Luiz Carlos Azedo

Luiz Carlos Azedo: Onze teses negacionistas

Negacionismo utiliza preconceitos para construir teorias conspiratórias. Manipulação da informação explora a boa-fé e a ignorância

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Por definição, negacionismo é o ato de negar uma informação estabelecida em bases científicas, ou seja, amplamente estudada e comprovada. Suas características são a manipulação de informações, a utilização de falsos especialistas e as teorias conspiratórias. O negacionista assume uma postura irracional e ideológica, prefere acreditar em informações falsas e sem comprovação, despreza ciência e refuga as verdades inconvenientes. Na ciência, destacam-se o negacionismo do aquecimento global e o da esfericidade terrestre; na História, o do Holocausto. O Brasil vive uma onda negacionista, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro e filhos.

O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação é fundamental, geralmente por falsos especialistas, que exploram a boa-fé e a ignorância. Com o advento das redes sociais, utiliza-se em larga escala das fake news, formando grandes correntes de propagação de mentiras. São teses negacionistas:

1. Gripezinha — desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma política negacionista em relação à gravidade da pandemia da covid-19 e defendeu a chamada “imunização de rebanho”, cuja consequência foi o descontrole sobre a propagação da doença. O número de mortos se aproxima de 600 mil.

2. Cloroquina — em vez de providenciar a imunização em massa da população, Bolsonaro defendeu o uso indiscriminado de um “coquetel” ineficaz contra a doença, formado por hidroxi- cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco. Uma CPI no Senado investiga a máfia que se formou no Ministério da Saúde para ganhar dinheiro sujo com a pandemia.

3. Vírus chinês — nas redes sociais, disseminou-se a tese de que o novo coronavírus, de procedência chinesa, teria sido produzido em laboratório e propagado propositalmente pela China para prejudicar a economia mundial, no contexto da guerra comercial com os Estados Unidos. A tese provocou um incidente diplomático com a China.

4. Coronavac — a eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan ainda é questionada por Bolsonaro, muito embora tenha sido a principal alternativa para conter a pandemia. Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao anunciar a terceira dose das vacinas, excluiu a CoronaVac, muito embora milhões de brasileiros tenham sido imunizados pelo produto de origem chinesa.

5. Voto impresso — Bolsonaro defende o voto impresso e dissemina a tese de que a urna eletrônica não é confiável, levantando suspeitas sobre a lisura das eleições de 2022, embora nunca tenha sido comprovado um caso sequer de violação da urna eletrônica. A proposta foi rejeitada pela Câmara, por ampla maioria, além de contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

6. Poder moderador — o artigo 142 da Constituição de 1988 estabelece que “as Forças Armadas (…) destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Com base nesse artigo, Bolsonaro atribui aos militares o papel de Poder Moderador, que não existe na Constituição, cuja interpretação cabe ao Supremo, e não ao “comandante supremo” das Forças Armadas.

7. Amazônia — o desmatamento da Amazônia é monitorado por instituições científicas de todo o mundo, sendo um dos fatores de aquecimento global, em consequência de atividades ilegais, como grilagem de terras, queimadas, derrubada da floresta, garimpo etc. Bolsonaro defende a exploração indiscriminada da Amazônia e acusa as ONGs ambientalistas de estarem a serviço de potências estrangeiras.

8. Marxismo cultural — os artistas, os intelectuais e a cultura estão sendo perseguidos pelo governo federal, a pretexto de que seriam agentes do chamado “marxismo cultural”. O cinema, o teatro, a música, as artes plásticas e até a memória cultural, hoje, são sufocados pelos dirigentes dos órgãos culturais.

9. Racismo estrutural — a Fundação Palmares, criada para preservar e valorizar a cultura afrobrasileira e promover políticas afirmativas de combate ao racismo, nega o racismo estrutural. Tornou-se um órgão que não reconhece as comunidades de origem quilombola e combate o movimento negro, cujos líderes históricos renega, como Zumbi dos Palmares.

10. Terras indígenas — o governo promove o desmonte da política indigenista, reconhecida internacionalmente e responsável pela sobrevivência da diversidade étnica das comunidades indígenas. A tese básica é de que há muita terra para poucos índios e de que a cultura indígena não tem nenhum valor civilizatório.

11. Diversidade — o presidente da República não reconhece e menospreza a diversidade de gênero e de orientação sexual. A comunidade LGBTQIA+ (qualquer pessoa não heterossexual ou não cisgênero, ou fora das normas de gênero pela sua orien- tação sexual, identidade, expressão de gênero ou características sexuais) sente-se ameaçada.

