Luiz Carlos Trabuco Cappi

Luiz Carlos Trabuco Cappi: Constituição, democracia e economia

A porta de saída para mazelas como o desemprego é mais democracia, e não menos

Luiz Carlos Trabuco Cappi, O Estado de S. Paulo

A Constituição de 1988 completará 33 anos no dia 5 de outubro. É a sétima da nossa história. Caminha a passo resiliente e marca uma das fases de maior tranquilidade institucional e relações democráticas em nosso País. Ela é o resultado de um desses momentos de união nacional tão valiosos em nossa história, nos quais os conflitos e as polarizações são superados pelo senso de compromisso com o bem comum. Nenhuma de nossas Constituições anteriores foi tão aberta e tão sensível às preocupações e aos anseios da sociedade, e esta foi uma das razões de a Carta de 1988 ter sido denominada como Constituição Cidadã.

Ao garantir equilíbrio institucional e segurança jurídica, criou a base para saltos formidáveis na economia e nos indicadores de qualidade de vida. Quando seu texto foi promulgado, o PIB per capita brasileiro era de US$ 6,7 mil, ajustados pela paridade do poder de compra. Em 2019, antes da pandemia, estava em US$ 15,4 mil. O comércio exterior saltou de US$ 48 bilhões para US$ 368,9 bilhões (2020). As reservas cambiais, de US$ 9,1 bilhões para US$ 355,6 bilhões, no período.

A Constituição de 1988, viva e orgânica, tem sido um fator de coesão social. Ao ser respeitada, é um fator de pacificação em qualquer tempo. 

Embora a democracia seja uma herança da Grécia Antiga, os regimes democráticos ocidentais somente surgiram por caminhos tortuosos, após as revoluções Inglesa (1640-1688), Americana (1775-1786) e Francesa (1789-1999).

Hoje, as leis fundamentais das repúblicas e das monarquias constitucionais correspondem às aspirações nacionais, legitimam a organização social e protegem o cidadão de arbitrariedades – são uma das conquistas humanas mais importantes.

A Carta Magna inglesa, de 1215, com a qual os barões instituíram limites para o poder do rei, inaugurou esse processo. E a Constituição americana, elaborada em 1787, alguns anos depois da independência dos Estados Unidos, é outro paradigma. Sua carta de direitos, que são as dez primeiras emendas à Constituição, impôs restrições ao poder do governo federal.

Ao produzir consensos, essas cartas abriram em definitivo as portas para o desenvolvimento capitalista. Seus povos passaram a buscar o progresso dentro dos mesmos princípios, respeitando-os e sendo por eles respeitados.

O Brasil sofreu influência de todos esses movimentos, ao sair do período da Monarquia para o da República, mas a primeira Constituição democrática somente foi promulgada em 1946.

Com o voto direto, secreto e seguro, somos a terceira maior democracia representativa do mundo e temos o décimo terceiro PIB em termos globais. Nosso Parlamento atende à diversidade da sociedade. O Executivo representa a maioria, mas os processos decisórios são complexos, pois envolvem também a opinião das minorias. Juízes, desembargadores, os ministros dos tribunais superiores, compõem o Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) zela pelo cumprimento da Constituição. O Ministério Público, por sua vez, atua com autonomia na ordem jurídica do Estado.

E a Constituição é o instrumento que estabelece as regras do jogo para esse processo decisório, no qual os Poderes e entes federados têm autonomia no âmbito de suas competências. 

Mais democracia, e não menos, é a porta de saída para mazelas como o desemprego e a baixa atividade.

A Carta de 1988 garante um regime econômico liberal, com atuação normativa e reguladora do Estado. Fundamenta-se na livre iniciativa e na concorrência, com expansão de direitos sociais e disciplina da ordem. Preservá-la é reduzir desigualdades e garantir o crescimento econômico duradouro.

Na semana passada, seu sistema de freios e contrapesos regulou a relação entre os Poderes, que exercem controle um sobre o outro sem perder a independência. Testado em clima de tensão na definição do sistema de votação, prevaleceu a vontade do Legislativo. Sem traumas, rupturas ou transgressões, dentro das regras da Constituição, com clareza, transparência e o respeito de todos.

A democracia brasileira sai fortalecida.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,constituicao-democracia-e-economia,70003811905


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Mais dificuldades, mais diálogo

Uma surpresa a cada esquina barra investimentos e trava negócios

A economia brasileira é caracterizada por contrastes. Nas últimas semanas, esse paradoxo histórico ficou mais uma vez evidenciado. Por meio de 16 ofertas iniciais de ações, os IPOs, e títulos emitidos, empresas brasileiras captaram R$ 102 bilhões no primeiro trimestre, melhor resultado em mais de dez anos.

Atenta aos efeitos positivos do pacote trilionário de estímulos dos EUA e da retomada chinesa, a Bolsa recuperou perdas e alcançou o patamar de 120 mil pontos.

Em reforço a essa tendência, um novo ‘boom’ global das commodities beneficia o Brasil. O Banco Central projeta, em razão da alta na demanda e nos preços, superávit de US$ 2 bilhões nas contas externas em 2021, o que vai deixar o balanço de pagamentos do Brasil no azul.

Os agentes econômicos têm dados concretos para se sentirem otimistas. 

Do lado do governo, o primeiro leilão do ano para concessões de aeroportos, estradas e ferrovias, a Infra Week, teve todos os seus 28 lotes arrematados. Na política monetária, inicia-se um ciclo de normalização, o que aponta para menos volatilidade dos ativos e redução da curva longa dos juros.

Esse é o caminho virtuoso. São tendências com valor estratégico, que apontam para o horizonte muito além da pandemia e das eleições de 2022. 

No outro prato da balança, os dados negativos mostram o peso do desequilíbrio. O País é um dos líderes mundiais de óbitos pela covid-19. Deixamos a nona posição dos maiores PIBs do planeta para ocuparmos agora o 12.º lugar. No período de um ano, o real foi uma das quatro moedas que se desvalorizaram frente ao dólar, entre 31 pesquisadas pela FGV Ibre. O desemprego sobe, e a renda per capita caiu 4,8% em 2020.

