Luiz Inácio Lula da Silva
PEC da Transição será protocolada até terça (29) no Senado, diz relator do Orçamento
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou, nesta quinta-feira (24), que o texto da “PEC da Transição” será protocolado no Congresso Nacional até a próxima terça-feira (29). A medida traz a previsão de gastos não projetados na proposta de orçamento enviada pela gestão Bolsonaro ao Legislativo para o ano que vem.
“Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do orçamento, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até 10 de dezembro. Portanto, até a próxima terça irei protocolar o texto da PEC para darmos celeridade à aprovação da matéria nas duas Casas e garantirmos a continuidade do pagamento dos R$ 600 reais do Bolsa Família e mais R$ 150 reais por criança de até 6 anos de idade”, disse, em nota.
A proposta tem terreno fértil na Câmara dos Deputados, mas ainda é alvo de divergências no Senado, casa por onde deve iniciar a tramitação do texto. “Estamos fazendo as conversas no Congresso Nacional, no Senado. Eu aposto muito na solução política, como disse o presidente [Lula], que o Congresso Nacional tem responsabilidade para com o povo brasileiro. Obviamente que, se isso não for possível, vamos buscar outras saídas”, disse nesta quinta a coordenadora de articulação política da transição de governo e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.
Questionada sobre as dificuldades em torno do texto, Gleisi também negou a afirmação dada mais cedo pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) de que estaria faltando a indicação do futuro ministro da Fazenda para a equipe de Lula conseguir destravar as negociações no Senado.
“Não vejo isso. eu acho que a articulação política se dá no Congresso, independe de quem é ministro. Eu acho que a gente tem que respeitar o tempo do presidente Lula de avaliar quem ele quer nos ministérios, até porque isso é uma responsabilidade muito grande. Se você colocar um ministro, não pode tirar logo em seguida, então, acho que tem que ser avaliado.”
A presidenta também creditou o embaraço da pauta ao modo como as costuras vêm sendo feitas e sugeriu que falta habilidade no processo conduzido pelos correligionários. “Está faltando articulação política no Senado, por isso que eu acho que nós travamos na PEC. [Foi] a forma como foi iniciado o processo, sem falar ou sem formatar uma base mais forte de governo. Não é falta de ministro”.
*Texto publicado no site Brasil de Fato
Lula 'toma posse' no exterior em meio a vácuo deixado por Bolsonaro
Laís Alegretti*, BCC News Brasil
Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.
Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. Na manhã de sábado (19/11), Lula tem previsto encontro com a comunidade brasileira no Instituto Universitário de Lisboa
Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional - o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido "como uma estrela de rock" (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi "acolhido com um imenso fervor" (Le Monde).
O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda "um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro".
"Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada", disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.
O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.
'Legitimidade reforçada'
Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse "reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições", em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.
O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, "o calendário tende a favorecer o Lula", já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.
"Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história", diz. "O momento mais crucial era agora."
Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.
Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que "esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente".
O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
"Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido", diz Ricupero.
Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que "naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje" e diz que, no atual contexto, "também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York".
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. "Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado."
Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.
Lula em Portugal
Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.
O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula "marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro". O jornal Público disse que há "carga simbólica" na visita de Lula "por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português".
A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.
Rubens Barbosa diz que houve uma "desconsideração" com o presidente português no desfile. "Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio... Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim".
Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi "inqualificável" e voltou a defender uma reparação.
"Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre... Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles".
Ricupero diz que "os portugueses foram maltratados". "Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração", diz o diplomata.
E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?
Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.
"Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada", disse. "A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países."
Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional
A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.
"Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante", destaca Ricupero.
Na COP27, Lula disse que "não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030" e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos "sem trégua". Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.
Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental "deveria dominar grande parte da política externa" do novo governo Lula. "Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos - por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer", disse.
"(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais", diz.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.
Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.
Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.
Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.
Coalizão
Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.
A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.
De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.
Nas entrelinhas: Estratégia de Lula tipo “bateu, levou” favorece Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O comentário é de quem entende de marketing eleitoral, Luiz Gonzales, veterano de campanhas do PSDB: “Eu acho que a estratégia da campanha Bolsonaro de rolar na lama emparedou a campanha de Lula. Atacada com tantas barbaridades, a campanha de Lula ataca igual. Mas já está tudo na conta. Ninguém subiu. Mas Lula não projeta esperança e, com isso, não captura votos dos eleitores sem preferência partidária e sem rejeição brutal ao Bolsonaro”. O diagnóstico é compartilhado por aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não petistas, apreensivos, principalmente, com a situação eleitoral de São Paulo, onde uma vantagem de 10% dos votos a favor do presidente Jair Bolsonaro pode leva-lo à reeleição.
Segundo esses aliados, Bolsonaro trouxe Lula para um confronto no pântano das fake news e das baixarias eleitorais como uma estratégia de quem não tem mais nada a perder nesse terreno. O problema é que os ataques de Lula não fazem grande efeito, a não ser em alguns casos em que a imagem de Bolsonaro no seu próprio campo poderia ser abalada, como a história das meninas venezuelanas, que Bolsonaro tratou como se fossem prostitutas e teve que ir até elas pedir desculpas, para minimizar o estrago que sofreu.
Bolsonaro desgasta Lula para virar o “menos pior” na guerra de rejeições. “Ao repetir o repertório de ladrão, corrupto, aliado de traficantes e do PCC; comunista, fechador de igrejas etc., Bolsonaro coloca um obstáculo à subida de Lula”, comenta Gonzales. “Tem mais 10 dias de televisão. Mas não pode ser só crítica. Tem que ter a confiança, a esperança”, sugere. Nove de cada 10 analistas concordam com a tese de que o petista entrou no jogo de Bolsonaro ao adotar a estratégia “bateu, levou” no debate eleitoral. E não ficou apenas nisso, a mesma coisa está acontecendo nos programas eleitorais e nas redes sociais. Segundo Gonzales, há muitos temas que poderiam ser explorados por Lula na campanha para atacar os pontos fracos de Bolsonaro, sem ter que rolar na lama.
Ninguém entende, por exemplo, por que razão Simone Tebet (MDB), que vem fazendo uma campanha intensa a favor do petista, não entra na agenda de Lula, principalmente em São Paulo, onde obteve 1,6 milhão de votos e a diferença de Bolsonaro para petista foi de 1,7 milhão de votos. A batalha de São Paulo começa a ser considerada perdida por aliados de Lula, em razão da deriva do PSDB, MDB e Cidadania (que apoia Lula), em direção a Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro, que está em grande vantagem eleitoral em relação ao petista Fernando Haddad e atraiu toda a base do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Uma diferença de 10% em São Paulo pode anular a vantagem de Lula no Nordeste e em Minas, porque é o maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de eleitores, 22,16% dos 156,4 milhões aptos a votar no país.
Estado-maior
A campanha está mostrando que Bolsonaro tem um “estado-maior” formado por políticos (Ciro Nogueira, Mario Frias, Flávio Bolsonaro), militares (Braga Neto e Luiz Ramos) e estrategistas de campanha (Fabio Wajngarten, Duda Lima e Carlos Bolsonaro) capaz de administrar seus erros de campanha, manter a iniciativa política e construir alianças nos estados, principalmente do Sudeste, que estão alterando o cenário eleitoral. Mas o fator decisivo vem sendo mesmo um novo modelo de campanha eleitoral, o mesmo que adotou em 2018, com a vantagem de que agora controla o poder central e tem o apoio das estruturas de poder dos três estados mais importantes do Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas.
“Até 2016, os candidatos consolidavam seus aliados fiéis, seduziam os simpatizantes e se moviam para o centro”, destaca Gonzales. Com as redes e a emergência de uma extrema-direita organizada, a campanha mudou completamente. Bolsonaro fala para sua bolha, consolida os votos raiz por identidade e ataca Lula à exaustão para desmotivar os eleitores indecisos a votar. A abstenção o favorece com toda certeza.