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Luiz Carlos Azedo: Dia de apaziguamento

As atitudes de Bolsonaro contra o STF estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão

Dia do Soldado, 25 de agosto não foi bom para o presidente Jair Bolsonaro. Pela manhã, participou de solenidade militar na Avenida do Exército, no Setor Militar, em homenagem ao patrono da Força, Duque de Caxias. Ouviu um discurso moderado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, que reafirmou o compromisso da cúpula militar com a Constituição e o respeito aos Três Poderes da República. Bolsonaro decidiu não discursar, embora seu pronunciamento estivesse previsto pelo cerimonial. Não foi nada demais, pois não é mesmo de praxe o presidente da República falar como “comandante supremo” nessa solenidade.

O silêncio de Bolsonaro foi interpretado como um gesto cauteloso, tendo em conta que outras decisões importantes estavam para ocorrer no decorrer do dia. Não deu outra: no final da tarde, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a ação de Bolsonaro que questionava a abertura de inquéritos na Corte sem aval do Ministério Público, com base no seu regimento interno. A mesma decisão foi aplicada a mais três processos, movidos pelo PTB, sobre o tema. Bolsonaro questionava o artigo no 43 do regimento interno do Supremo, que autoriza o presidente do STF a instaurar inquérito para investigar “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

O pedido tentava barrar as investigações sobre a rede de fake news de extrema-direita utilizada para ameaçar o Supremo e integrantes da Corte, que estão sendo conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes. Essas investigações tiram o sono de Bolsonaro, porque, supostamente, aliados próximos e seus filhos Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador no Rio, estariam envolvidos. À noite, houve outra derrota de Bolsonaro: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu rejeitar o pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra Moraes. O parecer da Advocacia-Geral do Senado considerou a representação improcedente, por não se amparar na legalidade. “Não há justa causa para o pedido”, fulminou o presidente do Senado, em entrevista coletiva. Pacheco havia recebido o pedido na sexta-feira. Apesar de fleumático por natureza, o senador mandou o pedido para o arquivo em decisão rápida e monocrática.

Os três episódios são um balde de água fria na agitação que está sendo feita pelos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, clamando pelo impeachment de Moraes, pela aprovação do voto impresso e por uma intervenção militar. Com essas palavras de ordem, partidários de Bolsonaro estão sendo convocados para duas grandes manifestações, uma em São Paulo, para ocupar a Avenida Paulista, e outra em Brasília, na qual prometem cercar a capital e invadir o Supremo. O engajamento direto do presidente da República nessa mobilização, ao prometer comparecer aos dois eventos, havia criado um clima de instabilidade política em Brasília e insegurança no mercado financeiro. O movimento estava sendo considerado um balão de ensaio para um golpe de Estado.

Estranhamento
Tanto o questionamento do inquérito das fake news quanto o pedido de impeachment de seu titular, o ministro Alexandre de Moraes, serviam como plataforma de mobilização dos partidários de Bolsonaro, assim como servira, também, a proposta de voto impresso, que foi sepultada pela Câmara, em expressiva votação. A escalada de confrontação de Bolsonaro, porém, levou-o ao isolamento político.

As atitudes de Bolsonaro contra o Supremo estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão e dos políticos moderados. É o caso do ex-presidente Michel Temer, que ontem e terça-feira circulou por Brasília, para conversas com a cúpula do seu partido e outras lideranças políticas. Interlocutor eventual de Bolsonaro, lançou o novo programa da legenda, uma espécie de atualização da Ponte do Futuro, no qual a MDB propõe o reposicionamento do centro político em torno de três eixos: defesa da democracia, desenvolvimento inclusivo e governo funcional.

Temer é uma espécie de oráculo das novas lideranças do MDB, às quais está recomendando não antecipar o processo eleitoral. “Precisamos aproveitar os próximos seis meses para sair da pandemia e retomar a atividade econômica, essa deve ser a prioridade”, argumenta.

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Luiz Carlos Azedo: A violência à espreita

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra apa-rentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

O tema da violência faz parte da vida dos jornais. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como acontece agora no Afeganistão. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa. Na revolução digital, os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Não há fato relevante que não seja registrado pelo celular de um cidadão comum. Mesmo assim, somos diariamente desafiados a desnudar a verdade e confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política contra o Estado democrático. Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jor- nalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos.