Esse contraste é um fenômeno antigo da economia brasileira, muitas dificuldades imediatas e vantagens estratégicas que ancoram o otimismo de longo prazo e mitigam o pessimismo do presente.

Convivem um lado exuberante e desenvolvido com outro cercado pelas dificuldades. Sabemos crescer rápido. O que falta é equilibrar as desigualdades. 

A forma de fazer convergir essas duas faces é o diálogo entre as instituições, insistir no convencimento. Antes de a pandemia da covid-19 atingir em cheio os indicadores econômicos e sociais, conseguimos avanços consistentes por meio do entendimento. Praticamente por consenso, o Congresso aprovou a reforma previdenciária. 

O resultado, ao contrário do que professavam os céticos, não destruiu nosso sistema de proteção social, mas o modernizou e dinamizou. Quando mais reformas estruturantes eram ensaiadas, o vírus se espalhou pelo mundo e não parou mais. Agora, diante da dramaticidade do quadro atual, as urgências são outras, mas as soluções prosseguem assentadas nos pilares do diálogo, do respeito e da colaboração. Ouvir mais. Refletir mais. 

É por meio da negociação política que, desde 1988, a partir da atual Constituição, o Brasil tem conseguido melhorar a qualidade de vida da sua população, o ambiente de negócios e a confiança nas instituições. 

Dialogar passou a ser a forma de arte política mais elevada. Toda conduta no conceito do “quanto pior, melhor” nos fará fracassar como Nação. Quanto maiores as dificuldades, mais necessário intensificar a busca de convergências. Não podemos nos furtar a conversar com quem pensa diferente de nós.

Para que o debate avance, nada é mais importante, hoje, do que atender às necessidades básicas da população. Ou seja, alimentação, insumos hospitalares, vacina e emprego. Fora dessa agenda, até mesmo as reformas podem ter seu timing redefinido. 

Sem baixar a temperatura institucional e política, dançamos à beira do abismo. A agenda básica começa pela busca da serenidade entre os protagonistas dos Três Poderes. Uma surpresa a cada esquina barra investimentos e afeta os negócios, assusta. É preciso tranquilidade e previsibilidade para atrair capital. Um pouco de paciência evita impasses desnecessários. 

É hora de insistir na tempestividade e na resiliência. 

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE  ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: A relevância do senso de urgência

No Brasil, o mais previsível é que o imprevisível sempre pode acontecer

Um prognóstico coincidente entre os líderes do Congresso, parlamentares, equipe econômica e analistas aponta, desde já, como é atípico este 2021 – e não somente pela questão do ritmo da vacinação e a resistência da pandemia com as novas variantes da covid-19. Em declarações públicas, protagonistas da vida brasileira indicam que o ano legislativo deverá ter calendário curto, por conta das articulações antecipadas, e já iniciadas, para as eleições gerais de 2022.

Deputados e senadores voltarão seu foco para as bases em seus Estados e as negociações da formação das chapas para a sucessão presidencial passarão a ser o centro da preocupação dos partidos e classe política, gradualmente.

Essa previsão se sustenta no ritmo dos acontecimentos e no ciclo eleitoral natural, que coroa a democracia brasileira de dois em dois anos, com as eleições municipais e as eleições gerais acontecendo de forma intercalada. Trata-se, pois, de sermos realistas para esse cenário de limitações de calendário em relação às expectativas sobre reformas econômicas e de modernização do Estado brasileiro.

Entretanto, não se deve olhar essa combinação de presente e futuro imediato de maneira apressadamente pessimista.

Os congressistas, em trabalho articulado com a equipe econômica, podem fazer muito neste período concentrado de votações. O principal estímulo é a própria situação emergencial vivida pelo Brasil, que registrou PIB negativo de 4% em 2020, o maior tombo em 30 anos, tem 14 milhões de desempregados e vive o pior momento da pandemia.

As lideranças do Congresso demonstram clareza sobre o tamanho de sua responsabilidade perante a sociedade brasileira neste início de ano. O desejado senso de urgência, porém, ainda não se fez presente no conjunto do Congresso, como se viu na votação da PEC Emergencial e no encaminhamento do Orçamento da União.

Mas é preciso criar expectativas positivas em relação à pauta que pode definir a recuperação econômica, resumida em três pontos: vacinação intensa, reforma tributária e reforma administrativa.

Não há como acelerar o crescimento sem injetar confiança econômica. E tudo começa por meio de medidas legislativas novas, que permitam ao governo instrumentos para uma gestão eficiente das suas contas, e livrar a sociedade de amarras burocráticas e obrigações em excesso pelo pandemônio tributário atual.

A questão tributária e a falta de eficiência do setor público explicam o baixo investimento na economia, o que se refletiu nos dados de PIB dos últimos anos pré-pandemia. O crescimento patinou pouco acima do 1% de 2017 a 2019. Com o dado de 2020, o Brasil andou para trás e saiu da lista das dez maiores economias do mundo. 

Nenhum cenário é imune a crises – o lançamento de um amplo programa de vacinação em massa, igualitário, intenso e rápido, por exemplo, ainda é um desafio.

Não teremos projetos no feitio dos sonhos de todos, não devemos nos iludir. Mas apenas a sinalização de que é possível o início de uma nova etapa virtuosa para a economia pela aprovação desta pauta básica é um grande alento.

Bem aproveitados pelo Congresso, sem a tentação de sobrepor assuntos não econômicos que possam atrasar o andamento da agenda legislativa, esses próximos meses podem ser um atalho de muitos anos para o desenvolvimento e prosperidade do Brasil.

