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Oscilação do STF gera danos a processo político eleitoral, diz advogado
Análise é de Marco Marrafon, professor da Uerj, e do advogado Alexandre César Lucas, em artigo na revista Política Democrática online de agosto
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o advogado Marco Marrafon diz que, além de sequelas processuais, a insegurança jurídica ocasionada pela oscilação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) provoca “consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro”. Ele se refere tanto à eleição de 2018 quanto à de 2022.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
O artigo dele, em conjunto com o advogado Alexandre César Lucas, com o título “Declaração de incompetência do foro de Curitiba e suspeição de Sérgio Moro”, está publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição). A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo, gratuitamente, na versão flip, em seu portal.
As consequências danosas, de acordo com Marrafon, se estenderam à legitimidade do STF enquanto guardião da Constituição, alimentando, segundo ele, uma crise que coloca em risco a democracia constitucional.
Membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), o advogado ressalta que o STF acerta quando não relativiza a garantia constitucional do devido processo legal, valor inegociável e ínsito à ideia de Estado de Direito.
No entanto, de acordo com ele, em alguns casos, “o desfecho revela falhas graves no sistema de justiça brasileiro em suas diversas instâncias, pois, desde o início, tais questões deveriam estar decididas de acordo com a Constituição.
“Muito tempo se passou sem que o Poder Judiciário, inclusive o STF, tomasse a decisão correta, o que prejudica severamente a devida apuração das denúncias de corrupção, uma vez que haverá um reinício das investigações e de eventual processo”, analisa o professor.
No mesmo texto, o autor explica as diferentes consequências jurídicas da declaração de nulidade e de suspeição, citadas em seu artigo. “No primeiro caso, a nulidade territorial implicaria na anulação dos atos decisórios, mas haveria a preservação de grande parte das provas produzidas, que poderiam ser aproveitadas pela vara competente”, diz ele.
Também a nulidade, conforme ressalta o professor da Uerj, estaria restrita aos casos em que não existisse relação com as investigações envolvendo a Petrobrás. “Já na declaração de suspeição, o vício da parcialidade contamina todo o processo, anulando os atos decisórios e viciando as provas produzidas, englobando, inclusive, a fase pré-processual”, observa.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra da análise de Marrafon e Alexandre César Lucas pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Governos do PT contribuíram para ascensão política das Forças Armadas
Os governos do PT, comandados pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rouseff (2011-2016), permitiram o aumento da militarização do Ministério da Defesa, representando uma "oportunidade perdida" de ampliar o controle civil sobre os militares
BBC Brasil
Essa é a conclusão de um levantamento feito pelos professores Juliano Cortinhas (Universidade de Brasília) e Marina Vitelli (Universidade Federal de São Paulo), recém-publicado em artigo na Revista Brasileira de Estudos e Defesa.
Na avaliação da dupla, a falta de uma política dos governos petistas para fortalecer a hierarquia civil sobre as Forças Armadas contribuiu para que os militares se sentissem à vontade para assumir maior protagonismo político nos últimos anos, em especial nos governos de Michel Temer (2016-2018) e do atual presidente, Jair Bolsonaro.
Embora o Ministério da Defesa tenha sido criada em 1999, com o objetivo de ampliar a subordinação das Forças Armadas ao poder civil mais de uma década após o fim da Ditadura Militar (1964-1985), levantamento do professores mostra que durante as gestões petistas houve aumento do número de servidores militares ocupando cargos na pasta, com predomínio nas funções de maior hierarquia.
"Ao longo dos anos do PT, o ministério foi militarizado, com a entrada de mais militares em termos percentuais do que civis. Com isso, os militares controlam todo o processo de construção da política de Defesa do Brasil, o que é inadequado", disse Cortinhas à BBC News Brasil.
A partir de dados do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações do Cidadão (e-SIC), o artigo analisa a evolução do perfil dos servidores entre 2006 e 2016 (o ministério não disponibilizou dados de 2003 a 2005).
Os números revelam que houve um aumento de 60% nas posições do Ministério da Defesa (de 818 para 1309), mas o crescimento foi mais expressivo entre os cargos ocupados por militares.
"Waldir Pires (terceiro ministro da Defesa petista) assumiu (em 2006) um ministério com igualdade de cargos de civis e militares. Ao entregar a gestão, Aldo Rebelo (último ministro petista) deixou um órgão bastante dominado pelos militares, que possuíam 730 cargos exclusivos, enquanto o total de cargos que poderiam ser ocupados por civis era de apenas 530. O aumento no número de cargos civis foi de 42,1%, enquanto a elevação dos cargos militares foi de 77,5%", diz o artigo.
Os dados indicam ainda que fenômeno foi mais intenso durante a gestão de Celso Amorim, diplomata que comandou a pasta na maior parte do primeiro mandato de Dilma. Ele assumiu o ministério "com 51,1% de cargos militares (453) e 48,9% de cargos civis (434) e entregou a gestão para (Jaques) Wagner com 54% de cargos militares (664) e 46% de civis (565)".
Além do aumento de cargos exclusivos para oficias das Forças Armadas, o levantamento revela ainda que, ao longo das gestões petistas, militares da ativa e da reserva passaram a ocupar mais funções abertas aos civis. Com isso, o percentual de civis na composição do ministério, que era de 42,4% em 2006, caiu ano após ano, até chegar a apenas 35% uma década depois.
Os professores também dividiram os cargos do ministério em três categorias hierárquicas (posições de nível superior, intermediário e inferior) e constataram um predomínio dos militares no topo da gestão da pasta.
Entre 2006 e 2016, os oficiais sempre ocuparam mais de 65% dos cargos de nível superior ou intermediário - enquanto os cargos de nível inferior sempre tiveram predomínio civil (menos de 40% de militares).
Esse quadro, acreditam, reflete a falta de uma carreira civil estruturada dentro do ministério. A criação dessa carreira estava prevista na Estratégia Nacional de Defesa desde 2008, mas nunca saiu do papel.
Para os professores, o PT e a classe política em geral parecem ter subestimado o interesse dos militares em voltar ao poder no país, o que levou as gestões petistas a não priorizar o fortalecimento civil do Ministério da Defesa.
Isso, dizem, trouxe duas consequências negativas. De um lado, representa um risco para a democracia, na medida em que os militares se sentem mais à vontade para atuar politicamente. E, de outro, significa uma política de defesa menos eficiente, na medida em que a gestão das Forças Armadas acaba muitas vezes sequestrada pelos interesses corporativistas de cada uma delas (Exército, Aeronáutica e Marinha), em vez de ser conduzida por uma coordenação civil mais ampla.
Embora não tenha sido foco de análise do artigo, os professores citam ainda como outro aspecto da gestão petista que contribui para esse quadro o aumento do emprego de militares em atividades civis, como segurança pública, com as Operações de Garantia da Lei e da Ordem, ou em ações sociais, como distribuição de água no Nordeste (Operação Pipa).
"Os governos do PT simbolizam uma etapa da vida política brasileira no qual o Brasil já tinha passado vários anos de regime democrático e as Forças Armadas não tinham tanto poder sobre as autoridades civis. Então, era um momento mais propício para o sistema político impor a sua autoridade legal na política de defesa. Mas isso não aconteceu", afirma Marina Vitelli, ao argumentar que houve uma "oportunidade perdida" nos governos Lula e Dilma.
