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Ricardo Rangel: Profecia autorrealizável

Muitos democratas têm se manifestado no sentido de que uma “terceira via” não tem chance e que um segundo turno entre Bolsonaro e Lula é inevitável. Ato contínuo, elogiam Lula, que, afinal, “é um democrata” e não tem por objetivo desmontar por completo as instituições, como o supremo mandatário vem fazendo.

Lula se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado, alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!”. O barítono Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas, produz um discurso com começo, meio e fim.

Diante da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Alvorada, Lula surge com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio?

Foi Lula quem criou a polarização e o ódio político: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma; o hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da imprensa (que os petistas chamam de “mídia golpista”).

O esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que “sempre existiu”, como dizem os petistas. Foi algo novo: um método de governo que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o tratoraço de Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da democracia, a alternância no poder.

“Não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal”

Afora os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um descalabro econômico. E como Lula afirma que o mensalão e o petrolão nunca existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito, vá fazer tudo igualzinho.

Admita-se que, apesar de tudo, Lula continua sendo melhor do que Bolsonaro, mas não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal. Então é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo inevitável. E, por enquanto, não é.

O Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um mês, Lula não era elegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o tratoraço, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição: há muita água para rolar.

Quem vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável: se aqueles que não querem um segundo turno entre os dois polos acreditarem que ele é inevitável, assim será.

Não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, é hora de criar alternativas.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

Fonte:

Veja

https://veja.abril.com.br/blog/ricardo-rangel/profecia-autorrealizavel/


Correio Braziliense: Em duas semanas, os efeitos da CPI da Covid são devastadores para o governo

Sarah Teófilo, Correio Braziliense

O governo enfrentou duas semanas tensas, e não é nem metade do tempo inicial previsto para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 no Senado Federal. Nesse período, a base aliada e o próprio presidente da República tentaram criar maneiras de desviar a atenção do que é dito na CPI. Voto impresso, ameaça de convocar as Forças Armadas e ataques ao relator Renan Calheiros foram algumas das estratégias adotadas pelo Planalto e aliados no Congresso. Na comissão, quatro senadores aliados buscavam defender o governo ao longo dos seis depoimentos ouvidos. Até o filho 01, Flávio Bolsonaro, entrou na trincheira. Foi à CPI para socorrer o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e chamar Renan Calheiros de “vagabundo”.

Com argumentos ou xingamentos, o Planalto tenta reagir ao avanço da CPI. O vice-líder do governo no Senado, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), acredita que o governo tem conseguido responder a todos os questionamentos. “Boa parte do que foi discutido na CPI a imprensa já tinha levantado, já tinha informado. O Brasil vem melhorando o combate à covid. O barulho que fica é por conta da questão política”, defende.

Apesar dos esforços para conter os avanços da CPI, o cenário permanece muito desfavorável. Segundo avaliação de cientistas políticos, o desgaste do presidente Jair Bolsonaro é claro. Soma-se aos reveses na CPI a queda de aprovação do presidente, conforme pesquisas de opinião realizadas na última semana. O Instituto Datafolha indicou uma eventual derrota de Bolsonaro para o ex-presidente Lula, em um cenário eleitoral de 2022. Analistas acreditam que o presidente pode “sangrar” com a CPI até o fim do ano, caso ela seja renovada por mais 90 dias, o que aumentaria o desgaste político até o início do processo eleitoral. Para especialistas, o risco de não chegar ao segundo turno já é concreto para Bolsonaro.

Até no ambiente virtual, onde bolsonaristas atuam com grande articulação, o resultado não foi positivo. Informações da agência de análise de dados e mídias .MAP compiladas a pedido do Correio mostram que de 27 de abril a 3 de maio, antes do início da CPI, o apoio manifestado ao presidente nas redes sociais (Twitter e perfis abertos no Facebook, todos os públicos) estava em 43,2%. Na semana seguinte, de 4 a 10 de maio, foi para 27,7%. Já no período de 11 a 14 de maio (até 8 horas), derreteu para 4,9%, em meio aos depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação da presidência Fabio Wajngarten e do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.

A queda no apoio, segundo a agência, “é ancorada por uma agenda negativa, que os perfis de direita, entre manifestantes, políticos e influenciadores não conseguiram reverter”. “Apesar da mobilização contrária da direita, que soma quase 41% do debate numa tentativa de blindar o presidente, o apoio à CPI da Covid é de 69%, o que demonstra que o público geral está favorável às investigações”, afirma a diretora-geral da .MAP, Marilia Stabile. Até o momento, no mês de maio, a CPI é o segundo tema, com 11,6% de participação, pouco atrás do Paulo Gustavo, que lidera com 11,9%.

Sangria

Analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma que o desgaste ainda não se dá de forma irreversível, mas gera elementos de desarticulação. Creomar pontua que é cedo para prever o impacto eleitoral, mas, segundo ele, o presidente precisará “mudar o personagem” até 2022. A questão é saber se o ocupante do Planalto conseguirá e se essa mudança de postura implacará perda de apoio dos bolsonaristas convictos. Para o analista, a principal consequência política da CPI é provocar uma “sangria” no governo até as eleições. “Se a CPI for prolongada até o fim do ano, isso gera um impacto eleitoral maior. O presidente corre o risco de não ir para o segundo turno”, afirma Creomar de Souza.

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira ressalta que a comissão gera um desgaste natural. Somado a isso, entretanto, ele acredita que o governo produz fatos políticos ruins, como o pedido de habeas corpus para que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello possa permanecer calado em depoimento partir da Advocacia-Geral da União (AGU). “O governo assume um pouco de culpa e aumenta a tensão”, diz.

Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que o governo está “desesperado, desanimado e desconfiado da CPI”. “Não há nenhum tipo de perspectiva positiva e essa é a apenas a segunda semana”, diz, lembrando que a expectativa é de mais desgaste ao governo nos próximos dias, apesar do salvo-conduto concedido pelo Supremo Tribunal Federal ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Estratégia diversionista

À medida em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 avança, o governo tenta criar estratégias de desvio de foco. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, os bolsonaristas instalaram uma comissão especial para discutir a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determina a impressão dos votos em eleições para fins de auditoria, mesmo que a questão já tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de forma provisória (liminar). Enquanto isso, o presidente, como de costume, aumenta a temperatura nas falas diárias, e nas redes sociais os parlamentares bolsonaristas tentam conter qualquer dano.

Creomar de Souza, consutor da Dharma, afirma que, do ponto de vista da estratégia de contenção de danos na CPI, os senadores governistas têm encontrado muita dificuldade de encontrar um tom de fala. As estratégias de tumultuar os trabalhos ou de defender a cloroquina foram insuficientes. “Isso não tem gerado um resultado efetivo. Você cria um burburinho, mas a CPI tem avançado nas oitivas”, diz o analista político.

“Vagabundo”

Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira também ressalta ações diversionistas, como as lives do presidente e as manifestações marcadas para este fim de semana, em apoio a Bolsonaro. E ressalta para a participação do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que xingou o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), de “vagabundo”. O ato foi visto como desespero, mas também como estratégia. “O governo tem essa estratégia de tensionar pra tentar desviar o foco. Mas a tensão não desviou o foco, e, sim, aumentou. É um tiro no pé”, avalia, dizendo que atos assim aumentam os holofotes sobre a CPI.

