Luiz Carlos Azedo

Nas Entrelinhas: O comunista e o empreiteiro

Condenado a quase 20 anos, o maior empreiteiro do país responde a outros processos e corre o risco de mofar na prisão.

O deputado comunista Fernando Sant’Anna (1915-2012) era amigo do peito do empreiteiro Norberto Odebrecht (1920-2014). O primeiro era filho do Coronel Pompílio de Sant’Anna, patriarca da tradicional família de Irará, no interior da Bahia, à qual se refere Gilberto Gil no Baião Atemporal (uma homenagem ao produtor musical Roberto Sant’Anna, um dos criadores da Tropicália). A família se dividia em dois ramos políticos: um udenista e outro comunista.

Pernambucano, Norberto era filho de Emílio Odebrecht, que se mudaria para Salvador, na Bahia, área metropolitana promissora para o mercado da construção civil. Era bisneto de Emil Odebrecht, um engenheiro e cartógrafo alemão, que emigrou para o Brasil em 1856. Após se formar na Escola Politécnica da Bahia, em 1944, fundou a empresa de construção que deu origem ao que é hoje a Organização Odebrecht, sediada na capital baiana.

Norberto dividia o escritório que o coronel Pompílio havia bancado para o filho Fernando, seu amigo e colega de turma, recém-formado no curso de Engenharia Civil da então Escola Politécnica da Bahia. Santana, como assinaria na política, era um jovem líder estudantil, militante do Partido Comunista, que havia se reorganizado clandestinamente durante a ditadura de Vargas.

Enquanto Norberto erguia seu império, Santana se dedicava à política. Era fundador da UEB (União dos Estudantes da Bahia) e foi o primeiro presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), eleito em 1942. Tornou-se engenheiro-chefe do Segundo Distrito da Aeronáutica (Bahia e Sergipe), em 1945; depois, foi chamado a trabalhar como assessor direto do educador Anísio Teixeira, no governo de Octávio Mangabeira, como engenheiro-chefe encarregado da “Planificação e Construção de Escolas Públicas”.

Fernando Sant’Anna foi eleito deputado federal em 1959. Sua campanha foi financiada pelo amigo Norberto. Em 1964, cassado pelos militares, se exilou no Chile, na União Soviética e na Iugoslávia. Durante esses anos, contou com a ajuda do amigo. Anistiado em 1979, voltou ao Brasil e foi eleito deputado federal pelo PMDB em 1982; em 1986, foi eleito para a Constituinte pelo PCB. As duas campanhas foram financiadas pela Odebrecht. Norberto chamava um dos engenheiros de sua empresa, comunista como Santana, e perguntava: de quanto é que o Fernando vai precisar para a campanha? Santana nem tomava conhecimento do problema. E passou ao largo do escândalo da CPI do Orçamento, no qual a Odebrecht esteve envolvida. Morreu aos 96 anos, na sua Irará, vítima de infarto. Era o presidente de honra do PPS. Não deixou fortuna para os herdeiros.

Outra geração
Ontem, a Justiça Federal condenou o empresário Marcelo Odebrecht a 19 anos e quatro meses de prisão por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato (corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa). O juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, foi duríssimo: “há um conjunto de provas muito robusto que permite concluir, acima de qualquer dúvida razoável, que o pagamento das propinas pelo Grupo Odebrecht aos agentes da Petrobras, com destinação de parte dos valores a financiamento político, não foi um ato isolado, mas fazia parte da política corporativa do Grupo Odebrecht, e que Marcelo Bahia Odebrecht foi o mandante dos crimes praticados mais diretamente pelos executivos Márcio Faria da Silva, Rogério Santos de Araújo, Cesar Ramos Rocha e Alexandrino Alencar (…)”.

Neto de Norberto e filho do casal Emílio Alves Odebrecht (fundador da Braskem) e Regina Bahia, Marcelo liderou a era de ouro do grupo familiar, que tem 15 divisões e presença em 21 países. Ele sucedeu seu pai, Emílio, no fim de 2008, em meio à crise financeira global, aos 40 anos. Engenheiro formado na Bahia, fez mestrado em Lausane, na Suíça. É o maior empregador do país e líder de um dos cinco principais grupos privados nacionais. Sua ascensão coincide com o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pretendia transformar o Brasil em potência global através da promoção de empresas nacionais.

Nem de longe sua relação com Lula se compara à de Léo Pinheiro, o ex-presidente da OAS, mas, desde que assumiu o comando da empresa, a Odebrecht obteve do BNDES R$ 5,8 bilhões em empréstimos para financiar projetos do grupo no exterior, como o Porto de Muriel, em Cuba. Nos bastidores da Lava-Jato, diz-se que negocia com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro a possibilidade de fazerem acordos de delação premiadas simultâneos, para salvar as duas empresas. O maior empreiteiro do país responde a outros processos e corre o risco de mofar na prisão.

Por: Luiz Carlos Azedo

Fonte: Correio Braziliense


Nas Entrelinhas: O “Bom Burguês”

De todos os executivos presos, Léo Pinheiro era considerado pelos políticos o mais “boa praça” no trato. Não é à toa que se relacionava pessoalmente com o ex-presidente Lula.