O período eleitoral promete trazer volatilidade aos mercados, como sempre acontece. Mas seu efeito será tanto menor quanto maior forem os avanços na pauta das reformas em 2021. É a garantia de maior estabilidade futura, tanto para o governo quanto para a oposição. Ou seja, uma vez bem encaminhadas as reformas fundamentais, a projetada antecipação do debate eleitoral não vai prejudicar a vida das empresas, os planos de investimentos, a criação de empregos e a atração de capital estrangeiro. 

E as eleições serão, outra vez, a festa imponente da democracia – com a economia direcionada para um novo ciclo de crescimento.

Porque, no Brasil, o mais previsível é que o imprevisível sempre pode acontecer.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO 


Luiz Carlos Trabuco Cappi: A vacina e o relógio

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira

A expectativa pela vacina desperta um sentimento misto de angústia e esperança, que se mede pelo olhar insistente no passar das horas e dos minutos do relógio. Essa frustração simboliza a situação de milhões de brasileiros, entre eles minha mãe, 94 anos, acamada, que recebeu a primeira dose da vacina no cronograma das autoridades, o tempo possível. Mas, para nós, familiares, essa espera equivaleu ao tempo de um cronômetro eterno.

Incontáveis mães, pais e filhos, de todas as idades e lugares do País, ainda não sabem ao certo quando receberão a imunização. E, a cada dia de incerteza, mais aumenta a sensação de um tempo que não passa.

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira. 

Ainda que o distanciamento social pareça congelar o tempo, com todas as mudanças de hábitos que ele implica, o relógio não para, a pandemia avança e isso nos faz viver na relatividade do tempo.

No ar, há um mistério: qual o motivo de estarmos sofrendo nesse vácuo, quando nossa tradição nos programas de vacinação em massa é funcionar com a precisão e eficiência de um relógio suíço?

Historicamente, a vacinação em massa é expertise do Brasil. O Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, dispõe de mais de 40 mil postos de atendimento e oferece anualmente 300 milhões de doses de cerca de 30 vacinas. 

Seria possível retomar a nossa performance histórica a partir dessa base de experiência e conhecimento técnico e científico acumulados. O fundamental, obviamente, é lançar mão de uma boa dose de efetividade comercial na compra de vacinas – e, também, aprovar seu uso de forma rápida.

Talvez seja uma boa sugestão o lançamento de um fast track de bom senso em relação às vacinas produzidas e homologadas por vários laboratórios reconhecidos mundialmente. Em matéria de emergência de saúde pública, o conceito é salvar a vida do maior número de cidadãos brasileiros, no menor tempo possível.

A chance de aproveitar a janela de oportunidade para uma segunda etapa na vacinação é agora. Autoridades de diversas áreas do governo, como equipe econômica e Banco Central, além das lideranças do Congresso, estabeleceram a imunização em massa como prioridade. 

As condições objetivas existem. O Brasil tem dois centros de excelência na produção de vacinas – Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Butantan, em São Paulo. No segundo semestre, os dois institutos devem inaugurar novas fábricas, capazes de criar também o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), necessário para a fabricação das vacinas da Oxford-AstraZeneca e da chinesa Sinovac.

A vacina resolve a crise. No início de fevereiro, Israel identificou uma queda de 41% no número de novos casos de covid-19 em pessoas com mais de 60 anos. Nos Estados Unidos, em meados de fevreiro, o número de casos novos caiu 39% e o de hospitalizações, 28%. O Reino Unido iniciou um processo gradual de flexibilização das regras de distanciamento.

Todos esperam mais eficiência do combate à pandemia. Em primeiro lugar, para barrar o sofrimento da população. Em seguida, para fazer a economia crescer, criar empregos e retomar os investimentos. Imunizar a população é criar condições para o início mais rápido da recuperação plena das atividades econômicas.

Em adendo, teremos a possibilidade de sair dessa crise com uma indústria farmacêutica fortalecida, capaz de produzir vacinas e insumos para fabricação a toda a população brasileira.

Com a soma das reformas constitucionais já em andamento, poderemos oferecer a esta e às futuras gerações a possibilidade de paz, prosperidade e boas oportunidades de emprego e investimento.

Não podemos transformar a justa expectativa pela farta oferta de imunizantes para todos numa exasperante espera de Godot, o salvador que nunca chega.

* PRESIDENTE DO CONSELHO DE  ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.  ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Acredite nas oportunidades

Depois da pandemia, o Brasil de 2021 precisa do sentimento de urgência e de superação

A sensação, neste começo de ano, é a de abrir um livro em branco, que será escrito por todos os brasileiros. As possibilidades positivas são muitas. O ano de 2020 foi quase sabático para o mundo. A atual pandemia do novo coronavírus mudou a visão de futuro do Brasil – e, como todas as anteriores, provocou transformações importantes na estrutura econômica e social dos países. 

A praga Justiniana, em 542, matou entre um quarto e metade da população romana, abalou o poder econômico e militar de Roma. 

A peste negra teve seu pico de contaminação entre 1347 e 1351, com surtos até o século 18. A estimativa de mortes chega a 200 milhões, e teve como uma de suas consequências o declínio do sistema feudal. Com menos gente, a escassez de mão de obra incentivou inovações na agricultura, como o arado, a rotação de culturas, a fertilização com esterco e a urbanização. Abriu caminho para o início do Renascimento, um período de grandes mudanças e ganhos de produtividade.

Há paralelos entre essas pandemias e a dos dias de hoje. Mostraram que se pode mudar rápido e o mundo se reinventar, com o meio ambiente no centro das prioridades. A inclusão social é outro pilar da mudança.

A Segunda Guerra Mundial foi a maior crise do século XX. Como resultado, fez com que o mundo avançasse na sua integração, a partir da criação da ONU, da OMC, do Banco Mundial e do FMI, cujos objetivos incluem trabalhar em convergência pela paz e pelo crescimento. 

A pandemia continua, mas o início da vacinação em massa abre esperanças de que ela pode ser controlada. A recuperação econômica tende a ser desigual, muitas empresas se recuperarão, algumas deixarão de existir e outras se reinventarão.

