Luiz Carlos Azedo

Luiz Carlos Azedo: O pior já passou

O país tem estabilidade monetária e produção crescente, o que favorece os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão

Apparício Torelly, o Barão de Itararé, era um eterno otimista, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. Vem daí uma conversa impagável do próprio Apporely (como também assinava) com o romancista Graciliano Ramos, um dos grandes de nossa literatura, relatada em Memórias do Cárcere (Record), na qual sustentava sua teoria das duas hipóteses. Fundava-se na demonstração de que todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. É o autor de Vidas Secas, o revolucionário ex-prefeito de Palmeira dos Índios, que nos conta a tese do Barão:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.”

Naquela época não havia delação premiada, nem tornozeleira eletrônica, mas a tese de Barão não deixa de ter serventia para quem hoje está em cana por causa da Lava-Jato, mesmo os que foram frustrados pelo indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer e suspenso pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Vale também para quem foi condenado ou está em prisão preventiva, ou mesmo no caso de uma condução coercitiva. E para os que aguardam julgamento em segunda instância em liberdade, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda pode entrar em cana se for condenado em segunda instância, logo depois do ano-novo, pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Ressalva importante: Graciliano e o Barão foram presos por fazer oposição à ditadura de Getúlio Vargas, não por crime comum.

Otimismo
Mas, deixando esse assunto de lado, o pior já passou para a maioria da população por várias razões objetivas, que não têm nada a ver com essa teoria do Barão. Primeiro, do ponto de vista político, por mais confusa que seja a situação, ainda temos a certeza de que o calendário eleitoral está mantido e haverá eleições gerais em 2018. Assim, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República serão eleitos ou reeleitos, o que depende da vontade popular. Ou seja, nossa democracia sobreviveu à crise do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com galhardia, o que faz da narrativa do golpe, cada vez mais, uma simples retórica de quem perdeu o poder por várias razões, porém, a principal foi incompetência política mesmo.

Segundo, a Lava-Jato continua firme e forte, mas sem exageros. É o que podemos deduzir da aparente barafunda jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), que às vezes se comporta como biruta de aeroporto. Gradativamente, seja em razão da troca de guarda no Ministério Público Federal, seja por causa da mudança de composição da própria Corte, o equilíbrio entre os poderes e o respeito às prerrogativas dos réus estão sendo observados, apesar de muitas vezes certas decisões darem a impressão de que vão sepultar a operação. Não é o caso. A atuação de Raquel Dodge à frente da PGR está mostrando isso. Com os julgamentos dos políticos, surgirá uma luz no fim do túnel da crise ética.

Terceiro, a economia reage positivamente, num ritmo ainda lento, mas firme. A inflação caiu abaixo de 3%, os juros estão baixos e a atividade econômica voltou a crescer. Apesar da queda do nível de emprego de novembro, o saldo da geração de empregos em 2017 é positivo e as expectativas são de que o país tem um horizonte de estabilidade monetária e produção crescente, o que deve favorecer os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão. Feliz ano-novo!


Luiz Carlos Azedo: Indulto da discórdia

O decreto está restrito à competência do presidente Temer ou realmente viola os princípios da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal?

O indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer, que ampliou os benefícios para presos que cumpriram pelo menos um quinto da pena, e sua suspensão parcial pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, puseram o Executivo e o Judiciário em rota de colisão. Com o agravante de que foram decisões solitárias, contra e a favor da Operação Lava-Jato, que trouxeram a crise ética para o centro do noticiário político novamente. Atribuição do presidente da República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, é um perdão de pena, concedido todos os anos.

A presidente do Supremo aceitou os questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que na quarta-feira havia protocolado ação no STF para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. A decisão de Temer havia provocado forte reação dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Agora, caberá ao ministro Roberto Barroso, relator do caso, apreciar a liminar e encaminhar o assunto ao plenário do Supremo, em fevereiro.

Cármem Lúcia foi dura na crítica ao decreto de Temer: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”. Segundo a ministra, “não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. O indulto de Natal teria o objetivo de beneficiar políticos e outros condenados pela Lava-Jato que estão cumprindo pena, o que gerou forte reação do Ministério Público Federal.

No ano passado, as regras de concessão do benefício já haviam sido flexibilizadas por Temer, ao beneficiar com o perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Neste ano, Temer não definiu um período máximo de condenação para que o detento obtenha o perdão presidencial, ampliando o raio de alcance do indulto. Além disso, o decreto do presidente da República reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para presos não reincidentes, que estavam nesta situação no Natal.

A polêmica jurídica é sobre a natureza do decreto, se ele está restrito à competência do presidente da República ou realmente viola os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal. Esse é o questionamento que acabará no plenário do Supremo, no pressuposto de que se trata de matéria constitucional.

Lava-Jato

Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se Temer tivesse poder absoluto sobre o indulto, “aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira.” Um dos pontos mais criticados por ela foi o perdão das multas aplicadas aos réus nos crimes de colarinho branco; outro, a redução das penas, pois uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa.