Jorge Medeiros Valle, bancário carioca, é um dos personagens mais controvertidos da esquerda que optou pela luta armada durante o regime militar. Sua história virou filme, cujo nome intitula a coluna, estrelado pelo falecido ator José Wilker, uma versão glamourizada de sua vida, que mais tarde foi desnudada na dissertação de mestrado da professora Valesca de Souza Almeida. Funcionário do Banco do Brasil, Valle foi preso em julho de 1969, quando os órgãos de segurança do regime militar descobriram que ele havia desviado 2 milhões de cruzeiros novos da agência em que trabalhava, para financiar organizações clandestinas dedicadas à luta armada contra a ditadura militar.

O “Bom Burguês”, como ficaria conhecido, cumpriu pena de seis anos na Ilha das Flores. Foi condenado novamente em 1975, mas exilou-se no México com a sua família, a fim de escapar de uma nova temporada no cárcere. Embora a sua trajetória tenha pontos em comum com a de outros militantes da luta armada, tinha um perfil completamente distinto dos jovens que haviam optado por pegar em armas na clandestinidade. Manteve a aparência de vida normal para um burocrata. A partir da sua entrada para o Banco do Brasil, em 1952, atuou como sindicalista, chegando a pensar em se candidatar a presidente do Sindicato. Depois do golpe militar de 1964, porém, afastou-se do sindicato e ligou-se ao PCBR, uma dissidência do antigo PCB liderada pelos dirigentes comunistas Mario Alves, assassinado na prisão em janeiro de 1970, e Apolônio de Carvalho, que mais tarde viria a ser um dos fundadores do PT.

Como exercia uma função subalterna no banco, mas de confiança dos gerentes na compensação bancária, arquitetou um plano simples para desviar dinheiro para a guerrilha urbana. Abria contas em pequenos bancos e emitia cheques na agência em que trabalhava para essas contas. Quando o cheque chegava na compensação, ele não debitava a agência, mas trocava o cheque falso, que destruía, por uma ordem de pagamento, que ele mesmo recebia. Ou seja, através da ordem de pagamento que substituía o cheque falso, fornecia um crédito a ele mesmo, recebido em outro banco, fazendo com que a operação gerasse uma dívida para o Banco do Brasil.

O “Bom Burguês” é uma referência para analisar o caso de outro personagem, o empresário José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, dono da OAS, que negocia delação premiada com investigadores da Procuradoria-Geral da República (PGR) responsáveis pela Operação Lava Jato. Um dos empresários mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele deve contar detalhes sobre o esquema de corrupção na Petrobras e sobre as obras feitas pela empreiteira em imóveis de Atibaia e do Guarujá para a família do petista. Ou seja, é um homem-bomba.

A Polícia Federal apreendeu mensagens de celular trocadas por Léo Pinheiro com outros executivos e dezenas de políticos. Condenado a 16 anos e quatro meses de prisão por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras, Pinheiro aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a respeito. A Corte tem confirmado decisões tomadas pelo juiz Sérgio Moro no primeiro grau. Preso preventivamente na Lava-Jato em novembro de 2014, com outros empreiteiros do país, foi solto no ano passado, por ordem do Supremo Tribunal Federal, sem concretizar a colaboração, mas agora corre o risco de voltar para a cadeia após a decisão do TRF-4.

De todos os executivos presos, Léo Pinheiro era considerado pelos políticos o mais “boa praça” no trato. Não é à toa que se relacionava pessoalmente com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de maneira diferenciada. Ao lado de Marcelo Odebrecht, Otávio Andrade e Ricardo Pessoa, era um dos comandantes do cartel de empreiteiras que desviava recursos da Petrobras por meio de contratos superfaturados, em troca de polpudas doações eleitorais para o PT e outros partidos da base do governo. Mas o que tem a ver a história de Jorge Medeiro do Valle, que amargou prisão e exílio, com a de Léo Pinheiro, que fez carreira à sombra do regime militar? Pessoalmente, nada. A concepção das organizações políticas envolvidas nos dois casos, porém, é a mesma. O desvio de recursos do Banco do Brasil para a luta armada foi considerado tão legítimo quando as doações eleitorais alimentadas pela corrupção na Petrobras. Em ambos os casos, porém, trata-se do desvio de dinheiro público.

Esse é o xis da questão da Operação Lava-Jato, que agora investiga o financiamento das campanhas eleitorais de 2006, quando Lula se reelegeu, e de 2010 e 2014, que levaram Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. Otávio Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, por exemplo, afirmou à Lava-Jato que negociou com o ex-ministro Antônio Palocci o pagamento de R$ 6 milhões para o caixa dois da campanha de Dilma em 2010. No acordo de delação, Azevedo disse que o repasse foi feito via contrato fictício com uma agência de comunicação que atendia ao PT. Mais cedo ou mais tarde, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) terão que se pronunciar sobre a verdadeira natureza das doações.

Por: Luiz Carlos Azedo

Fonte: Correio Braziliense