Voltemos a Weber. A expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por ele, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. O conceito tem origem hobbesiana, inspirado na figura do Leviatã, o mito fenício relatado no Livro de Jó: um monstro gigantesco, meio dragão, meio crocodilo, que vivia num lago e tinha como missão defender os peixes mais fracos dos peixes mais fortes. O inglês Thomas Hobbes, um dos pais do Estado moderno, fez essa analogia em 1651 (Leviatã), para responder duas questões: como as sociedades foram formadas e como devem ser governadas?

Lei do mais forte
É dele a famosa frase “homini lupus homini” (o homem é o lobo do homem), justamente por sermos egoístas e entrarmos em conflito uns com os outros. Apesar de egoístas, porém, temos racionalidade e “medo da morte violenta”. Para Hobbes, era possível abrir mão da liberdade total e fazer um pacto, o “contrato social”, para sair da vida solitária e selvagem — ou seja, do “estado de natureza” — e viver juntos, sob um poder soberano, no “estado civil” — ou seja, em sociedade. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.

O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX, ou seja, dois séculos depois, entra em cena. Em Sobre a Liberdade (1859), Mill resumiu: o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria. Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros. Todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos que são causados a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional.

Esse breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo no governo Bolsonaro, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos. E à perda do monopólio da violência pelo Estado em razão da venda indiscriminada de armas, da formação de milícias privadas e de falanges políticas armadas, além do engajamento de agentes armados do Estado em disputas políticas.

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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, agora, politiza o fracasso

A maioria dos ministros se queixa do foco errado. O Palácio do Planalto é uma ‘jaula de cristal’, na qual o presidente da República constrói um mundo só dele

Aos 32 meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro se depara com um cenário mórbido e nebuloso: a “gripezinha” matou 575 mil pessoas, o país tem 14 milhões de desempregados e a inflação pode chegar a 9%, se não houver uma mudança de rumo. Deficit fiscal, insegurança jurídica e instabilidade política formam o tripé que afugenta os investidores. A janela de oportunidade da retomada da economia global está sendo perdida.

Os verdadeiros problemas do país são de natureza objetiva e exigem soluções criativas, exequíveis e amparadas por amplo consenso nacional. Em circunstancias normais, diante da gravidade da pandemia e de suas sequelas, principalmente a iniquidade social, o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) convergiriam suas decisões na direção dessas soluções. Mas não é o que acontece. Estamos na antessala de uma grave crise institucional, fabricada por Bolsonaro.

Seu problema não é falta de governabilidade — conta com o apoio do Centrão no Congresso. É a governança, “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país, visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções”, segundo o Banco Mundial. São características da boa governança: Estado de direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de contas. Essa não é a praia de Bolsonaro.

A agenda do país é discutida em milhares de lives, pelos mais diversos públicos, que buscam saídas para a situação em que nos encontramos de olho no futuro. O presidente ignora tudo isso, empenhado em levar adiante um programa ideológico, que só empolga os setores mais reacionários da sociedade. Mesmo os conservadores, que o apoiaram na eleição e participam do governo, têm uma agenda liberal voltada para os problemas reais, ainda que ignorem as questões sociais. Bolsonaro está governando apenas para seus seguidores fanatizados. A maioria dos ministros já se deu conta disso e se queixa do foco equivocado. O Palácio do Planalto é uma “jaula de cristal”, na qual Bolsonaro constrói um mundo só dele.

As atenções do país estão voltadas para as manifestações convocadas para o dia 7 de setembro, que são apoiadas por Bolsonaro. Não haverá desfiles militares por causa da pandemia, porém estão previstas concentrações de defensores da intervenção militar em muitas cidades. Até a semana passada, pretendiam parar o país, cercar Brasília, invadir e fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Como era de se esperar, os mais ousados, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o cantor Sérgio Reis, já sofreram as consequências desse projeto sedicioso. Mas Bolsonaro, em solidariedade a eles, pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que investiga a atuação de grupos extremistas, e escalou mais um degrau no seu confronto com o Supremo.

Ontem, 23 governadores e dois vices se reuniram em Brasília para discutir a situação e construir uma barreira de contenção à escalada da radicalização golpista. Querem um encontro com Bolsonaro para discutir a relação republicana entre os entes federados. Coincidentemente, o governador de São Paulo, João Doria, demitiu o coronel da Polícia Militar que comandava a corporação no interior paulista porque atuava nas redes sociais convocando para os atos de 7 de setembro e pedindo o fechamento do Supremo. Os governadores firmaram uma espécie de pacto para impedir motins nas polícias militares. O caldo de cultura para isso existe, foi fomentado pelo presidente.