O decreto de Temer teve repercussão negativa na opinião pública, mas foi bem recebido nos meios políticos e em parcela do mundo jurídico que questionam a atuação do Ministério Público Federal. Na prática, a decisão está em linha com a ala do Supremo Tribunal Federal liderada pelo ministro Gilmar Mendes, que vem questionando duramente a atuação dos procuradores federais e dos juízes de primeira instância que atuam na Lava-Jato.

Conduções coercitivas, prisões preventivas, longas condenações, até mesmo as delações premiadas, tudo vem sendo criticado pelo ministro e as grandes bancas de advocacia que defendem os réus da Lava-Jato. Além disso, o Supremo Tribunal Federal está muito dividido. A decisão de ontem de Cármem Lúcia, por exemplo, não tem nenhuma garantia de que será referendada em plenário.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Não é só comida

Por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer

Talvez o melhor resultado do governo Temer em 2017, percebido com certeza pelas famílias de baixa renda na ceia deste Natal, tenha sido a redução do preço dos alimentos, da ordem de 5,2%, para um IPCA de 2,7%, em comparação com o ano passado, que registrou uma inflação da alimentação de 9,4%. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, a inflação desse segmento chegou a 12,9%, o que explica em grande parte o enorme descontentamento popular com o governo da petista. Entretanto, por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer, que continua baixa.

Não foi uma redução qualquer. O peso maior da queda do custo dos alimentos foi dentro de casa, ou seja, nos produtos adquiridos nas feiras e nos supermercados, que chegou a 5,1%, enquanto a inflação fora do domicílio (bares, restaurantes) foi de 3,5%. Essa oportunidade de ouro para Temer capitalizar o êxito de sua política monetária foi desperdiçada porque o governo demorou a se dar conta do fenômeno e não encontrou nenhum símbolo que popularizasse a redução do preço da comida, como aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com Plano Real, quando o frango passou a custar R$ 1 o quilo. Neste Natal, um frango inteiro temperado estava custando mais de R$ 20.

A expressiva queda do preço dos alimentos foi sazonal. O clima excepcional influenciou o aumento da safra e a consequente redução dos valores. Entretanto, isso não justifica uma expectativa pessimista em relação a 2018. Os efeitos da redução da taxa de juros se farão sentir na retomada da atividade econômica, ainda que a geração de empregos seja mais lenta, por causa da capacidade ociosa da indústria e do desemprego estrutural causado pelas mudanças tecnológicas. Segundo os especialistas, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 será explicado, principalmente, pela maior expansão do consumo das famílias e da taxa de investimentos.

A popularidade do governo, porém, dependeria do mercado de trabalho. A taxa de desemprego diminuirá de 12,7% em 2017 para 12% em 2018 e para 11,6% em 2019. É pouco para enfrentar o problema da exclusão social e da perda de renda das famílias, embora tenha ocorrido — para surpresa geral — uma recuperação da massa salarial, o que também explica o aumento do consumo das famílias. A baixa inflação (IPCA) em 2017 diminuirá o valor dos reajustes salariais em 2018, mas o crescimento da massa salarial real já é de 2,4% em 2017; será de 3,9% em 2018 e de 3,7% em 2019.

Ano eleitoral
No próximo ano, a maior incerteza em relação ao desempenho da economia é a eleitoral, porque os agentes econômicos temem uma mudança de rumo em relação à política econômica, atacada pelos dois principais protagonistas do processo sucessório até agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se comporta como se o seu populismo não tivesse nada a ver com o desastre econômico do governo Dilma Rousseff, e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), que defende um nacionalismo estatizante. A blindagem da política econômica também é fragilizada pela pré-candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), o que já vem provocando reações negativas de agentes econômicos.

Nada disso, porém, afasta o presidente Michel Temer de dois objetivos: a reforma tributária, que seria uma simplificação e não necessariamente a redução de impostos, e a reforma da Previdência, que muitos consideram uma missão impossível num ano eleitoral. O grupo palaciano acredita piamente que as duas reformas terão tamanho impacto na economia e que a imagem do presidente Michel Temer começará a mudar significativamente para melhor. O povo, porém, não quer só comida.


Luiz Carlos Azedo: A festa dos perus

O grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros

Um velho ditado da política diz que não se convida os perus para a festa de Natal. É mais ou menos o que se tentou fazer na reforma política, por meio das redes sociais e dos movimentos políticos emergentes, com os grandes partidos brasileiros, sem sucesso. O que aconteceu no Congresso, pressionado pela crise ética, com centenas de políticos enrolados na Operação Lava-Jato, não foi um se salve quem puder, como muitos esperavam. O que houve foi uma verdadeira contrarreforma política, com a ajuda imprevidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao proibir as doações de pessoas jurídicas sem que se modificasse antes o sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital, simples ou misto.

