestigiando a instituição com suas loucuras e seu afã de apresentar as forças armadas como “seu Exército”. Com Mourão, os militares poderiam ter um candidato mais confiável.
Lula sabe disso e por esse motivo prefere enfrentar Bolsonaro, que certamente, se não cair antes disso, chegará muito debilitado às eleições. Quanto aos militares, Lula já está tateando para abrir um diálogo com os quartéis. Pensou inclusive na hipótese de escolher um militar como vice.
Para Lula, seria paradoxalmente mais fácil derrotar Bolsonaro do que um candidato conservador que tivesse o apoio das elites econômicas, que começam a abandonar o presidente, mas ao mesmo tempo estão contra a bipolaridade entre esquerda e direita.
Para muitos, continua valendo o lema “nem Lula nem Bolsonaro”, mas, tendo que escolher entre um deles, afinal poderiam acabar apostando em um Lula que se apresente mais como centrista do que como representante da velha esquerda. Foi o que confirmou pessoalmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao admitir que, se tivesse hoje que decidir entre Bolsonaro e Lula, votaria no petista, seu histórico adversário.
Na situação do ex-presidente FHC estão muitos que também hoje prefeririam votar em Lula a não no capitão, cada dia mais desprestigiado. Lula sabe que, hoje, quem desperta maior rejeição da direita democrática é Bolsonaro. Por isso seu instinto o leva a preferir desafiar o capitão ferido politicamente a qualquer outro candidato.
Para Lula na verdade seria melhor duelar com um Bolsonaro desmoralizado dentro e fora do país do que com um candidato do centro, que poderia ser o preferido daqueles que hoje rejeitam tanto as cavernas direitistas do bolsonarismo-raiz como a velha e desgastada esquerda. Por isso Lula já está flertando com o centro e até com a direita com a qual já governou.
Lula tem um olfato político que acaba desorientando até seus colaboradores mais próximos. 2022 já está às portas, e poderemos ver se ele tem ou razão em querer que Bolsonaro chegue ferido às eleições, mas politicamente vivo.
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro gostaria de torturar os números, mas no tribunal da ciência não existe anistia
Por qualquer ângulo que se avalie, desastre brasileiro na pandemia é imenso
Com a instauração da CPI, os bolsonaristas aceleraram a produção de mentiras para fazer parecer que a gestão da pandemia por Bolsonaro não foi tão ruim assim. Algumas são pura ficção (“Lulinha é dono da fábrica chinesa de vacina”), e, sinceramente, se você acredita nisso, você é otário.
Mas algumas das mentiras que os bolsonaristas vão contar na CPI são baseadas em dados verdadeiros. O que é sempre falso são as coisas que os governistas tentam dizer com esses dados.
Por exemplo, os governistas gostam de dizer que o número de vacinados no Brasil é alto, se comparado ao de outros países. Até é, mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso: 80% dessas vacinas são Coronavac, do Butantan de Doria, que Bolsonaro prometeu não comprar. Tente refazer o ranking só com as vacinas que Bolsonaro importou e veja em que posição estamos.
Note que na hora de olhar para as vacinas aplicadas, os bolsonaristas gostam de usar os números absolutos (quantos foram vacinados), e não os relativos (a porcentagem da população vacinada, que é bem menor no Brasil do que em outros países).
Mas na hora de olhar para o número de mortos, preferem usar os números relativos (mortos por milhão, em geral). Não é por acaso: no número absoluto de mortes, só estamos atrás dos Estados Unidos (que têm 100 milhões a mais de pessoas e muito mais velhos).
Olhemos então para o ranking de mortes por milhão, o mais favorável a Bolsonaro. Mesmo neste ranking, só há 12 países piores do que nós (passamos os Estados Unidos outro dia). Entre eles há países com muito mais velhos do que o Brasil, como o Reino Unido e a Itália, e países pouco populosos (e também velhos) do Leste Europeu (em geral, com menos de 10 milhões de habitantes).
A Covid-19, em especial em sua forma original, matava mais velhos do que jovens; é preciso, portanto, levar isso em conta na comparação entre países.