Na política econômica, o desafio é a gestão dos estímulos e os auxílios aos mais pobres, gerenciando a dívida pública. O que se percebe é que a expansão das dívidas fiscais pode aumentar a tributação em quase todos os países.

Milhões de empregos foram destruídos e é, portanto, importante focar na criação de opções.

Os indicadores apontam para a recuperação econômica, com crescimento de cerca de 4% do PIB, e equilíbrio externo.

O foco, agora, precisa ser o futuro. Aprovação das reformas, incentivos ao empreendedorismo e inclusão digital são necessários para gerar mais investimentos e mais empregos.

Seria possível aumentar a produtividade da economia com o ensino a distância, pela ampla oferta de educação individualizada e material didático de qualidade a todos os brasileiros. E revolucionar o papel dos professores.

Estão aí as novas descobertas em saúde. Possibilitam diagnósticos mais rápidos e seguros. A telemedicina, em lugares remotos, ajuda os médicos locais. Aproxima e iguala o acesso aos nossos centros de excelência, que estão entre os melhores do mundo. É um caminho viável para melhorar a saúde de toda a população.

O setor bancário brasileiro vive uma das maiores transformações de sua história. Mudanças na estrutura de mercado, avanços em tecnologia e novo ambiente institucional, além do open banking, vão dar nova configuração competitiva ao setor.

Todas as empresas devem redesenhar seus modelos de negócio e promover mudanças organizacionais. O papel das áreas de recursos humanos tornou-se ainda mais central na gestão da transformação, com vistas à geração de outros valores e propósitos do capital humano. 

Finalmente, vamos torcer pela realização das Olimpíadas adiadas no ano passado, com o melhor do esporte mundial em Tóquio. Recordes seriam batidos. Um paradigma da vontade do ser humano de se superar, no esporte e na vida.

Teremos, outra vez, novas fontes de inspiração para seguirmos em frente.

A pandemia mostrou como o tempo pode ser acelerado. O Brasil de 2021 precisa do sentimento de urgência e de superação, pois as possibilidades de construção de um país melhor só dependem da união de todos nós. Vamos aproveitar as oportunidades. 

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Um ‘gambito’ para 2021

País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados

A estratégia desenhada para enfrentar os desafios de 2021 exigirá empenho, soma de esforços e agilidade. O cronômetro do jogo cobra ações imediatas. Neste começo de ano, um tempo de esperança e afeto, compartilho uma ideia. Pense no tabuleiro de xadrez, um jogo que tem muito a nos ensinar. O desenvolvimento cognitivo que ele favorece, assim como os valores que propõe, podem mudar, para melhor, nossa maneira de ver as coisas. 

O xadrez vive um novo momento de glória com a popularidade da série O Gambito da Rainha. Nela, a protagonista Elisabeth Harmon é tida, desde a infância, como um prodígio dos tabuleiros. A jovem passa os episódios enfrentando grandes mestres e vencendo quase todos – superando barreiras e preconceitos que a tornam uma figura emblemática da falta de inclusão e diversidade no esporte que também é uma profissão. Uma das falas mais interessantes da personagem, num episódio marcante, é que “o xadrez nem sempre é competitivo; ele pode ser simplesmente lindo”.

Nesse jogo, toda informação que precisamos está plenamente disposta no tabuleiro. O resultado da partida dependerá única e exclusivamente da habilidade de cada um. Não existe o “contar com a sorte”. O que há como diferencial é a preparação, o estudo, o conhecimento.

O xadrez começa sempre polarizado: brancas e pretas caminhando em direção ao centro. A jogada chamada gambito da rainha (ou estratégia da dama) consiste em oferecer um sacrifício que envolve a peça de maior mobilidade dentro do tabuleiro, para se ganhar uma vantagem posicional efetiva. Esse movimento pode ser aceito ou recusado pelo adversário, decisão que definirá o rumo da partida. Curiosamente, os sacrifícios em favor de continuar seguindo em frente foram uma constante ao longo de 2020, tanto na esfera pública quanto na privada.

Sempre existiram muitas associações entre as instituições modernas e o papel que caberia a elas no tabuleiro de xadrez. Os reis certamente seriam os governos; as poderosas rainhas, talvez as grandes corporações; os bispos, a mídia que, mais do que nunca, inspira veneração; o cavalo e a torre seriam os exércitos e as forças de segurança; e, evidentemente, os peões representariam os cidadãos comuns.

Não se pode nunca desfazer um movimento no xadrez, mas é possível se recuperar e fazer com que os próximos lances sejam bem melhores. Em 2021, o País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados, como o decreto de calamidade pública e a provisão de créditos extraordinários, entre outros. Assim como pelo recuo em alguns quadrantes importantes, como os das reformas tributária e administrativa.

Um bom estrategista no xadrez da economia consideraria imutáveis algumas regras do jogo, como o respeito à meta fiscal, à regra de ouro e ao teto de gastos. Provavelmente movido por um sentimento experimentado pelos melhores enxadristas de que, “se um jogador acredita em milagres, às vezes ele pode operá-los!”.

O jogo de xadrez celebra a importância da ponderação, da engenhosidade e do estudo de jogadas já realizadas, para que não se repitam no presente os mesmos erros cometidos antes. Igualmente, premia a ação executada dentro de um timing específico. A série valoriza, ainda, a importância de despir-se de vaidade. A certa altura, o personagem Harry Beltik, que fora um adversário vencido por Elisabeth quando ela ainda era criança, torna-se seu mentor. E ao vê-la cheia de vícios na vida adulta, trilhando caminhos errados, sentencia: “É tolice correr o risco de ficar louco por vaidade”. E assim, movido por um bem maior, empenha-se em trazê-la de volta à realidade e dar novo rumo à partida. Sempre em nome da beleza do jogo.