Como naquele velho samba do Cláudio Camunguelo, Meu Gurufim — “eu vou fingir que morri, pra ver quem vai chorar por mim” —, as raposas do PMDB, PT, PSDB e DEM, principalmente, lideraram as modificações nas regras do jogo para beneficiar os grandes partidos e seus caciques. O surgimento de agremiações a partir dos movimentos de renovação política existentes nas redes sociais se tornou inviável, pois o sistema partidário foi congelado. Não há possibilidade do surgimento de um Emmanuel Macron, o novo presidente francês, à margem dos partidos já existentes. Mesmo entre eles, o grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros.

A campanha no rádio e na TV, somados o horário eleitoral e as inserções, terá duas horas de duração por dia; os programas partidários, teoricamente criados para proporcionar o debate, foi reduzido de 50 minutos para 25 minutos, divididos em dois blocos de 12’30”, três vezes por semana, para presidente e deputado federal. O que fará a diferença são as inserções, cujo tempo total aumentou de 30 minutos para 70 minutos, em partes iguais para candidatos majoritários e proporcionais. A alocação do tempo das inserções entre os candidatos ficará a critério do partido ou da coligação. Dos 35 minutos destinados aos candidatos às eleições majoritárias, os partidos poderão alocar, por exemplo, 60% para o candidato a presidente e 40% para o candidato a governador.

Assim, o tempo máximo de propaganda no rádio e na TV alocado à campanha do candidato para presidente será de 7’22” nos dias com horário eleitoral para presidente (terças, quintas e sábados) e 4’18” nos dias sem horário eleitoral para presidente (segundas, quartas e sextas), se 100% do tempo das inserções para propaganda de eleições majoritárias for alocado para o candidato a presidente da República. Teoricamente, essa seria uma grande vantagem estratégica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT.

Tamanho é documento
Somados, dez partidos ocupariam 73% do horário eleitoral. O PMDB teria até 7’03” de tempo se lançar candidato próprio. PSDB, 5’54”; PP, 4’3’’; PSD, 4’0’’; PR, 3’47’’; PSB, 3’47’’; PTB, 2’51”; DEM e PRB, 2’25”. Em contrapartida, Ciro Gomes, do PDT, teria 2’19”. O PPS, caso resolva lançar a candidatura de Cristovam Buarque, disporia de 1’16”. Marina Silva, da Rede, teria no máximo 13 segundos para campanha. Jair Bolsonaro, se resolver suas pendências com o Patriotas ou o Livres, teria 25 ou 19 segundos, respectivamente. Esses candidatos somente compensariam a desvantagem se coligando com alguns dos grandes partidos.

Pior é a distribuição dos fundos de financiamento público. O PT receberá R$ 118,7 milhões do fundo partidário e mais R$ 205 milhões do fundo eleitoral; PSDB, R$ 97,2 milhões mais R$ 179 milhões, respectivamente; PMDB, R$ 94,7 milhões mais R$ 238 milhões, respectivamente; PP, R$ 56,9 milhões mais R$ 132 milhões. Quem receberá menos, entre os grandes, será o PTB: R$ 35,2 milhões do fundo partidário e R$ 57 milhões do fundo eleitoral. Entretanto, a Rede, de Marina Silva, embora tenha sido a terceira colocada em duas eleições (na última, particularmente, foi inegavelmente prejudicada pelo abuso de poder econômico), contará com R$ 1,3 milhão do fundo partidário mais R$ 11 milhões do fundo eleitoral para todas as suas despesas de 2018, incluída a campanha eleitoral. É ou não é a festa dos perus?


Luiz Carlos Azedo: Lula na ofensiva

Agora, quem está na berlinda por causa da Operação Lava-Jato são o núcleo palaciano do PMDB e a cúpula do PSDB

Seriamente ameaçado de uma condenação em segunda instância por causa do caso do triplex de Guarujá, que será julgado no dia 24 de janeiro pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu um grupo de jornalistas ontem em São Paulo para uma entrevista na qual partiu pra cima de seus acusadores e desafiou a Justiça a condená-lo. “Minha condenação será a negação da Justiça. A Justiça vai ter que fazer esforço monumental para transformar mentira em verdade e para julgar pessoa que não cometeu crime. A sentença do juiz Moro, aos olhos de centenas de juristas, é quase uma piada. Tenho tranquilidade de ser absolvido. Eu peço uma única prova. Estamos vivendo anomalia jurídica e política”, disse.

A conversa de Lula com os jornalistas foi uma tentativa meio desesperada de politizar o julgamento e evitar a condenação em segunda instância, que poderia levá-lo à prisão e afastá-lo do pleito do próximo ano com base na Lei da Ficha Limpa. Mesmo que seja condenado, Lula pode ainda evitar a prisão com um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), cuja jurisprudência sobre o assunto está sendo revista pela maioria dos ministros, sob a liderança de Gilmar Mendes. Quanto à inelegibilidade, tudo será mais difícil, pois a Lei da Ficha Limpa não dá margem para uma jurisprudência que o beneficie. Lula optou por pressionar os desembargadores federais que vão julgar o seu caso, o que pode não ter sido uma boa ideia.