"Se a gente tivesse construído as instituições necessárias para o controle civil naquela época, em que isso era possível politicamente falando, hoje provavelmente não teríamos os absurdos que estamos acompanhando no nosso dia a dia: excesso de militares no governo, muitos benefícios e super salários. Tudo isso tem relação com o fato de que não foi feito o dever de casa em tempos de um governo mais progressista", também acredita Cortinhas.
O professor cita dados de outros países para ilustrar como o controle civil sobre as Forças Armadas é mais amplo em democracias consolidadas.
"França e Reino Unido têm Forças Armadas menores do que as nossas, são cerca de duzentos mil militares apenas, ou seja, quase metade do nosso contingente de 370 mil. Mas os ministérios da Defesa, tanto da França quanto do Reino Unido, têm mais de sessenta mil servidores civis, enquanto o nosso ministério da Defesa tem cerca de 1.500 servidores no total, sendo que dois terços são militares", compara.
"Então, são estruturas de sessenta mil servidores construindo as políticas de defesa, fazendo os processos orçamentários. Quem define quais equipamentos as Forças Armadas vão ter não são as Forças Armadas, é o ministério da Defesa, porque esses equipamentos são projetados e planejados a partir das necessidades do país e não das necessidades de uma das Forças Armadas", explica ainda.
'Ministros tinham pouca autoridade sobre os militares'
Além de investigar a distribuição dos servidores no órgão, o artigo também analisa os perfis dos sete ministros que comandaram a Defesa nos governos petistas - José Viegas Filho (diplomata), José Alencar (político), Francisco Waldir Pires (político), Nelson Jobim (político e jurista), Celso Amorim (diplomata), Jaques Wagner (político) e Aldo Rebelo (político).
Os professores reconhecem que o cargo tem natureza política e é legítimo que não seja ocupado por um técnico da área. Mas apontam que nenhum dos que comandou a pasta nos governos do PT tinha conhecimento aprofundado em Defesa, o que, avaliam, comprometia sua legitimidade perante os militares, assim como sua capacidade de gestão.
Hoje coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional da UnB, Cortinhas acompanhou de dentro a política de Defesa no governo Dilma. Primeiro, atuou na Assessoria de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2012 e 2013. E, depois, foi chefe de gabinete do Instituto Pandiá Calógeras, órgão de assessoramento estratégico do Ministério da Defesa, entre 2013 e 2016.
Diante da fraqueza da pasta, nota Cortinhas, o que se vê no país é uma grande autonomia de cada uma das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) e uma falta de coordenação da política de Defesa.
"São três burocracias e, por vezes, elas entram em conflitos orçamentários. E a tendência de alguém que não conheça profundamente a pasta, que não tem uma visão sobre o que são os militares e como eles devem agir no sistema político brasileiro, é ter dificuldade pra ser o árbitro dessas disputas. Então, temos um cenário muito ruim: um ministério fraco, com instituições fracas, e ministros com pouco conhecimento sobre o tema", nota ele.
"Então, o Exército por exemplo coloca na Política Nacional de Defesa que a prioridade é a (proteção da) Amazônia. E aí o seu principal, mais caro projeto estratégico, é um veículo blindado, o Guarani. Não faz sentido. O que o blindado tem de relação com a Amazônia? E a gente não tem um ministro da Defesa que pergunte isso de forma séria, a gente não tem no Congresso pessoas preparadas também pra fazer essa (questionamento)", acrescenta.
Apesar da crítica ao perfil dos ministros petistas, os professores reconhecem a importância de todos eles terem sido civis. Foi a partir do governo Michel Temer que a pasta passou a ser comandada por um militar, se afastando completamente do propósito inicial de executar o controle civil sobre as Forças Armadas.
Bolsonaro não só manteve a pasta sob controle de generais do Exército, como deu o comando de outros ministérios civis a militares. Até mesmo a Casa Civil, pasta que tem função de coordenar a gestão federal, foi por mais de um ano comandada pelo general Braga Netto, recentemente deslocado para chefiar a Defesa.
A estreita relação com as Forças Armadas tem gerado receio de que o presidente possa tentar algum movimento autoritário caso perca as eleições de 2022 — as pesquisas de intenção de voto apontam que hoje Lula lidera a corrida pelo Palácio do Planalto.
Bolsonaro tem indicado que pode não aceitar o resultado do pleito, por desconfiar da segurança da urna eletrônica, embora não exista qualquer prova de fraude envolvendo o sistema de votação atual.
"Na democracia, o ministro da Defesa representa o presidente na política de Defesa. Claro, vai ter um diálogo com as Forças Armadas, mas sempre com uma relação hierárquica, de cima pra baixo. E está acontecendo o contrário: quando você coloca o ministro da Defesa militar ele passa a ser o representante das Forças Armadas no governo. Isso é completamente fora da lógica", critica Marina Vitelli.
Para a professora, qualquer presidente que suceder Bolsonaro terá como enorme desafio lidar com Forças Armadas tão fortalecidas. Se Lula realmente vencer, sua expectativa é que o petista buscará uma negociação.
"No curto prazo, você precisa negociar, só que no médio e longo prazo é fundamental pra democracia impor essa subordinação militar às autoridades civis. Mas tenho minhas dúvidas em relação até que ponto os partidos políticos entendem a relevância de impor esse controle civil. Então, a gente não vê indícios de que a situação vai mudar radicalmente mesmo com uma vitória do PT", acredita.
Embora os governos do PT tenham sido marcados por aumento do orçamento das Forças Armadas e da presença militar no ministério da Defesa, a relação entre os dois lados terminou bastante estremecida, dado o inconformismo dos militares com a Comissão da Verdade, criada na administração Dilma para investigar os crimes da ditadura.
Celso Amorim questiona conclusão dos professores
Procurado pela BBC News Brasil, o ex-ministro Celso Amorim defendeu as gestões petistas da Defesa. Ele ressaltou que, em sua administração, buscou criar novas estruturas que fortalecessem o comando civil da pasta.
Foi o caso da Secretaria-Geral (SG), órgão ao qual ficaram submetidas as demais secretarias e que foi pensado para ser ocupado por um civil, servindo de contraponto ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. A partir da gestão de Aldo Rebelo, porém, a SG passou a ser comandada por militares.
Amorim citou também o Instituto Pandiá Calógeras, criado para assessoramento estratégico, com fortes laços com a academia, e integralmente ocupado por civis.
No artigo, os professores reconhecem esses avanços institucionais, mas consideram que seu impacto foi menos relevante diante do aumento da presença militar na pasta.
Sobre o fato de a carreira civil do ministério não ter saído do papel, Amorim disse que houve resistência no Ministério da Planejamento por questões orçamentárias.
O ex-ministro questionou as conclusões dos professores de que as gestões petistas contribuíram para o atual cenário de protagonismo dos militares no governo Bolsonaro.
"Dizer que os governos (do PT) não ampliaram o espaço dos civis e portanto os militares continuaram ocupando posições importantes na área da Defesa é uma conclusão. Agora, dizer que isso facilitou que eles passassem pra área civil, não tem absolutamente nada a ver. O Bolsonaro se cercou de militares porque são as únicas pessoas que ele conhece e nas quais ele acha que pode mandar", argumentou.
