Luiz Felipe D’Ávila

Luiz Felipe D’Ávila: Três medidas para enfrentar o populismo

Para derrotá-lo, a união do centro em torno de propostas factíveis e um candidato competitivo

A democracia necessita de civilidade, instituições e lideranças exemplares para prosperar. Os valores e princípios que moldaram o florescimento da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade de oportunidades e da criação de riqueza por meio da economia de mercado livraram milhões de pessoas de três males que acometeram a humanidade durante séculos: a tirania, a miséria e a barbárie.

Mas as democracias não são perfeitas. Elas enfrentam crises que as obrigam a rever crenças, valores e leis. Nos Estados Unidos, a escravidão era um direito constitucional no século 18, mas foi abolida na segunda no século 19. O apartheid racial só foi sepultado em 1964, quando se aprovou a Lei dos Direitos Civis. Em 2008 os americanos elegeram Barack Obama, o primeiro presidente negro do País.

Crises costumam liberar os glóbulos brancos das democracias, permitindo que elas evoluam de maneira gradual para adaptar as instituições, as leis e os costumes aos novos tempos. A democracia norte-americana deve sair mais forte da era Trump. O presidente que dizimou a civilidade na política e buscou destruir a credibilidade das instituições foi expurgado do poder pelos eleitores. O Partido Republicano, que agiu de maneira oportunista e abandonou suas bandeiras para surfar no populismo de Trump, foi dilacerado. As fissuras internas entre a ala histórica e os trumpistas demandarão um penoso esforço para desintoxicar o partido do populismo e resgatar seus valores e ideais. A intolerância e o ódio desencadeados pelo populismo acirraram a divisão política, econômica e social, obrigando os Estados Unidos a enfrentar os reais problemas: a questão racial, a crescente desigualdade de oportunidades e a raivosa política de identidade que minou a civilidade e a tolerância no País.

Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos prometendo restaurar a decência na política. Não há missão mais importante neste momento. Restaurar a decência significa respeitar a Constituição, as leis e as instituições, e não se sublevar contra elas quando as decisões não nos agradam. Implica honrar o mandato, travando o debate político no âmbito das regras do jogo, da civilidade e da cordialidade, e repudiando os atalhos do ódio e da intolerância, que esgarçam a confiança na democracia. Requer esclarecer a opinião pública e ter a coragem de frustrar alguns eleitores para defender os interesses da nação e das futuras gerações.

O Brasil pode extrair lições importantes da experiência norte-americana. Os efeitos colaterais do populismo podem ser mitigados com três medidas.

Primeira: a imprensa séria não pode agir como as redes sociais – que muitas vezes atuam como a cracolândia da informação. Precisa concentrar-se em noticiar os fatos que afetam o destino do País, mas necessita de discernimento para ignorar o turbilhão de impropérios que alimentam o Twitter dos populistas e de seus seguidores. Ao dar projeção nacional ao palavrório irresponsável que encanta a tribo dos radicais, a imprensa contribui para alimentar a covid do populismo. A indiferença é um potente antibiótico, sem a luz dos holofotes o vírus perece.

Segunda: os contrapesos constitucionais têm de agir para preservar a democracia. O Congresso precisa aprovar as reformas para tirar o País do atoleiro do baixo crescimento e libertar a Nação do cativeiro de privilégios concedidos ao corporativismo público e privado. Esses males comprometem a qualidade do serviço público, a eficiência do governo e a credibilidade das instituições democráticas. É imperioso que o Judiciário restaure o seu papel de guardião das leis e da Constituição e abandone o voluntarismo de juízes e de promotores que transformaram a interpretação da lei num vespeiro de insegurança jurídica. Por fim, tanto o Legislativo como o Judiciário devem exercer o seu papel fiscalizador e empregar os contrapesos constitucionais para frear as tentativas espúrias de governantes populistas que buscam achincalhar o Estado de Direito e as instituições democráticas.

Terceira: o centro democrático precisa se organizar rapidamente. Hoje, sua atuação é marcada pela absoluta ausência de ideias, propostas e liderança. Como diz o poeta W. B. Yeats, “o centro não se sustenta. Os melhores sem suas convicções, os piores com as mais fortes paixões”. A maioria dos eleitores precisa estar convencida de que existem alternativas concretas e líderes preparados para livrar o País do desastroso legado populismo: aumento recorde da pobreza e do desemprego, baixo crescimento econômico, calamitosa gestão da crise da pandemia, descrédito internacional e governos incompetentes e incapazes de reformar o Estado.

Em 1994 o centro tinha um plano (o Real) antes do surgimento da sua candidatura (Fernando Henrique Cardoso). Quando Fernando Henrique se tornou o rosto do Plano Real, venceu o populismo no primeiro turno em 1994 e em 1998. Somente a união do centro em torno da construção de propostas factíveis e de uma candidatura competitiva podem derrotar o populismo nas urnas em 2022.