A entrevista corrobora a estratégia de confrontação com o Judiciário aprovada pelo Diretório Nacional do PT, que caracteriza a eleição sem o petista como uma fraude: “O ataque a Lula configura um ataque à democracia brasileira, especialmente, ao direito inviolável de escolha da cidadã e do cidadão”. Segundo a resolução, “Lula é inocente de todas as acusações urdidas pela mídia e manipuladas por setores do sistema judicial, que afrontam o Estado de direito numa campanha de perseguição política e pessoal jamais vista na história do Brasil. As armações processuais, a parcialidade do juízo, o desrespeito ao direito de defesa, as falsas delações negociadas nas celas de Curitiba; nada disso tem valor jurídico para condenar, sem provas, um homem que sempre agiu dentro da lei”, afirmam.

Tanto na entrevista, como na resolução política, o tom é de confrontação com o Judiciário. O PT se beneficia de um ambiente político que hoje é mais desfavorável aos seus adversários. Agora, quem está na berlinda por causa da Operação Lava-Jato são o núcleo palaciano do PMDB e a cúpula do PSDB, que também se articulam nos bastidores do Congresso e do Judiciário para enfraquecer as investigações. De certa forma, as últimas pesquisas fortalecem essa estratégia, porque Lula continua sendo o candidato favorito às eleições de 2018. Ficou mais fácil para o PT construir a narrativa de que o processo de Lula é uma farsa montada para impedir que seja candidato a presidente da República.

Pesquisas
Os adversários de Lula estão patinando. O Ibope divulgado ontem mostra que os êxitos do governo Temer na economia ainda não foram capazes de produzir uma melhora significativa na sua popularidade, que subiu apenas de 3% para 6%. Para 19% da população, o governo é regular e 74% o consideram ruim ou péssimo. Com esse resultado, nas enquetes eleitorais, Lula cresce em direção ao centro, enquanto Bolsonaro polariza o eleitorado antipetista.

A situação do PSDB também não é nada fácil. Embora a imagem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não tenha sido atingida por nenhuma acusação frontal, o mais novo escândalo derivado na Lava-Jato ronda o Palácio dos Bandeirantes, em razão do acordo de leniência da Camargo Correia, que denunciou a existência de um cartel de empresas que atuava na construção de sistemas de metrô em vários estados, entre os quais São Paulo.

Ontem, durante visita a Sorocaba (SP), Alckmin reagiu à situação anunciando que seu governo acionará a Justiça para que os cofres públicos sejam ressarcidos. “O estado é, sim, vítima. E todas as empresas vão ressarcir ao Estado. Nós já determinamos à Procuradoria-Geral do Estado e à Corregedoria e Controladoria-Geral que todas as empresas sejam acionadas, e o estado vai ser ressarcido”, disse Alckmin. Para reforçar a importância dessa decisão, citou a vitória da sua administração na Justiça no caso Alston: “o governo recebeu uma indenização de R$ 60 milhões de uma empresa só.”


Luiz Carlos Azedo: A luta certa

Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lança o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer

Há cinquenta anos, mais precisamente no dia 13 de dezembro, realizava-se às margens da Represa Billings, em São Paulo, uma reunião política que selou o destino da oposição ao regime militar. Entre os participantes, ex-militares que haviam participado da Coluna Prestes, da Aliança Nacional Libertadora e da Intentona Comunista de 1935, se bateram contra o Estado Novo na clandestinidade, lutaram na Guerra Civil Espanhola e nos campos da Itália como voluntários da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Mesmo derrotados em 1964, disseram não à luta armada. Ao lado de sindicalistas, intelectuais, estudantes e ex-parlamentares, apostaram na organização e autonomia da sociedade civil e na articulação de uma ampla frente política com os liberais para restabelecer a democracia no Brasil.

O 6º Congresso do PCB se realizou em condições dramáticas. O serviço de inteligência da Marinha, o Cenimar, sabia da realização do congresso, porque havia infiltrado um agente entre os delegados de Pernambuco, que fora identificado e isolado ao chegar no Rio de Janeiro. Sua realização, porém, foi noticiada pelo Jornal do Brasil. Poucas pessoas conheciam o local do congresso, um acampamento no meio da mata, camuflado, para que não ser identificado por observação aérea. O ex-cabo Giocondo Dias, secretário de organização, e o ex-tenente-aviador Dinarco Reis, que havia lutado na Espanha e na Resistência Francesa, organizaram o congresso, cujo objetivo era rechaçar a aventura militarista defendida pelo líder comunista Carlos Marighela, que havia rompido com o PCB e comandava a guerrilha urbana no Brasil.

Um episódio dramático quase pôs tudo a perder. Salomão Malina, herói de Montese, na Itália, condecorado com a Cruz de Combate de 1a. Classe, que mais tarde seria secretário-geral do PCB, sofreu um grave acidente ao testar uma granada fabricada para a autodefesa do congresso, que lhe arrancou os dedos da mão direita e perfurou seu pulmão. Foi levado em coma para um hospital, clandestinamente, e operado na emergência; depois, removido entre a vida e a morte para não ser preso.