Quanto ao uso frequente das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem, Amorim reconheceu que o tema "merecia uma certa revisão", mas ponderou que os pedidos para uso dos militares na segurança pública costumavam partir dos próprios governadores, inclusive em momentos de greves de policiais.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58265150
Rejeição ao governo Bolsonaro chega a 54%, diz pesquisa XP/Ipespe
Entrevistados que avaliam a gestão bolsonarista como "boa" ou "ótima" somam 23%, dois pontos percentuais a menos que na pesquisa de julho
Talita Laurino / Metrópoles
A XP Investimentos divulgou, nesta terça-feira (17/8), a avaliação do governo Bolsonaro. De acordo com o levantamento, 54% dos eleitores dizem considerar a gestão bolsonarista “ruim” ou “péssima”, contra 52% em julho. A taxa de rejeição ao governo está em alta desde outubro de 2020, quando 31% avaliavam negativamente a administração federal.
Por outro lado, entrevistados que veem o governo como “bom” ou “ótimo” somam 23%, dois pontos percentuais a menos que na pesquisa de julho. Os números são os piores desde o início da série. A insatisfação ocorre junto à piora na percepção da direção da economia. O grupo dos que avaliam que a gestão federal está no caminho errado cresceu 4 pontos percentuais e chegou a 63%.
A visão contrasta com outros indicadores sobre a situação econômica. A percepção sobre as chances de manutenção de emprego, por exemplo, segue em tendência de alta desde maio. O grupo que vê possibilidade grande ou muito grande de continuar empregado atingiu 56%.
Foram realizadas mil entrevistas, em todo o país, de 11 a 14 de agosto. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais, para mais ou para menos. A pesquisa registrou também estabilidade sobre o sentimento da população em relação à pandemia: o grupo dos que dizem estar com muito medo do surto de Covid-19 oscilou de 38% para 39%.
A soma das pessoas que já se vacinaram com as que dizem que receberão o imunizante com certeza atingiu seu maior patamar, chegando a 96%.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/rejeicao-ao-governo-bolsonaro-chega-a-54-diz-pesquisa-xp-ipespe
Paulo Fábio Dantas Neto: As chances da 3ª via diante da reciclagem da primeira
Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Tornou-se lugar comum em análises políticas prospectivas voltadas às eleições de 2022 vaticinar que o chamado centro democrático até aqui não emplacou e que não emplacará. Temos aí uma constatação irrefutável e uma previsão afoita. Um uso de flash fotográfico para tratar de processo que requer filmadora.
Os raciocínios decorrentes dessa ilusória percepção do processo político como algo linear, no qual o presente é criado e explicado pelo antecedente e, ao mesmo tempo, cria e explica o sucedente são: primeiro, que Bolsonaro seria resultado direto e lógico da rejeição ao PT, logo, a rejeição foi o erro do qual resulta a tragédia social e política que o Brasil vive hoje; segundo, que a situação atual, indicada em pesquisas, de inconteste liderança de Lula comprova que esse é o caminho para derrotar o mal. A remissão de um suposto pecado, supostamente original, seria condição para que o país volte a ter futuro.
Acontece que a banda não tocou, não toca, nem tocará assim. Comecemos por relembrar: a eleição de Bolsonaro não foi desfecho natural e obrigatório da rejeição ao PT. Assim como a pedalada fiscal foi o argumento jurídico, a rejeição do eleitorado, sentindo-se logrado pelo marketing da campanha de 2014, foi o lastro social do impedimento de Dilma Rousseff, que passara a ser objetivo político de várias forças que a apoiaram naquela eleição, com destaque ao MDB e ao Centrão. Mas o que ocorreu depois (o esgarçamento e não a unidade eleitoral das forças que sustentaram o impeachment e a instalação de um governo de transição) não estava escrito nas estrelas. A Lava-Jato foi um solvente externo, cuja ação foi potencializada pela incapacidade política da nova coalizão governante de ir além do salve-se-quem-puder. Em vez de continuidade entre transição e nova situação (como entre Itamar e FHC, em 1993/94), deu Bolsonaro.
Hoje não há só duas bandas tocando, a do governo Bolsonaro e a da oposição de esquerda. Assim querem e fazem pensar as análises que vaticinam o caráter irremovível dessa polarização. Família e milícias de Bolsonaro, seu entorno militar e áreas do chamado centrão constituem três camadas de um bolo solado. Desse arranjo pode sair (e tem saído) muita coisa em comum, desde tentativas de saques devastadores aos cofres da União, até tolerância para com ameaças à democracia e às eleições, passando por devastação ambiental, educacional, cultural e informacional, por metódica desconstrução institucional do Estado, seu aparelhamento e a sabotagem, pontual e difusa, de direitos constitucionais, inclusive supressão do direito à vida de centenas de milhares de brasileiros. Em suma, pode sair tudo, menos uma coalizão capaz de vencer eleições normais, em dois turnos. Políticos profissionais sabem disso e não ficam à espera do abraço de afogado do capitão.
Isso quer dizer que as bases ainda ligadas ao governo, ou não rompidas com ele, rumarão para a oposição? Seria mais provável dois e dois somarem cinco. Abrir mão da máquina eleitoral federal quando se pode contar com ela é algo que contraria o beabá eleitoral de candidatos ao Parlamento e a governos estaduais, exceto aqueles que estejam previamente excluídos do acesso a ela, pela sua condição de oposição aberta. A recusa ao abraço de afogado quer dizer é que a direita e a centro-direita buscam outro candidato para derrotar Lula. Atuam e tendem a cada vez mais atuar num registro que rejeita o discurso e os métodos autocráticos do presidente. O eixo estruturante, criador dessa possível candidatura, seria o próprio governo e não uma aliança mais ao centro, de oposição. O centro iria, supostamente, por gravidade, parte dele logo, outra parte, no segundo turno. O nome? Não sabemos (é possível que nem mesmo os artífices dessa solução já saibam) mas entre Rodrigo Pacheco e Hamilton Mourão não se deve descartar nada.
A solução que surja desse eixo pode ter maior ou menor teor democrático. É bom não nivelar o juízo sobre cada uma dessas possibilidades, porque não é desprezível a distinção entre gravata e farda num momento tão delicado como esse pelo qual passa a nossa democracia. Seja como for, não é sensato apostar que o establishment ficará inerte, paralisado pela pluralidade de visões, valores e interesses que abriga. Se essas forças da direita não-bolsonarista (governistas e independentes) se entenderem sobre o nome e se conseguirem se acertar com Artur Lira – um ator com poder de veto - vão tirar Bolsonaro do caminho, por bem ou por mal. Isso se o Judiciário não consumar o fato antes, ou se o próprio Bolsonaro não entornar o caldo preferindo, em vez do script de eleitoralmente derrotado (ainda que inconformado), cumprir o de insurreto, ou o de vítima batendo em retirada. Penso ser assim que se deva ver, por exemplo, a operação de remontagem do DEM no Rio de Janeiro. Além de deslocar Rodrigo Maia no plano estadual, retaliando sua transição barulhenta e agressiva em busca de lugar na oposição frontal ao governo federal, ganhar aliados de Bolsonaro para a via governista sem ele, desbolsonarização do governo.
Visto que as bandas não tocaram antes, assim como não tocam hoje, do jeito simples insinuado por análises que usam flashes no lugar de filmadoras, resta argumentar como é possível que toquem em 2022 de modo menos óbvio do que aquele que coros equivocados e/ou interessados anunciam. Se, de fato, o chamado centro democrático for politicamente anulado em 2022, conforme os sinais mais visíveis apontam, não será pela imperiosidade da polarização entre Lula e Bolsonaro, mas pela perda da chance de ocupar a posição de eixo articulador de uma suposta terceira via, A primeira via (governista) adianta-se a esse centro como eixo articulador de uma alternativa liberal-conservadora ao bolsonarismo.