Em 3 de fevereiro de 2021, o jornal Correio Braziliense publicou um estudo do pesquisador Marcos Hecksher, do Ipea, que calculou a probabilidade de um cidadão morrer de Covid-19 nos diferentes países, levando em conta tanto o tamanho do país quanto as características demográficas (número de idosos) de cada um.
No geral, segundo o estudo, a chance de um brasileiro morrer de Covid-19 é de 3 a 4 vezes maior do que no resto do mundo. Foi o estudo de Hecksher que causou a proibição a pesquisadores do Ipea de discutir suas pesquisas com a imprensa sem autorização do governo.
No ranking de Hecksher, o Brasil só aparecia melhor do que 9 países, a maioria na América Latina. O estudo, entretanto, compara os dados de 2020. A explosão de mortes no Brasil em 2021 foi muito pior do que no ano passado.
Faz um mês que os brasileiros mortos por Covid-19 são cerca de 30% dos mortos pelo vírus no mundo. A população brasileira representa apenas cerca de 2,7% da população do mundo. Na comparação internacional, já devemos estar bem piores do que na medição do estudo censurado.
Enfim, é sempre importante olhar os dados de vários lados, mas não há nenhum ângulo sob o qual o desastre brasileiro na pandemia não pareça imenso. O tamanho desse crime é consenso entre os pesquisadores internacionais. Até por coerência, Bolsonaro gostaria de torturar os dados. Mas no tribunal da ciência não existe anistia.
*Doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
O Globo: 'Começa um movimento de incentivo à candidatura de Tasso Jereissati', diz Bruno Araújo
Ao GLOBO, Bruno Araújo afirma que senador pelo Ceará pode aglutinar nomes do centro político e atrair até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes (PDT)
Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo
SÃO PAULO - Enquanto uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria, à Presidência da República não agrada algumas alas do PSDB e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é visto como inexperiente, parlamentares do partido passaram, na última semana, a citar o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como um nome capaz de unir as forças políticas de centro em 2022.
Em entrevista ao GLOBO, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convidou Tasso a se colocar como candidato e fez uma série de elogios ao senador, que descreveu como “um nome que transcende o PSDB”. O senador tucano, segundo aliados, poderia atrair até Ciro Gomes (PDT), que foi seu sucessor no governo do Ceará em 1990 quando ainda estava no PSDB, e com quem voltou a conversar.
O PSDB tem prévias marcadas para outubro. No domingo, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), defendeu o nome de Eduardo Leite.
Os tucanos tentam construir uma aliança de centro para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. No sábado, Doria, Leite, Ciro, o apresentador Luciano Huck e Fernando Haddad (PT) se uniram em críticas a Bolsonaro no evento virtual Brazil Conference, promovido pelas universidades americanas Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
No fim do mês passado, tivemos o manifesto de seis presidenciáveis. É viável a união desse grupo?
Ela é viável, é fundamental. (O manifesto) é o primeiro gesto público de que há diálogo real entre os principais protagonistas. Não vamos reduzir para duas alternativas no campo do centro num jogo de dado. Vamos fazer com diálogo.
Quantos nomes cabem no campo do centro em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro?
O sonho que beira a ingenuidade seria um único nome. Algo a partir de três nomes começa a atrapalhar muito essa construção.
A visão econômica do Ciro Gomes pode atrapalhar a união com os demais signatários do manifesto?
É fundamental a participação do Ciro Gomes. Aliás, (a visão econômica) não pode ser tão distinta porque a introdução de Ciro Gomes na sucessão ao governo do Ceará (em 1991), quando era tucano, se deu pela liderança do então governador Tasso Jereissati.
Como poderia ser definido um critério para a escolha do candidato a encabeçar essa união?
É justamente essa construção e os fatores que vão levar a essa definição que serão discutidos. Temos fatos novos todos os dias. Dentro do PSDB, depois da própria provocação do Eduardo Jorge, começa um movimento muito forte de incentivo ao nome do senador Tasso Jereissati (o ex-presidenciável do PV fez uma publicação sugerindo a candidatura de Tasso). Recentemente se intensificaram movimentos no sentido de convencê-lo a aceitar colocar o seu nome. Claro que é um nome que enriquece muito o processo político nacional e transcende de forma definitiva o PSDB.