Mesmo assim, o congresso foi realizado. A existência do “aparelho” era desconhecida da vizinhança. Um rio represado abastecia os banheiros e, na cozinha, um forno foi construído para fazer o pão e evitar compras suspeitas nas cidades próximas. Para a eventualidade de “cair” o congresso, alguns dirigentes ficaram de fora, entre os quais Severino Teodoro Melo, outro veterano de 1935, que mais tarde viria a colaborar com os serviços de inteligência do Exército, supostamente após ser preso na década de 1970. O veterano secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, um mito da esquerda brasileira, porém, participou da reunião.

Voluntarismo

O PCB fez autocrítica do seu próprio golpismo e do voluntarismo com que atuou ao combater a “política de conciliação” do governo João Goulart, do qual fez parte. Também fez autocrítica do cupulismo nos sindicatos. Estabeleceu como objetivo a redemocratização do país e não a tomada do poder; a tática adotada foi unir as forças democráticas, em aliança com os liberais, em defesa da anistia e da convocação de uma Constituinte. Foi um caminho bem-sucedido, ao contrário da luta armada, mas gradativo, de acumulação de forças, que resultou nas vitórias eleitorais do MDB, partido de oposição, em 1974, 1978 e 1982, desaguando na campanha das Diretas Já e na eleição de Tancredo Neves, em 1985.

Nesse processo, houve grandes revezes, como a repressão que se abateu sobre o PCB em 1975, numa operação de “cerco e aniquilamento”, com a prisão de milhares de pessoas e o sequestro e o assassinato dos 12 dirigentes do Comitê Central, entre outros militantes assassinados, como Vladimir Herzog. Mesmo depois da anistia de 1979, a perseguição prosseguiu. Em dezembro de 1982, quando tentava realizar o 7º Congresso, no Centro de São Paulo, toda a cúpula do PCB chegou a ser detida. Mas a democratização e a legalidade do PCB já eram uma questão de tempo.

A política de frente democrática derrotou o regime, mas não foi o PCB que chegou ao poder com a democracia. O velho partido fundado em 1922 por Astrojildo Pereira e seus oito companheiros não sobreviveu ao fim da União Soviética, mudou de nome para PPS e abdicou do velho símbolo da foice e do martelo como gesto de ruptura com o passado e adesão incondicional à democracia. Foram os remanescentes da luta armada, como o ex-ministro José Dirceu e a ex-presidente Dilma Rousseff, que ajudaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a organizar o PT e a vencer as eleições de 2002 e 2006. O mesmo voluntarismo que dera errado na luta contra o regime militar fracassou novamente no governo de Dilma Rousseff, eleita em 2010. Reeleita em 2014, jogou o país na maior recessão da sua história com seu experimentalismo econômico e sua inaptidão para o diálogo político. Acabou afastada do cargo pelo Congresso, que aprovou seu impeachment.

Entretanto, esse voluntarismo não morreu. Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lançou o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer. Do outro lado, um saudosista do regime militar e dos tempos do “prendo e arrebento”, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, cresce como alternativa ao suposto “comunismo” petista. Parece até um filme de época, em plena guerra fria. Entretanto, um pouco de História nos ajuda a compreender que existe outro caminho possível.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-luta-certa/


Luiz Carlos Azedo: Emenda das corporações

O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens

O adiamento da votação da reforma da Previdência demonstrou a força das corporações dentro do Congresso, cujo lobby atuou no corpo a corpo com os deputados e por meio de campanhas em rádio e tevê. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou recibo de que estão sendo negociadas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, novas mudanças no texto. A principal é uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram na carreira até 2003. Hoje, esses servidores têm direito à integralidade e paridade, ou seja, conseguem se aposentar com o valor do último salário e têm reajuste igual ao servidor da ativa.

O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, para ter direito aos dois benefícios, o que gerou forte reação dos servidores. Meirelles resiste às novas mudanças, mas admite os estudos: “São ideias que estão sendo veiculadas, mas, na realidade, a proposta que está na mesa é a proposta do substitutivo que não contempla esta modificação. Com isso, teremos tempo para discutir isso com calma.”

O problema do governo é que o lobby da alta burocracia que se aposenta com salário integral é muito poderoso. Ele atua em todos os poderes, em todos os níveis, e tem entidades sindicais e associações profissionais que não sofrem os efeitos da crise, porque esses servidores têm estabilidade no emprego. Magistrados, delegados federais, promotores, auditores fiscais e gestores lideram as pressões. Esse lobby é muito mais eficaz e refinado, por exemplo, do que o dos trabalhadores do setor privado. É capaz de produzir análises e estudos sobre a questão da Previdência que mostram o “outro lado” da questão.