O sinal mais evidente dessa ultrapassagem é o posicionamento crescente do DEM na direção dessa primeira via sem Bolsonaro. Embora menos evidente, a conduta do MDB tende a ser parecida, ou ainda mais problemática, pelas inclinações lulistas que ali existem. Sem o DEM e o MDB, o centro democrático não poderá ser centro, no sentido de eixo. Estará condenado a ser coadjuvante, por mais que o PSDB seja um partido relevante. E as últimas votações no Congresso não devem iludir. Também no terreno tucano a força do governismo se mostra. Do mesmo modo que não se pode confundir isso com bolsonarismo, também não se pode negar a propensão de parte do partido a desistir da hipótese da terceira via.
É uma situação irreversível? Penso que não, enquanto existirem, simultaneamente, em mais de um terço do eleitorado (noves fora adesões e rejeições a Bolsonaro e a Lula), percepções de que o governo que aí está não presta e de que a volta do PT seria um desastre, ambas as percepções orientadas pela aversão à corrupção, à ineficácia econômica e/ou à instabilidade política. Se a direita conseguir, afastando ou eclipsando Bolsonaro, convencer que o governo passou a ser outro; ou se Lula conseguir convencer esse mais de um terço de que um novo governo seu será algo diferente do que foi, o centro democrático tende a ter um papel apenas coadjuvante, mesmo que importante para moderar e qualificar o debate. Se a direita e a esquerda lograrem, ambas, esses tentos, aí sim, o centro, por inutilidade, virará poeira.
Mas é muito cedo para vaticínios. A direita patina pela ausência de nome. Nela, esse limite é maior do que no chamado centro. Pode acenar com estabilidade, mas tendo o centrão como seu eixo, como contornar os receios do eleitorado com a corrupção e a incompetência do governo? Para estimular esses receios estão aí as ativas e experimentadas redes petistas. Por seu turno, Lula até aqui faz exatamente o oposto do que buscar a reversão da aversão àquele modo petista de governar. Tem prometido um retorno ao passado, que vê como um ativo político para apostar e não como algo a problematizar. Parece convencido de sua capacidade de convencer as pessoas de que, administrativa e politicamente, ele e Dilma são como trigo e joio. A direita não dispensará uma bola assim na marca do pênalti. Além de lembrar, com ênfase simétrica, da corrupção e da incompetência alheia, ainda acenará com riscos de golpe, se o PT retornar. Mantidas tais circunstâncias problemáticas, por que o projeto de uma candidatura mais ao centro deveria ser suicidado de véspera?
O maior problema do chamado centro democrático tem sido, desde 2015, ele mesmo. Pagou um alto preço eleitoral pela sua pusilanimidade durante o governo Temer. E arrisca-se a pagar outro em 2022 se não conseguir criar uma identidade e uma rota de navegação distinta não apenas da oposição de esquerda, mas também do governismo maquiado. Esses cacoetes permanecem nos partidos, mas é visível o esforço interessado que alguns pré-candidatos têm feito para superá-los. Enfrentam obstáculos para se tornarem agregadores em seus partidos, seja pela divisão (casos de João Dória e Eduardo Leite, no PSDB), seja pela força interna de um governismo difuso (caso de Luís Mandetta, no DEM). Quando, a princípio, não tem esse problema (caso de Ciro Gomes, no PDT), há problemas de afinidade política e de perspectiva econômica com os possíveis parceiros. Apesar de todos esses fatores reais, a coisa tem andado no sentido do amadurecimento de uma convivência cooperativa, simultaneamente a uma explicitação e discussão de diferenças entre eles. Se chegarão a tempo não se sabe, mas não há nada de melhor a fazer. Bom exemplo foi o segundo debate público entre três deles (Ciro, Mandetta e Leite) , ocorrido na última quinta-feira, dia 12/08. Apesar do formato engessado, foi possível aprofundar certos assuntos e ir lapidando um discurso comum, que pode se tornar amplo.
O critério para avaliar amplitude, no caso desse campo do centro, é distinto do que precisa ser adotado para avaliar a amplitude da conduta de Lula. Não se pode dizer que a postura pouco aberta a revisões que ele tem adotado é, necessariamente, sinal de que se preocupa só com seu “cercadinho” e que está fechado a uma inflexão futura. Se for fustigado pela emergência de uma candidatura agregadora do centro pode mudar essa postura. A atual tem sua racionalidade, pois Lula joga para apressar a consumação de um quadro em que ele seja a única opção de oposição ao "que aí está". Esse é um jogo compreensível. Quem quer coisa diferente tem de apresentar. Ainda há tempo, mas está passando rápido. Tudo indica que Lula e o PT não vão conseguir que a eleição se resuma a um plebiscito contra Bolsonaro, o cardápio dos seus sonhos. Provável que comam mais poeira enfrentando outro candidato, um sujeito oculto que mais dia, menos dia, vai aparecer. Arma-se no país um cenário de polarização entre Lula e outra candidatura governista.
Uma alternativa democrática a esse tipo de polarização seria uma candidatura de oposição ou independente que, mesmo vindo da centro-direita, pudesse agregar o centro e até morder áreas da esquerda, programática e eleitoralmente. É para esse tipo de solução que o tempo está ficando cada dia mais escasso. Ao contrário da hipótese de uma candidatura governista alternativa a Bolsonaro, que tem a seu favor o desespero generalizado para se livrar de Bolsonaro, que com o tempo condicionará mais o establishment. A ponto de não fazer diferença, para quem precisa dessa arca, se o comandante usará farda ou paletó.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/paulo-fabio-dantas-neto-as-chances-de.html
Luiz Sérgio Henriques: Esquerda positiva, a hora e a vez?
É necessária uma aguda reflexão sobre a ‘questão democrática’ e o centro político
Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo
Num momento em que nosso passado de golpes e atropelos parece obstinar-se em não querer passar, oprimindo como um pesadelo, segundo a frase famosa, o cérebro dos vivos, podemos também, paradoxalmente, nele buscar sinais que nos orientem ou permitam discernir rotas menos tortuosas. É que tivemos tempo suficiente de aprendizado na luta contra o autoritarismo e nos educamos coletivamente por meio de experiências que não se deixam apagar e, seja como for, estão disponíveis para quem veio depois e não as viveu em primeira pessoa.
Exercícios contrafactuais são sempre arbitrários, mas não de todo inúteis. Não era inevitável, por exemplo, que a modernização brasileira se revestisse do caráter autocrático assumido a partir de 1964. Tal caráter não estava escrito nas estrelas ou latente na “natureza do processo”, mas decorreu também de más escolhas políticas. No seu conjunto, os atores do campo “progressista” tinham da democracia uma concepção limitada, como se ela fosse uma variável subordinada às “reformas de base”. Defender a Constituição de 1946 e apostar nas eleições de 1965 teria sido um caminho menos aventuroso, cuja viabilidade dependia da existência mais vigorosa de uma “esquerda positiva”, à moda de San Tiago Dantas, que desgraçadamente não tínhamos.
A seguir, a luta contra o regime autoritário conheceria uma esquerda dividida e muitas vezes impotente, a travar o seu “combate nas trevas”. Parte dela negava as transformações em curso e se apegava aos fortes mitos revolucionários da época, como o da China ou o de Cuba. Outra parte, no entanto, que por sinal abrigava a maioria dos egressos do putsch de 1935, seguia rumo diametralmente oposto ao do passado, avalizando – mesmo na clandestinidade – o partido dito de “oposição consentida”, o MDB de Ulysses e Tancredo. Sem dúvida, um sinal de esquerda positiva, preocupada com os humores e as posições do centro político, sem o qual não seria possível derrotar o arbítrio.
