Luiz Carlos AzedoCongresso
Luiz Carlos Azedo: O gosto da governabilidade
“A disputa em torno da manutenção ou não do ‘teto de gastos’, apontada como condição para ‘achatar a curva’ da dívida pública, está instalada dentro do próprio governo e no Congresso“
Houve uma mudança na relação do presidente Jair Bolsonaro com a política. É evidente que o convite, prontamente aceito, ao ex-presidente Michel Temer, para chefiar a missão de solidariedade ao Líbano, aproxima do seu governo de forma irreversível uma força política que sempre teve um papel decisivo para a governabilidade do país: o MDB. Simboliza outra estratégia de governo, que deixa a rota de colisão com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que as tensões com o Judiciário tendam a se manter ao longo do processo, por causa do caso Fabrício Queiroz. Onde há política, há salvação para a democracia representativa.
A postura humanitária de Bolsonaro em relação ao Líbano é até um contraponto à espantosa falta de empatia com as mais de 100 mil famílias enlutadas por causa da covid-19. O luto oficial decretado pelo Congresso e pelo STF não mereceu o mesmo tratamento do Executivo. “Nos próximos dias partirá do Brasil, rumo ao Líbano, uma aeronave da Força Aérea Brasileira, com medicamentos e insumos básicos de saúde, reunidos pela comunidade libanesa radicada no Brasil. Também estamos preparando o envio, por via marítima, de 4.000 toneladas de arroz para atenuar as consequências das perdas de estoque de cereais destruídos na explosão”, anunciou o presidente da República, que até hoje não nomeou um ministro efetivo para a Saúde. Em algum momento, a pandemia cobrará seu preço.
Mais uma razão para a avaliação de que o gesto em relação ao Líbano vai além das motivações humanitárias e mira o futuro da relação do governo com o Congresso, uma vez que o MDB tem chances reais de liderar tanto a Câmara como o Senado. O deputado federal Baleia Rossi (SP), atual presidente do MDB, pode vir a ser o nome apoiado pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) à própria sucessão. Além disso, no Senado, embora o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) tenha a ambição de se reeleger –– quebrando a tradição —, a bancada do MDB já é a principal força de sustentação do governo na Casa. O líder do governo, Fernando Bezerra (PE); o líder da bancada, Eduardo Braga (AM); e a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet (MT), são nomes capazes de liderar uma maioria robusta, mais governista ou mais independente, dependendo de quem for capaz de manter o partido unido e tecer uma aliança ampla.
Novas bases
Bolsonaro está descobrindo as vantagens da governabilidade, depois de quase pôr seu governo a perder numa trajetória suicida de confronto com os demais Poderes, ameaçando as instituições da democracia representativa. Por muito pouco não pautou o seu próprio afastamento pelo Congresso. Parece que os militares que ocupam o centro do poder no Palácio do Planalto, finalmente, conseguiram levar o governo a um ponto de equilíbrio institucional, na medida em que Bolsonaro colhe os frutos do pacote de medidas de emergência aprovadas pelo Congresso para combater os efeitos dramáticos da crise. Esse é outro elemento que explica os novos rumos adotados. Está havendo uma mudança de composição na base social de apoio ao governo: ao mesmo tempo em que perde apoio da classe média, cresce o prestígio de Bolsonaro com a população mais pobre do país, principalmente do Norte e do Nordeste.
De um lado, o caso Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho, e amigo do presidente da República, afasta cada vez mais a bandeira da ética do atual governo e, consequentemente, uma grande parcela da classe média. Blindado pela Constituição, Bolsonaro não pode ser investigado, mas a primeira-dama Michelle Bolsonaro pode. Além disso, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro é identificado como o grande protagonista da Lava-Jato; seus adversários, dentro e fora do governo, não conseguem desconstruir essa imagem. Em contrapartida, a aliança com o Centrão juntou a fome com a vontade de comer: o inesperado apoio popular conquistado com a migração das parcelas mais pobres da população do Bolsa Família para o abono emergencial e a aliança com os políticos patrimonialistas do Norte e Nordeste, que sempre souberam manipular as carências populares dessas regiões.
Toda calmaria, porém, precede a tempestade. O cenário da economia para o segundo semestre e 2021 não é nada bom. Com uma dívida interna de R$ 6,1 trilhões, que equivale a 85,5% do PIB, a dívida pública deve saltar de 75,8% para mais de 100% em 2022. A disputa em torno da manutenção ou não do “teto de gastos”, apontada pela maioria dos economistas como condição para “achatar a curva” da dívida, está instalada dentro do próprio governo, entre a equipe econômica e os ministros militares, e no Congresso. A linha que separa um governo conservador do populismo de direita está sob forte pressão, exacerbada ainda mais pela aproximação das eleições municipais. Os dados estão sendo lançados.