Para o sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César, o xingamento de Flávio Bolsonaro a Calheiros, por exemplo, é uma estratégia calculada, para repercutir nas redes na bolha bolsonarista, ao mesmo tempo em que tenta mobilizar os “três mosqueteiros” (os senadores governistas que integram a CPI): Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). “Toda sessão começa com questões de ordem, tentando tumultuar, postergar, e sempre começa com climão. É parte da estratégia do governo, para cansar os presentes, porque sabem que não são maioria”, diz. O analista político afirma, no entanto, que os resultados são pífios.

Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart ressalta que o entorno do presidente gera ‘factóides’ para desviar a atenção. “É estratégia deliberada do governo para tirar o foco da CPI e acalentar a base apoiadora, o seu núcleo original”, diz.

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4924796-em-duas-semanas-os-efeitos-da-cpi-da-covid-sao-devastadores-para-o-governo.html


Vera Magalhães: Tudo errado para Bolsonaro, tudo certo para Lula, e o centro tá como? Pondo fogo no parquinho

Na última quarta-feira entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Às vésperas de completar 90 anos, ele não demonstra muita fé na possibilidade de seu partido, o PSDB, ou mesmo de outras forças de centro se contraporem à disputa entre Jair Bolsonaro e Lula em 2022. E, sem tergiversar, declara voto no petista em caso de segundo turno com o presidente (em 2018, diz ter anulado o voto na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad).

entrevista foi publicada no GLOBO desta sexta, e a declaração de voto em Lula foi o que mais repercutiu. FH só lembrou do PSDB quando foi questionado, e tratou logo de ir dizendo que, no seu entender, o candidato alternativo a Lula e Bolsonaro não precisa ser tucano.

A sinceridade reflete o momento avacalhado pelo qual passa o PSDB. Aliás, não é um momento: a fase avacalhada vem, pelo menos, desde 2017, quando foi revelado o diálogo de Aécio Neves, então o principal líder tucano, com Joesley Batista. Desde então tem sido ladeira abaixo, com os partidos que sempre foram satélites do PSDB mais ou menos a reboque.

Tucanos, democratas e adjacências colheram alguns bons resultados estaduais em 18 e municipais em 20, mas até aqui não conseguem vocalizar um projeto alternativo para o país que, como diz FC, dialogue com o povo, tenha um “sentido da História”, entenda o que está em jogo no Brasil depois da nuvem de gafanhotos do bolsonarismo.

Pelo contrário: as lideranças do PSDB, do DEM e de outros partidos hoje apenas médios parecem ter resolvido praticar autofagia.

João Doria Jr. tenta colocar em pé seu projeto presidencial, com enormes dificuldades partidárias e eleitorais. O lance mais recente dessa estratégia se deu nesta sexta-feira, com a filiação do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, ao PSDB.

Por quê? Porque Doria não confia que terá o DEM em seu palanque, e precisa honrar o compromisso de fazer de Garcia o candidato à sua sucessão. O risco é que ele tampouco tem a garantia de que conseguirá ser candidato a presidente pelo PSDB, abrindo espaço para Garcia disputar o Palácio dos Bandeirantes.

Aécio Neves é hoje o verdadeiro dono do PSDB. É combinado com o deputado que age o presidente da sigla, Bruno Araújo, que Doria um dia achou que seria seu aliado. Aécio prefere que o PSDB não lance candidato à Presidência. Quer se tornar um Gilberto Kassab tucano, fazendo do PSDB um partido de deputados, e, portanto, de lauto fundo partidário. Mais: não quer que o partido gaste com candidato a presidente o fundo que tem hoje, para que sobre mais para os candidatos ao Legislativo.

Coisa de partido provinciano, não de uma sigla que já levou a Presidência duas vezes em primeiro turno. Coisa de político que se contentou em ser eminência parda depois de queimar o filme da própria trajetória política.

Doria não conseguiu convencer as demais seções tucanas da viabilidade de sua candidatura. Prova disso é o surgimento de nomes como o do governador Eduardo Leite e o do senador Tasso Jereissati para prévias que hoje são apenas conversa mole para boi dormir e para enrolar o próprio Doria.

No plano paulista, a chegada de Garcia pode levar à saída da legenda de Geraldo Alckmin, que mesmo depois da derrota acachapante em 2018 quer voltar ao jogo político, disputando de novo o governo paulista. Se não conseguir que haja prévias, ele pode migrar para outro partido — na lista de opções estão o PSD de seu ex-inimigo Gilberto Kassab e o Podemos.

E o DEM? Depois de uma campanha brilhante em 2020, ACM Neto achou por bem agir como um coronel e empenhar o futuro do partido no altar do bolsonarismo, traindo Rodrigo Maia e o empurrando porta afora do partido. Agora, vendo que a debandada será maior e que não só Bolsonaro derrete nas pesquisas como a volta de Lula leva vatapá para o acarajé do PT na sua Bahia, se desespera e fica bravinho com a saída de Rodrigo Garcia. Foi ele quem plantou essa lambança.

É vexaminoso ver uma geleia geral de siglas que não têm nada de relevante para dizer a uma população vitimada pelo vírus, pela fome, pela economia em frangalhos, pelo esgarçamento dos valores e das instituições, pela barbárie na segurança pública, pelas ameaças autoritárias diárias do presidente, pela falta de perspectiva.

Lideranças políticas que passam os dias com brigas patéticas em que se xingam de baixinho ou de gordo ou de feio, bobo e chato enquanto deixam se consolidar a polarização entre Bolsonaro e Lula.

De nada adianta lançar mão de clichês sem substância como a procura do “Biden brasileiro” quando o que se tem são nomes que não conseguem sequer reunir uma tropa mínima e dizer a que vieram, quanto mais operar uma estratégia como a do Partido Democrata para unir suas alas e vencer o trumpismo.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/tudo-errado-para-bolsonaro-tudo-certo-para-lula-e-o-centro-ta-como-pondo-fogo-no-parquinho.html

 


Pablo Ortellado: Sem medo do voto impresso

Precisamos ter cuidado com as tomadas de posição automáticas e irrefletidas que adotamos em tempos de polarização. Nem tudo aquilo que Bolsonaro propõe é ruim, apenas porque ele propôs. É o caso do voto impresso auditável, uma proposta bastante razoável, que tem o respaldo de muitos especialistas e é adotada com bons resultados noutros países.

Embora a medida seja apropriada, ela certamente não é oportuna, seja porque não temos tido casos de fraude, seja porque a substituição dos equipamentos é cara e a implementação, demorada. E deveríamos ter outras prioridades em tempos de Covid-19.

O voto impresso tem muitos apoiadores no Congresso. A medida chegou a ser aprovada na minirreforma de 2015, mas foi derrubada depois pelo STF. Agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprová-la por meio de uma proposta de emenda à Constituição de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF).

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, tem se esforçado em defender o legado da urna eletrônica, que pôs fim às fraudes recorrentes das cédulas de papel e aguentou bem o teste prático das eleições democráticas dos últimos 25 anos, sem que tenha mostrado problemas relevantes.

Mas, ainda que seja segura, ela tem problemas. Seu modelo de criptografia fechado tem sido alvo de críticas de especialistas, que defendem que um sistema aberto seria mais robusto porque permitiria uma auditoria permanente da comunidade acadêmica e de outros interessados.