Aliados de Lula se queixam de que o petista está prisioneiro em uma “jaula de cristal”, situação muito comum nos palácios de governo, com a diferença de quem nem foi eleito. Seu comando de campanha é monolítico, formado pela presidente do PT, Gleisi Hoffman; o ex-senador Aloysio Mercadante; o deputado federal Rui Falcão; e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva. O marqueteiro baiano Sidônio Palmeira é pragmático e segue orientação do grupo, que não é permeável à colaboração externa na formulação da campanha.
Havia muita expectativa de que Lula venceria no primeiro turno e certa disputa por ocupação de espaços de poder no futuro governo, o que atrapalhou a ampliação da campanha em direção ao centro. Os apoios que Lula recebeu no segundo turno não foram devidamente aproveitados na campanha, como é o caso da adesão dos economistas Pedro Malan, Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha e de lideranças políticas importantes, entre as quais a própria Simone Tebet, que faz campanha para Lula com seus aliados e sem muito envolvimento do PT.
Debate: Bolsonaro distorce dados sobre desmatamento
Paulo Motoryn*, Brasil de Fato
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, durante o debate na TV Bandeirantes, na noite deste domingo (16), a preservação ambiental, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) distorceu os dados do desmatamento durante o seu governo. O tema dominou boa parte do terceiro bloco do confronto entre os candidatos ao Palácio do Planalto.
"Foi no nosso governo o menor desmatamento da Amazônia. Foi no nosso governo. E o seu é o maior todo ano. Vocês estão brincando de desmatar, vocês estão brincando de abrir cerca, vocês estão brincando de derrubar árvore, vocês vão ver o que vai acontecer com o comércio brasileiro, porque o brasileiro do agronegócio que é sério, aquele que quer ganhar dinheiro, aquele que quer exportar, sabe que não pode invadir a Amazônia", afirmou Lula.
"Nós vamos ganhar as eleições para poder cuidar da Amazônia e não permitir que haja invasão em terra indígena, em garimpo ilegal, e muito menos alguém querer plantar milho, soja ou algum outro produto no lugar que não se pode plantar", declarou o petista.
Na resposta, Bolsonaro disse: "Dá um Google em casa aí: 'Desmatamento 2003 a 2006', quatro anos do governo Lula. Depois dá um Google: 'Desmatamento, Jair Bolsonaro, 2019 a 22'. No seu governo foi desmatado mais do que o dobro do que o meu. Dá um Google em casa. Deixa eu terminar, Lula. Dá um Google em casa. Você desmatou duas vezes e meio mais do que no meu governo".
Logo em seguida, contudo, entidades que atuam com o tema contestaram o presidente nas redes sociais. O Observatório do Clima, rede da sociedade civil que luta contra a crise climática, publicou a seguinte mensagem no Twitter: "Jair Bolsonaro MENTE sobre desmatamento no governo Lula. O PT pegou o desmatamento em 25 mil km2 e reduziu a 4.500 km2. Bolsonaro pegou com 7.500 km2 e levou a 13.000 km2", escreveu.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado.
Lula precisa dar guinada ao centro se quiser governar, dizem economistas
Alexa Salomão, Folha de S. Paulo
Logo após a contagem dos votos no primeiro turno das eleições neste domingo (2), o presidente Jair Bolsonaro (PL) atribuiu o resultado a sua bem-sucedida estratégia na economia, que elevou o valor do Auxílio Brasil, ao mesmo tempo em que reduziu o preço dos combustíveis e a inflação às vésperas do pleito. Economistas que acompanham a cena política discordam.
A economia até pode ter ajudado um pouco, como ocorre em qualquer eleição. No entanto, analistas atribuem a arrancada bolsonarista ao avanço da uma onda conservadora —e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai precisar se adaptar a esse movimento para ganhar a eleição e, depois, governar com um Congresso mais a direita.
Terminada a contagem, Lula recebeu 48,4% dos votos válidos, resultado dentro da margem de erro sinalizada pelas pesquisas. Bolsonaro teve 43, 22%, uma diferença de quase sete pontos percentuais, que fortalece o presidente no segundo turno.
"Para ocorrer essa diferença no resultado do Bolsonaro em relação às pesquisas, cujos votos foram subestimados vergonhosamente, [o motivo] não foi a economia —o que estamos vendo é uma onda conservadora", afirma a economista e advogada Elena Landau, que coordenou o programa econômico de Simone Tebet (MDB).
"Tem o astronauta Marcos Pontes virando senador por São Paulo, Hamilton Mourão ganhando no Rio Grande do Sul, Magno Malta voltando pelo Espírito Santo, Eduardo Pazuello, o ex-ministro da Saúde, como deputado federal mais votado no Rio. Isso não tem nenhuma relação com a economia."
Elena sai satisfeita com o resultado de sua candidata. "Simone foi de completa desconhecida à terceira mais votada", afirma. No entanto, ela se declara muito preocupada com os futuros efeitos do conservadorismo em duas áreas específicas, caso Bolsonaro se reeleja: o meio ambiente e o STF (Supremo Tribunal Federal).
"O próximo presidente poderá indicar dois ministros para o Supremo", diz ela. "Imagine o efeito disso."
Elena aguarda a posição de sua candidata no segundo turno, que deve ser divulgada até terça-feira. Se Simone apoiar Lula, existe a expectativa de que parte de suas propostas para a economia possa ser levada para o PT.
O economista Nelson Marconi, que atuou na coordenação econômica nas campanhas de Ciro Gomes (PDT) em 2018 e 2022, também não acredita que a melhora da economia explique o resultado.
"No levantamento que encomendamos, dá para ver que o governo Bolsonaro injetou cerca de R$ 450 bilhões na economia neste segundo semestre, com medidas em diferentes áreas, então, as pesquisas teriam de estar muito erradas para não captarem isso antes", diz Marconi. "Acredito que ocorreu outro movimento, mais ligado a agenda dos costumes."
Marconi garante que o seu candidato não vai apoiar Bolsonaro, mas ainda não tem uma definição sobre um eventual apoio a Lula.
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, espera uma reação petista nos próximos dias. "Lula precisa dar uma guinada dramática ao centro se quiser segurar essa onda conservadora", diz Bacha, histórico apoiador do PSDB que participou da campanha de Tebet para "ajudar na construção da terceira via".
Para o economista, Lula precisa atuar para fortalecer sua coalizão no segundo turno.
Membro da Academia Brasileira de Letras, Bacha tem forte atuação nos bastidores do debate econômico como sócio-fundador do Casa das Graças, um instituto de estudos de política econômica no Rio de Janeiro voltado à promoção de debates sobre o desenvolvimento do Brasil. Neste ano, no entanto, preocupado com os rumos da política, assumiu uma posição mais pública.
Bacha diz que o primeiro passo do PT é concentrar esforços em São Paulo, onde Fernando Haddad (PT) chega ao segundo turno com 35,70% dos votos válidos, abaixo do que previam as pesquisas. O ex-ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro, terminou o primeiro turno na frente, com 42,32%.
"Foi isso que fez a diferença para Bolsonaro, e será preciso reverter essa situação", afirma ele.
Petista histórico e ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, o economista Nelson Barbosa, costuma estar em campos opostos aos colegas egressos do PSDB. Desta vez, porém, concorda com a importância das alianças mais amplas.
"Pelo aspecto político, o resultado indicou que Lula estava certo em construir uma frente ampla, pois só assim há chance de derrotar Bolsonaro", afirma Barbosa, que é colunista da Folha.
No segundo turno, Barbosa acredita, essa frente será mais ampla, com colaboração de pessoas que apoiavam Tebet e Ciro.