São esses valores que merecem uma reflexão cuidadosa para enfrentarmos os próximos lances de 2021. E, como diria a protagonista, ao final do último episódio: “Let’s play!”.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Pra não esquecer jamais

Tirar lições de dificuldades ou de situações de crise é uma questão de bom senso

Colaboro regularmente com O Estado de S. Paulo há seis meses, período pautado pela pandemia do novo coronavírus, que deixará marcas profundas na história. Agradeço ao jornal, do qual sou leitor há muitas décadas, por essa jornada inestimável. Escrever para contribuir com o debate sobre os vários temas suscitados pela covid-19 e a realidade brasileira abre novos desafios de raciocínio.

Economia, política, ética, solidariedade, sustentabilidade, administração pública, deveres do Estado e do cidadão; nenhum desses assuntos deixou de ser avaliado e discutido intensamente, em 2020, pela comunidade científica, classe política, empresários, sociedade civil. Todos. Tentei acompanhar os debates e oferecer minha contribuição. 

A discussão ampla, franca e honesta dos problemas de uma sociedade é a ferramenta mais eficaz para encontrar boas soluções, faz parte da construção da democracia. É gratificante e enriquecedor receber, da parte de leitores, críticas, sugestões, ideias, outras perspectivas, e até elogios, que estimulam a reflexão mais profunda e sistemática sobre nossas potencialidades e problemas. Estou certo de que, ao longo de 2021, o exercício de compartilhar ideias, valores e crenças será cada vez mais profícuo. 

Conhecemos as consequências da pandemia para o Brasil e o mundo. Façamos uma rápida avaliação. Este ano, o número de mortes no País por Covid-19 supera os 180 mil. É uma tragédia sem paralelo. As medidas de isolamento social, mais severas no início, reduziram de forma drástica a atividade econômica. Teremos em 2020 uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) estimada em 4,5%. Isto agravou o desemprego, que atinge agora quase 14 milhões de trabalhadores. 

Os desembolsos do governo no combate à pandemia e aos seus reflexos econômicos – sem os quais a atividade econômica teria uma queda muito maior – geraram um problema fiscal que não será resolvido no curto prazo: terá de ser enfrentado por este governo e os próximos. Até outubro, o governo federal acumulou um déficit de 680 bilhões de reais e o seu financiamento elevou a dívida pública para 91% do PIB. Essa dívida provavelmente será superior a 100% do PIB pelos próximos anos. 

Tivemos outros fatos que marcaram o ano, como o incêndio no Pantanal, o aumento do desmatamento na Amazônia e o assassinato de João Alberto Silveira de Freitas, um homem negro, num supermercado de Porto Alegre. Ganharam repercussão mundial e levantam pontos relevantes, como a questão do meio ambiente, uma de nossas maiores riquezas, além de desnudar o racismo estrutural em nossa sociedade. 

Entretanto, 2020 pode servir de ponto de partida. Tirar lições de dificuldades ou de situações de crise é uma questão de bom senso. Insensato seria persistir no erro e caminhar para crises mais graves. Perder a oportunidade de usar eficientemente os conhecimentos (econômicos, científicos e sociais) adquiridos neste ano dramático é subtrair à próxima geração a possibilidade de viver em um país melhor, menos instável, mais próspero, mais justo e igualitário. 

Acredito que o Natal é um tempo propício para reafirmar esses princípios. É quando percebemos mais a solidão e as carências dos outros, reconhecemos as nossas imperfeições e projetamos como melhorar como seres humanos. 

Conhecemos a pauta econômica que deve nos orientar. As reformas estruturais são fundamentais. As mudanças sociais que reclamamos, como o combate à desigualdade em todos os seus aspectos, também o são. Sabemos ainda que todas essas mudanças para se tornarem perenes pressupõem uma educação melhor e realmente inclusiva. 

Este é um ano que não pode ser esquecido. Mostrou o paradoxo que é a vida: o nosso bem mais valioso, ao mesmo tempo tão frágil. Portanto, é preciso colocá-la em primeiro lugar. 

O Natal de 2020 reforça que valores, afetos e o aquecer dos corações são o que realmente importa. 

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. 


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Rating: melhor prevenir do que remediar

O governo tem instrumentos para reverter a tendência de crescimento da dívida

nota de rating definida pelas agências de classificação de risco reflete a saúde financeira de um país. Dois exemplos históricos recentes indicam essa tendência. Entre maio de 2008 e setembro de 2009, Standard & Poor’sFitch e Moody’s atribuíram ao Brasil o cobiçado grau de investimento. Estavam certas e reconheceram o ciclo econômico brasileiro associado ao ‘boom’ global das commodities. Em 2010, o País obteve US$ 48,4 bilhões em investimento estrangeiro direto, alta de 87% sobre o ano anterior e liderança em atração de capital na América Latina. Atingiu-se um recorde, com a criação de 2,5 milhões de empregos formais. O PIB cresceu 7,5%, maior taxa dos 24 anos anteriores. 

O reverso da moeda é igualmente verdadeiro. A partir de 2015, com a deterioração dos indicadores, as três empresas de classificação de risco, entre setembro daquele ano e fevereiro do seguinte, cortaram o grau de investimento concedido sete anos antes. Era o mergulho anunciado. O PIB recuou em 2015 e 2016, com -3,8% e -3,6%, respectivamente. Antes, apenas em 1930 e 1931 o Brasil havia tido dois anos consecutivos de retrocesso, mas a taxas menores. Em 2016, o IED despencou 23%. O consumo das famílias caiu 4,2%. Uma maré de desemprego provocou, segundo dados do Caged, 104,5 mil demissões apenas em fevereiro, pior índice do mês para o mercado de trabalho em 25 anos. Nos 12 meses anteriores, 1,7 milhão de vagas foram fechadas. Assim como na bonança, as agências outra vez fizeram a leitura correta do cenário deletério.

O trabalho das agências é o de conceituar a capacidade de pagar dívidas de um país, em função de dados sobre dinâmica da dívida, situação fiscal e taxa de câmbio. Quando a nota aumenta, melhora o potencial de novos investimentos e diminui o custo de captação externa para o governo e as empresas. Ao cair, inverte-se a equação. 