Um dos argumentos é de que o governo se aproveita de uma situação conjuntural, a recessão, para inflar dados e alarmar a população. Os dispêndios totais da Previdência com benefícios, equivalentes a 6,9% do PIB em 2006, viriam revelando uma tendência de queda relativa desde então, só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final de bens e serviços na economia do país. Como o governo diz que pretende estabilizar os gastos da Previdência em 8% do PIB nas próximas décadas, argumentam que a meta já foi ultrapassada.

Na guerra de narrativas, o governo ainda está perdendo, mas o discurso de que o sistema de Previdência tira do pobre e dá para o rico está ganhando terreno. Nas contas do governo, o apoio da população à reforma subiu para 37%. Mais de 50% da população, porém, ainda rejeitaria as mudanças. O efeito colateral da campanha feita pelo governo nos meios de comunicação é a coesão dos servidores públicos federais, que pressionam deputados e senadores. Uma canetada, às vezes, pode inviabilizar um projeto ou deixar um político em apuros.

Na pauta

Ao jogar a votação da matéria para o próximo ano, quando os parlamentares disputarão eleições, a aprovação da reforma será ainda mais difícil. Ela não será votada na próxima semana porque o governo não tem mais do que 240 votos na Câmara para aprová-la. No Senado, a situação também estava complicada. Não foi à toa que o líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), pulou na frente e anunciou que não haveria votação.

A grande dúvida é saber se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai mesmo pôr em votação em 19 de fevereiro. Ele anunciou essa intenção para não sepultar de vez a reforma da Previdência. E desfazer a impressão de que o governo havia capitulado. Ter uma data para votação foi a maneira de evitar uma debandada dos deputados que estavam comprometidos com a reforma e neutralizar o desgaste dos partidos que fecharam questão a favor de aprovação, a pedido de Temer, estressando suas bancadas, mas viram o governo recuar sem avisar aos aliados.

Uma das dificuldades do governo é a posição do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou de manobra a tentativa do governo de responsabilizar o partido pela não votação. Argumenta que a legenda tem apenas 46 deputados de 513. O líder tucano classificou de fictício o fechamento de questão pela Executiva da legenda: “Não existe punição possível para esses casos no estatuto de nenhum partido. Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha. Isso é briga fictícia, fazer de conta que fechou questão e está resolvido. Eu sou favorável à reforma para retirar privilégios. Mas não é fácil aprovar.”

 


Luiz Carlos Azedo: Fora de combate

No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.

Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.

Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.

Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.

Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.

Derrubada

O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.

Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.

 


Luiz Carlos Azedo: Tudo certo, nada resolvido

Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir o rombo

Está tudo combinado para que a base aprove a reforma da Previdência, mas ainda não há segurança de que os deputados vão acompanhar suas lideranças na votação. Não é uma questão de barganha dos partidos da base para ocupar mais espaços na Esplanada, é rebeldia mesmo. Até nas legendas que fecharam questão, o que supostamente daria um “discurso” para os parlamentares em dificuldades com suas bases eleitorais votarem a favor da reforma, a resistência ainda é grande.

Há três tipos de resistências à reforma da Previdência: uma é ideológica, na base do “há governo, sou contra”; outra é corporativa, resultado da pressão das associações e sindicatos de servidores sobre seus representantes no parlamento; a terceira, é puramente fisiológica, de deputados que querem receber verbas e fazer nomeações no governo para votar a favor”. A única chance de aprovar a reforma, que depende de 308 votos a favor em plenário, é o governo aceitar a chantagem do baixo clero e fazer novas concessões em termos de cargos e verbas.

O Palácio do Planalto trabalha para votar a reforma da Previdência nos próximos dias 18 e 19, mas ontem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou dizer que colocará a matéria em votação. Segundo disse ao presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, Maia pretende fazer um balanço da situação ainda hoje. “Não é fácil votar na próxima semana. Se não conseguirmos votar neste ano, esse tema não sai da pauta em hipótese nenhuma”, avalia.

A avaliação de Temer é de que a hora de votar a reforma da Previdência é agora. O presidente da República conseguiu pautar a discussão na sociedade com uma forte propaganda oficial, mas também há uma reação contrária dos servidores públicos. Na opinião pública, a situação já foi muito pior para o governo, que agora consolidou o discurso de que os pobres pagam as aposentadorias dos ricos e que a reforma só vai acabar com os privilégios. Não é bem assim. Alguns direitos dos trabalhadores do setor privado serão perdidos (idade e tempo de contribuição), mas tudo pode ser ainda muito pior se a reforma não for feita.

Bomba relógio

O problema não é ideológico, é atuarial: a conta não fecha. É uma questão de aritmética. A taxa de crescimento da população brasileira é declinante: 0,7% ao ano. A população de aposentados aumenta a uma taxa, crescente, cinco vezes maior. Como financiar a Previdência se o número de jovens decresce e o de idosos aumenta, com base numa formula na qual a pirâmide era inversa?