Ciclo fechado
Enquanto segue o baile da política, a economia se deteriora a olhos vistos. O cenário é de menos crescimento e mais inflação. Os juros de longo prazo superam 10% ao ano, segundo as taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de 2031. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem estimativas na casa dos 5% ou um pouco mais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75% deste ano.

As reformas tributária e administrativa subiram no telhado. O que não passou até agora, provavelmente não mais passará. O Congresso não quer saber de remédios amargos. Bolsonaro também é negacionista na política monetária. O cobertor é curto, a política econômica deriva para o naufrágio. A alternativa que restou foi politizar o fracasso e pôr a culpa nos outros. Como não pode responsabilizar a oposição, culpa as instituições da República, principalmente o Supremo. É a velha cantilena de que a democracia não funciona.

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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro não se ajuda

O impeachment de Bolsonaro não empolga os partidos de oposição, mas ganha apoio da opinião pública e já começa a ser visto como uma contingência que não pode ser descartada

Parece que o fracasso subiu à cabeça do presidente Jair Bolsonaro, que não se ajuda. Com dificuldades de se relacionar com as regras do jogo da Constituição de 1988, está levando o país para uma situação dramática. Cria uma situação de grave crise institucional, na qual seus aliados não têm muito como ajudá-lo, porque contraria seus interesses políticos e eleitorais regionais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, faz mais ou menos a mesma coisa com a boa vontade dos agentes econômicos, que davam sustentação ao governo em função da necessidade de estabilidade na economia, mas agora se afastam.

A escalada do confronto do presidente Jair Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem chance de terminar bem, apesar dos esforços do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), para amortecer a trombada com o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que sempre teve uma postura cordata e moderada. Na sexta-feira, Bolsonaro entrou com um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que imediatamente recebeu a solidariedade de seus pares, em nota assinada por Fux. Quem imaginava que Bolsonaro havia desistido do pedido em relação ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, deve esperar mais um pouco: nos bastidores do Planalto, comenta-se que isso também deve ocorrer nesta semana.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), pretende examinar o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes tecnicamente, por obrigação, mas já disse que a medida não tem acolhida política. Ou seja, se não for engavetado, será derrubado em plenário. O sinal de que o tempo fechou para Bolsonaro no Senado veio também do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, sena- dor Davi Alcolumbre (DEM-AP), que suspendeu a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado para a vaga do ex- ministro Marco Aurélio Mello no Supremo. Apesar de contar até com o apoio da bancada do PT, a aprovação de Mendonça subiu no telhado.

Bolsonaro não ajuda mesmo os seus aliados. Ciro Nogueira já está desconfortável no cargo, porque suas negociações políticas não são honradas pelo presidente da República. Na semana passada, tentou uma reaproximação de Bolsonaro com Fux, mas as conversas fo-
ram desmentidas pelos fatos. O presidente do PP assumiu a Casa Civil com a missão de melhorar o relacionamento do governo com o Congresso e costurar alianças eleitorais robustas, principalmente no Nordeste, mas está fracassando mais rápido do que se imaginava. É uma situação muito parecida com a do ex-senador Jorge Bornhausen, que assumiu a articulação política do governo Collor de Mello e não conseguiu evitar o impeachment.

Impeachment
A propósito, o impeachment de Bolsonaro não tem aceitação entre os principais atores políticos do país, inclusive na maioria dos partidos de oposição. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera com folga a corrida para as eleições presidenciais de 2022, quer Bolsonaro sangrando até a eleição. Entretanto, o impeachment ganha crescente apoio da opinião pública e já começa a ser visto como uma contingência que não pode ser descartada, mais uma vez, porque Bolsonaro não se ajuda. Por exemplo, está anunciando que pretende comparecer à manifestação bolsonarista de 7 de setembro, na Avenida Paulista, enquanto nas suas redes sociais as convocações para bloquear Brasília e invadir o Supremo Tribunal Federal prosseguem. Onde vamos parar?

Essa é a pergunta que ninguém sabe responder, porque o bom senso não orienta as decisões de Bolsonaro, somente o confronto. Entretanto, sua rota de colisão com o Supremo precisa ser interrompida, antes que o país mergulhe no caos. Não apenas por cau- sa da crescente radicalização dos bolsonaristas, que o presidente da República emula, mas por causa da economia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também escolheu a rota do fracasso.