Luiz Carlos Azedo: A desagregação do Centrão
“Os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas é muito cedo para se lançarem à disputa“
O MDB e o DEM anunciaram, ontem, que deixarão o Centrão, bloco de 221 parlamentares formado pelos seguintes partidos: PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Com a saída das duas legendas, a bancada comandada pelo líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), nome de preferência do presidente Jair Bolsonaro para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, passará a contar com 158 deputados. Ocorre que o PSD, com 35 deputados, e o PTB, com 11, também estão se preparando para desembarcar do Centrão. A candidatura de Lira ao comando da Casa virou suco.
Um dos artífices da aproximação do bloco com o Palácio do Planalto, Lira se lançou à sucessão de Maia antes da hora e acabou no sereno. Seu principal concorrente era o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP- PB), líder da maioria e relator da reforma tributária, que agora está cotado para ser o líder do governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL-GO). A operação é comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, como uma forma de acomodar a situação dentro do Progressista, mas a necessidade da troca de líder ainda não convenceu Bolsonaro.
A candidatura de Lira, porém, se tornou tóxica, por causa da Operação Lava-Jato, na qual é acusado de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão. De acordo com a denúncia, teria recebido o dinheiro em troca do apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. Costa foi preso em março de 2014, quando a Lava-Jato foi deflagrada. Segundo a defesa do parlamentar, o delator fez a denúncia porque Lira teria afastado Costa da legenda. Mas acontece que a ex-mulher de Lira, Jullyete Lins, no fim do ano passado, ao cobrar na Justiça R$ 600 mil de pensões em atraso, acusou o parlamentar de ocultar patrimônio no valor de R$ 40 milhões, construído por meio de propina. Lira nega.
O desembarque do PSD, de Gilberto Kassab, e do PTB, de Roberto Jefferson, do Centrão sinaliza um realinhamento de forças na Câmara. Esses partidos, que agora ocupam espaços na Esplanada dos Ministérios, se movimentam por conta própria. Aparentemente, Kassab e Jefferson não têm interesse que o novo presidente da Câmara seja um “pau mandado” do presidente Jair Bolsonaro. Isso reduziria o poder de barganha que ambos têm hoje, tanto na estrutura da Câmara como nas negociações com o Palácio do Planalto. Kassab e Jefferson, cada qual com o seu estilo, são raposas velhas da política. Operam nos bastidores defendendo seus próprios interesses na Câmara, para depois negociar com o governo numa posição de força.
Trocando em miúdos, o Palácio do Planalto deve esquecer o jogo de damas, precisa jogar xadrez na Câmara. Isso ficou claro na votação do Fundeb, na semana passada, que Artur Lira tentou adiar, a pedido do governo, mas acabou atropelado por Maia. Os líderes do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e do DEM, deputado Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas ainda é muito cedo para se lançarem à disputa. O grande beneficiado pela desconstrução do Centrão, por enquanto, é o presidente da Câmara. Maia estava sendo tratado como “pato manco” por Bolsonaro, o que é um erro crasso.
Aviões de carreira
Há mais coisas entre o céu e o cerrado do que os aviões de carreira, diria o Barão de Itararé, a propósito da saída de integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Depois do secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, deixaram a equipe, nos últimos dias, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, e o secretário especial de Fazenda, Caio Mengale, que anunciou sua decisão ontem. Todos alegaram motivos pessoais, mas o ex-presidente do BB deixou no ar uma interrogação, ao revelar incômodo com o “compadrio”. Pode ser uma referência às pressões para manter a publicidade do banco nos sites e blocos que estão sendo investigados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa das fake news.
No mercado financeiro, comenta-se que estaria havendo divergências na equipe econômica em relação ao programa Mais Brasil, que o governo prepara para substituir o programa Bolsa Família. O governo caminha para aumentar impostos e fazer mais transferências de recursos para a população de baixa renda, contrariando tudo o que Guedes pretendia inicialmente. Ou seja, a pandemia e a recessão puseram em xeque o projeto ultraliberal de Guedes e sua equipe.