O País que surgiu dos anos de chumbo carregava promessas radiosas. Antes de mais nada, uma sociedade civil plural, pujante e diversificada. Entre tal sociedade e o seu Estado se consolidava uma relação mais equilibrada, de tal forma que parecia banida a hipótese que sempre estimula as aventuras autoritárias, a saber, a tentação de impor mudanças “pelo alto”, depois de controladas as alavancas do poder estatal. O que os atores políticos prometiam generalizadamente, desde os dissidentes da velha Arena até os representantes da esquerda velha e nova, era o rompimento definitivo com toda e qualquer ideia de golpe. O golpismo, em suma, passaria a ser palavra censurada naquele Brasil reinaugurado em 1988.
É possível, antes, é certo que havia alguma ingenuidade sobre a fase que se abria. Reformas sociais, mesmo de grande alcance, seriam possíveis, e de fato algumas o foram, como atestado pelo magnífico exemplo da construção (ainda em progresso) do SUS. A crença, afinal, era de que a democracia política não discrimina interesses nem valores e, por conseguinte, promove e requer a recomposição de todos os conflitos com base no consenso. Reformas assim obtidas, rigorosamente legais e nunca “na marra”, pavimentariam a via mestra de uma contínua democratização social. Para coroar, eleições competitivas, travadas com a regularidade “monótona” típica das sociedades ocidentais a que agora nos juntávamos, garantiriam a obtenção de patamares cada vez mais altos de igualdade e liberdade.
Dispensamo-nos aqui de descrever o impacto que os processos de mundialização tiveram sobre a estrutura de classes, a ordem social e os variados sistemas políticos nacionais. Em boa parte os benefícios da “globalização chinesa” possibilitaram avanços sociais generalizados na primeira década do novo século, e não só no Brasil, mas é duvidoso que entre nós se tenha afirmado com intensidade a “alma democrática” que dá vida interior às instituições, para lançar mão de uma imagem de Fernando Henrique Cardoso. Nas brechas e fissuras aí surgidas se insinuaria paulatinamente, com uma audácia que poucos poderiam supor, uma nova direita autocrática, fortemente crítica dos mecanismos da democracia clássica, a começar pelo que preside a alternância regular de poder.
A esquerda certamente é um fator indispensável para a saída do abismo em que nos metemos. Indispensável, mas muito longe de ser o único. O aprendizado coletivo a que nos referimos sugere que, uma vez mais, é necessária uma aguda reflexão sobre a “questão democrática” e, em consequência, o centro político. Recorrendo à conhecida metáfora, esse é o único elo a partir do qual se consegue dominar toda a corrente. Por isso mesmo, não se trata de prometer, com as mãos contritas, eventual “aliança com a burguesia” para “acalmar os mercados” e, menos ainda, de reincidir em esquemas de cooptação e loteamento. Trata-se, bem ao contrário, de redefinir a própria posição diante dos mais delicados temas da democracia e da República, sem o que não será possível a obra de reconstrução nacional que nos desafiará.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,esquerda-positiva-a-hora-e-a-vez,70003811050
Comandante do Exército diz que ‘não há interferência política’ na Força
Equilibrando-se entre as tentativas de Bolsonaro de influenciar instituição e a expectativa de parte da cúpula militar, o general Paulo Sérgio Nogueira afirma ao GLOBO que 'o Alto Comando está com o comandante'
Jussara Soares / O Globo
BRASÍLIA — Desde quando assumiu o comando do Exército, em abril, o general Paulo Sérgio Nogueira se equilibra em uma linha tênue de expectativas. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro almeja demonstrações de apoio irrestrito e influência na Força que lhe deu a patente de capitão. Do outro, integrantes do Alto Comando esperam que Nogueira blinde a caserna da política e evite um agravamento da crise de imagem da instituição. Diante disso, Nogueira negou ao GLOBO o desgaste e deixou claro:
— Não há interferência política no Exército — disse o general por telefone ao GLOBO após participar ao lado de Bolsonaro de uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) neste sábado — O Alto Comando está com o comandante — garantiu.
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A declaração ocorre após mais uma semana de tensão. Na terça-feira, o general foi convocado para uma reunião ministerial no Palácio do Planalto. Ao fim, o primeiro escalão do governo se perfilou no alto da rampa, junto a Bolsonaro, para acompanhar um desfile de blidandos em frente à Praça dos Três Poderes. Entre eles, estava Nogueira. Militares quatro estrelas ficaram desconfortáveis em vê-lo no evento. Nem o próprio comandante parecia à vontade na cena.
Bolsonaro e o General Paulo Sérgio Nogueira
Não foi a primeira situação em que Nogueira ficou no meio de interesses difusos de fardados e de Bolsonaro. Em maio, a cúpula do Exército defendia a punição do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de uma manifestação no Rio ao lado do presidente, o que é proibido a militares em atividade. Bolsonaro, por sua vez, agiu para blindar o ex-ministro, que acabou ganhando um cargo Palácio do Planalto. O recado foi entendido, e Pazuello se livrou da punição. O comando do Exército ainda impôs um sigilo de cem anos sobre o processo administrativo de Pazuello.
Nogueira enfrentou outra saia justa. Em julho, o ministro da Defesa, Braga Netto, preparou uma nota oficial, assinada também pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para rebater críticas feitas pelo presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM). O texto oficial diz que as Forças Armadas não aceitariam “ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo.” Na ocasião, Nogueira estava em viagem ao Rio Grande do Sul. O texto, apresentado a à distância, estava pronto para ser assinado.
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Esses e outros episódios já foram debatidos nas reuniões de integrantes do Alto Comando, que têm se mostrado preocupados com ataques de Bolsonaro às instituições. Ao final, generais estrelados, diante do momento de tensão, reafirmaram apoio irrestrito ao comandante do Exército. O argumento é que Nogueira não pode se opor ao presidente sob risco de conflagrar uma crise no país.
Nogueira chegou ao topo do Exército quando seu antecessor, o general Edson Leal Pujol, foi demitido junto com o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica. O argumento principal é que Bolsonaro queria uma relação mais próxima com os chefes das tropas.
Descrito como afável, extrovertido e sociável, Nogueira adotou a discrição como regra. Em aparições públicas, calcula o tom das falas para não gerar conflito com o presidente e tampouco parecer que referenda eventuais posições políticas. Na estratégia de fugir de polêmicas, Nogueira deixou de usar o Twitter, um dos canais prediletos dos apoiadores de Bolsonaro. A sua última publicação ocorreu no dia 2 de abril, dois dias após ser anunciado no posto mais alto do Exército. Essa postura o diferencia dos comandantes da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, e da Marinha, Almir Garnier dos Santos, que utilizam as redes sociais.
Nos bastidores, porém, o comandante do Exército faz questão de sinalizar que está aberto a conversar com todas as autoridades. Já recebeu o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e esteve com os governadores Ratinho Jr (PSD), do Paraná; Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco; e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. Os dois últimos são adversários políticos de Bolsonaro. Nogueira também já se encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Nessas conversas, segundo o relato de interlocutores, evitou comentários sobre o presidente ou qualquer crise no país.PUBLICIDADE
A reserva do general à exposição política do Exército já era percebida por interlocutores do militar desde que ele estava à frente o Comando Militar do Norte (CMN), em Belém. A divergência se acentuou no 7 de agosto de 2020, um dia antes de o Brasil superar a marca de 100 mil mortos pela Covid-19, quando Nogueira assumiu o Departamento-Geral de Pessoal do Exército, a maior autoridade de saúde na Força. Na gestão, adotou as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo uso de máscara nos quarteis e distanciamento social. A adoção dessas medidas era contrária ao posicionamento de Bolsonaro.