Críticos também têm apontado que o sistema de impressão do voto, depositado automaticamente na urna, permitiria uma auditoria da máquina que não fosse apenas a inspeção do software, seria de melhor entendimento e transmitiria mais segurança aos eleitores.

Essa poderia ser uma discussão acadêmica sobre aperfeiçoamentos técnicos do sistema de votação, mas ela é hoje bem mais do que isso.

Desde as eleições de 2018, Bolsonaro tem criticado a confiabilidade da urna eletrônica sem que tenha apresentado qualquer evidência concreta de fraude. Apesar disso, acredita que ganhou as eleições passadas com uma margem maior que a oficialmente registrada e ameaça que, se o sistema de votação não for modificado, pode não aceitar o resultado das eleições, como fez Donald Trump.

Não está claro se o objetivo da proposta que está tramitando agora é realmente implementar o voto impresso auditável para as eleições de 2022 ou se é apenas um jogo de cena que permitiria a Bolsonaro dizer que tentou resolver o problema da confiabilidade das urnas, mas foi impedido pelo Congresso, pelo STF ou pelo “sistema”. Ainda que a proposta seja aprovada por Câmara e Senado antes de outubro deste ano, não seria viável implementar mais que um projeto-piloto para as próximas eleições.

Apesar de cara e apressada, pode ser conveniente aprovar a proposta de uma vez, dadas as circunstâncias políticas. No mérito, a proposta de fato aperfeiçoa o sistema de votação. E ela pode retirar dos autoritários um dos argumentos que seguramente serão usados para criar instabilidade nas eleições de 2022.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/sem-medo-do-voto-impresso.html


Alon Feuerwerker: A aritmética, a política, e a filosofia do remador

As pesquisas recentes recolocam a oportunidade de debater um aspecto da eleição de 2022: qual é mesmo o potencial do chamado centro? Na aritmética fria, poderia ser calculado pela soma dos votos aos demais candidatos, fora Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Hoje, cerca de um quarto do eleitorado. Se fosse isso mesmo, não deixaria de ser animador.

Há maneiras mais heterodoxas de fazer a conta, sem respeitar tanto a política, mesmo caprichando na aritmética. Servem para acalentar o sonho. A fatia de mercado eleitoral poderia ser, por exemplo, tudo que sobra quando saem da cena os eleitores potenciais de Lula e Bolsonaro. Aí aqueles cerca de 25% engordariam bem. O problema é estar incluído nesse balaio quem vai votar em branco, nulo ou não vai votar.

Retornemos então ao primeiro método. Se de fato algum concorrente conseguisse pegar já no primeiro turno pelo menos 90% dos votos hoje declarados a candidatos nem Bolsonaro nem Lula, bateria em uns 20% do eleitorado, o que encostaria em 30% do voto válido, mantidos os percentuais históricos de brancos, nulos e abstenções. Isso foi suficiente para Fernando Haddad ir ao segundo turno em 2018.

Essa possibilidade tem obstáculos políticos, mas antes enfrenta os aritméticos. Fazer 20% do eleitorado numa eleição presidencial é bonito, porém não resolve se outros dois candidatos forem além. Nada indica, no momento, que Lula esteja vulneravel a uma lipoaspiração eleitoral. Bolsonaro talvez um pouco mais. Entretanto, será prudente esperar para ver se os problemas dele chegam a amolecer o núcleo duro do eleitorado bolsonarista.

Debatida a aritmética, vamos aos desafios políticos do projeto de convergir o centrismo.

Alguns: 1) Como juntar eleitores tão distintos e

2) como evitar que, inviabilizados certos pré-candidatos, uma boa parte da torcida deles desloque-se para Lula ou Bolsonaro.

Nas simulações de segundo turno é isso que acontece. E se o eleitor está disposto a votar em alguém no segundo turno, não é impossível que decida fazer isso logo no primeiro.

A intersecção entre as rejeições absolutas a Bolsonaro e Lula nas pesquisas chega a algo entre 10% e 15%. O resto migra para um dos dois na falta de opção. É um número parecido com o verificado quando se faz a simulação incluindo apenas três nomes: os dois líderes e mais um. Foram realizados levantamentos desse jeito, e o terceiro nome sempre girou em torno de 10%, ou um tantinho a mais.

Começar a corrida presidencial com 10% não chega a ser problema. O desafio é construir uma campanha que consiga deslocar um dos dois que puxam a fila. No momento, a meta do centrismo é tirar Bolsonaro do segundo turno. Lá atrás, foi tirar a esquerda. Mas vieram a elegibilidade de Lula e o desempenho dele nas pesquisas. E a coisa mudou de figura.

Bolsonaro trabalha como no remo: faz força, mas de costas para o objetivo. Se a vaga hoje em disputa para o segundo turno é a de anti-Lula, o atual presidente abre as baterias contra o ex, para não deixar ninguém ocupar o espaço. No momento, Lula só é o inimigo principal de Bolsonaro nos discursos. O oponente da hora é quem quer tomar dele o lugar de adversário número um do petismo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte:

Análise Política

http://www.alon.jor.br/2021/05/a-aritmetica-politica-e-filosofia-do.html


Murillo de Aragão: O jogo da polarização

As mudanças nas regras eleitorais em 2015, ainda vigentes, fizeram em 2018 a campanha eleitoral durar apenas 45 dias, em vez de noventa. Além disso, foram banidos os financiamentos empresariais de campanhas e estabelecido um teto de gastos por tipo de candidatura.

Outra consequência importante de tais mudanças foi dar maior relevância aos potenciais candidatos no período pré-­eleitoral. É o que está acontecendo agora. No Congresso e nos partidos e, obviamente, na Presidência da República, a pré-campanha já está em curso.

Mas enquanto o debate sucessório toma o mundo político, o eleitorado ainda se mantém distante do tema. A Covid-19 e o desemprego são questões prioritárias e decisivas para a escolha do próximo presidente em 2022. E o debate midiático sobre a política ainda não causa efeito mobilizador entre o eleitorado.

No momento, dois presidenciáveis largam na frente. O primeiro é Jair Bolsonaro, que, pela força do cargo, tem condições de impor sua narrativa, o que, naturalmente, terá grande repercussão. Além disso, Bolsonaro conta com forte apoio nas redes sociais. Embora outros presidenciáveis também façam uso dessas mídias, só ele possui militância engajada com capacidade de disseminar conteúdo nas redes.

“Um problema do centro político é que, quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum”

Quem também leva vantagem na pré-campanha é o ex-presidente Lula (PT). Apesar de o Lula de hoje não ter, por exemplo, a força do Lula de 2010, quando foi o maior responsável pela eleição de Dilma Rousseff, ele mobiliza a maior parte das esquerdas. Sem contar que parte significativa do eleitorado, sobretudo no Nordeste, e os segmentos de menor renda têm uma lembrança positiva de seu governo no campo econômico e social.

As demais opções — João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Tasso Jereissati (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro — não estão apresentando narrativa consolidada nem militância partidária ou digital engajada.

No centro político existe uma dúvida sobre se o engajamento eleitoral deve ser antecipado. Tal dúvida se fortalece pelo fato de não haver um candidato natural que aglutine as forças de oposição. Quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum. É o caso. Nenhum dos nomes acima aglutina, e a luta por uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula parece difícil de ser construída. Mas isso não deixará de ser tentado.