S&P, Fitch e Moody’s têm notas parecidas para o Brasil. Se comparado aos vizinhos, estão acima da Bolívia e da Argentina, mas abaixo do Paraguai e da Colômbia. Além da nota, as agências também emitem pareceres sobre perspectivas. A Moody’s e a S&P têm uma visão estável em relação ao Brasil, enquanto a Fitch enxerga uma expectativa negativa. 

A nota de risco do Brasil está em discussão. O motivo principal é a dinâmica fiscal. Alguns indicadores, como o encurtamento da dívida pública, cujo prazo médio caiu para 35 meses, os grandes vencimentos em 2021 e custos de captação mais altos para prazos mais longos, próximos a 10%, são sinais de alerta. 

Se nada for feito, há o risco, segundo analistas, de que o País entre num quadro de dominância fiscal, situação conhecida como de perda da eficácia da política monetária.

É prioritário evitar esse redemoinho perverso – o das previsões que podem se autorrealizar a partir das expectativas anunciadas pelas cotações dos mercados.

No ano passado, a relação dívida pública/PIB foi estabilizada, o que levou a S&P, em novembro, a elevar de estável para positiva a perspectiva do rating desse quesito central. Em nota, o Tesouro Nacional afirmou que essa decisão corroborava a agenda de reformas. 

Este ano, em razão da pandemia, o endividamento disparou e as reformas não avançaram, acirrando-se as tensões do mercado.

governo continua a ter os instrumentos para controlar a situação e reverter a tendência de crescimento da dívida – mas é preciso senso de urgência. As correções são conhecidas: garantir o teto de gastos, fazer as reformas andarem no Congresso e crescer. O Brasil tem um consenso nessa direção e, portanto, as condições para fazer acontecer.

Felizmente, os mercados consideram a dinâmica sob controle. O indicador Embi+, calculado pelo J.P. Morgan, estabilizou num nível confortável. O custo de captação externa, medido pela revista The Economist, é o mais baixo da América do Sul. O agronegócio mostra pujança e o consumo dá sinais de recuperação.

O quadro geral, porém, é desafiador. Por isso, vale o ditado popular: melhor prevenir do que remediar.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: O ovo da serpente

Uma sociedade deficiente em educação não avança e, pior, aponta para o atraso

Bem mais precioso que uma sociedade pode legar aos seus cidadãos, a educação é uma das maiores vítimas dos efeitos destrutivos da pandemia de coronavírus. O fechamento compulsório de escolas, o isolamento de estudantes e as incertezas sobre a retomada de atividades presenciais restringiram, ao longo deste ano, o acesso ao ensino. Nessa medida, a desigualdade educacional se agravou.

É uma evidência que alunos com melhor acesso à tecnologia e suas ferramentas, da conexão firme e veloz à internet ao uso de iPads de última geração, têm melhores meios de mitigar os danos causados pela abrupta interrupção do ano letivo e a rápida introdução do ensino a distância.

Global, o fenômeno ganha relevância em países nos quais as diferenças sociais são mais acentuadas, como é o caso do Brasil. Esse desequilíbrio aumenta o déficit educacional. O preço a pagar projeta danos irreversíveis. Uma sociedade deficiente em educação não avança e, pior, aponta para o atraso. Forma cidadãos sem conteúdo para compartilhar conhecimento, construir sonhos e forjar oportunidades econômicas. Cria uma geração sem esperança.

É o ovo que gera a serpente da desinformação, da proliferação das fake news e da polarização política perigosa. Engessa o progresso, divide a cidadania, anula a solidariedade e radicaliza o individualismo. A deseducação é o que põe em risco a democracia.

A contraface dessa moeda é paz e prosperidade. Enfrentar com prioridade a questão da educação envolvendo soluções que unam governo, iniciativa privada e setores que acumulam massa crítica sobre o tema trará ganhos a todos.

O ensino abre portas para o desenvolvimento inclusivo, meio mais eficaz de combater as desigualdades. Aprimora e reforça os valores civilizatórios. Barra humilhações à Nação e seu povo.

A educação impulsiona política social de base ampla – abarca da criança ao jovem adulto, proporcionando desde o acesso à merenda, nos primeiros anos, ao emprego e renda, no curso da formação. O filósofo Immanuel Kant definiu o ensino como “o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”.

Os indicadores atuais mostram a dimensão do desafio. Em 2019, somente 27% da população com 25 anos ou mais exibiam o ensino médio completo, enquanto 32% nessa faixa etária não tinham concluído o ensino fundamental. A evasão no ensino médio atingiu 18% entre jovens de 19 anos. Apenas 21% dos brasileiros de 24 a 35 anos têm ensino superior, segundo a OCDE, ante 70% na Coreia do Sul. As instituições privadas de ensino superior calculam que 400 mil dos seus 6,5 milhões de alunos deixaram de estudar este ano por conta da pandemia, maior evasão já registrada.

A inversão dessas tendências é tanto mais complexa pela delicada situação fiscal que o País atravessa. Não conseguimos hoje sequer sonhar com uma situação como a da Alemanha, cujo governo anunciou um aporte de € 160 bilhões, no período de 2021 a 2030, para universidades e centros de pesquisa.

O Brasil precisa de criatividade e sentido de urgência para encontrar os caminhos de um sistema educacional moderno e inclusivo em todos os níveis. A educação a distância, que os especialistas dizem ter vindo para ficar, é nossa aliada nessa corrida, mas é preciso equalizar os acessos à tecnologia a todas as camadas da sociedade, e isso demanda investimento. A qualificação de professores é outra condição para que o País saia do risco de apagão no setor que ilumina o futuro.

Os investimentos em educação têm maturação de longo prazo. Muitas vezes, os governantes preferem se ocupar de outras áreas, em busca de um reconhecimento mais rápido, do que tratar desse setor basal. Considerar, porém, a educação como uma rubrica de gastos incômodos leva à perpetuação do atraso.