O economista Arminio Fraga, ex-presidente do BC (Banco Centra) e colunista da Folha, destaca que uma revisão na estratégia do PT é importante também por causa do perfil que a eleição deu ao Legislativo. "Bolsonaro sai muito forte no Congresso", diz ele. "Erros monumentais precisam ser corrigidos."
Cartas pró-democracia são lidas na Faculdade de Direito da USP
O PL de Bolsonaro ganhou ao menos 23 deputados, chegando a 99. Tornou-se a maior bancada eleita na Câmara nos últimos 24 anos. A sigla terá praticamente um em cada cinco votos , consolidando-se como um ator essencial nas negociações políticas entre os deputados. Terá praticamente um em cada cinco votos entre os deputados, consolidando-se como um ator essencial nas negociações políticas.
Um terço do Senado foi renovado, e.o resultado também consolida o PL como a maior bancada. Terá 14 cadeiras, 5 a mais do que tinha no primeiro semestre deste ano, e ainda pode chegar a 15. Entre os eleitos estão ex-ministros bolsonaristas, como Damares Alves (Republicanos-DF) e Rogério Marinho (PL-RN).
Sócio-fundador da Gávea Investimentos, Fraga prefere a a discrição e não gosta de exposição pública. Neste ano, porém, à medida que o cenário político ficava mais tenso, aderiu a movimentos de apoio ao equilíbrio institucional.
Em agosto, numa atitude inédita, discursou no evento da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), em que foi lançado um manifesto de apoio à democracia.
O economista Bernard Appy, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Lula, chama a atenção para a necessidade de alianças mais conservadoras para exercer o governo em caso de vitória.
"Será preciso levar a coalizão mais para o centro não apenas para ganhar a eleição, mas para garantir a governabilidade em caso de vitória", afirma ele. "Há muito a ser feito, em várias áreas, principalmente na economia, que depende do Legislativo."
Diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), Appy integra o Grupo de Seis, que redigiu propostas de reformas para os presidenciáveis em diferentes áreas. Também fazem parte os economistas Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros e Pérsio Arida, o professor Carlos Ari Sundfeld (FGV Direito SP) e o cientista político Sérgio Fausto. Eles redigiram uma proposta de governo com reformas, entregue aos presidenciáveis
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Nas entrelinhas: Campanha começa hoje com foco no Sudeste
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.
O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.
Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação.
Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com média de 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. No cômputo geral do Ipec, Lula aparece com 44%, Bolsonaro com 32%, Ciro com 6% , Simone Tebet (MDB) com 2% e Vera (PSTU) com 1%. Lula venceria o segundo turno com 51% dos votos, contra 35% de Bolsonaro.
Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foi nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.
Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo e corrupção, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.
Calmaria
Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.
Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensifica após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista.
Nas entrelinhas: PT submerge na campanha de Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não tem muita explicação a forma como o PT realizou sua convenção e da federação que lidera, integrada também pelo PCdoB e pelo PV, ontem, para homologar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O evento foi realizado a portas fechadas, sem grande divulgação. Após a reunião, Gleisi Hoffmann concedeu uma entrevista coletiva e anunciou a oficialização da chapa Lula-Geraldo Alckmin (PSB). Nenhum dos dois compareceu.
Gleisi choveu no molhado: “A primeira deliberação homologada é a indicação da candidatura à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência e de vice-presidência de Geraldo Alckmin. A segunda deliberação é a de coligação de PSol, Rede, PV e Solidariedade. A terceira é o número do candidato à presidência da República. Número 13, Lula”, afirmou. O PCdoB já havia tomado a mesma decisão na quarta-feira; resta ainda o PV, que deve se reunir virtualmente para endossar a proposta.
Sem dúvida, havia uma formalidade burocrática a cumprir, porque a decisão estratégica da aliança com o ex-governador de São Paulo e da federação com o PCdoB e o PV, bem como a coligação de esquerda com a federação PSol-Rede, PV e Solidariedade já estavam tomadas. Entretanto, poderia se fazer um grande ato político, o que não aconteceu. Lula e Alckmin estavam num encontro com artistas e produtores culturais no Recife. Na quarta-feira, haviam estado em Garanhuns, terra natal do petista, onde visitou a casa em que nasceu.
Lula cantou, dançou e prometeu regionalizar sua política cultural, caso seja eleito. “Além de recriar o Ministério da Cultura, quero criar comitês de cultura estaduais para que não haja monopólio da cultura do centro-sul sobre o restante da cultura do país”. Pernambuco é um fio desencapado do ponto de vista eleitoral. De longe, Lula é o maior eleitor no estado, porém, enfrenta mais uma vez um conflito envolvendo o clã Arraes, que controla o governo local há 16 anos e é a força hegemônica no PSB.
Em Garanhuns, Lula anunciou oficialmente apoio a Danilo Cabral (PSB) ao governo de Pernambuco. “Eu tenho candidato a governador no estado de Pernambuco, que é o companheiro Danilo Cabral. Eu não confundo a minha relação pessoal com a minha relação política”, disse, para acalmar o prefeito João Campos, do Recife, e o governador Paulo Câmara. Era uma referência a Marília Arraes, candidata do Solidariedade, que apoia Lula e está ameaçando destronar o PSB no estado. Marília deixou o PT para ser candidata ao governo do estado porque sabia que não teria a legenda do partido para confrontar seu primo, o prefeito do Recife, João Campos, líder do PSB. Ambos são netos de Miguel Arraes.
Segundo plano
A ausência de Lula da convenção não é inédita, pois o mesmo aconteceu em 2018, mas, naquela época, ele estava preso. Agora, não. Foi uma decisão política, que só tem uma explicação: a necessidade de descolar a sua candidatura do PT e demais partidos de esquerda e reforçar a imagem de que é o candidato da “frente ampla”, ou seja, de um conjunto de forças maior do que uma frente de esquerda. O sinal de que essa é a postura que pretende seguir foi a distinção feita pela cantora Anitta, que apoia Lula, mas não aceita que seu nome seja utilizado pelos demais candidatos petistas durante a campanha.
A estratégia de marketing da candidatura de Lula passa por atrair setores de centro-esquerda por gravidade e evitar que seu índice de rejeição aumente na medida em que a campanha avance, o que poderia inviabilizar sua vitória. Uma maneira de fugir da rejeição é fazer uma campanha eleitoral focada na imagem de Lula, colocando-a num patamar acima do PT, que submergiu. Lula não está desprezando os petistas, pois sabe que a lealdade dos dirigentes e militantes foi fundamental quando esteve condenado na Lava-Jato, em julho de 2017, a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
Em 2021, porém, uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo, anulou as condenações e tornou Lula elegível. A 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos casos da Lava-Jato relacionados à Petrobras, segundo a interpretação do ministro, não era a instância competente para julgar Lula — para o ministro, as acusações ao ex-presidente não tinham relação direta com a empresa. O Supremo confirmou a decisão e enviou os processos para a Justiça Federal do Distrito Federal. Lula sempre alegou inocência.
Erramos: na coluna de ontem, sobre a candidatura de Ciro Gomes, afirmamos indevidamente que o candidato do PDT viajou para Paris, no segundo turno de 2018, para não votar no candidato do PT, Fernando Haddad. Ciro viajou para não fazer campanha em favor do petista, mas voltou ao Brasil a tempo de votar: “Essa é outra mentira do Lula. Não viajei para não votar. Votei no Haddad. Declarei isso antes de encerrada a apuração”, garante.
Eleições 2022: pré-candidatos a presidente e seus obstáculos
Nathalia Passarinho, BBC News Brasil*
A eleição presidencial de 2022 tende a gerar grande polarização, com Jair Bolsonaro (PL) disputando a reeleição e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentando retornar à Presidência da República para um terceiro mandato.
Mas pré-candidatos de esquerda, centro e direita tentam se viabilizar como "terceira via", entre eles Ciro Gomes (PDT) e a senadora Simone Tebet (MDB). O ex-juiz Sergio Moro havia sido anunciado como pré-candidato pelo Podemos em novembro passado, mas em março abriu mão da corrida após se filiar ao União Brasil.