Enquanto o centro político está desorganizado e parte do Centrão já foi cooptada por Bolsonaro, o que deve acontecer nos próximos meses? Enquanto se tenta uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula, eles devem tentar rachar o centro tendo em vista neutralizá-lo. A desunião do centro interessa tanto a Lula quanto a Bolsonaro.

Não à toa a estratégia preferencial de Lula é manter Bolsonaro sob pressão, sem, porém, que ele seja inviabilizado pela CPI da Covid: que ele se mantenha no poder, mas enfraquecido. Já Bolsonaro aposta que seu adversário ideal é Lula, uma vez que acredita que o antipetismo forçaria o eleitorado centrista a escolhê-lo. Sendo assim, a polarização acirrada interessa a ambos, ainda que não necessariamente ao país.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

Fonte:


Monica de Bolle: Biden brasileiro?

Nas últimas semanas tenho escrito sobre o que ocorre nos Estados Unidos sob a liderança de Joe Biden. Para quem vive aqui, vê e sente as mudanças, inclusive no cotidiano, a transformação é extraordinária. Em poucos meses, os Estados Unidos deixaram de ser o país com a pandemia mais descontrolada no mundo para estar entre aqueles que, em breve, deixarão para trás os piores temores em relação à saúde pública e à economia. Alguns estados já atingiram a marca de mais de 70% de vacinados com ao menos uma dose dos imunizantes em uso; outros logo alcançarão esse patamar. Em Washington D.C., há uma sensação palpável de alívio: escolas estão reabrindo, as restrições mais duras estão sendo gradualmente removidas, as pessoas sentem que podem voltar a viver. É claro que há hesitação vacinal, um dos motivos que explica a falácia de se pensar em imunidade de rebanho. Mas, apesar desse grupo, em poucos meses o país estará em condições de deixar para trás o pior da pandemia.

Além de ter conseguido entregar esse resultado no tempo prometido, o governo Biden também montou uma agenda notável de reconstrução da economia e do investimento no país. Como expliquei em artigos anteriores, a agenda Biden não rompe com o passado dos EUA, com a tradição do envolvimento do Estado no desenvolvimento de longo prazo do país. Ao contrário, os planos anunciados e parcialmente aprovados resgatam essa tradição, com a novidade de orientá-la para as pessoas, sobretudo as mais pobres e vulneráveis. Como também já escrevi por aqui, não tem sentido afirmar que, por isso, Biden se tornou um radical de esquerda. Na coluna publicada na edição passada apresentei uma reflexão sobre como Biden está reposicionando as disputas políticas em uma democracia madura e fazendo algo que poucos no Brasil conseguem compreender: removendo o protagonismo da economia como definidora do que é ou não democrático e entregando esse papel novamente à política. Enquanto Biden articula sua agenda reconhecendo os conflitos como centrais para o bom funcionamento de qualquer democracia, o partido Republicano se aproxima rapidamente de uma fratura possivelmente irreversível. A expulsão da deputada Liz Cheney — ferrenha opositora de Trump e filha do ex-presidente Dick Cheney — da posição de liderança e prestígio que teve no partido revela aquilo que já se sabia: Trump foi um golpe de misericórdia para os Republicanos.

Em 2022, haverá eleições legislativas. Com o Partido Republicano rachado e a agenda de Biden a pleno vapor, para não falar do sucesso no controle da pandemia e de todas as suas repercussões — notavelmente, a recuperação econômica —, o campo parece aberto aos democratas. Ainda que existam desavenças intrapartidárias sobre várias questões, elas em nada se comparam à crise existencial dos republicanos. E aí está a razão de ser de Biden ter se tornado o 46º presidente americano: as fraturas, o desarranjo, os desmandos de quatro anos de Trump. Mas Trump não é comparável a Bolsonaro, a não ser de forma extremamente superficial. O dano que causou ao Partido Republicano não tem equivalente no sistema político brasileiro. As origens das disputas entre republicanos de diferentes linhagens e democratas não tem paralelos no Brasil.

Não há um “Biden brasileiro”. Insistir nesse raciocínio, com a apresentação de nomes supostamente mais centristas à direita, à esquerda e mesmo ao que, no Brasil, entende-se por centro é uma perda de tempo tremenda.

Esse tempo deveria estar sendo empregado para buscar soluções imediatas, de médio e de longo prazo para um país destroçado.

De acordo com as pesquisas de opinião, Bolsonaro se mantém com cerca de 40% de aprovação. Nas disputas simuladas com outros candidatos presumidos, Bolsonaro mantém a liderança. A exceção? A exceção é aquilo que parte do Brasil se recusa a reconhecer: Lula. Lula, goste-se ou não, não é Bolsonaro. Podem ser polos opostos, porque Lula não é Bolsonaro, e por isso mesmo não se equivalem: insistir em sua equivalência é uma fantasia besta, outra perda de tempo. Por outro lado, se foi o antilulismo que pariu o bolsonarismo, não deixa de ser interessante que a única via que se apresenta como viável hoje seja o caminho contrário.

Antes que cause terror e espanto entre os leitores, explico: o que escrevi é mera constatação daquilo que vejo com o benefício da distância. Não é apoio ou rejeição. É tão somente uma tentativa de eliminar as fantasias que impedem que se veja com clareza em que o Brasil se transformou. Biden brasileiro? Balela.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins

Fonte:

Época

https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/biden-brasileiro-1-25016297


Ricardo Noblat: No seu pior momento e no melhor de Lula, Bolsonaro perde feio

Um truísmo, mas vá lá. Pesquisa de opinião é um retrato do momento. Tendência, a evolução de alguma coisa num sentido determinado. O que uma pesquisa revela só vira uma tendência se confirmada por futuras e sucessivas pesquisas.

Os resultados da pesquisa Datafolha divulgada nas últimas horas foram péssimos para o presidente Jair Bolsonaro e ótimos para o ex-presidente Lula. Manda a prudência, contudo, que se esperem novas pesquisas para conferir se isso configura uma tendência.

Pode ser também o que pesquisadores chamam de “soluço”, algo ocasional que, mais tarde, será naturalmente corrigido. De resto, faltam 20 meses para o primeiro turno da eleição presidencial do ano que vem. Mesmo uma tendência pode ser revertida.

Tais ressalvas não tiram a importância do que a pesquisa Datafolha registrou: se a eleição tivesse sido realizada nessa quarta-feira (12/5), Lula teria batido Bolsonaro com folga de votos no primeiro ou no segundo turno. Bolsonaro deve preocupar-se, e Lula comemorar.

Bolsonaro atravessa seu pior momento. Embora em queda, a pandemia da Covid já matou quase 430 mil pessoas, em grande parte por incúria dele mesmo. Uma CPI apura tudo. Há 14 milhões de desempregados, e a recuperação da economia é lenta.

A série histórica da pesquisa mostra que, de dezembro para cá, a popularidade de Bolsonaro derreteu. A fatia de ótimo ou bom, que no último mês de 2020 atingia o recorde de 37%, caiu até chegar ao atual patamar, de 24% (queda de 13 pontos percentuais).

O grupo dos que consideram o governo ruim ou péssimo, que em dezembro correspondia a 32%, cresceu até atingir os atuais 45% (alta de 13 pontos). Bolsonaro amarga ao mesmo tempo o maior percentual de rejeição e o menor de aprovação.