Para nossa sorte, o nonagenário educador americano e ex-presidente de Harvard Derek Bok já esclareceu esse dilema: “Se você acha a educação cara, experimente verificar os custos da ignorância.”

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Ponto de partida

É preciso corrigir distorções nas cadeias de produção, reduzir a desigualdade, promover a inclusão e enfrentar os graves problemas ambientais

O mundo enfrenta dois desafios intensos. O primeiro, mais sensível, é o controle da pandemia. E o segundo, mais incerto, é a retomada do crescimento econômico.

Confiemos na ciência. Os principais centros de pesquisas do mundo estão mobilizados para o teste e a produção de vacinas que nos protejam da doença. Já a volta ao crescimento dependerá de uma variável decisiva em tempos sombrios, a confiança.

Antes da pandemia, os principais líderes políticos e empresariais globais debatiam a necessidade de corrigir as distorções das cadeias de produção e comércio, buscar a redução da desigualdade social, promover a inclusão e enfrentar os graves problemas ambientais. Fóruns como o de Davos, polo do pensamento moderno, encaram com bastante ênfase o prenúncio dessa nova era.

O debate voltará com força, como consequência da própria pandemia. Agravou-se a má distribuição de riqueza, seja em um país, seja entre países, o que se tornou fonte de desequilíbrio geopolítico e de crises sociais, além de interromper de forma abrupta os ciclos de crescimento, cuja agenda passa a ser a da sustentabilidade e da geração de emprego.

O Brasil tem peso nessa discussão, por sermos um país em desenvolvimento, de dimensões continentais, com uma estrutura produtiva de envergadura e recursos naturais de importância global.

A sigla ESG, que foi tema de outro artigo, hoje mobiliza governos, investidores, gestores de recursos e empresas inovadoras. Projeta a criação de um mundo melhor, sem soberba e artificialismo.

“Os princípios ESG e o capitalismo de partes interessadas não são uma moda”, afirma o economista alemão Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial de Davos. “Não são apenas uma manifestação de líderes empresariais para mostrar sua responsabilidade social corporativa, mas sim parte integrante da gestão empresarial”.

Adotando essas práticas, as empresas espalham uma nova cultura. Os investimentos em fundos associados a esses princípios já formam patrimônio de mais de US$ 1 trilhão.

Está se construindo uma agenda de colaboração. Há iniciativas em todo o mundo que mobilizam setores econômicos, governos e personalidades influentes nos negócios, na política e na ciência. No Brasil, a pandemia gerou iniciativas unindo grandes empresas e bancos na pauta ambiental, além de fundos de solidariedade para o combate à Covid-19. Nesse cenário, o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), fórum que reúne pecuaristas, instituições financeiras, frigoríficos e entidades da sociedade civil, esboça um novo pacto ambiental cuja ideia central é construir um modelo de rastreabilidade e monitoramento.

A grande questão é sistematizar os trabalhos e preparar politicamente essa pauta. Os acordos do clima estabelecem compromissos para redução das emissões de gases na atmosfera. Na vida prática, os governos que assinaram os acordos podem não ser os mesmos que vão aplicar as medidas dele.

É preciso segurança institucional, que começa a partir da convergência de compromissos entre empresas e sociedade, com participação da classe política, no esforço comum de provocar e buscar a adesão dos governos no enfrentamento dos problemas.

No nosso caso, a agenda ESG deveria se concentrar em quatro pontos: desigualdade social, mudanças climáticas, ética e investimento voltado ao crescimento.

O Brasil é o maior produtor e vendedor de alimentos do mundo, grande exportador de minério e player importante no mercado de óleo e gás, entre outros atributos que nos conferem relevância internacional; ao mesmo tempo, apresenta indicadores ruins na educação, na logística de transporte da safra de grãos, na infraestrutura de saneamento e no controle do desmatamento.

Que este ano dramático sirva de ponto de partida para uma virada civilizatória: olhar de outra maneira os objetivos da atividade econômica e do lucro, de modo a alinhar crescimento a resultados sociais e ambientais. Caberá à nossa geração a responsabilidade de redefinir esse jogo.

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Luiz Carlos Trabuco Cappi: Superar a acomodação

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão

Um dos pensadores mais influentes do século 20, Jean Piaget definiu o termo acomodação como uma etapa natural do processo evolutivo. Podemos dizer que é nessa fase em que nos encontramos, com a economia paralisada diante das atuais circunstâncias.

Passada a fase mais crítica da covid-19, chegou a hora de pensar no futuro que queremos para o Brasil, a economia e a nossa cidadania. Vamos deixar de lado, por enquanto, a hipótese de uma segunda onda da pandemia. O País sairá dessa crise sanitária com problemas econômicos sérios, mas que podem ser resolvidos, e com o desafio de voltar a crescer num ritmo robusto e duradouro. Temos os alicerces para isso: instituições sólidas, democracia, sociedade civil ativa e influente, boas universidades, boas empresas, bons profissionais.

O Brasil não é um país pobre, pequeno ou irrelevante no plano mundial. Já é tempo de reorganizar todos esses ativos com a finalidade de reingressar num ciclo de desenvolvimento econômico e de progresso social compatível com a nossa história e com as nossas possibilidades.

Devemos nos levantar e seguir em frente.

Entre os problemas a resolver está a grave questão fiscal. Os gastos essenciais feitos pelo governo em saúde e no auxílio emergencial provocaram um déficit que deve elevar a dívida pública a algo próximo de 100% do PIB. A parada repentina da economia em 2020 fez subir o número de desempregados para 14 milhões e provocou o fechamento de empresas. É preciso um programa de assistência a vulneráveis, responsabilidade da qual não podemos fugir.

Os manuais de economia têm soluções para crises fiscais, insolvência, desemprego, mas a resposta definitiva é o crescimento econômico consistente. Essa é a pauta que devemos colocar no topo das prioridades do País e fazê-la avançar com foco e energia.