Já o PSDB havia escolhido em suas prévias o governador de São Paulo, João Doria, como pré-candidato do partido à eleição. Em 23 de maio, contudo, Doria anunciou sua desistência da disputa presidencial. A sigla sinalizou que deve se unir ao MDB e ao Cidadania em torno de uma candidatura única - no caso, a de Tebet.
Cabo Daciolo (PMB), por sua vez, anunciou em meados de março ter desistido de se candidatar novamente à Presidência e declarou voto em Ciro. Em 2018, Daciolo ficou em 6º lugar com 1,3 milhão de votos — 1,26% do total.
Até agora, existem três mulheres entre pré-candidatos à Presidência da República: Simone Tebet (MDB), Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB). A lista definitiva de candidatos só vai ser definida nas convenções partidárias que vão ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto de 2022.
A BBC News Brasil lista aqui as pessoas que, pouco menos de um ano antes da eleição, já foram lançadas como pré-candidatas — e os desafios que cada uma tem a enfrentar.
Jair Bolsonaro, pelo PL
O presidente Jair Bolsonaro vai disputar a reeleição pelo Partido Liberal, legenda de Valdemar Costa Neto, um dos condenados no escândalo do mensalão. Atualmente, um dos principais desafios de Bolsonaro é a baixa popularidade. baixa. em baixa. Segundo pesquisa divulgada em março pelo Datafolha, 46% dos brasileiros avaliam seu governo como ruim ou péssimo. Seu governo é aprovado por apenas 25% dos entrevistados.
Alguns elementos contribuíram para essa queda: a reação do governo à pandemia do coronavírus; os escândalos envolvendo filhos do presidente, especialmente o chamado caso das "rachadinhas"; e as acusações relacionadas à compra de vacinas contra a covid. Mais recentemente, seu governo foi atingido por suspeitas de irregularidades praticadas no Ministério da Educação. As suspeitas são de que pastores evangélicos estariam cobrando propina de prefeitos em troca da liberação de verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE). O governo alega que determinou que o caso fosse investigado, mas o caso já levou à queda do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro.
A crise econômica, com alta contínua da inflação, e o aumento da pobreza também podem significar desafios para a reeleição de Bolsonaro. Por outro lado, o aumento do valor do Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) pode ajudar a recuperar parte dos votos. Bolsonaro deu novo nome ao Bolsa Família, numa tentativa de imprimir marca própria na assistência social. O presidente também conta com uma base de eleitores fiéis dispostos a ir às ruas para defender suas posições, como ocorreu nos protestos de 7 de setembro.
"O principal desafio de Bolsonaro é a avaliação ruim do seu governo, conforme mostram pesquisas de opinião", disse à BBC News Brasil o cientista político Claudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para Couto, outro desafio será sustentar o discurso de combate à corrupção, especialmente após as denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a covid e as acusações de que tentou interferir em investigações da Polícia Federal.
Se antes de se eleger presidente Bolsonaro era um dos principais defensores da Lava Jato, foi durante seu governo que a força tarefa foi desmantelada e o ritmo das investigações se reduziu consideravelmente.
"Para Bolsonaro o discurso anticorrupção foi perdido e foi perdido por conta dos problemas na família, o envolvimento em compra de vacina, e o favorecimento de seus aliados do Centrão. Esse discurso, a não ser para quem acredita que o PT detém o monopólio da corrupção, não vai colar como em 2018", diz Couto.
Bolsonaro está, atualmente, em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva. Num eventual segundo turno com Lula, ele poderá voltar a personificar o antipetismo que o ajudou a se eleger em 2018.
Luiz Inácio Lula da Silva, pelo PT
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvia aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República, seguido por Bolsonaro. Desde que teve sua condenação por corrupção anulada pelo Supremo Tribunal Federal, sua candidatura pelo PT à Presidência é tida como certa por políticos do partido.
Embora, não tenha confirmado que irá concorrer, o ex-presidente tem participado de eventos para discutir propostas para o Brasil, vem se reunindo com setores da sociedade, como lideranças evangélicas, e até rodou a Europa para dialogar com chefes de Estado e de governo.
O principal obstáculo do ex-presidente é o antipetismo, que ainda deve ter peso na próxima disputa presidencial, com eleitores buscando alternativas numa terceira via ou recorrendo a Bolsonaro para evitar um retorno de Lula. Apesar disso, as últimas pesquisas de opinião mostram que a rejeição do ex-presidente é menor que a dos outros quatro candidatos mais competitivos na disputa. Uma das estratégias do PT para diminuir a resistência ao nome de Lula foi o anúncio de que o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) será o seu candidato a vice, caso a candidatura seja confirmada.
Lula aparece com 43% de rejeição na pesquisa de intenção de voto da Quaest/Genial, divulgada no dia 8 de dezembro, enquanto 64% dizem que não votariam em Jair Bolsonaro (PL). Já Ciro Gomes (PDT) tem 55% de rejeição e João Doria (PSDB), 59%.
"O Lula tem a dificuldade de vencer o antipetismo. Mas isso está mais fraco do que foi anteriormente. Uma parte dos problemas que originou o antipetismo, que é o escândalo de corrupção, se dissolveu pelo tempo que passou, são escândalos já precificados", avalia Claudio Couto, da FGV..
Lula tem a vantagem de, ao menos por enquanto, só ter Ciro Gomes (PDT) como adversário de esquerda na disputa. Todos os demais pré-candidatos são associados à centro-direita ou direita. Isso garante a ele maior facilidade para chegar ao segundo turno.
"Lula, de todos os candidatos, é o que pode estar na posição mais confortável. Ele tem na esquerda um apoio consolidado. Ciro Gomes, ao bater forte em Lula e Dilma, como tem efeito, abdicou de parte do eleitorado da esquerda", diz Couto.
Ciro Gomes, pelo PDT
O PDT lançou a candidatura de Ciro Gomes à Presidência no dia 21 de janeiro, em ato na sede do partido em Brasília. Esta será a quarta vez que Ciro Gomes concorre ao cargo. Em 2018, ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 12,5% dos votos.
Ele também concorreu à Presidência em 2002 e 1998. Candidato associado à esquerda ou centro-esquerda, Ciro Gomes tenta novamente despontar como terceira via, ou seja, alternativa a Lula e Bolsonaro.
A seu favor, ele conta experiência política, numa eleição que não dará o mesmo peso a "outsiders" ou figuras antipolíticas como a de 2018. Ciro foi prefeito de Fortaleza, deputado estadual, deputado federal, governador do Ceará e ministro dos governos Itamar Franco e Lula.
Ele passou por sete partidos e deve concorrer à eleição de 2022 pelo PDT. Para fazer frente à candidatura de Lula, Ciro tem adotado uma estratégia de ataque, criticando fortemente o ex-presidente petista.
"Lembre que o Brasil mudou muito e Lula não renovou as ideias. Será que ele se corrigiu e não vai repetir aqueles erros terríveis que você só descobriu depois? O pior é que você nunca viu ele pedir perdão pelos erros e está vendo ele se juntar de novo às mesmas pessoas", escreveu Ciro nas redes sociais.
O ex-governador do Ceará também chegou a acusar Lula de conspirar para o impeachment de Dilma e, quando a petista saiu em defesa do padrinho político, Ciro reagiu dizendo que a ex-presidente foi uma das pessoas "mais inapetentes, incompetentes e presunçosas" a presidir o Brasil.
Se por um lado essa estratégia visa firmar Ciro Gomes como alternativa a Lula, por outro, pode eventualmente afastar eleitores que nutrem alguma simpatia pelo PT ou que defendem uma ampla aliança anti-Bolsonaro.