Lula vive o melhor momento de sua vida desde que foi preso, condenado e trancafiado em Curitiba por 580 dias. A Justiça anulou suas condenações e declarou suspeito o ex-juiz Sergio Moro, que conduziu os processos. Por ora, nada de ruim gruda nele.

Tornou-se de bom-tom adversários políticos responderem a acenos de Lula com afabilidade, e se convidados, reunirem-se com ele. Sua passagem recente por Brasília foi um sucesso. Quem não esteve com ele insinua em conversas que poderia ter estado.

Em vista disso tudo, é compreensível que na simulação de primeiro turno feita pelo Datafolha Lula apareça com 41% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro, 7% de Moro, 6% de Ciro, 4% de Luciano Huck, 3% de João Doria e 2% de Mandetta.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula o derrotaria por 55% dos votos a 32%. Para o petista, migraria a maioria dos votos de Doria, Ciro e Huck. Bolsonaro herdaria a maior fatia dos votos de Moro, seu ex-ministro da Justiça e desafeto declarado.

Lula venceria Moro no segundo turno por 53% a 33%, e Doria por 57% a 21%. Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria (39%, a contra 40%) e perderia para Ciro (36%, a 48%). Os que disseram que jamais votariam em Bolsonaro são 54%, contra 36% de Lula.

O barco do PT navega, por enquanto, em mar de almirante. O céu não é de brigadeiro para Bolsonaro.

Candidato de centro a presidente ainda não deu o ar de sua graça

Quem souber de um, favor informar aos partidos interessados em construir alternativa a Lula e a Bolsonaro

Por ora, a eleição presidencial daqui a 20 meses será travada por apenas dois nomes com chances de vencer, segundo a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, a primeira aplicada presencialmente: Lula e Bolsonaro. Não tem para mais ninguém.

Ciro Gomes, do PDT, que será pela quarta vez candidato? Foi rebaixado pela entrada de Lula no páreo. Antes, apostava em atrair boa parte dos votos da esquerda. Agora, ambiciona os votos do centro direita para tirar Bolsonaro do primeiro turno.

João Doria, do PSDB, governador de São Paulo e pai da vacina? Reúne míseros 3% das intenções de voto e enfrenta forte resistência dos seus governados. Eles o rejeitam até quando reconhecem que, se não fosse Doria, não se vacinariam tão cedo.

Sergio Moro, o ex-juiz? É carta fora do baralho. Não só porque anunciou que não se candidatará, mas porque os políticos em geral não o suportam. Moro criminalizou a política, e os políticos querem vê-lo morto e enterrado. Não há acordo possível entre eles.

Luciano Huck, o apresentador do programa das tardes de sábado na Rede Globo de Televisão? Seu destino é trocar de dia, sucedendo Faustão nos fins de tarde do domingo. É jovem, pode esperar que a fila ande e trocar de palco mais adiante.

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Esse até quer ser candidato e deixa boa impressão por onde passa. Mas seu partido, o DEM, está em liquidação e sem cacife para alçar voo. Mandetta admite disputar o governo do Rio ou uma vaga no Senado.

Faltou algum nome na lista dos pretendentes a candidato do centro? O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) foram lançados só para atrapalhar a vida de Doria, e estão atrapalhando.

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) encabeça um movimento para que seu partido não tenha candidato próprio a presidente. Ele e boa parte dos seus pares estão interessados na grana do Fundo Partidário para se reeleger. Sobrará mais grana para eles.

Em resumo: quem souber do paradeiro de um viável candidato de centro a presidente da República será regiamente gratificado.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/no-seu-pior-momento-e-no-melhor-de-lula-bolsonaro-perde-feio

 


Datafolha: Lula lidera corrida eleitoral de 2022 e marca 55% contra 32% de Bolsonaro no 2º turno

Fábio Zanini, Folha de S. Paulo

Pouco mais de dois meses após ter seus direitos políticos restabelecidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno e venceria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda etapa, revela pesquisa Datafolha.

O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro.

Em um segundo pelotão, embolados, aparecem o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido), com 7%, o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), com 6%, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 4%, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que obtém 3%, e, empatados com 2%, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o empresário João Amoêdo (Novo).

Somados, os adversários de Lula chegam a 47%, apenas seis pontos percentuais a mais do que o petista. Outros 9% disseram que pretendem votar em branco, nulo, ou em nenhum candidato, e 4% se disseram indecisos.

O levantamento foi realizado com 2.071 pessoas, de forma presencial, em 146 municípios, nos dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%. Ele receberia a maioria dos votos dados a Doria, Ciro e Huck, enquanto o presidente herdaria a maior fatia dos que optam por Moro, seu ex-ministro da Justiça e atual desafeto.

O petista também venceria na segunda etapa contra Moro (53% a 33%) e Doria (57% a 21%).

Já Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria, marcando 39%, contra 40% para o tucano. E perderia para Ciro, obtendo 36%, contra 48% para o pedetista.

É a primeira pesquisa de intenção de voto do Datafolha feita desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações judiciais do petista, com a justificativa de que a Justiça Federal em Curitiba não era o foro competente para as ações.

A decisão de Fachin depois foi referendada pelo plenário do STF, que deu a Lula outra vitória relacionada à Lava Jato: o reconhecimento de que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar o petista no caso do tríplex de Guarujá (SP).

As decisões do Supremo não significam a absolvição de Lula, uma vez que as quatro ações penais do ex-presidente na Lava Jato foram transferidas para Brasília.

Na prática, o petista readquiriu o direito de disputar a Presidência no ano que vem, e não perdeu tempo em retomar contatos políticos.

Após ter sido imunizado com as duas doses contra a Covid-19, ele viajou a Brasília na semana passada, onde teve encontros com representantes de diversos partidos.

Além de contatos com a esquerda, também conversou com líderes do centrão e até do MDB, partido que capitaneou o impeachment conta a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Assim que a pandemia permitir, ele pretende também realizar viagens por estados brasileiros, numa espécie de pré-campanha. Segundo aliados, Lula pretende se apresentar como um político moderado, de centro, e cogita repetir a fórmula de suas duas vitoriosas campanhas presidenciais, em 2002 e 2006, com um empresário como vice.


Nesta pesquisa, Lula mantém seu padrão tradicional de apoio, com índices superiores de intenção de voto em segmentos de menor renda e escolaridade.

Ele marca 51% entre os que declaram ter ensino fundamental, e 47% na faixa de renda familiar de até dois salários mínimos mensais.

Por outro lado, seu índice cai para 30% nos que têm curso superior, e 18% no estrato mais rico, o de renda maior do que dez salários mínimos. Mais uma vez, o Nordeste demonstra ser o maior reduto eleitoral para o petista, onde ele atinge 56%.


Bolsonaro, por sua vez, vive um momento de abalo em sua imagem, em razão da criticada gestão da pandemia, que é objeto de uma CPI no Senado.

Ele tem 36% das intenções de voto entre os que declaram estar vivendo normalmente, mesmo com a pandemia, em empate técnico com Lula (33%). Bolsonaro tem promovido aglomerações, e muitas vezes dispensa o uso de máscaras.

Na outra ponta, aqueles que dizem estar totalmente isolados apoiam Lula de forma maciça (58%), contra apenas 8% dados a Bolsonaro.