Luiz Carlos Azedo: San Tiago e Maia
”O presidente da Câmara encabeça o que podemos chamar de “oposição positiva”, que vem sendo muito mais responsável do que o Palácio do Planalto no enfrentamento das crises”
Uma das figuras mais interessantes da política brasileira foi Francisco Clementino de San Tiago Dantas. Carioca da gema, começou a carreira pela porta da extrema-direita — após concluir o curso na Faculdade Nacional de Direito —, em 1932, na Ação Integralista Brasileira (AIB), da qual se afastou na tentativa de deposição de Getúlio Vargas, em 1938, para se dedicar à advocacia e à carreira acadêmica. Depois, trabalhou na organização do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, órgão ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Foi vice-presidente da refinaria de petróleo de Manguinhos por nove anos. Voltou à política para assessorar Vargas no governo, de 1951 a 1954, participando da criação da Petrobras e da Rede Ferroviária Federal.
Filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), elegeu-se deputado federal por Minas Gerais, em 1958, tendo sido nomeado embaixador do Brasil na ONU, em agosto de 1961. Mas sequer assumiu, por causa da renúncia de Jânio Quadros, três dias depois. Os ministros militares tentaram impedir a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência, mas enfrentaram forte resistência popular, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que montou uma rede nacional de emissoras da rádio. A saída para o impasse foi uma emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista, da qual San Tiago foi um dos articuladores.
Goulart assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961, indicando Tancredo Neves, do Partido Social Democrático (PSD), como primeiro-ministro. San Tiago foi escolhido para a pasta das Relações Exteriores, dando sequência à “politica externa independente” de Jânio. Deixou o ministério para disputar um novo mandato na Câmara. Em janeiro de 1963, um plebiscito determinou, por larga margem de votos, o retorno ao presidencialismo. San Tiago assumiu o Ministério da Fazenda, com um programa de austeridade econômica baseado no Plano Trienal, de Celso Furtado, ministro extraordinário para o Planejamento. O plano previa a retomada de um índice de crescimento econômico em torno de 7% ao ano, e a redução da taxa de inflação, que em 1962 chegara a 52%, para 10% em 1965.
A crise que levaria ao golpe de 1964, porém, já estava em curso. Diante da polarização entre conservadores e reformistas, San Tiago fez um pronunciamento dramático pela televisão, em que apontava a existência de “duas esquerdas”: a “positiva”, onde ele mesmo se inseria; e a “negativa”, a ala esquerda do PTB, encabeçada por Brizola, que se opunha ao Plano Trienal e à “política de conciliação”. Furtado e Dantas deixaram o governo. Militares, políticos e empresários organizavam a deposição de Goulart, que pediu ajuda a San Tiago para formar um governo de frente única. Em janeiro de 1964, porém, o PSD, de Juscelino Kubitschek, e a Frente de Mobilização Popular (FMP), liderada por Brizola, manifestaram-se contra a proposta. Em 31 de março de 1964, o general Humberto Castello Branco assumiu o poder. San Tiago faleceu no Rio de Janeiro em 6 de setembro daquele ano.
Sucessão
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lembra San Tiago Dantas. Nunca apoiou o governo Bolsonaro, entretanto, como presidente da Câmara, encabeça o que podemos chamar de “oposição positiva”, graças a qual o Poder Legislativo vem sendo muito mais responsável do que o Palácio do Planalto no enfrentamento das crises. Maia foi o grande artífice da aprovação da reforma da Previdência, muito mais do que Paulo Guedes, o ministro da Economia. O presidente Bolsonaro atrapalhou muito mais do que ajudou. O mesmo se pode dizer de outras medidas aprovadas pelo Congresso, como a flexibilização da legislação trabalhista, as medidas de combate à pandemia do coronavírus, o novo marco do saneamento e, nesta semana, a aprovação do Fundeb.
Essa postura de Maia vem desde o governo de Michel Temer, cujo afastamento somente não foi aprovado porque o presidente da Câmara, que seria seu sucessor natural, se opôs às articulações com esse objetivo. Deve-se a Maia, em boa medida, o encalhe dos projetos mais retrógrados do governo Bolsonaro nas comissões da Câmara. Em fim de mandato, Maia enfrenta uma nova queda de braço com o Palácio do Planalto: a sua sucessão. Bolsonaro quer assumir o controle da Câmara, via Centrão, elegendo um aliado de confiança. O grande obstáculo é Rodrigo Maia, que provou, na votação do Fundeb, não ser um pato manco.