"Ao mesmo tempo em que essa estratégia pode custar votos de eleitores da esquerda, Ciro tem dificuldade em conquistar, de fato, eleitores da direita. Ele ainda é visto como alguém, no mínimo, de centro-esquerda", diz o cientista político Claudio Couto.
Simone Tebet, pelo MDB
A pré-candidatura de Simone Tebet foi lançada em dezembro de 2021 pela direção nacional do MDB.
Ela foi a primeira mulher a disputar o comando do Senado, em 2021. Também foi a primeira parlamentar mulher a comandar a disputada Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a primeira vice-governadora de Mato Grosso do Sul e primeira prefeita de Três Lagoas (MS).
A possibilidade de candidatura à Presidência surgiu do destaque que Tebet teve na CPI da covid no Senado. Embora não fosse integrante fixa da comissão, ela participou dos principais depoimentos da CPI com uma postura contundente e crítica à gestão do governo Bolsonaro na pandemia.
O principal obstáculo que a senadora deverá enfrentar é se tornar nacionalmente conhecida. "Ela é desconhecida fora de seu estado, o Mato Grosso do Sul. A CPI fez com que ela se tornasse conhecida por uma parcela pequena dos eleitores, aqueles que leem jornal, mas isso não é ainda suficiente", avalia Couto.
Tebet chegou a enfrentar resistência interna dentro do próprio MDB. Líderes do partido reuniram-se com o ex-presidente Lula e indicaram que poderiam apoiá-lo no primeiro ou no segundo turno. Em meados de maio, contudo, a sigla sinalizou que poderia unir forças com PSDB e Cidadania em torno da candidatura da senadora - possibilidade que ganhou força com a desistência de João Doria, pré-candidato tucano até dia 23 de maio.
Luciano Bivar, pelo União Brasil
O deputado federal e presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar (PE) teve seu nome escolhido pela bancada do partido na Câmara dos Deputados como o pré-candidato da legenda à Presidência da República. A decisão ainda precisará ser referendada pelas convenções partidárias, que deverão acontecer nos próximos meses. Ele tem 77 anos de idade.
Bivar é empresário e já foi dirigente do Sport Clube Recife, um dos mais tradicionais de Pernambuco. Ele foi um dos fundadores do PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro se elegeu em 2018.
Após desentendimentos entre Bolsonaro e o comando da sigla, o presidente deixou o partido. Em fevereiro deste ano, o PSL se fundiu ao Democratas para criar o União Brasil.
Em seus discursos, Bivar defende o liberalismo econômico. Em 2006, ele chegou a disputar a Presidência da República, mas ficou em penúltimo lugar entre todos os candidatos, com apenas 0,1% dos votos válidos.
Apesar de estar em um partido grande e que deverá ter acesso a R$ 770 milhões do fundo eleitoral, para se consolidar como candidato, Bivar deverá ampliar a faixa do eleitorado que o conhece. Além disso, ainda não está inteiramente claro se a pré-candidatura de Bivar à Presidência é uma posição firme do partido ou se ela irá mudar ao longo dos próximos meses.
Vera Lúcia, pelo PSTU
O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) lançou a candidatura de Vera Lúcia na sexta-feira (19/03). Esta será a segunda vez que ela disputa a presidência pela sigla. A primeira foi em 2018, quando obteve 55,7 mil votos, o equivalente a 0,05% dos votos válidos.
O PSTU foi fundado no início dos anos 1990 a partir de dissidências de outros partidos como o PT, partido ao qual Vera Lúcia chegou a ser filiada até 1992. O partido se auto-define como "socialista e revolucionário".
Antes de ingressar na carreira política, Vera Lúcia foi faxineira e costureira em Sergipe, estado onde iniciou sua militância. Ela participou da fundação do sindicato dos profissionais de costura da indústria calçadista do estado.
Durante os governos petistas, o PSTU se colocou como oposição, fazendo críticas tanto às gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto de Dilma Rousseff.
Na avaliação da cientista política Carolina Botelho, o Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o principal obstáculo a ser enfrentado por ela e por outros candidatos pouco conhecidos é, justamente, a a alta taxa do eleitorado que afirma não saber quem eles são.
"Em geral, a principal barreira é o desconhecimento. Para fazer dessa candidatura algo nacional, é muito difícil nesse contexto", afirma Botelho.
Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha divulgada na quinta-feira (24/03) mostra que 69% dos eleitores entrevistados afirmam não conhecerem Vera Lúcia.
Sofia Manzano, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Em fevereiro, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) lançou a pré-candidatura da professora universitária Sofia Manzano. Ela tem 50 anos de idade começo sua militância política aos 18, em 1989.
Manzano é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestra em desenvolvimento econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP).
Desde 2013, ela vive em Vitória da Conquista, onde dá aulas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). O foco das suas pesquisas são as relações de trabalho e a desigualdade social.
Em entrevista concedida no dia 6 de abril para o site Brasil de Fato RS, Manzano defendeu propostas como intensificar pesquisas universitárias para o setor agrícola para que elas tenham como foco a agricultura familiar e as pequenas propriedades e não o chamado agronegócio. Ela também fez uma defesa do comunismo.
"Porque o comunismo é a proposta mais generosa que a humanidade já produziu para ela própria. Mas como o comunismo sempre é o responsável pelo enfrentamento do que há de mais terrível no capitalismo, é muito demonizado", disse Sofia.
Luiz Felipe D'Ávila, pelo Partido Novo
O cientista político Luiz Felipe D'Ávila foi anunciado no dia 3 de novembro como pré-candidato do Partido Novo à Presidência da República. Em 2018, o partido surpreendeu em desempenho quando seu então candidato à presidente, João Amoêdo, terminou o primeiro turno em quinto lugar, com 2,5% dos votos, à frente de candidatos como Henrique Meirelles e Marina Silva.
Amoêdo, que chegou a anunciar voto em Bolsonaro no segundo turno, passou a defender o impeachment do presidente durante a pandemia. Ele chegou a ser lançado novamente como pré-candidato pelo Novo no início do ano, mas sua candidatura sofreu oposição de parcela dos integrantes do partido, sobretudo entre os que apoiam Bolsonaro. O partido, então, decidiu lançar Luiz Felipe D'Ávila.
Ex-PSDB, D'Ávila coordenou o programa de governo do candidato tucano à Presidência Geraldo Alckmin em 2018, mas depois deixou o partido e recentemente se filiou ao Novo. Ele é crítico de Bolsonaro e Lula, e diz que os dois formaram governos "populistas de direita e esquerda". Ao ser lançado pré-candidato pelo Novo em cerimônia no dia 3 de novembro, ele defendeu privatizações e outras reformas para reduzir o papel do Estado na economia.
"O populismo apenas perpetua a miséria, a pobreza, a corrupção e o mau funcionamento das instituições democráticas", disse.
A dificuldade do partido Novo será tornar D'Ávila conhecido nacionalmente. Além disso, enquanto em 2018 o partido se beneficiou de um forte movimento de rejeição da política e de busca por quadros novos, a eleição de 2022 tende a ser menos focada na busca pelos chamados "outsiders".
Na avaliação de Carolina Botelho, um dos principais obstáculos a serem enfrentados por D'Ávila é o desgaste do Partido Novo decorrente da aproximação da legenda com posições bolsonaristas.
"Acho que o principal problema a ser enfrentado é a rejeição que o Novo ganhou nos últimos anos. Eles foram responsáveis pelo ingresso do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles na vida pública e estão com uma imagem muito associada ao bolsonarismo", afirmou.
Leonardo Péricles, pela Unidade Popular pelo Socialismo (UP)
Leonardo Péricles é técnico em eletrônica e presidente nacional do Unidade Popular pelo Socialismo (UP), um partido de esquerda fundado em 2019. Ele mora em uma ocupação em Belo Horizonte e sua pré-candidatura foi anunciada em novembro de 2021.