O senhor já conversou com Tasso sobre isso?
Tem que ser respeitado o tempo de cada um. Fica aqui um convite público, para que ele aceite esse chamamento.
O governador João Doria não decola nas pesquisas e não consegue capitalizar o fato de ter trazido a CoronaVac ao país. A que atribui isso?
O governador Doria tem muito mais ativos do que passivos. O que ele não teve e outros pré-candidatos têm é a possibilidade de ter tido uma exposição de uma eleição nacional. A real definição do eleitor brasileiro se dá na metade do processo eleitoral. Até lá, e neste momento em especial, a população está tentando sobreviver.
Como o senhor vê a ascensão do governador Eduardo Leite no PSDB e as projeções de que ele teria hoje mais simpatia interna do que Doria?
É um dos nomes mais relevantes dessa nova geração. É a juventude e a expectativa de crescimento na sua liderança política que ele leva como um ativo às prévias do partido.
Qual vai ser o papel do PSDB na CPI da Pandemia?
Foi indicado pelo PSDB um dos homens públicos mais respeitados e mais experientes da República, o senador Tasso Jereissati. Será uma apuração com responsabilidade. Mais do que buscar culpados, precisamos apontar caminhos para essa grave crise de saúde e econômica que nós temos.
Carlos Pereira: A justiça (agora) foi feita
A confiança na Justiça é mediada pela congruência entre identidade ideológica e decisão judicial
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar a 13.ª vara de Curitiba incompetente para julgar o ex-presidente Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro gerou reações polarizadas. Por um lado, foi fortemente criticada por adversários do petista, que expressaram insatisfação com o sistema de Justiça criminal brasileiro supostamente "disfuncional, casuístico e irracional". Por outro lado, tal decisão foi extremamente celebrada por seus apoiadores como uma "vitória da democracia", reparação de uma "injustiça histórica" e que "restabelece a segurança jurídica e a credibilidade do sistema de Justiça".
Há quase quatro anos, quando foi anunciada a primeira condenação do ex-presidente Lula, as reações foram diametralmente opostas. Seus opositores viram naquela decisão uma sinalização de que "juízes e procuradores brasileiros estariam comprometidos com a lei e com a ideia de que ninguém estaria acima dela". No outro extremo, seus seguidores a interpretaram como “injusta” e como uma "perseguição política contra o ex-presidente".
Em democracias, espera-se que o sistema de Justiça atue de forma imparcial ao investigar e julgar líderes políticos que apresentem comportamentos desviantes. No entanto, com a polarização política - não apenas na sua dimensão ideológica, mas fundamentalmente identitária e afetiva - nas alturas, cidadãos tendem a perceber o sistema de Justiça como parcial dependendo de qual lado penda a decisão do juiz.
Quando a decisão judicial se apresenta de forma congruente com as identidades afetivas e ideológicas das pessoas, espera-se que elas interpretem que a justiça foi feita. Mas quando a Justiça contraria as suas expectativas afetivas, espera-se que elas percebam o sistema de Justiça como injusto.
Mas até que ponto a percepção das pessoas sobre um julgamento de um líder político depende de sua identidade ideológica e afetiva?
Para responder a essa pergunta, eu e meus coautores, André Klevenhusen (doutorando da FGV EBAPE) e Lúcia Barros (professora da FGV EAESP), implementamos, via internet, uma pesquisa de opinião experimental com 829 cidadãos brasileiros entre os dias 26 dezembro de 2020 a 13 de janeiro de 2021.
Os participantes tiveram a oportunidade de escolher, em uma eleição hipotética, seu candidato preferido entre quatro alternativas ideológicas distintas: liberal, libertário, populista e conservador. Distribuímos aleatoriamente uma vinheta na qual um desses quatro candidatos, que estava liderando as pesquisas de opinião, tinha sido condenado pelo Tribunal de Justiça por corrupção. Em seguida, os participantes responderam a perguntas que mediam a sua confiança nas decisões judiciais.