O deficit do Regime Geral da Previdência, que atende quase 30 milhões de brasileiros, é hoje de R$ 178 bilhões, ou seja, cerca de R$ 6 mil por aposentado. Já o do Regime dos Servidores Públicos, com 1 milhão de pessoas, é 13 vezes maior, ou seja, R$ 78 mil por cabeça. A reforma que o governo propõe foi muito mitigada para reduzir problemas (por exemplo, os militares estão de fora). Com isso, 65% dos segurados não serão atingidos pela mudança. O problema é que os 35% restante são capazes de fazer muito mais barulho e têm poder na máquina do Estado.

Pode-se discutir a culpa por essa situação, criticar o governo por não reduzir o número de ministérios, botar a boca no mundo por causa do fisiologismo e do toma lá dá cá ao qual o governo recorre para tentar aprovar a reforma, mas nada disso desarma a bomba relógio. Os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões de 2017 para 2018. Os gastos em educação, saúde, ciência, cultura e segurança pública serão reduzidos para cobrir esse rombo. É assim que a banda toca.

O risco que o governo corre de pautar a reforma da Previdência é não conseguir a aprovação; nesse caso, sepultará de vez a proposta na atual legislatura e o tema somente voltará à pauta depois das eleições de 2018. Nova discussão será inexorável. É por isso que o presidente da Câmara não vai para o tudo ou nada. “Não vou pautar uma matéria dessas se não tiver clareza de que temos mais de 308 votos. Não é bom para o parlamento e muito menos para o Brasil termos um resultado ruim. Até porque, se expectativa for de derrota, o resultado ainda será pior do que o projetado na votação”, disse Maia. No Palácio do Planalto, porém, a avaliação é menos cautelosa. Acredita-se que marcar a votação da matéria facilitará a mobilização da base, sob pressão dos ministros e líderes dos partidos aliados.

 


Luiz Carlos Azedo: O passado e o futuro

Os elos entre o passado e o presente no Brasil são cheios de surpresas e singularidades. Vejamos, por exemplo, o caso do populismo. As forças que resistiram ao regime militar somente tiveram êxito porque recusaram a centralidade do Estado e buscaram reforçar e organizar a autonomia da sociedade civil na luta pelo restabelecimento da democracia. Feita a transição, porém, mesmo após a Constituinte, o patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo, que sobreviveram a duas modernizações autocráticas, continuaram firmes e fortes e o velho populismo renasceu das cinzas depois do fim da “guerra fria”.

Tanto um quanto outro, porém, entraram em crise com a globalização e as novas relações do Brasil com o mundo em transformação, que cobram uma mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Um novo ciclo está se fechando, mas o novo ainda não se abriu, seja por causa desses laços com o passado, seja em razão de que a nova agenda do país não foi construída. Por onde passa essa agenda? Em primeiro lugar, pela transnacionalização das nossas cadeias produtivas e integração competitiva à economia mundial; em segundo, por um novo pacto entre o Estado, o mercado e a sociedade, no qual a modernização não se dê à custa de mais exclusão e desigualdades regionais; terceiro, pela renovação política e fortalecimento da nossa democracia representativa, o que não é uma tarefa fácil diante das mudanças em curso e da emergência das redes sociais e a crise ética dos partidos.

Esse novo cenário faz com que os sinais sejam trocados. Forças que desempenharam um papel democrático e transformador, com as mudanças em curso, ao se oporem a elas, não no sentido da sua forma específica apenas, mas ao rumo geral, acabam se colocando no papel de elementos reacionários e conservadores, num contexto delicado da vida nacional, em que estamos saindo com êxito de uma das mais graves recessões da nossa história, graças a um governo eficiente do ponto de vista da economia e das relações com o Congresso, mas que opera mais uma modernização sem ser moderno e não goza de popularidade por causa da crise ética.

É neste contexto que vamos às eleições de 2018. Por circunstâncias muito singulares, a coalizão que aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, formada por forças que participavam do antigo governo e da oposição, não consegue se reproduzir como uma alternativa unificada de poder. É curto o prazo que lhes resta para isso. As alternativas postas com mais vigor para a sucessão do governo Michel Temer representam uma recidiva de tendências populistas de direita e de esquerda, um anacronismo em relação não ao futuro próximo, mas ao próprio presente. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o deputado Jair Bolsonaro (que está de saída do PSC para o Patriotas) defendem modelos que se baseiam no fortalecimento do capitalismo de Estado e em velhas teses nacional-desenvolvimentistas. Ambos desdenham da democracia representativa, da liberdade de imprensa e da autonomia da sociedade civil.

Diferenças históricas

Por que será, então, que propostas mais comprometidas com a democracia e as mudanças que o país exige não conseguem se apresentar novo processo como alternativa de poder, ainda? Por dois motivos. Um é a crise do PSDB, que somente agora vê uma luz no fim do túnel, com a eleição do governador Geraldo Alckmin à presidência da legenda, mas que não conseguiu ainda se impor ao conjunto das forças que apoiaram ao impeachment como alternativa real de poder. De certa forma, muito mais do que unir um partido fragilizado pelo envolvimento de alguns de seus líderes mais expressivos na Operação Lava-Jato, com forte repercussão eleitoral em alguns estados, falta ao virtual candidato do PSDB à Presidência da República um projeto político de modernização do país que combata as desigualdades e a exclusão e seja capaz de empolgar a sociedade.