O pré-candidato defende pautas como a realização de uma nova assembleia constituinte e um plebiscito para consultar a população sobre refinanciamento da dívida pública do país e a reforma urbana por meio da destinação de imóveis ociosos para moradia popular.
Assim como Vera Lúcia, Leonardo também enfrenta uma alta taxa de desconhecimento por parte do eleitorado.
Segundo o Datafolha, 80% dos eleitores entrevistados em março afirmaram não conhecerem o pré-candidato.
"Acho que essa barreira (baixa taxa de reconhecimento) é muito grande. Até por isso, não acredito que algumas dessas candidaturas tenham, de fato, o objetivo de chegar à presidência. É comum que alguns usem esse momento para levantar suas bandeiras e fazerem seus partidos ficarem mais conhecidos", afirma Carolina Botelho.
André Janones, pelo Avante
O partido Avante oficializou a candidatura do deputado federal André Janones (MG) no dia 29 de janeiro. Em discurso, ele defendeu a criação de um programa de renda mínima para pessoas na faixa da pobreza no Brasil.
"Vamos encampar essa campanha de um programa de renda mínima para aqueles que mais precisam. E quando eu falo sobre isso, a primeira coisa que sempre me perguntam em qualquer entrevista ou debate é 'vai tirar dinheiro de onde?'. Ninguém nunca perguntou de onde vai tirar dinheiro para pagar o juro a banqueiro, para pagar amortização de dívida, para pagar privilégio de político", disse.
Janones também tenta se consolidar como a "verdadeira" opção da "terceira via". No lançamento de sua candidatura, ele chamou Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos) de "puxadinhos" de Lula e Bolsonaro, respectivamente.
"As pessoas não migraram para a terceira via porque perceberam que era mais do mesmo. O eleitor que vota em Bolsonaro não vê muita diferença se for para Moro e os eleitores de Lula não veem muita diferença em mudar para Ciro. É trocar seis por meia dúzia", declarou.
André Janones tem 37 anos, nasceu em Ituiutaba, no triângulo mineiro, é advogado e exerce seu primeiro mandato como deputado federal.
Em 2016, ele se candidatou à prefeitura da cidade em que nasceu, mas foi derrotado. Dois anos depois, foi um dos principais apoiadores da greve dos caminhoneiros em MG, o que fez bombar a sua popularidade das redes sociais.
Em 2018, foi o terceiro deputado federal mais votado de Minas Gerais, com 178.660 votos. Assim como os demais pré-candidatos à presidência que são parlamentares, Janones terá a dificuldade de se tornar realmente conhecido em âmbito nacional.
José Maria Eymael, pelo Democracia Cristã
O fundador e atual presidente do Democracia Cristã, é apresentado como pré-candidato pelo partido desde 2020, mas a informação foi formalizada na quarta-feira (30/03).
Empresário e advogado, com especialização em Direito Tributário, Eymael já disputou a Presidência outras cinco vezes no passado. Foi deputado federal constituinte em 1988 e ficou conhecido pelo jingle "Ey, Ey, Eymael, um democrata cristão", lançado em 1985, quando se candidatou a prefeito de São Paulo pela primeira vez.
No discurso em que formalizou sua participação na corrida de 2022, o candidato disse que é a favor de "valores da família" e que defende a adoção de programas de emprego e moradia para o país.
"Nossos valores são os valores da família, as necessidades da família. E na campanha para a Presidência da República vamos defender alguns princípios. Um deles é o emprego. E, para ter emprego, precisamos ter desenvolvimento no país", declarou.
O convite para o evento do Democracia Cristã em Brasília na quarta o apresentou como pré-candidato e informou que o ato foi destinado a filiações à legenda.
Eymael, de 82 anos, concorreu à Presidência nas eleições de 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018. Nunca foi para o segundo turno e, nas últimas eleições, recebeu 41,7 mil votos (0,04%).
Pablo Marçal, pelo PROS
Em maio, o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) anunciou que estava lançando a primeira candidatura para presidência do Brasil de sua história: a do empresário Pablo Marçal, que se define em seu site como "cristão, filantropo, empreendedor imobiliário e digital, mentor, estrategista de negócios e especialista em branding".
Marçal se coloca como distante da divisão entre esquerda e direita e exalta sua presença nas redes sociais.
Mas seu nome apareceu no noticiário no início de janeiro não por suas pretensões políticas, e sim por ter liderado uma expedição ao Pico dos Marins, no Estado de São Paulo, que acabou exigindo resgate pelo Corpo de Bombeiros.
O pré-candidato ainda não apresentou formalmente suas propostas, mas já anunciou seu objetivo de estimular o empreendedorismo nacional, com a criação de 4 milhões de empresas e 20 milhões de empregos. Ele também defende a aproximação entre educação e digitalização, por exemplo com a implantação de universidades públicas digitais.
Além da inexperiência dele na política, e a de seu partido na corrida presidencial, ambos terão que lidar com um orçamento do fundo eleitoral bem abaixo das siglas com cifras mais avantajadas — segundo estimativa da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) feita a pedido do portal UOL, o PROS deverá receber algo em torno de R$ 89 milhões do fundo.
*Texto publicado originalmente no BCC News Brasil. Título editado.
El País: O que a Lava Jato mudou na Justiça brasileira, e o que STF pode reverter
Quando prender, como interrogar e a forma de investigar se moldam ao "padrão Lava Jato" Brasil afora. Mas a maneira como as alterações ocorreram são criticadas por quem enxerga punitivismo excessivo
"Esse caso que fica em 3 a 2... Sinceramente, o Ministério Público fica até constrangido. Como que eu vou começar o início da execução em segundo grau com um julgamento tão apertado desde o início do recebimento da denúncia?", disse o procurador do Ministério Público de Minas Gerais Antônio Pádova Marchi Júnior após o julgamento dos embargos infringentes do ex-governador Eduardo Azeredo, na terça-feira. Pádova pediu a prisão do grande símbolo do mensalão tucano, mas está tendo de explicar até agora o constrangimento que manifestou ao fazê-lo. O desfecho desse e de outros casos espalhados pelos tribunais federais e estaduais do país provavelmente seria outro sem a existência da Operação Lava Jato.
Outro caso: depois que o processo da Lava Jato contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi encaminhado para a Justiça Eleitoral em abril, contrariando pedido do Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São Paulo chamou o caso para si, e abriu um inquérito civil por conta própria para investigar o caso. O mesmo voluntarismo em nível estadual pode ser visto no Rio de Janeiro, onde o Ministério Público local acabou provocado pelos processos do Ministério Público Federal que diziam respeito a serviços estaduais. Bem ao estilo agressivo e obstinado da força-tarefa da Lava Jato, uma série de processos decorrentes da operação desmontou o MDB fluminense.
Para a procuradora federal Silvana Batini, que atua na operação no Rio, essas podem ser consideradas reverberações do "padrão Lava Jato", que se consolidou para além do caso no Ministério Público Federal. A Lava Jato estaria forçando uma integração entre os ministérios públicos federal e estadual, além de ampliar as estruturas de cooperação internacional. Além disso, a operação motivou mudança de parâmetros no sistema jurídico nacional. "A prisão preventiva, que antes estava muito ligada à questão de periculosidade e a crimes praticados com violência, agora passou a ser trabalhada no crime de colarinho branco nas primeira e segunda instâncias e até no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", comenta.
Outra grande vitória da agenda Lava Jato é a possibilidade de prender após condenação em segunda instância, uma luta de anos do Ministério Público Federal, com estudos publicados desde 2009. "Quando muda, muda estimulado pelo evento Lava Jato, mas ela [a operação] não caiu do céu. Ela é fruto de uma evolução institucional", diz Batini, que também defende a condução coercitiva, outra grande polêmica da operação. "É uma medida mais branda que a prisão temporária, e a gente viu isso acontecer na Operação Skala". A procuradora se refere ao caso em que pessoas próximas ao presidente Michel Temer, como o ex-assessor da Presidência José Yunes, foram presas para dar depoimento. "Eles ficaram presos por 48 horas, quando poderiam ter ficado cinco ou seis", argumenta Batini.