Em função disso, o general não cogitava ser promovido ao comando do Exército. Até mesmo porque à frente dele estavam os generais José Luiz Freitas e Marco Antonio Amaro, atual chefe do Estado Maior, que havia sido chefe da segurança da ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo integrantes do Planalto, Amaro foi preterido pelo passado de serviços à petista, e Freitas por não ter proximidade com Braga Netto.
Quem conhece o general mais intimamente diz que o ar reservado nas cerimônias ao lado do presidente contrasta com o perfil extrovertido que o marca desde os tempos da Aman, onde se formou em 1980. Natural de Iguatu (CE), PS, como gosta de ser chamado, é filho de um funcionário do Banco do Brasil e de uma dona de casa. Católico praticante, tem três filhos: dois majores do Exército e um engenheiro. Na academia, o jovem de 1,82m e bom preparo físico praticou atletismo e futebol. É torcedor do Ceará.
Na trajetória militar, o general foi três vezes instrutor na Aman, e em uma delas como comandante do Curso de Infantaria. Ao menos dez turmas de cadetes passaram por ele, o que faz com que Nogueira tenha relacionamento com oficiais espalhados por todo o Brasil. Na prática, é o comandante que tem as tropas nas mãos.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/comandante-do-exercito-diz-que-nao-ha-interferencia-politica-na-forca-25155942
PGR opinou contra prisão de Jefferson e respondeu fora do prazo
Ministro do STF escreveu que procurador-geral da República foi intimado em 5 de agosto sobre o pedido de prisão; resposta só foi finalizada na noite do dia 12
Aguirre Talento e Mariana Muniz / O Globo
BRASÍLIA — A prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, gerou mais um foco de atrito entre o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Moraes pediu uma resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido de prisão formulado pela Polícia Federal em 24 horas, mas a PGR só elaborou a resposta sete dias depois, na noite de ontem, depois que o ministro já havia determinado a prisão, e se manifestou contra a prisão.
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Moraes escreveu em sua decisão: "Em 5/8/2021, a Procuradoria-Geral da República foi regularmente intimada para manifestação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deixando o prazo transcorrer in albis". A resposta só foi concluída na noite de ontem, 12 de agosto, mas até a manhã desta sexta-feira ainda não havia sido juntada aos autos.
Na manhã desta sexta, o gabinete do ministro divulgou uma nota afirmando que ainda não havia recebido a manifestação da PGR. "Informamos que no dia 5 de agosto de 2021, a Polícia Federal enviou para este gabinete uma representação, requerendo a prisão preventiva de Roberto Jefferson e a ralização de busca e apreensão na sua residência. Autuada esta representação como Pet, no mesmo dia 5 de agosto de 2021, ela foi entregue para a Procuradoria-Geral da República, assinando-se um prazo de 24 horas para que pudesse manifestar-se", diz a nota.
Prossegue o gabinete do ministro: "No entanto, até a decisão que decretou a prisão preventiva de Roberto Jefferson e determinou a realização de busca e apreensão, na data de ontem, 12 de agosto de 2021, não havia qualquer manifestação da Procuradoria-Geral da República a esse respeito, embora vencido o prazo".
O posicionamento da PGR foi feito pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, considerada uma das principais vozes bolsonaristas dentro do Ministério Público Federal, mas só foi finalizado após a decisão de Moraes. Ela se posicionou contra o pedido de prisão feito pela PF, argumentando que Jefferson não possui foro privilegiado perante o STF e que não era a instância correta para essa investigação contra o ex-deputado.
Lindôra também discordou dos fundamentos de que Jefferson ameaçava as instituições democráticas e apontou que não havia justificativa legal para a prisão do ex-deputado. Disse que não estavam presentes os requisitos para a prisão preventiva.
Moraes e a PGR têm entrado em atritos por causa de diversas investigações contra bolsonaristas que são conduzidas sob a relatoria do ministro. Em maio, Moraes autorizou uma operação da PF contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sem pedir manifestação da PGR, por entender que Aras poderia criar dificuldades ou até vazar informações, segundo interlocutores do ministro. Depois, a PGR solicitou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, o que irritou o ministro. Moraes acolheu o arquivamento mas determinou a abertura de um novo inquérito a ser conduzido pela Polícia Federal.
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A operação contra Jefferson também amplia o desgaste de Aras dentro da Corte. Ontem, o ministro Dias Toffoli, que tem boa relação com Aras, fez uma cobrança ao procurador-geral da República, por não ter se manifestado em um pedido de investigação contra Bolsonaro. Sua omissão em relação aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e às ameaças sobre as eleições do próximo ano também têm provocado descontentamento na Corte.
Luiz Carlos Azedo: Ninguém morre de véspera
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.
Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger, mesmo estando entre os mais votados e com o balaio cheio de emendas parlamentares. A expressão “Mateus, primeiro os teus”, de origem bíblica, parece ter mobilizado Lira. A pressão de sua base para
derrubar a proibição das coligações foi irresistível. Usada como derivação popular, por causa da rima, a expressão faz todo o sentido. Cobrador de impostos em Cafarnaum,
na Judeia, pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. O conselho de Jesus ao discípulo teria sido o seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”. Trocando em miúdos, o presidente da Câmara sabe que precisa liderar a Casa. A maioria de seus aliados está em risco eleitoral.
A saída foi aprovar a federação de partidos, para facilitar a montagem das chapas de candidatos a deputados federais. Aprovado por 304 votos a 119, o projeto de lei agora vai à sanção. Permite a duas ou mais legendas se unirem em uma fe- deração partidária e atuarem de maneira uniforme em todo o país. O texto já tem aval do Senado e segue para o presidente Jair Bolsonaro. Se não houver vetos, a federação de partidos permitirá a união de siglas com afinidade ideológica e programática, sem que seja necessário fundir os diretórios. A regra deve ajudar partidos menores a alcançar a chamada “cláusula de barreira”, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição.
Montagem de chapas
Com isso, a cláusula de barreira seria calculada para a federação como um todo, e não para cada partido individualmente. Entretanto, uma vez constituída a federação, os partidos a ela filiados deverão permanecer juntos por pelo menos quatro anos. Após registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação atuará como se fosse uma única agremiação partidá- ria. Ou seja: seguirá as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária; os partidos terão a identidade e a autonomia preservados; e a aliança terá abran- gência nacional.
A ideia de acabar com as coligações partidárias, mantendo a cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos, tem amplo apoio na opinião pública e nos meios acadêmicos, mas esbarra na realidade eleitoral dos estados, nos quais houve ampla fragmentação nas eleições municipais. Os grandes partidos, com muitos recursos, e os governadores, principalmente, passariam a dar todas as cartas na montagem das chapas. A realidade eleitoral nos estados, porém, foi mais forte. Está sendo difícil montar as chapas completas, devido à necessidade de grande número de candidatos, mesmo nos grandes partidos. A vantagem estratégica daqueles que já tem mandato, devido aos recursos do fundo eleitoral e às emendas parlamentares, espanta os candidatos competitivos, que não querem disputar uma eleição sem paridade de meios. Veio daí a rebelião dos perus. Ninguém quer morrer de véspera já tendo mandato.