Na semana passada, Guedes implodiu a proposta de reforma tributária que estava em discussão no Senado, com a equipe do relator, senador Roberto Rocha, e era apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. Chantageia o Congresso com a história de que não terá dinheiro para pagar os servidores e o Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família, se a PEC dos Precatórios não for aprovada. A medida é polêmica porque agrava o deficit fiscal e gera muita insegurança política. Além disso, inflação e desemprego agravam a crise social e são o caldo de cultura para maior radicalização política.

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Luiz Carlos Azedo: A crise não viaja

Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar. Primeiro, nomeando aliados; segundo, pelo confronto com o Supremo, que pretende intimidar

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Toda vez que o presidente José Sarney viajava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso dizia, maledicente: “A crise viajou”. Mais tarde, viria a exercer dois mandatos na Presidência, passando também por seus dissabores. Hoje, os ex-presidentes têm bom relacionamento, mas jamais se tornaram amigos. O presidente Jair Bolsonaro, porém, viaja muito pouco para o exterior. Ninguém o convida para compromissos bilaterais, e sua ida aos foros internacionais são puro desgaste, pela péssima imagem que tem no exterior. Com ele, a crise não viaja.

Políticas interna e externa não são assimétricas; quando isso ocorre, pode terminar muito mal, como no caso do governo de Jânio Quadros, cujo cavalo de pau no Itamaraty, ao condecorar Che Guevara em plena Guerra Fria, deixou-o em rota de colisão com os aliados, principalmente Carlos Lacerda, então governador da antiga Guanabara. Essa crise resultou na sua inopinada renúncia. A longo prazo, os eixos duradouros da política externa são as relações comerciais e a identidade nacional, muito mais do que a momentânea orientação política de governo. Hoje, a divisão internacional do trabalho nos reserva papel estratégico como produtor agrícola e de minérios e faz da China nosso principal parceiro comercial; em contrapartida, do ponto de vista identitário, o americanismo se amalgama à herança cultura ibérica, o que nos afasta do velho nacionalismo latino-americano.

Entretanto, politicamente, vivemos um ponto fora da curva no governo Bolsonaro. O presidente da República atua para nos colocar no eixo de países cujos governantes foram eleitos em pleitos manipulados, seja pelas regras do jogo, seja pelo controle dos meios de comunicação e/ou pela intimidação da oposição. Como o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que ao assumir não tinha uma estratégia, Bolsonaro se movimenta exclusivamente para continuar no poder, com a diferença de que o líder russo sempre manteve alta popularidade, enquanto a sua derrete. Controle das Forças Armadas, dos serviços de segurança, do Ministério Público, do Judiciário; aliança com oligarcas amigos e
com a Igreja Ortodoxa Russa garantem a longa permanência de Putin no poder.

Controlar o Judiciário é uma via de passagem para o autoritarismo. Na Hungria de János Áder, no poder desde 2012, juízes foram forçados a renunciar, e o regime fez 1.284 nomeações políticas. Os que sobraram perderam autonomia. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada. Na Turquia, 4,5 mil juízes foram presos e espoliados, nos últimos cinco anos, pelo governo de Tayyip Erdogan. Centenas continuam presos.

O atual presidente da Polônia, Andrzej Duda, do Partido Lei e Justiça, para se reeleger, gastou 40 milhões de euros com uma rede de fake news contra o Judiciário, com apoio do Ministério da Justiça e do Ministério Público. Essas denúncias são do presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, em palestra virtual para magistrados brasileiros, segundo nos relata a jornalista Maria Cristina Fernandes, em sua coluna de ontem, no Valor Econômico.

Supremo
Esse é o eixo de extrema-direita ao qual pertence Bolsonaro, depois da derrota do ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, e do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Israel. Com nenhum desses países, inclusive a Rússia, o Brasil tem relações comerciais robustas para sustentar essa política externa. Mas o que importa é o modelo. Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar.

Primeiro, nomeando aliados para cargos estratégicos, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende reconduzir, e o ex-advogado-geral da União e pastor evangélico André Luiz de Almeida Mendonça, indicado para a vaga do ex-ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos serão sabatinados no Senado, que pode homologar ou não seus nomes. É do jogo.

Segundo, pelo confronto com o STF, que pretende intimidar com a ameaça de um golpe de Estado. Não é do jogo. A cassação de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal pelo regime militar, que provocou a renúncia dos ministros Antônio Carlos Lafayette de Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, é um trauma no Supremo até hoje. Em 1971, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso abandonou o plenário ao ser o único contrário à lei da censura prévia, editada pelo governo Médici. A regra permitia que censores ocupassem as redações dos jornais e vetassem a publicação de textos. Votou contra e renunciou ao cargo.

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Luiz Carlos Azedo: O naufrágio de Bolsonaro

Reacionários são obcecados pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um passado idealizado, que não é o que a História registra

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O analista político e ensaísta Mark Lilla, professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York, ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da especificidade das minorias. É autor de O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity Politics) e A Mente Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras, respectivamente.

Voltou a gerar polêmicas em meados do ano passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.

Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.

Enquanto velhos revolucionários da geração 1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado, que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.

Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado, quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20 anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.

A outra face dessa narrativa é a recorrente interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em 1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.

Constrói-se uma tese de afronta à legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla. É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura golpista.


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro derrete e apela para o golpismo

A expectativa de poder que Bolsonaro mantém não se sustenta no projeto eleitoral, mas no governo como forma concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem mostra que Jair Bolsonaro derreteu eleitoralmente — perde para qualquer concorrente no segundo turno, se as eleições fossem hoje. Mais ainda, pode até ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva no primeiro turno, se mantiver a polarização com o petista e conseguir inviabilizar a chamada “terceira via”, como pretende. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, mesmo com o recesso da CPI da Covid e o bom desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, que reduziram o noticiário negativo, o mau humor dos brasileiros com o presidente da República aumentou.

Não faltam motivos para isso, apesar do avanço da vacinação em massa e da redução do número de óbitos diários pela covid-19, que o povo atribui aos governadores e aos prefeitos. Com justa razão, Bolsonaro é identificado com o vírus da pandemia e não com a vacina. Fez tudo o que podia e não deveria para isso. Ontem mesmo, andou falando que as pessoas que tomaram a CoronaVac, a vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, estão morrendo. Sua avaliação positiva caiu de 22 para 21%, enquanto a de governadores subiu de 36% para 46% e a dos prefeitos, de 45% para 55% — mesmo com o presidente da República culpando-os pela crise sanitária.

O estrago feito pelo ex-ministro Eduardo Pazuello e sua equipe de militares na Saúde, desnudado pela CPI do Senado, é irreversível: 57% da população acreditam no envolvimento do governo e de alguns de seus membros na corrupção. O apoio à CPI é robusto e inversamente proporcional: 57%. Na pesquisa, 67% dos entrevistados disseram que acompanham a CPI e 74% dos brasileiros perderam um parente, amigo ou colega na pandemia. O pior dos mundos para Bolsonaro é a percepção da economia, negativa para 63% da população. Em julho, eram 57%.

Ou seja, mesmo com alguns indicadores positivos, como o crescimento do PIB, e medidas recentes para ajudar a população de mais baixa renda, como o Auxílio Brasil, o programa federal que substituirá o Bolsa Família, o povo se queixa da inflação, dos juros altos e do desemprego, que formam um círculo vicioso. Nas simulações eleitorais, Bolsonaro perderia para Lula, Ciro Gomes, Sergio Moro, Luís Henrique Mandetta, João Doria e Eduardo Leite. Se aparecer mais um candidato, talvez perca para ele também. A expectativa de poder que mantém não se sustenta no seu projeto eleitoral, mas no governo como forma mais concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado. Esse é o xis da questão.

O ministro da Defesa, Braga Neto, compareceu ontem à Câmara para dizer que a ameaça de não realização das eleições, caso não fosse aprovado o voto impresso, nunca houve e é um assunto encerrado. É mesmo, porque a Câmara enterrou a proposta. Mas a narrativa golpista de Bolsonaro continua. É construída sobre três pilares: a disseminação da suspeita de fraude eleitoral para beneficiar a candidatura de Lula, o falso papel moderador que atribui às Forças Armadas nas relações entre os Poderes e o questionamento da autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) na exegese da Constituição.

Vivandeiras|
Bolsonaro escala seu confronto com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, e Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para provocar uma grave crise institucional e arrastar as Forças Armadas para a aventura de um golpe de Estado, antecipando-se à derrota eleitoral que vislumbra no horizonte. Exuma o velho castilhismo castrense da Revolução de 1930, percorre quartéis e campos de manobras como “comandante supremo das Forças Armadas”. Parece uma daquelas “vivandeiras alvoroçadas” que percorriam os bivaques para “bulir com os granadeiros e pro- vocar extravagâncias do poder militar”, como disse, certa vez, o marechal Castello Branco, referindo-se aos políticos golpistas.

Os políticos do Centrão, entre os quais o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tiram proveito da situação para avançar sobre cargos do governo e verbas do Orçamento da União, mas, até agora, não embarcaram no projeto golpista. Um golpe de Estado, quando nada, anularia todo o poder de barganha que hoje desfrutam. Além disso, não têm a mesma ojeriza dos militares a Lula, pois foram seus aliados quando o PT estava no poder — alguns até foram ministros. Atuam como a turma do deixa disso, mas não estão tendo sucesso na tentativa de protagonizar e viabilizar o projeto de reeleição de Bolsonaro.

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Luiz Carlos Azedo: Novos amigos de Cabul

As cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem no aeroporto de Cabul são piores do que as da retirada dos funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Saigon

Alexander Burnes, agente da Companhia Britânica das Índias, em 1838, recebeu de Lord Auckland, o governador-geral de Calcutá, a missão de negociar com Dost Mohammed, o Emir do Afeganistão, um pacto com o Império Britânico. Ao chegar em Cabul, lá estava o Conde Vitkevitch, representante da Rússia. Era o “Grande Jogo” da Ásia, no qual a Rainha Vitória disputava com o Czar Nicolau I o controle da Eurásia. O pedregoso território afegão, entre o Cáucaso e a Índia, separando o Irã da Turcomênia, era estratégico para as duas potências. No ano seguinte, 16,5 mil ingleses, indianos e dissidentes afegãos da Army of the Hindus tomaram Cabul. Dost Mohammed rendeu-se em novembro de 1840 e foi encarcerado na Índia.

Burnes transformou sua residência oficial num harém, enquanto os demais invasores profanavam os lares afegãos. Em 1841, os humilhados afegãos se revoltaram, invadiram a casa de Burnes e o esquartejaram. Veterano das Guerras Napoleônicas, o general Elphinston negociou com Akbar, o filho de Dost Mohammed, em 2 de janeiro de 1842, a retirada das tropas britânicas, que estavam sitiadas. Ao atravessarem o passo de Khoord-Cabool, a montanha desabou: pedras em avalanches, tiros de jezails (o fuzil de cano longo afegão), flechas e lanças dizimaram as tropas britânicas. Somente restou vivo o Dr. Brydon, o médico, que escapou a cavalo dos altos do Hindu Kush.

Na Terceira Guerra Anglo-Afegã, em 1919, num acordo com os ingleses, o Afeganistão tornou-se um Estado-tampão na fronteira da Índia. A partir de 1926, uma monarquia sobreviveu até 1973, quando o rei Zair foi derrubado pelos republicanos. Em 1978, com apoio de tropas soviéticas, um golpe de Estado implantou um regime socialista, sob forte resistência dos rebeldes mujahedins, armados e financiados pelos EUA. Em 27 de setembro de 1996, as forças talibãs, constituídas de ex-estudantes fundamentalistas, derrubaram o presidente, capturaram Cabul e passaram a controlar grande parte do país, formando um governo de coalizão.

Mas houve o atentado da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, os EUA invadiram o Afeganistão e retiraram os talibans do poder. Hamid Karzai foi escolhido presidente por George W. Bush. Nas eleições de 2004, a maioria dos 17 candidatos da oposição alegou fraude e não reconheceu o governo de Karzai, que incluía membros da Aliança do Norte, um grupo político formado pela majoritária etnia Pashtun. Em 2014, Asharaf Ghani foi eleito e empossado presidente do país no lugar do corrupto Karzai, mas seu destino já estava traçado. O governo Trump decidiria retirar as tropas norte-americanas do país. O novo presidente, Joe Biden, manteve a decisão e ordenou a saída até setembro, uma de suas promessas de campanha. Houve o desastre: o Talibã avançou rapidamente, as tropas governistas não resistiram e abandonaram Cabul. Ghani escafedeu-se.

Rota da Seda
A história se repete como tragédia. A Casa Branca nega comparações com a retirada do Vietnã, mas as cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem, ontem, são piores do que as da dramática retirada dos funcionários da embaixada norte-americana em Saigon. Essa conta ficou para Biden. Entretanto, no “Grande Jogo” da Eurásia, não é a Rússia que leva vantagem. A China tem 80 quilômetros de fronteira com o Afeganistão e contratos bilionários, que já negocia com o Emirado Islâmico do Afeganistão. Com 38 milhões de pessoas, o país possui reservas de minérios avaliadas entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões, incluindo o segundo maior depósito inexplorado de cobre do mundo.