Na Operação Skala, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a prisão temporária de José Yunes e do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima porque não podia pedir a condução coercitiva. Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes vetou liminarmente esse tipo de procedimento. O plenário do STF deve julgar em definitivo no dia 30 de maio esse dispositivo, que foi usado livremente pela força-tarefa da Lava Jato até que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse alvo dela. Esse será apenas mais um dos embates que vêm sendo travados apaixonadamente na Corte Suprema em decorrência da expansão do "padrão Lava Jato".
Insegurança jurídica
O STF decidiu em 2016 que a pena de um condenado pode começar a ser cumprida a partir da condenação em segunda instância. Em 2009, a decisão de um STF composto por outros ministros tinha sido em sentido contrário, de cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado — ou o último recurso possível, no próprio Supremo. Apesar do pouco tempo após a última decisão sobre o assunto, alguns ministros foram substituídos desde então e a questão permanece rondando o tribunal em duas ações diretas de constitucionalidade.
O Supremo também tem se debatido com os parâmetros para a concessão de habeas corpus e mesmo sobre a possibilidade de um ministro alterar a decisão de um colega. As trocas de críticas públicas durante as sessões e por meio da imprensa opõem dois grupos mais amplos: aqueles que acham importante "ouvir a voz das ruas" e os legalistas, mais interessados em respeitar garantias de direitos dos condenados e investigados.
No plenário do tribunal, têm favorecido decisões que contemplam o primeiro grupo, ao contrário do que ocorre na Segunda Turma, onde a maioria dos processos da Lava Jato são julgados. Isso levou ao desenvolvimento de uma estratégia pelo relator dos processos, Edson Fachin. Em vez de encaminhar os casos mais relevantes para a Segunda Turma, ele tem optado por mandá-los direto para o plenário, onde a apertada maioria de seis a cinco tende a combinar com seus pareceres. A lógica deve mudar a partir de setembro, quando o ministro Antônio Dias Toffoli, entre os garantistas, assume a presidência da Corte, e a atual presidenta, Cármen Lúcia, vai para o lugar dele na Segunda Turma: Toffoli controlará a pauta do tribunal, mas a pequena maioria da turma, de três a dois, passará para o lado de Fachin.
"Hoje, para entender o plenário do Supremo, só com bola de cristal", resume o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP. Ele atribui boa parte as mudanças processuais provenientes da Lava Jato à utilização da opinião pública pelos procuradores. "A Lava Jato soube usar essa pressão popular para gerar um constrangimento para que os tribunais não pudessem ir contra uma opinião pública ou publicada. O Supremo foi deixando até uma certa hora. Por que teve de fazer um freio de arrumação? Porque deixou o bonde desgovernar. Se os procuradores querem [alterar procedimentos], têm de bater na porta do Congresso, não na porta do Supremo", critica.
Segundo Badaró, alguns vão dizer que os ministros começam a tomar medidas como a que retirou do juiz Sérgio Moro a delação da Odebrecht que citava Lula porque os casos chegaram em determinados políticos, enquanto outros vão dizer que o tribunal simplesmente percebeu que foi longe demais ao atender aos clamores populares. Mas o fato é que o Supremo tem pretendido resolver o que está além de sua alçada em alguns casos, e nem todas as decisões podem ser avaliadas a partir da mesma perspectiva. Para o advogado, Gilmar Mendes apenas "restringiu algo que nem deveria existir" ao proibir as conduções coercitivas, porque a legislação brasileira não admite condução coercitiva com a finalidade para a qual vinha sendo utilizada.
O professor da USP considera que a mudança mais relevante motivada pela Lava Jato é a perda da possibilidade de um condenado em segunda instância de apelar sobre o motivo de sua prisão. "Eu podia ir ao Supremo discutir se ele estava ou não ameaçando testemunha, se havia risco de fuga, se havia possibilidade concreta de reiteração delitiva. Quando a execução começa a partir do segundo grau, essa pessoa não está presa porque a prisão é necessária, mas porque está cumprindo a pena, ainda que possa ser absolvida depois".
Quando o STJ negou habeas corpus preventivo a Lula em março, seu advogado e ex-ministro do STF Sepúlveda da Pertence disse que o tribunal "preferiu manter-se na posição punitivista em grande voga no país". Nesta sexta-feira, quem reclamou foi o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao saber pelo noticiário da intenção de ministros do STF de investigar o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima por suas críticas ao Supremo. "Não são críticas que mancham imagem do tribunal, mas posturas como a do M. G. Mendes [ministro Gilmar Mendes], q vive atacando injustamente a Lava Jato e seus agentes, como o procurador Janot, o juiz Moro e procuradores de Curitiba. Como querer impor a outros limitações q tal Ministro não impõe a si?", escreveu Dallagnol em seu perfil Twitter. Quatro anos depois de começar, a Lava Jato não parece se intimidar com os limites que se avolumam no seu entorno à medida em que avança.
José Arthur Giannotti: 'Podemos sair da crise, mas não sairemos do século 20'
Filósofo é autor do recém-lançado 'Os Limites da Política - Uma Divergência'
Vítor Marques , O Estado de S. Paulo
A travessia até as eleições de 2018 será árdua e não se sabe até que ponto o atual governo implantará seu projeto. Mas a vantagem do presidente Michel Temer é que a oposição está enfraquecida. A análise é do filósofo e professor emérito da USP José Arthur Giannotti, 87. “A crise da esquerda é profunda”, afirmou Giannotti, em entrevista ao Aliás.
No momento em que os partidos estão em xeque, Giannotti lança novo livro que dialoga com autores clássicos e discute política a fundo. Os Limites da Política - Uma Divergência é, sobretudo, um debate em que Giannotti dá espaço ao também filósofo Luiz Damon Moutinho. Trata-se de uma versão revisitada e ampliada de sua obra anterior, A Política no Limite do Pensar (Cia. das Letras). Abaixo, os principais trechos da entrevista do filósofo.
Qual é o lugar da política neste momento em que predomina o discurso da apolítica?
A política está em todos os lugares. O problema todo está como lidamos ou fugimos dela.
Há saída para a crise política a curto prazo?
Não há. A crise é muito séria porque ela começa com uma crise de representação e depois ela se transforma em uma crise de Estado. Isto é, lembremos uma velha definição de Estado, a instituição que tem o monopólio da violência. Hoje nós já não temos o monopólio da violência. O narcotráfico, por exemplo, se expande, se internacionaliza, começa a organizar a produção, e então temos paralelos que se cruzam diante daquilo que seria o Estado nacional.
A Câmara barrou uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, mas provavelmente teremos um governo sob investigação. O que isso significa?
Estamos com um Estado cujas decisões estão cada vez mais enfraquecidas e vamos ter justamente uma ‘pinguela’, como disse Fernando Henrique. Temos que chegar até a margem nadando. Não se sabe até que ponto o governo Temer vai poder realizar seu projeto. Nas condições antigas, já teríamos uma intervenção militar, mas felizmente isso não está acontecendo.
Nessas condições um governo tem força para sobreviver até 2018?
A grande vantagem do governo Temer é que a oposição está em crise. A crise da esquerda é profunda. Ela não tem como apresentar um projeto pela simples razão que a esquerda, ao se tornar populista, deixou de considerar como a riqueza é produzida e entra em crise sistematicamente. Pelo menos sabemos que, quando a crise financeira não é resolvida pela esquerda, ela vai ser resolvida na direita. E tudo tende a uma solução da nossa crise pela direita.
O senhor fala em uma crise profunda da esquerda. No caso brasileiro, uma eventual candidatura de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava Jato, atrapalha ou ajuda a esquerda?