Barros vira o símbolo político do crime como liberdade de expressão
Ao acusar CPI de afastar as vacinas, líder do governo na Câmara se torna o símbolo de um notável momento de delinquência política e intelectual
Reinaldo de Azevedo / Folha de S. Paulo
Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, é um exemplo bastante eloquente —até porque muito bem-sucedido na sua profissão— da pistolagem intelectual e política que chegou ao poder em 2019. Ele não fazia parte do grupo original, é verdade. Estava como aqueles crocodilos do Nilo que ficam nas águas rasas do rio Mara, no Quênia, à espera da passagem dos gnus. Em algum momento, a manada serviria de repasto. E lá estavam ele e outros de sua espécie com a bocarra pronta.
A afirmação que tal senhor fez em depoimento à CPI —segundo ele, a comissão afastou do Brasil empresas dispostas a vender vacinas ao país— é mais do que uma provocação barata. Trata-se de uma mentira filo-homicida. E não tenham dúvida de que ele apelará ao que entende ser “liberdade de expressão” para mentir ainda mais e para tripudiar sobre quase 600 mil cadáveres. “Oh liberdade de expressão! Quantos crimes se cometem em teu nome!”
Atenho-me um tantinho a esse particular. É a moda do momento. Essa mesma escória passou a defender com entusiasmo, por exemplo, o fim da Lei de Segurança Nacional —enterrada, sim, pelo Congresso, mas não como pretendiam os falsos arautos da liberdade. Em seu lugar, veio a correta Lei de Defesa do Estado Democrático. Eles não queriam nada. Apostavam no vazio legal. Bolsonaro promete atendê-los por meio dos vetos, que têm de ser derrubados.
Afinal, em seu país paralelo, em seu mundo paralelo, em sua realidade paralela, cada um prega o que lhe dá na telha —muito especialmente a destruição das garantias democráticas—, e as pessoas que se virem com, literalmente, as armas que têm. E quem não as tem? Ah, é nesse ponto que está a graça do jogo. As desigualdades, inclusive as ditadas por escolhas políticas e ideológicas, devem ser naturalizadas. Um dos papéis dos gnus é alimentar os crocodilos. A grandeza está na destruição. É ela que traz o progresso. “A guerra é a higiene do mundo”. Ou teremos um país de maricas, de fracos, de efeminados.
E quem não compartilha de seus mesmos preconceitos estaria a exercitar um exclusivismo moral hipócrita, insincero. Só se pode ser autêntico compartilhando de seus achismos. Caramba! Que graça tem a liberdade de expressão sem poder humilhar os que já são fracos? Não sou dono do pensamento liberal e, portanto, não serei eu a indicar os usurpadores. Mas os justificadores da razia em curso poderiam ao menos nos fornecer a bibliografia do pensamento liberal na qual buscam se escorar para justificar os crimes em curso na saúde, no meio ambiente, na educação, na segurança pública...
É esse ambiente de vale-tudo que leva um patriota com a biografia —muito especialmente a imobiliária— de Barros a ousar meter o dedo no nariz da CPI, acusando-a daquilo que fez o governo que ele representa na Câmara: uma gestão negacionista e homicida, que ousou combater a Covid-19 com incentivo a aglomerações, repúdio a máscaras, hidroxicloroquina, ivermectina, Precisa, Davati, Dominghettis, Mayras, Helcios com h, Elcios sem h e outros coronéis e aberrações. E, ora vejam!, se não tomamos cuidado, lá estamos nós a debater “pluralidade e diversidade” com prosélitos de uma escória abertamente golpista.
O charlatanismo no Brasil não se limita àqueles que defenderam tratamento precoce e remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Há também os charlatões do pensamento. Encerro com outro assunto, não menos relevante.
Que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tenha a coragem e o bom senso de mandar para a gaveta os desatinos que estão saindo da Câmara sob o título de reforma eleitoral, seja a PEC esquizofrênica relatada por Renata Abreu (Podemos-SP), seja o projeto de lei sob os cuidados de Margarete Coelho (PP-PI), com seus 972 artigos que ninguém conhece, o que corresponde a quase três Constituições, incluindo as disposições transitórias.
Arthur Lira (PP-AL) resolveu, ele também, brincar de “o Bolsonero” da Câmara. O imperador do trocadilho nem estava em Roma quando houve o incêndio. Mas consta que obrigava os presentes a ouvir a sua lira delirante. Os senadores não são seus súditos.
Fonte: Folha de S. Paulo
Alon Feuerwerker: À espera do desempate
Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política
O nó da conjuntura está na fraqueza das forças. Nem a oposição a Jair Bolsonaro tem até agora músculos para remover o presidente ou tirá-lo do segundo turno, nem ele parece reunir reservas no momento para transmitir a seus potenciais apoiadores a segurança de que irá derrotar Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Daí o cenário ser, como descreve a literatura política, um “empate catastrófico”, equilíbrio crônico de forças (ou fraquezas) que produz degradação progressiva. Uma evidência pode ser vista nas reformas eleitoral e tributária.
Na teoria, o palco para o desempate será a eleição. Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das necessidades.
No ano passado, o pagamento do auxílio emergencial de seiscentos reais coincidiu com uma melhora na avaliação do presidente. Agora, a retomada daquele suporte financeiro, mas com menos da metade do valor e para menos gente, não parece estar ajudando a atenuar a dificuldade política. É possível que o novo Bolsa Família mude isso, mas será preciso esperar para ver. Até porque a inflação anda turbinada, especialmente nas compras do povão.
E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia para quem está no poder e quer continuar.
Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica.
Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado. Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto impresso, o debate sobre novos programas sociais e os frequentes arreganhos do Executivo são temas que ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas bagrinhos. Ou ex-bagrinhos.
A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751
Fonte: Revista Veja / Blog Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-espera-do-desempate.html
Vera Magalhães: CPI vive seu pior momento
A suspensão abrupta do depoimento de Ricardo Barros na CPI da Covid, nesta quinta-feira, foi a crônica de um desastre anunciado
Vera Magalhães / O Globo
Aqui neste espaço escrevi, ainda nos primórdios da investigação, em 5 de maio, quando os senadores estavam embevecidos com tanto holofote: “Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum”.
Na saída para o recesso, voltei a contrariar o coro dos empolgados: “A pausa de duas semanas (…) poderá ser salutar para que mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória”.
Na última segunda-feira, perguntei a Renan Calheiros se eles estavam preparados para o depoimento de Barros, que seria difícil e poderia resultar na impressão de que ele venceu o confronto. O relator parecia seguro de que sim.
No entanto o que se viu nesta quinta foi um deputado que chegou disposto a ditar o próprio depoimento e a enquadrar os senadores.
A estratégia avançava bem, até que Barros foi tragado pela própria arrogância e teve as asas cortadas pela intervenção como sempre cirúrgica e bem fundamentada do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mais técnico dos integrantes da CPI, um dos autores do requerimento de sua criação e, infelizmente, apenas suplente no colegiado.
Parar a bola pode ser a forma de evitar que a CPI se perca. A esta altura já está claro, até para eles, algo que eu também avisei em textos, comentários e em conversas com os próprios integrantes: prorrogar a CPI foi um erro.
Sou uma pitonisa que tudo prevê? Longe disso. Apenas tenho experiência de cobertura de “n” CPIs, e os dilemas que se apresentam agora estiveram presentes em todas. Incrível é que os senadores não tenham feito como times de futebol, que analisam partidas anteriores do adversário para se preparar.