A primeira barreira a ultrapassar, como já vimos, é a da acomodação, um fenômeno natural depois de décadas de programas de estabilização e ajustes, seja por causa da hiperinflação e das crises cambiais, seja, como agora, o descontrole fiscal.

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão. Com essa situação, damos as costas às nossas desigualdades sociais. Sem crescimento, é impossível combater a miséria e acirram-se os conflitos de interesses.

A primeira coisa a resgatar, portanto, é a ambição de assumir o crescimento como meta central. Na virada das décadas de 1930 e 1940, o País optou pela industrialização e urbanizou-se. A renda per capita dobrou nas primeiras quatro décadas do século 20 e quintuplicou nos 40 anos seguintes.

No referido ciclo, surgiram a moderna indústria brasileira, as grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras agrícolas. O sistema financeiro ganhou escala, capilaridade e capacidade de fomentar a economia. Foram anos de crescimento contínuo e a taxas muito mais altas do que as que vemos hoje.

Entre 1946 e 1957, o PIB brasileiro cresceu, em média, 6,33% ao ano. No ciclo seguinte, entre 1958 e 1978, a taxa média anual atingiu patamares chineses: 7,39%.

A partir desse ponto, lidando com fatores como hiperinflação e crise da dívida externa, perdemos a perspectiva do crescimento. A estabilização econômica passou a ser a tônica. Entre 1979 e 2003, a taxa média anual retrocedeu para 2,26% e chegou a 3,80% no período entre 2004 e 2012. Os piores resultados se deram em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo respectivamente em 3,55% e 3,31%. Desde 2017 não crescemos além de 1,1% ao ano.

Assim como a hiperinflação foi resolvida com o Plano Real, agora precisamos superar a estagnação com um programa abrangente de desenvolvimento e modernização que priorize a educação, a inovação, a tecnologia e a infraestrutura, sem as quais nossas iniciativas serão efêmeras, parciais e isoladas.

Dificuldades fazem parte da evolução humana – não podemos nos vitimizar em razão das ilusões perdidas. É hora de afirmar nossa vocação para o desenvolvimento.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Superar a acomodação

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão

Um dos pensadores mais influentes do século 20, Jean Piaget definiu o termo acomodação como uma etapa natural do processo evolutivo. Podemos dizer que é nessa fase em que nos encontramos, com a economia paralisada diante das atuais circunstâncias.

Passada a fase mais crítica da covid-19, chegou a hora de pensar no futuro que queremos para o Brasil, a economia e a nossa cidadania. Vamos deixar de lado, por enquanto, a hipótese de uma segunda onda da pandemia. O País sairá dessa crise sanitária com problemas econômicos sérios, mas que podem ser resolvidos, e com o desafio de voltar a crescer num ritmo robusto e duradouro. Temos os alicerces para isso: instituições sólidas, democracia, sociedade civil ativa e influente, boas universidades, boas empresas, bons profissionais.

O Brasil não é um país pobre, pequeno ou irrelevante no plano mundial. Já é tempo de reorganizar todos esses ativos com a finalidade de reingressar num ciclo de desenvolvimento econômico e de progresso social compatível com a nossa história e com as nossas possibilidades.

Devemos nos levantar e seguir em frente.

Entre os problemas a resolver está a grave questão fiscal. Os gastos essenciais feitos pelo governo em saúde e no auxílio emergencial provocaram um déficit que deve elevar a dívida pública a algo próximo de 100% do PIB. A parada repentina da economia em 2020 fez subir o número de desempregados para 14 milhões e provocou o fechamento de empresas. É preciso um programa de assistência a vulneráveis, responsabilidade da qual não podemos fugir.

Os manuais de economia têm soluções para crises fiscais, insolvência, desemprego, mas a resposta definitiva é o crescimento econômico consistente. Essa é a pauta que devemos colocar no topo das prioridades do País e fazê-la avançar com foco e energia.

A primeira barreira a ultrapassar, como já vimos, é a da acomodação, um fenômeno natural depois de décadas de programas de estabilização e ajustes, seja por causa da hiperinflação e das crises cambiais, seja, como agora, o descontrole fiscal.

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão. Com essa situação, damos as costas às nossas desigualdades sociais. Sem crescimento, é impossível combater a miséria e acirram-se os conflitos de interesses.

A primeira coisa a resgatar, portanto, é a ambição de assumir o crescimento como meta central. Na virada das décadas de 1930 e 1940, o País optou pela industrialização e urbanizou-se. A renda per capita dobrou nas primeiras quatro décadas do século 20 e quintuplicou nos 40 anos seguintes.

No referido ciclo, surgiram a moderna indústria brasileira, as grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras agrícolas. O sistema financeiro ganhou escala, capilaridade e capacidade de fomentar a economia. Foram anos de crescimento contínuo e a taxas muito mais altas do que as que vemos hoje.

Entre 1946 e 1957, o PIB brasileiro cresceu, em média, 6,33% ao ano. No ciclo seguinte, entre 1958 e 1978, a taxa média anual atingiu patamares chineses: 7,39%.

A partir desse ponto, lidando com fatores como hiperinflação e crise da dívida externa, perdemos a perspectiva do crescimento. A estabilização econômica passou a ser a tônica. Entre 1979 e 2003, a taxa média anual retrocedeu para 2,26% e chegou a 3,80% no período entre 2004 e 2012. Os piores resultados se deram em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo respectivamente em 3,55% e 3,31%. Desde 2017 não crescemos além de 1,1% ao ano.

Assim como a hiperinflação foi resolvida com o Plano Real, agora precisamos superar a estagnação com um programa abrangente de desenvolvimento e modernização que priorize a educação, a inovação, a tecnologia e a infraestrutura, sem as quais nossas iniciativas serão efêmeras, parciais e isoladas.

Dificuldades fazem parte da evolução humana – não podemos nos vitimizar em razão das ilusões perdidas. É hora de afirmar nossa vocação para o desenvolvimento.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS