Luiz Carlos Azedo
Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência
No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.
Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.
Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.
Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.
Bandeira
Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.
O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.
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Luiz Carlos Azedo: A agenda da transversalidade e a saída pelo centro democrático
O jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político do Correio Braziliense e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), fala da "agenda da transversalidade" necessária para criar uma força política renovadora do chamado centro democrático. O #ProgramaDiferentemostra que ele critica, de um lado, a concepção atual da esquerda brasileira e, do outro, a ideia hegemonista do liberalismo econômico da direita mais tradicional. Assista.
Luiz Carlos Azedo: Convergência democrática
A fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas
Tudo o que foi feito para ultrapassar o regime militar e construir uma democracia duradoura, que servisse de alicerce para garantir o crescimento econômico, reduzir as iniquidades sociais e garantir o exercício pleno da liberdade em nosso país, num prazo relativamente curto, está meio que de pernas para o ar: um vice na Presidência em razão de um impeachment enrolado na Lava-Jato; o Congresso desmoralizado pela corrupção e o fisiologismo e a Justiça atabalhoada, atuando como poder moderador. A crise tríplice (econômica, política e ética) ainda não atravessou o túnel das incertezas, e tudo o que foi feito para criar e aperfeiçoar nossos mecanismos democráticos está sendo posto em xeque pela sociedade. Entretanto, a democracia brasileira resiste, graças à mobilização da sociedade e ao amadurecido e inédito compromisso dos militares com o Estado de direito democrático.
Não é um fenômeno isolado que possa ser atribuído apenas aos nossos desgovernos, muito pelo contrário. Estamos diante de um cenário que tem muitos paralelos com as crises em outros países, e que faz parte da crise das instituições, governos, parlamentos, partidos, sindicatos e movimentos da democracia Ocidental. Com a particularidade de que são agravados por nossos ingredientes nacionais, entre os quais velhas tradições políticas de origem ibérica, como o sebastianismo e o patrimonialismo. E um fato novo em pleno curso: a Operação Lava-Jato, que flagrou políticos, empresários e executivos de estatais e órgãos públicos, a elite dirigente do país, num monumental assalto aos cofres públicos.
Em meio a tudo isso, o governo Michel Temer, fruto do impeachment de Dilma Rousseff, operou com sucesso uma política econômica que nos possibilitou sair da recessão e estabilizou a economia, que hoje apresenta as menores taxas de inflação e de juros desde a redemocratização. Mas isso não significa a superação da crise brasileira, porque as velhas estruturas políticas que a provocaram e estão no centro dos escândalos de corrupção foram blindadas pela recente reforma política e se encastelaram no poder Executivo e no Legislativo. Entretanto, não estão sendo capazes de estabelecer alternativas nas eleições majoritárias, principalmente para presidente da República.
Entretanto, as eleições que se avizinham estão polarizadas por uma direita e uma esquerda de viés autoritário, populista e fiscalmente irresponsáveis, que se digladiam e se retroalimentam nas redes sociais. O que resta de alternativa é a fragmentação do campo democrático, dos setores liberais aos social-democratas. Podemos elencar muitas causas políticas e econômicas desse processo, mas a principal delas é irreversível: a grande mudança em curso na estrutura da sociedade, em decorrência da introdução das novas tecnologias nas estruturas produtivas, entre as quais, a robotização e a inteligência artificial, e a crescente segmentação das classes sociais. Essas mudanças estão no centro da desorganização e da crise da democracia representativa. No mundo!
Pós-liberalismo
Há uma corrida entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, em decorrência da globalização e das mudanças tecnológicas. Enquanto as democracias ocidentais dão sinais de incapacidade de enfrentar sua crise, regimes autoritários do Oriente operam a modernização de suas economias com mais eficiência, a começar pela China, hoje o nosso principal parceiro comercial. As principais respostas políticas a isso foram as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos, preocupantemente regressiva, e a de Emmanuel Macron, na França, que é uma promessa de avanço no sentido democrático. São dois projetos distintos para enfrentar as consequências negativas da globalização.
Com o fim da sociedade industrial, caminhamos preocupantemente na direção de uma sociedade pós-liberal, na qual os valores da igualdade, fraternidade e solidariedade perdem funcionalidade; agravam-se as tendências de exclusão social e as desigualdades. Cada vez mais, menos pessoas serão necessárias à produção, devido à robotização, à automação e à informatização da agricultura, da indústria e do setor de serviços; numa sociedade como a brasileira, tão desigual, os novos padrões de modernização da economia agravarão a exclusão e as desigualdades sociais. Vêm daí as dificuldades para recuperar a geração de emprego, num momento de reaquecimento da economia.
Nesse contexto, a fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas no Estado, na política e na economia. Como lidar com isso? As velhas soluções à esquerda foram tentadas e fracassaram, principalmente em relação às políticas fiscal e industrial, lançando o país na maior recessão de sua história. A alternativa que surge, a partir de uma direita esclarecida, busca resolver os problemas do país a partir das demandas e da lógica do mercado, sem considerar as desigualdades sociais. Construir uma nova maioria da sociedade a favor da modernização da economia, sem considerar a parcela excluída da produção e do consumo, é um projeto politicamente inviável. Mesmo que tenha compromisso com a democracia, não será capaz de sensibilizar a grande massa de deserdados da modernização e barrar o populismo, seja de direita, seja de esquerda.
Do outro lado do centro democrático, a esquerda mais arejada e reformista tropeça nas próprias pernas, ao não romper com velhos dogmas programáticos do desenvolvimentismo e uma visão positivista do Estado. Esses setores também não têm a menor chance de reverter a radicalização política nas eleições se não forem capazes de dialogar e buscar a convergência programática com os liberais, focada no fortalecimento da democracia representativa e no combate às desigualdades. Não é fácil o diálogo entre a esquerda democrática e a direita liberal, que são as forças mais progressistas nesta crise. Mas não há outro caminho viável que não seja a união dessas duas tendências, numa convergência democrática. Separadas,em busca da sua própria hegemonia, serão derrotadas.
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Luiz Carlos Azedo: Projeto continuísta
Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição
Desde que foi lançado o documento “Uma ponte para o futuro” pela Fundação Ulysses Guimarães, o grupo em torno do presidente Michel Temer, nucleado pelos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil) e pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, tem um projeto de poder que não se restringe ao mandato- tampão decorrente do impeachment de Dilma Rousseff. A tese da candidatura à reeleição de Temer é uma decorrência natural desse projeto, a não ser que o governo não consiga reverter minimamente os índices de impopularidade que anulam completamente a possibilidade de chegada ao segundo turno.
Na avaliação desse grupo, reverter essa situação é tudo uma questão de tempo, ou melhor, de percepção pela população dos resultados obtidos pelo governo no combate à recessão e à inflação. A decisão de dar um cavalo de pau na reforma da Previdência, que estava encruada na Câmara, faz parte desse movimento. O governo mudou de agenda e resolveu jogar para a arquibancada na questão mais premente do ponto de vista da sociedade: a segurança. É uma aposta de alto risco, mas capaz de gerar resultados positivos para o governo no curto prazo. As primeiras pesquisas de opinião são a prova disso: no primeiro momento, 83% apoiaram a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
Enquanto o prestígio popular não vem, apesar do fim da recessão, da inflação abaixo de 3% e da taxa de juros em 6,75%, o Palácio do Planalto opera no sentido de ganhar tempo e inibir o surgimento de qualquer candidatura competitiva do chamado “centro democrático”. É uma velha tática de general chinês, para quem a melhor das estratégias numa guerra é neutralizar os adversários, a ponto mesmo de desistirem de ir à luta. É mais ou menos isso que Temer vem fazendo, com a habilidade que adquiriu ao longo de três mandatos à frente da Câmara e uma longeva presença no comando do seu partido.
No momento, as duas ameaças a serem neutralizadas são as candidaturas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A maneira de neutralizar os concorrentes é mantê-los isolados, utilizando a força do governo federal e o poder do MDB para embaralhar e dificultar suas alianças. Essa movimentação vem sendo feita com relativo sucesso, mas irrita os antigos aliados, que percebem os movimentos de Temer.
Quando surge um nome alternativo fora da política nacional, como foi o caso de Luciano Huck, e pode voltar a ser o do prefeito de São Paulo, João Doria, o grupo palaciano comemora. É mais confusão para o PSDB e/ou DEM, que acabam divididos e paralisados pelo diversionismo. Huck já é carta fora do baralho, mas Doria está costeando o alambrado, como diria o falecido governador Leonel Brizola (PDT).
Mas não são apenas os adversários que têm problemas. O MDB continua dividido, embora Temer tenha muito mais poder para unificar a legenda com a caneta cheia de tinta. A velha aliança entre os caciques nordestinos da legenda e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi restabelecida, só não é irreversível porque o petista está inelegível e em vias de ser preso, além do fato de que o PT não tem a mesma força de antes, estando fora do poder. Temer, porém, precisa alavancar sua aceitação popular e vencer as resistências internas para ser candidato.
Em tese, o tempo correria contra o projeto continuísta do Palácio do Planalto, principalmente se a reforma da Previdência fosse derrotada na Câmara, o que decretaria o fim do seu governo. Com a mudança de agenda, esse divisor de águas evaporou. Temer não precisa se desincompatibilizar para concorrer e tem até agosto para decidir o que fará na eleição. Uma coisa é certa, mesmo que não seja candidato, o projeto de poder pode se manter com o lançamento de outra candidatura. O problema é saber quem vai se filiar ao MDB correndo risco de na hora agá não ser o candidato.
Luta de classes
A greve dos juízes federais anunciada ontem, em defesa do auxílio-moradia, é um tiro no próprio pé. É recibo de papel passado do corporativismo da magistratura brasileira e abre a guarda para o recrudescimento das críticas aos juízes de primeira instância. Fragiliza principalmente os juízes responsáveis pelos processos da Operação Lava-Jato, que já estão sob forte ataque de advogados, políticos e até mesmo de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Luiz Carlos Azedo: O sobrevivente
Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, começou articulações para montar seus palanques regionais a partir de entendimentos com os caciques do PSDB. Ontem, em Brasília, ele se reuniu com senadores e deputados da legenda e manifestou a intenção de iniciar as conversas sobre a situação eleitoral de cada estado, a começar por Minas Gerais, onde o “candidato natural” é o senador Antônio Anastasia (PSDB). Alckmin, porém, não conseguiu unificar o seu palanque em São Paulo.
O problema chama-se João Doria, o prefeito da capital, no exercício do cargo há 14 meses. É uma ironia, pois sua eleição se deve à ousadia de Alckmin nas eleições municipais de 2016. A relação entre os dois é de desconfiança, desde quando Doria aproveitou o embalo da própria vitória eleitoral e saiu pelo país como possível candidato a presidente da República. A movimentação agastou a relação entre ambos e somente não foi à frente porque administrar a maior cidade do país não é um passeio pela Avenida Paulista. A queda de popularidade do prefeito nas pesquisas de opinião provocou um recuo de Doria, que também perdeu a possibilidade de se candidatar a presidente pela legenda quando Alckmin assumiu o comando do PSDB.
O sonho de Alckmin era um palanque unificado em São Paulo, que viabilizasse sua aliança com o PSB, a partir do apoio dos tucanos paulistas à reeleição de Márcio França (PSB), o vice-governador do estado. Mas os tucanos paulistas optaram por lançar a candidatura de Doria ao Palácio dos Bandeirantes, o que dificultou a vida de Alckmin. França promete passar o rodo em quem não apoiá-lo e também não pretende sair do PSB. A alternativa que restou foi a dos dois palanques, que costuma ser um foco permanente de crises nas campanhas.
A presença de França como vice de Alckmin é fruto de um cálculo político que deu errado, com a morte do governador Eduardo Campos (PSB), num desastre aéreo, na campanha eleitoral de 2014. Era uma jogada para unir os dois partidos no segundo turno contra Dilma Rousseff, fosse em torno de Campos ou de Aécio Neves (PSDB). França foi um aliado leal e, desde a eleição, não fez outra coisa que não fosse tentar atrair o seu partido para a aliança com Alckmin. Agora, cobra a fatura.
A chave da aliança, porém, é a situação em Pernambuco, onde o PT lançou como candidata uma das netas do ex-governador Miguel Arraes, Marília Arraes. O governador Paulo Câmara (PSB) e a viúva de Eduardo Campos, Renata Campos, sentiram o golpe e tentam se reaproximar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Marília, porém, é pasta fora do tubo; já cresceu nas pesquisas. Minas pode jogar um papel importante na aliança se o PSB apoiar o ex-governador Anastasia e indicar o ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, para vice de Alckmin. O governador do DF, Rodrigo Rollemberg, o ex-governador Renato Casagrande e o ex-deputado Beto Albuquerque são simpáticos à aliança.
Até agora, Alckmin é um sobrevivente entre os caciques do PSDB. Por causa da Lava-Jato, os senadores Aécio e José Serra (SP) mergulharam. O desgaste do envolvimento da legenda nas delações premiadas da Odebrecht e da JBS são enormes. As investigações chegaram ao Metrô de São Paulo e ao Rodoanel, grandes obras realizadas no estado onde o cartel das empreiteiras alimentou o caixa dois eleitoral. Nenhuma denúncia atingiu diretamente o governador paulista, que se manteve longe dos holofotes nacionais, embora seja muito criticado por isso.
Asas
Mas é bom o governador paulista fritar o peixe com um olho no ninho e o outro no gato, no caso, João Doria e o presidente Michel Temer. O prefeito de São Paulo dá sinais de que pode bater asas a qualquer chamado, principalmente se vier do Palácio do Planalto. Por ora, o candidato dos sonhos do grupo palaciano é próprio presidente Michel Temer se a economia mantiver o rumo de retomada do crescimento e a intervenção no Rio de Janeiro der os frutos que esperam. O próprio Temer faz tudo o que pode para embaraçar a candidatura de Alckmin e já andou dizendo que poderia apoiar um “nome novo” na política.
Com a saída de cena de Luciano Huck, a ala tucana insatisfeita com o estilo de Alckmin também já começa a ensaiar o coro “Doria, presidente!”. E o prefeito tem passagem fácil entre os jovens empresários do mercado financeiro que estimulavam o apresentador a se candidatar a presidente da República. Em Brasília, velhas raposas políticas que tiveram um papel importante no impeachment e apoiam o governo não veem essa alternativa com maus olhos, muito pelo contrário. Mas foi por essa razão que Alckmin aceitou a tese dos dois palanques em São Paulo, já que Doria não aguenta mais a prefeitura de São Paulo, melhor que seja candidato a governador.
Luiz Carlos Azedo: Um dia de cada vez
Para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade
“Só por hoje” é o lema dos dependentes químicos que participam de grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos. É a síntese do famoso método dos Doze Passos, criado nos Estados Unidos, em 1935, por William Griffith Wilson e pelo doutor Bob Smith, conhecidos pelos membros do AA como “Bill W” e “Dr. Bob”. Muito difundido no Brasil, é utilizado também por instituições que trabalham com recuperação de outras dependências, como a da cocaína, por exemplo. Começa sempre pelo reconhecimento da impotência para enfrentar a dependência. É mais ou menos essa a estratégia que será adotada pelo Palácio do Planalto na intervenção federal no Rio de Janeiro. Reduzir os indicadores de violência enfrentando o crime organizado com ações a cada dia.
Começou ontem, com as operações de bloqueio e fiscalização das fronteiras e pontos estratégicos do estado, com objetivo imediato de inibir o roubo de cargas, o contrabando de armas e a entrada de drogas. Domingo, no Palácio do Planalto, na reunião com ministros e assessores, entusiasmado com os resultados da pesquisa do Ibope que constatou 83% de aprovação para a intervenção federal, Temer decidiu que as ações deveriam buscar a redução dos crimes que mais geram insegurança na cidade, com ações nos locais de maior incidência e nos setores mais atingidos da economia. Na avaliação do governo, a reestruturação das forças policiais e o combate à banda podre das polícias Civil e Militar somente terão êxito se vierem acompanhados de resultados mensuráveis, que possam ser divulgados à população.
A estratégia “um dia de cada vez” tem tudo a ver com o calendário eleitoral, o projeto de reeleição do grupo palaciano que defende a candidatura de Temer e a necessidade de o presidente da República dar um cavalo de pau na agenda do governo, com o fracasso anunciado do esforço para aprovação da reforma da Previdência. Isso explica os desencontros entre o Palácio do Planalto e o general Braga Netto, comandante militar do Leste, nomeado como interventor federal para comandar a área de segurança, que abrange as polícias Civil e Militar, os bombeiros e o sistema penitenciário. O general interventor foi pego no contrapé pela rebelião no presídio de Japeri, no domingo, que acompanhou a distância. Na segunda-feira, em nota, explicou que ainda aguardava a aprovação do decreto pelo Congresso antes de assumir o comando efetivo do sistema de segurança fluminense.
Foi preciso que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, viesse a público explicar a situação. Político, o ministro deixou claro que o cargo de interventor é civil e que o emprego das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem obedecerá aos comandantes militares. Disse também que a escolha do general se deveu ao fato de que a intervenção se limitou à segurança pública; se fosse mais abrangente, como chegou a ser cogitado, talvez fosse um economista, porque se pensou em intervir nas finanças do Rio de Janeiro. Numa situação dessa, aí seria o caso de o governador Luiz Fernando Pezão, já tão desmoralizado, entregar as chaves do Palácio Guanabara para o presidente da República.
Nos bastidores das Forças Armadas, como nos revelou o editor de Política do Correio, Leonardo Cavalcanti, há muita pressão para que o governo ofereça mais garantias legais para o emprego de forças do Exército, Marinha e Aeronáutica no combate direto aos traficantes. Mesmo com a mudança da legislação, que garante julgamento pela Justiça Militar em casos de processos penais, os militares consideram as salvaguardas insuficientes. Há dois raciocínios embutidos aqui: primeiro, a intervenção é um recurso extremo, que não pode fracassar como missão (há um exagero nisso, pois trata-se de uma ação de curto prazo e emergencial para um problema crônico, que demanda ações estruturantes de quase todas as políticas públicas); segundo, a lógica de guerra, na qual não existe o princípio de proporcionalidade do emprego da força, mas sim o da superioridade e letalidade. Trocando em miúdos, para os militares, não se trata de esperar o traficante atirar para reagir, mas de matar o bandido que estiver ostensivamente armado na primeira oportunidade. Essa salvaguarda não existe. O que pode haver, além do que já existe, é o mandado de busca e apreensão coletivo, pleiteado para permitir que as tropas façam revistas em busca dos esconderijos das armas dos traficantes.
Sucessão
Em meio a essa situação, o Alto Comando do Exército se reuniu ontem para discutir o futuro da Força. Na prática, iniciou-se a sucessão do comandante Eduardo Villas Bôas, que está muito doente, embora exerça plena liderança intelectual e comando efetivo das tropas. Serão escolhidos os substitutos de quatro generais que passarão à reserva em março: Juarez de Paula Cunha (Ciência e Tecnologia), Antônio Mourão (sem função), Theófilo Oliveira (Logística) e João Campos (comandante militar do Sudeste). Agora, o mais antigo oficial do Alto Comando é o general Fernando Azevedo e Silva, chefe de Estado-Maior, que passa a ser o sucessor natural de Villas Bôas, por ser o mais antigo. Ambos são amigos e afinados politicamente, ao contrário de Mourão, que estava afastado da tropa e sem poder de mando desde quando deu declarações admitindo uma eventual intervenção militar, numa reunião da Maçonaria em Brasília.
Luiz Carlos Azedo: Agora, sim. 2018!
Pesaram na decisão de Huck o encerramento precoce de uma carreira bem-sucedida na TV Globo, as pressões familiares e, sobretudo, as incertezas da política
Ainda vão se realizar os desfiles das escolas de samba campeãs do carnaval do Rio de Janeiro e de São Paulo, haverá o rescaldo dos blocos de frevo e maracatu no Recife, muita gente ainda vai atrás dos trios elétricos em Salvador; enfim, carnaval acabou, mas, até o fim de semana, as ruas estarão cheias de foliões. Entretanto, o ano eleitoral começou.
A notícia do dia foi a segunda desistência de Luciano Huck, aquele que sonhou com Ulysses e não atravessou o Egeu, apesar do canto das sereias, isto é, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do presidente do PPS, Roberto Freire (SP). Com a desistência, levaram a melhor, em primeiro lugar, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que já estava sendo “cristianizado” pelos demais tucanos de alta plumagem; em segundo, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que pleiteia a vaga de candidato à Presidência da República do PPS.
Certamente, pesaram na decisão de Huck o encerramento precoce de uma carreira bem-sucedida na TV Globo, as pressões familiares e, sobretudo, as incertezas da política. Huck precisaria de uma aliança robusta para compensar a falta de tempo de televisão e de recursos do PPS caso se filiasse a este partido, o que somente aconteceria se o seu nome roncasse nas pesquisas, o que não aconteceu. Ou, então, filiar-se a um partido maior, como o DEM, mas perderia o charme de candidato do “novo”. Em qualquer das situações, teria que largar em inferioridade de condições, com Bolsonaro à frente, embolado com Marina Silva (Rede) e tendo nos seus calcanhares Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos).
Isso é coisa para profissional da política, não é para principiantes. Qualquer marqueteiro ou especialista em pesquisas não interessado em vender os próprios serviços à campanha diria que esse é um cenário muito adverso, desafiador, ou seja, uma missão para alguém que não tivesse nada a perder nas eleições. Não é o caso de Huck, que teria tudo a perder e nenhuma garantia de que venceria o pleito. Com a desistência do apresentador, a ideia de uma debacle do sistema partidário atual, com um estouro de boiada que possibilitasse a emergência de uma nova e arrebatadora força política, morre praticamente no nascedouro.
A campanha eleitoral de 2018 começa com uma guerra de posições, como querem os atores políticos tradicionais, e não com uma guerra de movimento, na qual o único protagonista por enquanto é Bolsonaro. A contrarreforma política operada pelos grandes partidos começa a impor as regras do jogo, essa é a verdade. Os grandes partidos têm a vantagem estratégica de maior tempo de televisão e de mais recursos financeiros, porém, não têm candidatos que apareçam como favoritos.
Nesse cenário, o PSDB leva certa vantagem em relação ao PMDB, cujo candidato, se houver, será o presidente Michel Temer; ao PT, que deve lançar o ex-governador Jacques Wagner ou o ex-prefeito Fernando Haddad; e ao DEM, que ensaia a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Marina Silva, Ciro Gomes e Álvaro Dias também apostam na guerra de movimento, como Bolsonaro. Mas não são propriamente uma novidade na política, como seria Huck.
Habeas corpus
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, lançou mais uma pá de cal na candidatura do ex-presidente Lula. Ontem, manifestou-se contra a concessão de um habeas corpus ao petista, que foi condenado a 12 anos e 1 mês, em regime inicialmente fechado, pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), responsável pelos processos da Operação Lava-Jato em segunda instância.
Os desembargadores decidiram que a pena deverá ser cumprida quando não couber mais recurso ao tribunal, mas a defesa de Lula tenta evitar sua prisão recorrendo aos tribunais superiores, com o argumento de que ninguém pode ser considerado culpado “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, segundo a Constituição. O pedido já havia sido negado pelo ministro Humberto Marins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas a defesa de Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Luiz Edson Fachin, relator do processo no STF, também negou o habeas corpus, mas decidiu que a palavra final caberá ao plenário da Corte, formado por mais 10 ministros.
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Luiz Carlos Azedo: Começa a folia
O Congresso voltou a funcionar ontem com a agenda previsível: nada acontecerá antes do carnaval.
O relator Arthur Maia (PPS-BA) advertiu que a reforma da Previdência precisa ser votada pela Câmara em fevereiro, ampliando o coro dos que querem ir para o tudo ou nada e decidir logo essa questão. O ministro da Casa Civil, Carlos Marun, reforça a pressão governista para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), coloque a matéria em pauta mesmo sem garantia de maioria de votos para aprovação. A reforma precisa do apoio de pelo menos 308 deputados, em duas votações, mas, pelas contas do governo, ainda faltam 40 votos. A primeira votação estava prevista para 19 de fevereiro, mas não há garantia de que ocorra enquanto o governo estiver em minoria.
Ontem, o presidente Michel Temer enviou sua mensagem ao Congresso na qual reafirma a posição do governo: “Nossas atenções estão voltadas para a tarefa urgente de consertar a Previdência. O atual sistema é socialmente injusto e financeiramente insustentável. É socialmente injusto porque transfere recursos de quem menos tem para quem menos precisa, concentrando renda. É financeiramente insustentável porque as contas simplesmente não fecham, pondo em risco as aposentadorias de hoje e de amanhã”. A mensagem presidencial foi entregue pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e lida pelo primeiro-secretário da Câmara, deputado Giacobo (PR-PR).
Maia é a favor da reforma da Previdência, mas não quer ser derrotado. Enquanto o Palácio do Planalto avalia que a manutenção do calendário de votação ajuda a formar a maioria, obrigando todos os que desejam permanecer na base do governo a descer do muro. Maia pensa exatamente o contrário, tem medo de pôr a reforma em votação e o governo sofrer uma derrota acachapante, o que seria um fator de desagregação ainda maior da base. Os deputados estão voltando dos estados com foco na própria sobrevivência eleitoral.
A Previdência seria uma “agenda positiva” do governo, digamos assim, que empunhou a bandeira do fim dos privilégios dos servidores públicos para tentar melhorar a aceitação popular da reforma. Mas a “agenda negativa” do governo se impõe, com destaque para o caso da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), cuja posse está suspensa por medida liminar da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Nomeada em 4 de janeiro, uma ação trabalhista de um ex-funcionário colocou em xeque seus atributos para o cargo. Ela mesma tem se encarregado de aumentar o fogo da frigideira com vídeos e declarações que somente servem para queimar ainda mais o seu filme com a opinião pública.
Em outras circunstâncias, um outro nome já teria sido indicado, mas o governo Temer precisa dramaticamente do apoio do PTB, presidido por Roberto Jefferson. O PTB não indica outro nome em seu lugar, nem o governo desiste de nomeá-la antes de uma decisão final do Supremo. Cristiane divulgou uma nota na qual pede à presidente do Supremo Tribunal Federal que tome uma decisão sobre o assunto “o mais rápido possível”. “Venho sofrendo uma campanha difamatória que busca impedir minha posse no Ministério do Trabalho. Peço, respeitosamente, à ministra Cármen Lúcia que julgue o mais rápido possível essa questão”, argumenta Cristiane Brasil.
Caixa dois
Fora do Congresso, segue seu curso inexorável mais um processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na 13ª Vara Federal de Curitiba, desta vez relativo ao sítio de Atibaia (SP). A publicitária Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana, afirmou, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, que mais de a metade do valor cobrado pelo casal para a campanha de reeleição de Lula, em 2006, foi pago por meio de caixa dois. Segundo ela, a campanha custou cerca de R$ 18 milhões, e apenas R$ 8 milhões foram pagos pelo caixa oficial. Mônica Moura disse ainda que a decisão de como fazer os pagamentos foi do PT e que João Santana chegou a conversar com o ex-ministro Antônio Palocci sobre os riscos, já que a imagem do ex-presidente estava abalada pelo mensalão.
“A decisão era absolutamente deles, de receber por caixa dois. Para mim, (pagamento oficial) era menos risco, mais tranquilo, não tinha que carregar mala de dinheiro para lugar nenhum “, disse Mônica, que depôs na ação em que o ex-presidente Lula é acusado por ter recebido vantagens indevidas da Odebrecht com reformas no sítio de Atibaia (SP).
Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho
O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.
Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).
Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!
O divórcio
O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.
O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.
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Luiz Carlos Azedo: O espírito das leis
O Supremo é o guardião da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo que contrariarem a Carta Magna
Um dos pais do Estado moderno, para Montesquieu havia três tipos de governos: o republicano, “aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detém o poder supremo”; o monárquico, no qual “governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas”; e o despótico, em que “um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios”. Essa definição existe desde 1748, quando foi publicada em Genebra, em dois volumes, a sua obra O espírito das leis, sem o nome do autor, porque havia sido proibida na França. Dois anos depois, a proibição foi suspensa e a obra virou um verdadeiro best-seller, com 22 edições em 15 meses.
A referência a Montesquieu, que sofreu forte influência de Aristóteles e John Locke, vem a propósito da narrativa petista sobre o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ataques do líder petista ao Judiciário. Seu comportamento é típico de um candidato a déspota, como o descrito no início desta prosa, e não de um réu injustiçado. O grande objetivo de Montesquieu foi garantir a liberdade política e tornar impossível o despotismo, através de uma separação de poderes ampla e absoluta: “Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares”.
Ontem, ao reabrir os trabalhos do Judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, na presença do presidente Michel Temer e dos presidentes da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), reafirmou o velho princípio de separação de poderes e aproveitou para responder aos ataques de Lula: “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual fora do direito não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal.”
Carmem Lúcia fez a ressalva de que a Justiça também não está acima do bem e do mal: “O Judiciário aplica a Constituição e a lei. Não é a Justiça ideal, é a humana, posta à disposição de cada cidadão para garantir a paz. Paz que é o contínuo dos homens e das instituições. Se não houver um juiz a proteger a lei para os nossos adversos, não haverá um para nos proteger no que acreditamos ser o nosso direito”.
Lava-Jato
Essa questão nos remete aos debates da elaboração da Constituição norte-americana, protagonizados por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, origem do “americanismo”, que hoje influencia fortemente a magistratura brasileira. Eles escreveram 85 artigos para O federalista, publicados sob o pseudônimo Publiu, em Nova York, entre outubro de 1787 e maio de 1788, dos quais cinco foram dedicados ao Judiciário. Uma das inovações dos federalistas foi a introdução do princípio de que a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, com poder de intervir em atos do Poder Executivo e/ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo, quando estas contrariarem a Carta Magna. Esse é o principal contrapeso para garantir a democracia contra os excessos do Executivo e eventuais maiorias parlamentares.
Nesse aspecto, foi importante também o posicionamento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, num momento em que se arma uma coalizão no Executivo e no Legislativo para acabar com a Operação Lava-Jato: “O Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a Justiça seja bem distribuída; para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade; para defender a dignidade humana, de modo a erradicar a escravidão moderna, a discriminação que causa infelicidade, e para assegurar acesso à educação, à saúde e a serviços públicos de qualidade.”
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Luiz Carlos Azedo: Cenários da incerteza
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração nas pesquisas. A candidatura de Geraldo Alckmin, que seria o candidato do centro, continua estagnada. Colabora para isso a crise do PSDB
A pesquisa Datafolha de ontem, em seus noves cenários, mostrou que a situação de incerteza política aumenta com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva, embora a polarização entre o ex-presidente e o deputado Jair Bolsonaro, que assumiu a liderança (de 15% a 20% de intenções de voto), deixe de existir, exceto para os petistas. Sim, porque a pesquisa eleitoral ainda alimenta a estratégia de manutenção da pré-candidatura de Lula até que seja declarado oficialmente inelegível. Entretanto, também revela que isso pode ser um erro desastroso para o PT. A rejeição de Lula está em 53% e tende a crescer com a agenda negativa do petista nos tribunais, puxando para baixo seus índices de intenções de voto, que variam entre 37% e 34%, dependendo do cenário.
Com Jair Bolsonaro firme na liderança, Marina Silva se mantém em segundo lugar em todos os cenários, oscilando entre 8% e 16% (sem Lula). A entrada em cena de Luciano Huck, que consta de três cenários (varia de 5% a 8% de intenções de votos), puxa Lula para baixo e todos os demais candidatos que disputam a segunda colocação. Com Lula candidato, o apresentador aparece empatado com Ciro Gomes, que tem de 7% a 13% de intenções de votos, e Geraldo Alckmin, de 6% a 11%, mas perde para Ciro no cenário em que o petista está fora da disputa. Álvaro Dias (de 3% a 6%) vem logo atrás em todos os cenários. João Doria (de 4% a 6%) e Joaquim Barbosa (de 3% a 8%) completam o terceiro pelotão quando são incluídos na pesquisa. Resumo da ópera: a saída de cena de Lula pulveriza o quadro eleitoral na largada.
A estratégia petista pode virar um tiro no pé do candidato mais cotado para substituir Lula, o ex-governador Jacques Wagner. Embora tenha muita identidade com os militantes petistas e um reduto eleitoral consolidado, a Bahia, o petista teria que aguardar a impugnação do registro da candidatura de Lula para se tornar candidato, o que é temerário. Primeiro, porque o desgaste do ex-presidente da República deve aumentar por causa da Operação Lava-Jato; segundo, porque o tempo para Wagner fazer campanha se reduzirá dramaticamente. O ex-governador baiano tem apenas 2% de intenções de votos, um a menos do que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo. Sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não muda nada.
Centro órfão
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração na pesquisa porque a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que seria o nome do centro, continua estagnada. Colabora para isso a disputa interna do PSDB, na qual o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, vem fazendo duros ataques ao paulista, além das dificuldades que enfrenta para fazer a aliança com o PSB, do vice-governador Márcio França, que assumirá o governo e já anunciou que será candidato à reeleição, com ou sem apoio dos tucanos. O estranhamento com o presidente Michel Temer também atrapalha a candidatura de Alckmin, que não consegue ampliar suas alianças nacionalmente.
Essa situação estimula o surgimento de candidaturas de centro, que tentam ocupar o espaço vazio da eleição. O mais provável é que a pulverização se mantenha até o início do horário eleitoral, quando o volume de recursos partidários e o tempo de rádio e televisão começarão a fazer a diferença para os candidatos que conseguirem fechar coligações mais robustas. Essa é a aposta tanto de Alckmin como de ninguém menos do que o presidente Michel Temer se a reforma da Previdência for aprovada.
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Luiz Carlos Azedo: A batalha perdida
Pode haver uma ultrapassagem da radicalização, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam
Na Espanha do rei José II, no século XIV, segundo José Ortega e Gasset, todos os seres tinham o direito e o dever de serem o que eram, fossem “dignificados ou humildes, abençoados ou malditos”. O judeu ou árabe eram, para as demais pessoas, “uma realidade, dotada do direito de ser, com uma posição social só sua e seu próprio lugar na pluralidade hierárquica do mundo”. No limiar do século seguinte, porém, judeus e mouros foram obrigados a deixar a Espanha pelo rei católico Fernando II. Segundo o filósofo espanhol, essa foi a gênese da primeira geração moderna. “De fato, é o homem moderno que pensa ser possível excluir determinadas realidades e construir um mundo segundo as próprias preferências, à semelhança de uma ideia pré-concebida”, ressalta.
O exemplo é citado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao abordar a relação entre verdade, ficção e incerteza no mundo contemporâneo (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar). A tolerância em relação às diferenças no mundo pré-moderno era resultado de uma visão conservadora do tipo “tudo já está em seu lugar”. O rei Fernando da Espanha foi precursor de uma estratégia “que seria aplicada, com maior ou menor zelo e com maior ou menor êxito, ao longo da história moderna e em todas as partes do globo”. A destruição da diferença era o pressuposto da nova ordem. Mas a guerra contra a diferença e a pluralidade foi perdida em todo lugar. “A história moderna resultou, e a prática moderna continua resultando na multiplicação de divisões e diferenças.”
O aspecto novo das diferenças na pós-modernidade seria “a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e a resultante intangibilidade, maleabilidade e o curto período de vida”. O “desencaixe” existencial e as dificuldades para definir “projetos de vida” e construir a própria identidade, típicos das gerações mais jovens, seriam consequência não apenas da desestruturação das classes da antiga sociedade industrial, mas também da ausência de pontos de referência duradouros, como as ideologias do século passado. O “mundo lá fora” é cada vez mais virtual e parecido com um jogo, no qual as regras mudam de uma hora para outra. Qual o sentido de uma identidade vitalícia se as pessoas estão sendo obrigadas a se reinventar?
Ficção e realidade
Bauman recorre aos ensaios literários de Milan Kundera e Umberto Eco para dizer que talvez a verdade esteja mais na ficção dos romances do que na aparência das pessoas, cujas verdadeiras identidades são mutantes, estão ocultas ou dissimuladas. Muito do que está acontecendo na política brasileira tem a ver com tudo isso. Há um choque monumental entre as nossas práticas políticas tradicionais, encasteladas nas instituições de poder, e uma realidade social em mudança, com o agravante de que a reboque dos efeitos da globalização. Há um abismo entre uma elite política e seus partidos envelhecidos e as transformações em curso na sociedade, nas quais as pessoas comuns foram “desconstruídas”, mas estão plugadas nas redes sociais.
Não deixa de ser um paradoxo o cenário eleitoral que se apresenta. Nas redes sociais, um candidato de ficção à esquerda, que se tornou inelegível, acredita que pode voltar ao poder se reeditar velhas fórmulas políticas, nas quais as diferenças são sufocadas pela intolerância ideológica; de outro, um candidato real, porta-voz de práticas embrutecidas, que também quer sufocar as diferenças, inclusive as de costumes e de comportamento. No processo eleitoral real, porém, prevalece a força da ordem institucional. As regras do jogo favorecem os grandes partidos, a imunidade parlamentar e a sobrevida de uma geração política que pretende empurrar a fila para trás. Entretanto, a fragmentação e as diferenças predominam, tanto nas redes sociais, quanto no sistema político, o que aumenta as incertezas.
A lógica natural das coisas será a transferência gradativa das disputas políticas e ideológicas das redes sociais para o processo eleitoral, ou seja, toda a diversidade e a fragmentação existentes na sociedade buscarão representação nos partidos e em suas candidaturas. Nesse sentido, pode haver uma ultrapassagem da radicalização direita versus esquerda, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam. Essa é a equação que está posta na disputa eleitoral para a Presidência da República, tendo por pano de fundo uma tremenda crise ética na política, que ameaça tragar as principais lideranças, seja nos tribunais, seja no silêncio das urnas.
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