O presidente tem mais apoio do que a média entre os homens (29%), os eleitores que têm ensino médio (26%) e os de renda de 5 a 10 salários mínimos (30%).


O presidente perde para o petista em todas as regiões, mas tem melhor desempenho no Sul e no Centro-Oeste/Norte, nas quais é forte o agronegócio, uma de suas grandes bases de apoio. Tem 28% em ambas.

Em outro segmento que costuma dar apoio ao presidente, o dos evangélicos, Bolsonaro tem 34%. Mas Lula também vai bem neste grupo, com 35% das intenções de voto, uma situação de empate técnico.

Bolsonaro também sofre os efeitos do aumento do desemprego e do repique da inflação, sobretudo a de alimentos.

No mês passado, o pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal foi retomado, mas com um valor mais baixo, o que limitou a recuperação da popularidade do presidente. Dentre os que receberam o benefício, 22% declaram intenção de voto em Bolsonaro, o que não destoa da média geral aferida pelo instituto.

Entre os que se declaram desempregados à procura de trabalho, Bolsonaro tem apenas 16% das intenções de voto. O único estrato profissional em que ele lidera é o dos empresários, com 49% contra 26% de Lula.

Com o avanço da CPI da Covid, os apoiadores do presidente retomaram a participação em manifestações de rua, muitas vezes ignorando os protocolos de proteção contra a pandemia. Isso ocorreu em diversas cidades no Dia do Trabalho, enquanto o próprio presidente prestigiou um ato de motociclistas em Brasília no domingo (8).

As últimas semanas também viram uma intensa movimentação de Ciro, que busca dar uma guinada ao centro, após a volta de Lula ao cenário eleitoral.

Seu partido contratou o publicitário João Santana, que trabalhou com o PT, para mostrá-lo como uma alternativa à polarização representada por Lula e Bolsonaro. Em vídeos divulgados em redes sociais, Santana também tem buscado suavizar a imagem do ex-ministro, conhecido pelo pavio curto.

Ele se sai melhor entre os que têm ensino superior (11%) e no estrato mais rico (13%).

A pesquisa revela ainda que Doria segue tendo dificuldades para capitalizar politicamente o fato de ter trazido ao Brasil a Coronavac, parceria do Instituto Butantan com um laboratório chinês.

Até o momento, cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil são fruto desta parceria, mas o tucano não tem conseguido transformar esse fato em intenções de voto.

Com relação aos demais candidatos, há dúvidas se vão mesmo concorrer. Huck teria de deixar um lucrativo contrato com a TV Globo, enquanto Moro desgastou-se após a série de derrotas sofrida pela Lava Jato.

54% DIZEM QUE NÃO VOTARIAM EM BOLSONARO DE JEITO NENHUM EM 2022

Para se reeleger em 2022, Jair Bolsonaro também terá de enfrentar um alto índice de rejeição, que ultrapassa metade do eleitorado e poderá ser um complicador, especialmente em um segundo turno.

Dentre os entrevistados pela pesquisa Datafolha, 54% dizem que jamais votariam nele.

A rejeição de Lula é a segunda maior, com 36%, seguida pelas de Doria (30%), Huck (29%), Moro (26%) e Ciro (24%).

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-lula-lidera-corrida-eleitoral-de-2022-e-marca-55-contra-32-de-bolsonaro-no-2o-turno.shtml


El País: Bolsonaro tem alta na popularidade e só Lula o venceria no 2º turno em 2022, mostra pesquisa Atlas

Flávia Marreiros, El País

O presidente Jair Bolsonaro obteve uma melhora em seu nível de popularidade neste mês de maio em relação a março, revela pesquisa Atlas divulgada nesta segunda-feira. De acordo com os números, 40% da população aprova o desempenho do ultradireitista, contra 35% em março. A desaprovação também teve leve queda e foi de 60%, há dois meses, para 57% agora. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Para Andrei Roman, CEO do Atlas, a melhora de Bolsonaro tem relação direta com a volta do pagamento do auxílio emergencial, a partir de abril, apesar de ter valores mais baixos do que os do benefício pago em 2020. Na visão de Roman, há ainda “um alívio relativo em relação a situação da pandemia no país”, destaca. “A pesquisa anterior, de março, foi feita no ponto de maior estresse”, pondera ele. Março e abril foram os meses mais letais da pandemia até agora no Brasil. A média de mortes caiu nas últimas semanas, mas especialistas apontam que ainda é cedo para qualquer comemoração e alertam para risco de uma nova onda de contágios com os encontros do Dia das Mães neste fim de semana. Como esperado, os índices de avaliação do Governo Bolsonaro também exibiram melhora: 31% (contra 25% em março) consideram a gestão ótima e boa, contra 53% que a consideram ruim ou péssima (eram 57% em março).

Lula também tem melhora e 2022

A pesquisa Atlas também mostra que a melhora da popularidade de Bolsonaro se refletiu em uma melhor performance nas simulações eleitorais para a corrida pela sucessão presidencial em 2022. O presidente lidera numericamente a corrida no primeiro turno, quer com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou não. Com Lula, aparece em empate técnico. Tanto o mandatário como o petista tiveram melhor desempenho em maio em relação a março. Bolsonaro foi de 32,7% de intenção de votos há dois meses para 37%. O petista, que conseguiu reaver seus direitos políticos após decisões do Supremo Tribunal Federal que eliminaram o veto da Lei da Ficha Limpa, também surfou na nova conjuntura. No período, o ex-presidente foi de 27,4% em março para 33,2% em maio na simulação de intenções de voto no primeiro turno.

Lula, inclusive, é o único que continua vencendo o atual ocupante do Planalto em 2022 em um eventual segundo turno, fora da margem de erro da pesquisa. O ex-presidente aparece com 45,7% contra 41% de Jair Bolsonaro, uma diferença de quase cinco pontos percentuais, quando a margem de erro da pesquisa é de dois pontos. Ciro Gomes (PDT) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) aparecem numericamente à frente de Bolsonaro, mas em ambos os casos estão tecnicamente empatados.

Para Andrei Roman, Bolsonaro se beneficia da fraqueza cada vez maior de seus antigos rivais diretos no espectro de direita e centro-direita, com a redução da figura o ex-juiz Sergio Moro (aparece com 4,9% quando tinha 9,7% em março). “Há ainda a canibalização deste espaço com a entrada do Danilo Gentili”, aponta. O humorista e apresentador de TV vem sendo ventilado como um candidato da direita ―pelo mundo, vários comediantes já tentaram a sorte nas urnas como nomes antissistema, alguns com sucesso. Na pesquisa, Gentili aparece com 2%. Veja os demais nomes na simulação de primeiro turno.O levantamento também mediu a imagem positiva e negativa dos líderes. Nesse quesito, Lula e Bolsonaro aparecem quase numericamente empatados em termos de rejeição.PUBLICIDADE

A pesquisa Atlas foi realizada com 3.828 entrevistas entre os dias 6 e 9 de maio, todas feitas por meio de questionários aleatórios via internet. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com as características da população brasileira.