É nitidamente insuficiente o apoio técnico de que dispõe a CPI da Covid. A ponto de senadores recorrerem a seus assessores próprios, ou por vezes aos “internautas”, para apontar contradições ou mentiras de depoimentos.
Um político ladino como Ricardo Barros não poderia jamais ter sido inquirido sem que, previamente, os senadores tivessem respostas para aquelas que claramente seriam suas linhas de defesa: que não tinha nada a ver com a nomeação de servidores no Ministério da Saúde nem com a intermediação de interesses de empresas na pasta.
Houve duas semanas de recesso justamente para que se esquadrinhassem os depoimentos e os documentos para desmontar a versão de Barros.
Mas foi pior: os senadores não esperavam que ele fosse ousar atribuir à própria CPI a dificuldade de o Brasil obter vacinas.
A simbiose entre o Centrão e Jair Bolsonaro resultou nesse corpo sinistro em que não há limites para o cinismo e a desfaçatez. De tão sórdida, a alegação claramente cairá nas graças da malta bolsonarista, que passará a repeti-la. É só conferir as redes sociais dos puxa-sacos e as lives putrefatas do próprio presidente para ver essa patifaria ser repetida. De novo, não é preciso ter bola de cristal: o golpismo bolsonarista é cristalino em suas táticas.
Outra que vingou foi Bolsonaro aproveitar o recesso, quando a CPI vivia seu momento mais auspicioso, após desnudar a corrupção do contrato da Covaxin, para mudar a pauta brasileira para um não assunto, o voto impresso.
Na volta, a CPI encontrou a arena ocupada, se perdeu nas várias frentes de investigação abertas, não se preparou para ouvir Barros e tem de tomar cuidado para que os governistas não emplaquem a tese de que não há prova de nada, só narrativa.
É o momento mais delicado para a comissão, cuja missão é também reparatória da maior tragédia brasileira em muitas gerações, o morticínio da Covid-19 promovido por Bolsonaro. Que os senadores entendam que estão derrapando e corrijam a rota.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-vive-seu-pior-momento.html
Malu Gaspar: O delicado xadrez de Lula com os militares para 2022
Malu Gaspar / O Globo
Depois de semanas de calculada discrição a respeito da escalada dos militares sobre as instituições democráticas, Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou na última terça-feira nas redes sociais sobre o desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios. “Isso que aconteceu hoje foi uma coisa patética. Se o Bolsonaro queria uma foto com militar era só ter visitado um quartel”, escreveu.
A frase, porém, era só parte de uma sequência de tuítes em que Lula dedicava mais tempo a se explicar que a debater o simbolismo de tanques e fardados na Praça dos Três Poderes, no dia da decisão da Câmara sobre o voto impresso. “Eu não fico entrando toda hora em briga desnecessária porque isso só interessa ao Bolsonaro. Ele cria confusão pra ocupar espaço na mídia. É o jeito dele governar. O que eu quero discutir são os milhões de desempregados nesse país, o povo que tá sofrendo, passando fome”, escreveu.
As postagens foram uma resposta às pressões que o petista vem sofrendo, na esquerda e fora dela, para se posicionar. Lula se calou quando veio à tona que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou recados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugerindo que, se não fosse aprovado o voto impresso, não haveria eleições. E tem feito comentários econômicos sobre os militares e as Forças Armadas, nas poucas entrevistas que dá, a veículos selecionados. As pressões são mais do que naturais, uma vez que o ex-presidente é hoje o político que mais tem chances de derrotar Bolsonaro em 2022.
Acontece que Lula está diante de um xadrez delicado. Se, de um lado, precisa mostrar a suas bases combatividade contra Bolsonaro, de outro tenta há semanas abrir canais de interlocução com oficiais da reserva, por meio de emissários como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Mas essas incursões vêm sendo malsucedidas. Os militares não querem saber de Lula. Não são poucos os que dizem que hoje, nas Forças Armadas, a rejeição ao petista é muito mais forte que a aprovação a Bolsonaro. Dos bolsonaristas mais radicais, se ouve até que, se ele ganhar a eleição, não assume.
A lista de razões para o rechaço é extensa. Começa nos escândalos de corrupção do governo petista, passa pela condução da Comissão da Verdade do governo Dilma, que apurou os crimes da ditadura, e vai até o último Congresso do PT, que aprovou uma resolução lamentando ter deixado de “modificar os currículos das academias militares” e de “promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”. Inclui, ainda, o apoio do PT às ditaduras da Venezuela e de Cuba, questões sérias para os militares brasileiros.
Daí a ideia, que circulou entre aliados de Lula, de ele divulgar uma “carta aos militares”. Na sequência de tuítes, ele negou. “Se tivesse carta seria para o povo brasileiro e dentro disso estão os militares. Se militar quiser fazer política ele renuncia o cargo, tira a farda e se candidata.”
Mas ele sabe que não é bem assim. Os fardados estão entranhados no governo, e as polícias militares são um forte nicho bolsonarista. Por mais canhestro que tenha sido o espetáculo do fumacê na Esplanada, Bolsonaro tem bem mais do que um cabo e um soldado apoiando seus arroubos golpistas.
Quem conhece as Forças Armadas acha que é possível quebrar a resistência. Só que o caminho é longo e exige empenho. Um dos maiores especialistas em Forças Armadas e Defesa do Brasil, o cientista político Octavio Amorim Neto, diz que o primeiro passo seria fazer um pronunciamento mais claro sobre as ditaduras de Cuba e da Venezuela.
Na semana passada, Lula postou um vídeo de uma entrevista que deu a uma TV mexicana condenando o regime ditatorial do nicaraguense Daniel Ortega, no que foi compreendido como um aceno. Boa tentativa, mas inútil. Lula certamente escolheu a Nicarágua para não ter de se haver com a militância petista, mas o país tampouco está entre as preocupações dos militares.
Outra iniciativa que traria o que Lula busca seria explicar de forma clara, transparente e, de preferência, pública qual será sua estratégia caso ganhe a eleição. “Um documento um pouco mais técnico sobre a Defesa Nacional, que deixe implícitas quais serão as maneiras pelas quais os militares sairão do governo numa eventual transição”, diz Amorim.
Isso porque, em sua opinião, a opção por Bolsonaro cresceu nos quartéis no vácuo da negligência dos governos anteriores em debater e delimitar o papel dos militares na vida nacional — mas nem todos estão satisfeitos em ser feitos de capacho pelo presidente da República. Se quiser retomar um diálogo em termos razoáveis com os militares, o petista precisaria dizer ao Brasil que papel eles terão num eventual governo seu.
Nas palavras de Amorim, “dar a cara a tapa e dizer qual é a política de Defesa Nacional a partir de 2023; quais as propostas do PT, dada a importância enorme que as Forças Armadas adquiriram nos últimos anos”.
O desafio é complexo e talvez não renda bons dividendos políticos logo de cara. Bem mais fácil pode vir a ser continuar jogando parado, escolhendo a dedo o momento de fazer um tuíte ou uma declaração, e esperar para ver se Bolsonaro se desidrata sozinho. Mas essa estratégia tem seus riscos, tanto para o Brasil como para o próprio Lula. Cabe a ele escolher qual caminho quer seguir. Seja qual for, dirá muito sobre o que esperar de Lula daqui para a frente, na campanha e num eventual governo.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-xadrez-de-lula-com-os-militares-para-2022.html