O segundo motivo é o governo de transição. Não somente devido ao enorme desgaste causado pelo envolvimento de alguns dos seus principais ministros na Operação Lava-Jato, mas por causa das divergências entre Temer e seus aliados e os tucanos paulistas, que acabam de desembarcar do governo. Por mais cordiais e cavalheirescas que sejam as relações entre o presidente e o governador paulista, essas divergências são de natureza histórica: em princípio, o PSDB nasceu para negar o PMDB. Mas também não é isso que impede a aliança. É a vontade de Temer e seus aliados de terem seu próprio candidato em 2018, de preferência o próprio, bafejado pelo sucesso de suas reformas, quiçá a da Previdência, por indicadores econômicos como as menores taxas de inflação e de juros em décadas.


Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas

Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão

Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.

Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.

Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.

A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.

Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.

A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.

Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.

Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.

No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-anistia-das-urnas/


Luiz Carlos Azedo: Ponto de inflexão

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada

Digamos que foi um bom acordo de cavalheiros o resultado da brevíssima conversa de ontem, em Limeira (SP), entre o presidente Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que deve assumir o comando nacional do PMDB no próximo fim de semana. “Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do estilo do governador”, como bem explicou Temer o desembarque do PSDB do governo federal sob comando de Alckmin, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Ambos se encontraram para a entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo, mas não avançaram em negociações sobre o futuro.

Aparentemente, há convergência entre ambos quanto a mais crucial das reformas propostas pelo governo Temer, a da Previdência. “Vamos fazer o possível e o impossível para poder aprovar. Teremos reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, que estão entusiasmados. Entusiasmados em nome do Brasil”, exagerou Temer, ao falar sobre o assunto. O planejamento do governo prevê uma maratona de conversas ao longo da semana com lideranças dos partidos que integram a base de apoio de Temer no Congresso Nacional.

Alckmin ainda não fala em nome do PSDB, mas não esconde seu apoio à reforma. Na sexta-feira, em entrevista à Mariana Godoy, fora explícito: “Eu sempre defendi um regime geral de Previdência Social. Não tem sentido você ter um regime de Previdência para quem é funcionário público e outro regime de Previdência para quem é funcionário da indústria, da agricultura, dos serviços, do comércio, nós sempre defendemos um regime geral de Previdência.” Do ponto de vista objetivo, aprovar a reforma da Previdência agora será melhor para quem vier a ser eleito presidente da República em 2018.

Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada, em razão dos desgastes já conhecidos e do desembarque do PSDB. Esse é o cardápio político do almoço deste domingo com os ministros e aliados e do jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No primeiro encontro, fará uma avaliação real da situação e iniciará consultas sobre a nova configuração do governo sem a presença do PSDB na Esplanada; no segundo, o assunto principal e a viabilidade ou não de alinhar a base com a aprovação da reforma.

A economia já mandou recados de que o otimismo ufanista dos governistas sobre a retomada forte do crescimento não se sustentará sem a reforma da Previdência: a Bovespa caiu, a previsão de crescimento do PIB deste ano continua abaixo de 1%. E a Lava-Jato permanece fustigando aliados próximos de Temer, que se livrou de duas denúncias do ex-procurador Rodrigo Janot para continuar no comando do barco, mas não tem condições de recolher os seus náufragos, como os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Ou seja, a crise ética continua sendo a variável predominante na avaliação popular sobre o governo; a economia não terá a menor condição de alterar esse peso da Lava-Jato sem a aprovação da reforma da Previdência, porque as projeções são de que, nesse caso, o crescimento do PIB em 2018 não passará de 2,5%.

O rei do Rio

O procurador regional da República José Augusto Vagos, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou duramente nas redes sociais o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes ao empresário Jacob Barata Filho, que foi solto pela terceira vez. “Chega a ser constrangedor o acesso que esse acusado tem para obter decisão em último grau de jurisdição sem passar pelas demais instâncias, como se desfrutasse de um foro privilegiado exclusivo para liminares em habeas corpus, mesmo sendo acusado de destinar dezenas de milhões de reais aos maiores líderes políticos do Rio, como se isso constituísse crime de menor potencial ofensivo, crime de bagatela.”

Sem entrar no mérito da polêmica jurídica, o fato é que Barata é uma eminência parda da política fluminense e tem enorme poder político na antiga capital federal. Mas é uma ilusão achar que é o único empresário do setor de transportes urbanos que manda e desmanda numa assembleia legislativa e nas câmaras municipais. O padrão de mobilidade urbana do país é um contrassenso total (10% da população ocupam 90% das vias) e reproduz, em maior ou menor escala, a relação entre políticos corruptos e empresários inescrupulosos que os financiam.