Luiz Felipe D’Ávila: A guerra das narrativas

Sem união cívica não venceremos a batalha contra obscurantismo, ignorância e populismo

Bolsonaro criou uma persona política baseada numa narrativa simples e eficaz. Ele é o cara do povo que tem coragem de falar as coisas como elas devem ser ditas. Não compactua com a classe política e seus interesses corporativistas e tampouco com a imprensa, ambas jogam contra o interesse do País. Foi eleito pelo povo para acabar com o petismo e a esquerda nefasta, que destruíram o Brasil por meio da corrupção desenfreada e do aparelhamento do Estado. Seu plano para tirar o Brasil desse lamaçal consiste em liderar uma cruzada contra os políticos, as instituições, a esquerda e a mídia. A salvação do País está em Deus, nas Forças Armadas e no governo Bolsonaro. Essa foi a narrativa vitoriosa nas urnas que elegeu Bolsonaro presidente da República.

E qual a narrativa que a oposição oferece para servir de contraponto ao discurso do presidente? Trata-se de uma página em branco. Os opositores do governo tentam camuflar a falta de narrativa com pinceladas de indignação. Criticam as grosserias do presidente e seu desrespeito às leis e instituições, denunciam suas atitudes irresponsáveis e seu comportamento antipresidencial, que reflete seu menosprezo pela democracia.

A oposição carece de uma visão de nação capaz de unir os brasileiros em torno de valores e de um propósito comum. Ela padece de projetos e de propostas que congreguem políticos e partidos em torno de uma pauta mínima que os estimule a dialogar e buscar o entendimento em torno de um plano de ação para defender a democracia. Além de não ter narrativa, visão, propostas e propósito claros, a oposição não possui liderança. Murmurinhos de governadores, beicinhos da elite desiludida com Bolsonaro, reclamações corriqueiras sobre o lento andamento das reformas não ganham eleições.

É inacreditável a passividade cívica dos defensores da democracia. Refugiam-se nas pequenas discussões partidárias, apequenam-se nos projetos pessoais de poder, encastelam-se em seminários que falam para convertidos e permanecem na trincheira dos seus negócios para defender seus interesses particulares. Entre queixas e soluços de indignação propostos pela oposição e a narrativa do descontentamento com a política, com a corrupção e com a esquerda oferecida por Bolsonaro (que representa o sentimento de uma parcela da população que se sente ignorada pelos governos e partidos), o presidente conquistará os votos para continuar no Palácio do Planalto em 2022.

Para salvar a democracia brasileira das garras do populismo autoritário, a oposição tem de acordar e agir. Uma narrativa precisa ter enredo, personagens e uma moral da história capaz de cativar as pessoas e mobilizá-las em torno de valores que elas prezam. A defesa da democracia foi o tema que cativou os brasileiros em 1984. Naquele ano, os opositores do regime militar uniram-se em torno de um movimento nacional para pressionar o governo do presidente Figueiredo a aprovar a emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira que instituía eleições diretas para presidente da República. Assim nasceram as Diretas-Já, o maior movimento cívico da História do País. Milhões de pessoas foram às ruas em todo o Brasil exigindo eleições diretas para presidente da República. Nos comícios havia políticos de diversos partidos, grandes lideranças políticas, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, líderes sindicais, como Lula, artistas, intelectuais e estudantes. A emenda Dante de Oliveira foi derrotada, mas abriu-se o caminho para a eleição indireta do presidente Tancredo Neves, em 1985, e a volta da democracia.

Em 1994, o povo uniu-se em torno do combate à inflação. Após mais de 20 anos de retumbantes fracassos de governos que apelaram para medidas autoritárias a fim de debelar a inflação - como confiscos da poupança, criação de novas moedas e arrochos salariais -, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, implementou o Plano Real, um projeto para acabar com a inflação respeitando as regras do sistema democrático. Fernando Henrique derrotou Lula no primeiro turno das eleições presidenciais pelo fato de representar a personificação do líder democrata capaz de sepultar a inflação e renovar a esperança dos brasileiros.

Precisamos urgentemente criar um “diretas-já” capaz de mobilizar a sociedade civil e unir políticos e partidos em torno da defesa da democracia e da liberdade individual. Um movimento cívico que mostre a nossa determinação de converter pobreza em riqueza, desalento em igualdade de oportunidades. Uma iniciativa capaz de enfrentar a desigualdade social e crises como a do coronavírus. Isso significa endereçar os reais problemas que afligem as pessoas que temem perder seus familiares, amigos, empregos e negócios num país governado por um presidente que busca bodes expiatórios, em vez de soluções para atenuar o impacto da perda de vidas, do agravamento dos problemas sociais e do derretimento da atividade econômica. Sem essa união cívica seremos incapazes de vencer a batalha contra o obscurantismo, a ignorância e o populismo.

FUNDADOR DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP), É AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS - DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’