Um resultado até certo ponto positivo para a Justiça brasileira foi o de que a maioria dos respondentes nela confia e o grau de confiança independe do seu perfil ideológico. Este padrão persiste em cenários de congruência (o candidato rejeitado é condenado) e indiferença (nem o candidato preferido nem o rejeitado são condenados) em relação aos veredictos dos juízes.
Porém, quando ocorre incongruência (o candidato preferido é condenado), o grau de confiança na Justiça diminui. Ou seja, a confiança nos tribunais varia apenas quando o candidato preferido recebe um veredicto condenatório. Curiosamente, o grau de confiança na Justiça não aumenta quando o candidato rejeitado é condenado.
Embora não tenhamos ainda pesquisado o impacto da absolvição de políticos ideologicamente congruentes na confiança na Justiça, é plausível supor que os eleitores do ex-presidente Lula, que até então cultivavam uma percepção derrogatória da Justiça brasileira, passem, a partir da nova decisão do STF, a avaliar positivamente a Justiça, ainda que ele não tenha sido absolvido.
* É professor titular, FGV EBAPE, Rio de Janeiro
Cristovam Buarque: Não basta a China
A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros
No excelente livro “Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro” a jornalista escritora Eliane Blum escreveu que: “Como o mundo regido pelo capital não ficaria encantado por um presidente que tornava os ricos mais ricos e os pobres menos pobres sem precisar redistribuir a riqueza nem ameaçar privilégios de classe?” […] “A mágica de Lula só era possível devido ao aumento da exportação de matérias primas e movida especialmente pelo crescimento acelerado da China”.
Outra vez é a China que está nos salvando com sua vacina, além de continuar como o grande parceiro comercial. Se não fosse a China, nossa situação sanitária estaria muito mais desesperadora. Mas quando a epidemia passar, o Brasil não estará bem, mesmo que tenha UTIs livres. Não vamos contar com a China para resolver os problemas do Brasil.
A injeção de dólares vindos da China no período Lula permitiram aumentar a renda e o consumo inclusive das camadas mais pobres, mas não se fez o que era preciso para enfrentar o quadro real da pobreza: saneamento, educação de base com qualidade universal, transporte público eficiente e confortável, garantia de emprego, paz nas ruas. Os governos não iniciaram qualquer reforma estrutural sobretudo na área social, a recessão, desemprego, inflação, e agora a epidemia, desfizeram os ganhos puramente monetários e conjunturais. Sem as reformas na educação, na saúde, na economia, a China não basta.
Estes problemas são nossos e nos cabe enfrentar escolhendo governos que demonstrem compromissos para resolver os problemas nacionais. Mas isto exigirá estratégias de anos, por governos que entendam os problemas, tenham estratégias resolvê-los e saibam coordenar e conduzir o país neste rumo.
Deste caótico, negacionista, obtuso, antipatriota governo atual não se pode esperar um rumo para o país. Para 2022, a tarefa é conseguir um novo governo que traga de volta aceitação da ciência e respeito à verdade, recupere as bases da democracia, enfrente as sequelas da epidemia, retome o prestígio do país no exterior, proteja nossos recursos nacionais, especialmente nossas reservas florestais. Para isto, é preciso uma unidade de todos que se opõem ao atual governo, como foi proposto por um recente artigo assinado por Milton Seligman, Benjamin Sicsú, Mauro Dutra. Eles propõem a unidade de todos os democratas na escolha de um candidato único, e que este assuma o compromisso de ficar apenas um mandato, e deixar para 2026 as disputas entre os diferentes programas e ideias para construir o Brasil.
A China foi decisiva para as realizações na primeira década dos anos 2.000, graças ao Lula, está sendo decisiva com sua vacina, apesar do Bolsonaro, mas a China não basta. A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros, e o primeiro passo será dos eleitores em 2022, impedindo a reeleição do atual desgoverno, um passo anterior aos eleitores deverá ser dos líderes partidários escolhendo candidatos que unifiquem e tenham baixa rejeição.
*Cristovam Buarque foi governador, ministro e senador