 

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-10/bolsonaro-tem-alta-na-popularidade-e-so-lula-o-venceria-no-2-turno-em-2022-mostra-pesquisa-atlas.html

 

 


Hamilton Garcia: A crise e suas raízes

A crise que vem estiolando a democracia brasileira ganhou novos contornos com a chancela do golpe judiciário de Fachin e sua consequência mais vistosa, mas não única, de livrar Lula de suas condenações na Justiça, tornando-o elegível. Com ela, o STF perde as credenciais para manter a disputa política no terreno da Constituição, pois não pode existir leis quando não existem instituições, no caso em tela, quando a corte suprema, intempestivamente, anula anos de trabalho árduo de suas instâncias decisórias, da primeira à última, fazendo tábula rasa de seu próprio sistema, o que só contribui para projetos autoritários que intentem transformar as instituições em meras ferramentas de poder.

Se chegamos até aqui sem maiores sobressaltos políticos, que não aqueles próprios da disputa pelo poder nas democracia liberais – no nosso caso agravada pela má formação/legislação política –, apesar da crise, é porque as instituições de controle foram capazes de impor algum limite ao modo como as elites usufruem do poder, como se viu em vários episódios no Legislativo (cassação de Collor e Dilma) e Judiciário (Mensalão e Petrolão).

A percepção das elites dominantes afetadas, todavia, é radicalmente oposta. O Petrolão, em particular, parece ter rompido todos os limites imaginados pelos donos do poder, depois de alcançar grandes empresários, bater às portas do sistema financeiro e detectar movimentações financeiras suspeitas em escritórios de advocacia de parentes de ministros do STJ e do STF. Do pânico à reação, tivemos a blindagem de Michel Temer na Câmara Federal, com a complacência de Rodrigo Maia, e no TSE (chapa Dilma&Temer), sob a batuta de Gilmar Mendes, que, já no Governo Bolsonaro, articulou com Dias Toffoli o famoso inquérito do fim do mundo dirigido por Alexandre de Moraes, tudo isso colaborando para aprofundar o fosso que separa a sociedade de suas elites dirigentes no Estado.

Os dois primeiros episódios, ofuscados pela poderosa máquina de narrativas do petismo, abriram caminho para a ruptura eleitoral de 2018, quando a extrema-direita chegou ao poder empunhando a bandeira da reação ao pacto corrupto plasmado no Governo Temer. Não é de espantar que tenha sido assim, afinal, o esforço de “estancar a sangria” uniu grande parte dos partidos, da direita à esquerda, deixando o campo livre para os aventureiros (“não políticos”), com o agravante que o lulopetismo, último bastião reformista a ser tragado pelo “mecanismo”, depois do PSDB e, de certa forma, do PMDB, arrastou consigo boa parte dos intelectuais que haviam sido capazes de forjar uma opinião pública democrática e inclusiva nas últimas décadas.

Mas, antes de falar das raízes da crise atual, devemos situá-la no plano das crises anteriores da República. O sistema neopatrimonial de dominação, constituído por blocos históricos erigidos em cada etapa do desenvolvimento capitalista do país, atravessou todo período republicano, sendo marcado por surtos de capitalismo de Estado – Estado Novo (1937-45) e Regime Militar (1964-84) – que se propuseram superá-lo sem lançar mão da mobilização social, como já ocorrera, em certa medida, em 1930.

Apesar das importantes transformações provocadas por estes surtos – sobretudo na promoção dos interesses das novas classes sociais ligadas à produção e aos serviços modernos –, o último deles, o bloco histórico militar-burguês-imperialista, não obteria êxito em superar o caráter neopatrimonial do sistema, já que seu caráter politicamente reacionário o impedia de ampliar o arco de alianças modernas necessário para virar definitivamente a página da República Velha e, em fim, alcançar os trabalhadores. Assim, mantida a natureza elitista do sistema, o ocaso do regime de 1964, naturalmente, ensejou expectativas de um novo bloco histórico democrático, que alteraria a lógica oligárquica do sistema dominante, o que, de novo, não aconteceria – talvez pela semi-estagnação que se seguiu –, não obstante o aprofundamento das concessões em termos do acesso de novos grupos populares ao poder, iniciadas ainda no período militar (vide chaguismo).

Importante assinalar que tal sistema oligárquico não foi uma era de estagnação, como sustentado pela esquerda até 1958 – o que teria levado o sistema ao colapso –, mas de crescimento acelerado, sobretudo a partir de 1930, embora voltado principalmente para os interesses da burguesia, dos setores corporativizados do trabalho e das classes patrimoniais situadas no seio do Estado, o que propiciou a formação de uma classe média robusta, não obstante aquém das possibilidades/necessidades, nos legando um país semi-dependente, com uma massa popular urbana ainda em boa parte marginalizada dos frutos do progresso.

As possibilidades de progresso no interior de tal sistema, todavia, parecem ter chegado a seu limite depois do regime militar, como percebemos ao olharmos para a sucessão de ciclos curtos de forte recessão, vôos de galinha e crescimento abaixo do potencial, sob a direção das mais variadas coalizões políticas – de Sarney à Bolsonaro, passando por Cardoso e Lula.

A Nova República, ao que tudo indica, passará para a história como a derradeira fase de nossa modernização passiva, onde a democratização, lenta, sinuosa e precária, não pode mais ser emulada à base da simples expansão do Estado, ao custo de serviços públicos precários (seviciados pelo patrimonialismo), sistemas previdenciário e tributário regressivos, e uma educação incapaz de reverter a histórica discriminação social-racial.

As margens para o endividamento do Estado, criadas pela prosperidade dos surtos anteriores de capitalismo de Estado, sobretudo o último, se estreitaram, restando agora, como paliativo, pegar carona na revolução industrial chinesa e seus efeitos sobre o agribusiness – o que não será de muita serventia se não formos capazes de reverter o desmonte de nossas cadeias produtivas, em meio à doença holandesa propiciada pela incerteza cambial (real apreciado).

Isto, em outros termos, implica conter a prática do endividamento público em prol do gasto improdutivo e reverter a política externa engajada – de Lula ou Bolsonaro –, que nos colocou de costas para os grandes mercados consumidores de nossos produtos manufaturados, nos afastando dos acordos globais que poderiam abrir portas para cadeias produtivas mais complexas. A fórmula ultra-liberal de Guedes, não obstante seu apelo eleitoral/empresarial e as importantes reformas que propõe, em função de ignorar, na prática, o papel estratégico do Estado como fomentador do progresso e a importância dos investimentos sociais para o desenvolvimento, em plena era do despertar da consciência popular – inclusive sobre o caráter parasitário do sistema em vigor (vide revolta de junho de 2013) –, pouco poderá contribuir para a retomada do desenvolvimento sustentável.

Desde a redemocratização de 1985, o bloco histórico financeiro-patrimonial-corporativo operou a sustenção do sistema oligárquico por intermédio de uma ampla gama de coalizões políticas governamentais: da direita (Collor e Bolsonaro) à esquerda (Silva-Dilma), passando pela centro-direita (Sarney e Temer) e a centro-esquerda (Franco e Cardoso). O que tais coalizões tinham em comum, era o fato de se apoiarem em forças sociais e econômicas hegemônicas, que operavam a política econômica (liberal) baseada no consumo das famílias, sustentada, principalmente, pelo controle inflacionário, pela desregulamentação comercial, a apreciação cambial (incentivo à importação), pelo imposto de renda negativo (bolsa família), pelas transferências assistenciais (LOAS) e de capital (incentivos fiscais), e pelo crédito direto ao consumidor (público–privado).