Luiz Carlos Azedo: Ora, o impeachment…
“O desgaste de Bolsonaro é mitigado pela estratégia de pôr os militares à frente da Saúde, e responsabilizar o Supremo, os governadores e os prefeitos pelo fracasso na pandemia”
Um expressivo grupo de artistas e intelectuais subscreve o pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro encaminhado, ontem, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre os quais o cantor e compositor Chico Buarque, o escritor Fernando Morais, as atrizes Lucélia Santos e Dira Paes, o ator Gregório Duvivier, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira e os comentaristas esportivos Juca Kfouri e Walter Casagrande, todos personalidades relevantes da esquerda brasileira. Com 133 páginas, os autores citam ataques contra a imprensa, direcionamento ideológico de recursos no audiovisual, más condutas na área ambiental e atuação falha do governo durante a epidemia da covid-19 como motivos suficientes para caracterizar crime de responsabilidade.
Não é o primeiro nem será o último pedido de impeachment, porque não há a menor possibilidade de Maia acolher a proposta e abrir o processo agora. Houve até um momento em que um amplo conjunto de forças cogitou afastar Bolsonaro da Presidência, diante da agressividade com que atacava os demais poderes e mobilizava seus partidários contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas não o suficiente para transformar essa ideia num fato político concreto, não havia nenhuma garantia de que a iniciativa seria uma solução para a crise institucional iminente; pelo contrário, a possibilidade maior era que legitimasse a retórica autoritária e golpista de Bolsonaro e seus partidários.
Em política, entretanto, tudo tem suas consequências. Descolada de uma conjuntura favorável, sem povo na rua, a proposta submete o presidente da Câmara a um desgaste desnecessário, ao engavetar ou arquivar o pedido, e expõe a fraqueza da oposição na Câmara. Além disso, partindo de setores que classificaram o impeachment de Dilma Rousseff como um “golpe de Estado”, deslegitima essa narrativa, porque o reconhece esse instituto como um mecanismo constitucional legítimo para afastar um presidente da República incapaz. Não existe impeachment legítimo de direita ou de esquerda, o crime de responsabilidade tem amplo espectro, e o impeachment é um julgamento político previsto na Constituição.
Para usar uma linguagem futebolística, a oposição perdeu o tempo da bola. Bolsonaro safou-se desse risco quando recuou da escalada contra o Supremo Tribunal Federal (STF). As investigações em curso na Corte sobre as ameaças aos seus ministros e ao próprio tribunal e sobre as fake news chegaram muito perto do gabinete do presidente da República, envolvendo seus familiares, assessores e aliados próximos. A prisão do seu amigo Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa fluminense, teve um efeito catalisador no processo político: Bolsonaro foi obrigado a recuar; ao mesmo tempo, isso desanuviou o cenário adverso nos demais poderes.
Pandemia
Nesse processo, os militares do Palácio do Planalto conseguiram operar uma aliança com os partidos do Centrão, na base do velho toma lá, dá cá, que garantiu a Bolsonaro uma base parlamentar em condições de barrar qualquer proposta de impeachment. Os grandes partidos tradicionais — MDB, DEM e PSDB —, que não haviam aderido ao impeachment, se encarregaram de moderar o debate na Câmara e sepultaram de vez essa possibilidade a curto prazo. A estratégia desses partidos é manter a autonomia do Congresso e conviver com Bolsonaro, aos trancos e barrancos, até as eleições de 2022.
Só há uma variável que pode reacender a chama do impeachment antes disso: a pandemia da covid-19 sair completamente do controle, e o país o país entrar em colapso econômico. O Brasil, logo logo, ultrapassará 2 milhões de casos confirmados e 100 mil mortos. A média móvel de mortes continua num patamar acima de mil, e mais de 29 mil infectados por dia. É muita coisa. O relaxamento desordenado e descoordenado da política de distanciamento social ainda pode ser desastroso para os estados onde a epidemia estava entrando em descenso. O Distrito Federal e nove estados apresentaram alta de mortes: PR, RS, SC, MG, GO, MS, RO, TO e CE.
O desgaste de Bolsonaro, porém, está sendo mitigado pela estratégia de pôr os militares à frente do Ministério da Saúde, responsabilizar o Supremo, os governadores e os prefeitos pelo fracasso no combate à pandemia e naturalizar o número de mortes, banalizando o conceito de grupo de risco, idosos e portadores de comorbidades. De certa forma, a polêmica entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e os militares da ativa, liderados pelo ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, traz no seu bojo essa questão.
O ministro põe o dedo na ferida ao afirmar que a presença de quase três dezenas de oficiais e um general da ativa no comando interino do Ministério da Saúde é uma extravagância administrativa. O uso do termo genocídio pelo ministro, porém, foi um exagero. A dura cobrança de retratação do vice-presidente Hamilton Mourão, ontem, refletiu o estado de ânimo da corporação, mas é chumbo trocado na política. Quem está nela não pode ter canela de vidro.