Atrapalha, porque impede a esquerda de tomar consciência de suas tarefas atuais, de enfrentar o capitalismo tal como ele é não tal como ele foi pensado no século 19. Não adianta nada ter um racha no PT e ter o PSOL, porque aí você tem esquerdistas falantes e mais nada.
Como se explica esse crescimento de candidaturas como a do deputado Jair Bolsonaro com um discurso mais radical?
Não sabemos ao certo o que está acontecendo. Na dissolução dos partidos, vão aparecer pessoas isoladas que furam os partidos. Não podemos esquecer que a primeira vitória do Trump foi contra os republicanos. Quem vai aparecer não vai ser um filhote qualquer de um partido. Vai ser alguém que atravesse os partidos. Quando você não tem uma política que se expõe, a reação das pessoas também é confusa. O quadro é negro.
Como senhor vê partidos que buscam nomes fora da política?
Não adianta aparecerem novas figuras se elas não apresentarem diretrizes para que sejam resolvidas a crise de Estado e de representação. Se o Brasil ainda for seduzido por palavras ocas, ele se tornará um País inteiramente oco. O grande problema nosso é que isso pode acontecer. Nossa situação é muito dramática. As instituições estão funcionando, nós podemos sair da crise econômica, mas não sairemos do século 20. Não teremos um capitalismo realmente competitivo.
A adoção do parlamentarismo no Brasil pode ser uma solução?
Parlamentarismo ou não, o que importa é como vão funcionar os partidos e como os partidos vão encontrar suas identidades. Depois se for parlamentarismo ou não, vai depender dessa identidade partidária. Insisto: enquanto não tivemos uma esquerda renovada, não teremos uma direita renovada. Temos simplesmente uma renovação de esquerda que eu diria geriátrica.
Como o senhor avalia o movimento de partidos que tentam obstruir ou dificultar investigações da Lava Jato para salvar a classe política?
A Lava Jato nasceu de um pequeno processo de denúncia e de repente a denúncia se mostrou contra os maiores próceres do Estado brasileiro. Obviamente era previsto que a classe política iria reagir. A vantagem do grupo da Lava Jato, apesar das suas loucuras, é que teve uma ação política inicial. Em vez de fazer como a operação ‘Mãos Limpas’ na Itália, que metralhou todo o sistema político (ao mesmo tempo), (a Lava Jato) foi metralhando aqueles que estavam no Governo e ampliando. Chegou um momento que toda a classe política está contra a Lava Jato. Então é um momento decisivo dessa luta. Não sei quem vence, espero que seja o pessoal da Lava Jato.
Luiz Carlos Azedo: Os delatores
As gravações em vídeo do depoimento de Marcelo Odebrecht na Operação Lava-Jato, e de outros executivos da empresa, inclusive o de seu pai, Emílio, são avassaladoras
São inevitáveis as comparações entre a Operação Mãos Limpas, na Itália, e a Operação Lava-Jato aqui no Brasil, quando nada, porque o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, é um estudioso da investigação que liquidou com toda a elite política italiana e contribuiu para o desaparecimento dos principais partidos daquele país. Agora, a delação premiada de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da maior empreiteira do país, parece ter se inspirado na colaboração do mafioso Tommaso Buscetta, o principal “arrependido” da Operação Mãos Limpas.
Buscetta era conhecido como Dom Masino. Preso em 23 de outubro de 1983, em São Paulo, teve a extradição decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao saber que voltaria para a Itália, tentou até se matar; no dia 15 de julho de 1984, ao desembarcar na Itália, porém, aceitou contar tudo o que sabia. Entregou os clãs mafiosos e seus aliados políticos, entre os quais Giulio Andreotti, várias vezes primeiro-ministro. A reação da máfia italiana foi feroz, chegando a matar o juiz Giovanni Falcone, em 1992, dois de seus filhos e mais 20 parentes.
A operação teve como consequências o fim da chamada Primeira República e a extinção de partidos políticos. Houve 2.993 mandados de prisão; 6.059 pessoas foram investigadas, sendo 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros; e 12 suicídios. Em 1986, Buscetta foi extraditado para os Estados Unidos, onde recebeu nova identidade e proteção do programa federal de testemunhas. Morreu aos 71 anos, no ano 2000, de leucemia e câncer ósseo.
Ao contrário de Buscetta, que nasceu pobre, fez carreira na máfia de Palermo e foi um eterno fugitivo — viveu na Argentina, México, Estados Unidos e Brasil —, Marcelo Odebrecht nasceu em berço de ouro. Herdeiro de uma dinastia de empreiteiros, é neto de Norberto Odebrecht, que fundou o grupo em 1944, e filho de Emílio Odebrecht, que presidiu a companhia até 2001 e voltou ao cargo depois de sua prisão. Era considerado um dos homens de negócios mais bem formados e influentes do país.
Sob seu comando, a Odebrecht chegou a faturar R$ 100 bilhões. Liderou a consolidação da Braskem, a construção de grandes hidrelétricas e a internacionalização da empresa, que operava em 21 países, incluindo Cuba e Venezuela, onde o grupo atua com apoio financeiro do BNDES. Sua fortuna pessoal chegou a R$ 15 bilhões, ou seja, era um dos 10 homens mais ricos do país. Ontem a Justiça liberou as gravações em vídeo do depoimento de Marcelo Odebrecht na Operação Lava-Jato, e de outros executivos da empresa, inclusive o de seu pai, Emílio. São avassaladoras.
A delação revela o comportamento mafioso da maior empresa de construção do país, suas relações incestuosas com os políticos e como a empresa garantia sua influência em concorrências e licitações. Sua delação premiada ameaça implodir o sistema partidário, pois atinge praticamente toda a elite política do país. Muitos citados nas delações não serão condenados ou presos, por falta de provas ou prescrição de punibilidade, mas ficarão com uma mancha em suas carreiras difícil de apagar, com exceção dos que forem inocentados pela Justiça. Entretanto, dificilmente isso ocorrerá antes das eleições para quem tem direito a foro privilegiado.
Carbonizado
Não é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas eleitorais em relação às eleições de 2018 e responderá a acusações que podem liquidar sua candidatura, além de levá-lo à prisão, em primeira instância, pois será julgado por Sérgio Moro. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, mandou abrir inquéritos contra o petista para investigar diversos fatos. Destacam-se as tratativas com a Odebrecht para edição da MP 703/15, que estabelece acordos de leniência com empresas infratoras; as planilhas de pagamentos do setor de operações estruturadas para a Conta Amigo, supostamente destinada a Lula, cujos administradores seriam os ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci e Guido Mantega, o Italiano e Pós-Italiano, respectivamente; repasses de recursos para a campanha eleitoral do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, em troca da concessão de CID (Certificado de Incentivo ao Desenvolvimento); e aprovação de leis favoráveis à companhia.
Fachin determinou também a investigação da suposta participação de Lula na criação da empresa Sete Brasil, uma parceria com a Petrobras, e no esquema de repartição da propina oriunda dos contratos da empresa com a estatal; do tráfico de influência a favor da empresa junto ao governo de Angola; do custeio de despesas de reformas do sítio de Atibaia, em São Paulo; da aquisição de imóveis para uso pessoal e a instalação do Instituto Lula, além do pagamento de palestras; do pagamento do marqueteiro João Santana, nas campanhas de Lula (2006) e da ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014); e da intermediação das relações da Odebrecht com a ex-presidente Dilma Rousseff, em troca do favorecimento a um dos filhos do ex-presidente da República.
O relatório de Fachin desconstrói a narrativa de que o ex-presidente da República é vítima de perseguição por parte do juiz federal Sérgio Moro, pois o ministro relator da Lava-Jato também mandou investigar os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTB), José Sarney(PMDB) e Dilma Rousseff (PT).