O ponto crítico desta circulação de elites em torno do bloco histórico, se deu, como sabemos, na coalizão lulopetista de governo, mais especificamente, no final do primeiro Governo Dilma, quando o PT, acossado pela inquietação popular, tentou reposicionar sua estratégia de poder revitalizando o apelo de partido de massa anti-sistema, em detrimento do “compromisso histórico” com as elites (Carta aos Brasileiros), por meio da “nova matriz econômica”.

A inconsistência da propositura, todavia, forçaria o PT a um retorno hesitante ao “compromisso histórico”, àquela altura consciente de que a restauração do equilíbrio econômico, por meio do tripé (câmbio flutuante, metas fiscais e metas de inflação), obrigaria um desenlace político diverso daquele de 2005, quando Cardoso desarmou, na partida, o movimento que poderia ter levado ao impeachment de Lula.

A incapacidade petista de administrar o tripé na perspectiva do desenvolvimento, tirando o país da crise estrutural em que se encontra desde os anos 1980, se explica pela política de distribuição de renda sem bases materiais sustentáveis (social-desenvolvimentismo), a par do notório sectarismo político, que os impediu de produzir um novo consenso em torno da reforma necessária, ou seja, a criação de um novo bloco histórico voltado para a produção e o trabalho, que substitua o atual bloco rentista/parasitário – que cooptou Lula e defenestrou Dilma quando seus crimes de responsabilidade atentaram contra seus interesses.

Temer, que a sucederia, recomporia a coalizão governamental em torno dos interesses do bloco, o que lhe permitiu sobreviver aos próprios crimes de responsabilidade, inclusive os eleitorais. Os mesmos interesses, até aqui, têm mantido Bolsonaro no poder, não obstante ter ele superado todos os padrões anteriores de estelionato eleitoral e crimes de responsabilidade – entre eles, os investigados pela CPI da pandemia.

A resiliência do Capitão vai muito além de seu poder de mobilização popular. Seu principal trunfo é o desmonte da operação Lava-Jato, que une o bloco dominante em todo seu espectro. O estancamento da sangria, articulado ao nível dos Três Poderes da República, demonstra cabalmente a capacidade de reação de um bloco dominante diante da ameaça de neutralização de seu principal instrumento de poder: no caso, a corrupção sistêmica.

É certo que a tragédia da COVID-19 e a inépcia governativa, por ela exposta, podem abalar as bases sociais e o pacto celebrado em torno do Capitão, mas o custo de sustentá-lo tem parecido menor, para os próceres do sistema, do que o de recolocar o bloco militar no poder com Hamilton Mourão, seu Vice.

De certo, outras coalizões se apresentam como alternativa eleitoral ao impasse, mas sem apresentar qualquer programa para substituir a ordem em derruição. A exceção é Ciro Gomes, que não esconde sua pretensão de constituir um novo bloco, baseado na retomada do desenvolvimento econômico, com ênfase na inclusão social, inspirado no contrato social empreendedor e sustentável, de Mangabeira Unger, e na aliança de classes pelo desenvolvimento (novo-desenvolvimentismo), de Bresser-Pereira. Todavia, carece ele, até aqui, de uma imagem positiva para atrair o voto popular e de alianças capazes de minimizar resistências.

Enquanto a coalizão bolsonarista pende, por motivos eleitorais, ao nacional-desenvolvimentismo militar, mantendo Guedes como fiador do compromisso com o Mercado (neoliberalismo) e seu bloco – em termos crescentemente instáveis –, o centro político tateia uma saída, aparentemente sem se dar conta de que a volta à normalidade não nos leva para muito além dos horizontes do Governo Temer.

Diante das incertezas que rondam o pais, em meio à pandemia e ao pandemônio governamental, é inequívoco o ganho que teríamos com a saída de Bolsonaro. Mas, isto, por si só, teria apenas o efeito de tirar o bode da sala de uma casa cujos cupins já corroeram os alicerces: se nada mais for feito, para reformar seus alicerces, em pouco tempo, tudo pode piorar ainda mais.

Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[i])

São João da Barra, 08/05/21.


[i] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.

Fonte:


Murillo de Aragão: Modo crise como estratégia

No Brasil, vemos um fenômeno curioso em curso: a segunda onda personalista da Nova República. A primeira foi com Lula. Agora, é a vez de Bolsonaro. Fora os dois, nenhum outro presidente, desde a redemocratização, conseguiu criar um culto personalístico com potencial de se transformar em movimento político. Quais são os limites do fenômeno?

Lula foi longe ao gerar o lulismo, que, mais do que um conjunto de valores, é uma forma de fazer política. Por isso depende muito mais de seu próprio criador para sobreviver do que de suas ideias. Vide o fracasso de Lula com Dilma Rousseff, que nem seguiu sua metodologia nem sua visão de mundo. O lulismo provavelmente morrerá com Lula, assim como o varguismo morreu com Getúlio Vargas.

Bolsonaro, desde que se posicionou como candidato, estimula a criação do bolsonarismo como um movimento que se ampara em narrativas que misturam elementos do tenentismo, do conservadorismo e do reformismo institucional com elevadas doses de ambiguidade. A estratégia é clara e pouco se fala sobre ela. Vamos tentar reduzir as incertezas e estabelecer alguns limites.

O bolsonarismo é reformista? Sim, na medida em que questiona o Legislativo e, em especial, o Judiciário, buscando reduzir a influência desses poderes no jogo político. Tal busca pode ser “disruptiva”, no sentido de ter capacidade de romper o equilíbrio institucional? Não. Ainda que, se pudessem, certos setores do bolsonarismo fechavam o Supremo Tribunal Federal ou aprovavam o impeachment de alguns ministros da Corte.

“As escolhas fazem sentido na medida em que existe descrédito nas instituições políticas”

O bolsonarismo guarda semelhança com outros movimentos? Sim. De Gaulle se tornou um exemplo clássico quando utilizou a crise na Argélia para derrubar, com apoio político e a anuência da cidadania, a Quarta República e reformar suas instituições. Mussolini, ao acenar com a possibilidade de milhões de camisas pretas invadirem Roma em 1922, também dobrou o sistema. Tanto De Gaulle quanto Mussolini tiveram, além de amplo apoio popular, a aprovação das Forças Armadas.

O bolsonarismo teria o assentimento das Forças Armadas e da população para promover uma ruptura institucional? Previsões em política são temerárias, mas a pergunta não pode ficar sem resposta. Não, não teria esse apoio. Nem o propósito central do bolsonarismo seria o de derrubar a República ou mesmo refundá-la.

A estratégia posta é manter uma situação de tensão institucional que sirva a múltiplos propósitos. Um deles é o de preservar a sua base de apoio popular em regime de pré-campanha eleitoral. O outro é o de tentar conter a crescente perda de poder do Executivo para os demais poderes, Legislativo e Judiciário.

As escolhas fazem sentido na medida em que existe descrédito nas instituições políticas por parte expressiva da população. Ao manter o “modo crise” reforça-se a narrativa de que tudo está errado e de que o presidente se encontra aprisionado pelo institucionalismo que não atenderia aos interesses do seu eleitorado. A aposta deu certo em 2018, quando Jair Bolsonaro era candidato. A dúvida é se funcionará com ele no poder e como parte da moldura institucional existente.

Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

Fonte:

Veja
https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/modo-crise-como-estrategia/