Em julho, o ministro de relações internacionais da China, Wan Yi, recebeu a comissão de assuntos externos do Talibã, liderada por Abdul Ghani Baradar, na cidade chinesa de Tianjim. O resultado parece ter sido positivo para a China. Além de cobre, o Afeganistão tem reservas de ferro estimadas em US$ 420 bilhões e US$ 81 bilhões de nióbio, cruciais para a indústria chinesa. Em troca, Pequim oferece a infraestrutura necessária para o Afeganistão entrar na Nova Rota da Seda, megaprojeto mundial de construção de portos, estradas e ferrovias ligando três continentes: Ásia, África e Europa, bancado pelo governo chinês. O problema será estabilizar o país e moderar o fundamentalismo islâmico talibã.

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Luiz Carlos Azedo: Agosto em marcha

Bolsonaro escala a crise como STF e aposta na deterioração das relações entre os Poderes. Ameaça dar um golpe de Estado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense / Estado de Minas

Riobaldo, o jagunço de Grande Sertão Veredas, a odisseia cabocla de Guimarães Rosa, dizia que “viver é muito perigoso”. Em agosto, na política, mais ainda. Para os políticos, com certa razão, trata-se de um mês aziago, porque crises e tragédias ocorreram nesta época do ano. “Comandante supremo das Forças Armadas”, como agora gosta de se apresentar, o presidente Jair Bolsonaro escala a crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) e aposta na deterioração das relações entre os Poderes, com o claro propósito de impedir a realização das eleições, nas quais pode ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ameaça dar um golpe de Estado.

Tudo pode acontecer em agosto. Em 1954, após voltar ao poder pelo voto, Getúlio Vargas sofria com pressões do Congresso. A oposição mais radical era da UDN, liderada por Carlos Lacerda, que sofreu um atentado na Rua dos Toneleiros, no Rio de Janeiro, no qual faleceu o major da Aeronáutica Rubens Vaz; Lacerda foi ferido na perna. As investigações apontaram Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, como autor do crime. A situação se tornou insustentável. Getúlio acabou cometendo suicídio, com um tiro no peito, na madrugada de 24 de agosto.


DESFILE MILITAR NA ESPLANADA


Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Jânio Quadros presidia o Brasil desde janeiro de 1961. Surpreendentemente, aproximou-se da antiga União Soviética e da China. Em plena guerra fria, condecorou Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Carlos Lacerda, líder da UDN, passou à oposição. Sete meses depois de assumir, em 25 de agosto de 1961, Jânio renunciou. Imaginava voltar nos braços do povo; quem assumiu foi seu vice, João Goulart.

Em 1969, o general Costa e Silva teve uma trombose cerebral, no final de agosto. O vice-presidente, Pedro Aleixo, um civil, foi impedido de assumir a Presidência por uma Junta Militar, que governou o país até 30 de outubro, quando assumiu o general Emílio Médici. Costa e Silva faleceu em dezembro.

O ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu em um acidente de carro em 22 de agosto de 1976; seu motorista, Geraldo Ribeiro, também. O veículo colidiu com um caminhão, na rodovia Rio-São Paulo. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que sua morte foi um acidente ocasional.

Depois da entrevista de seu irmão Pedro Collor à revista Veja, denunciando um esquema de lavagem de dinheiro no exterior co- mandado por PC Farias, o Congresso Nacional criou uma CPI para investigar as denúncias contra o presidente Fernando Collor de Mello. Foram descobertos empréstimos fraudulentos e contas suspeitas. O famoso Fiat Elba foi comprado com esse dinheiro. Collor convocou uma manifestação verde-amarela para 16 de agosto. A população foi às ruas vestida de preto. A CPI confirmou a transferência irregular de US$ 6,5 milhões para financiar gastos do presidente. Collor derreteu: em setembro, foi afastado; em dezembro, renunciou ao cargo.

Ruptura institucional
Candidato à Presidência da República em 2014, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos decolava nas pesquisas de opinião. Em 13 de agosto daquele ano, morreu após a queda do jato particular em que viajava. O avião havia decolado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com destino ao aeroporto do Guarujá (SP). Sete pessoas faleceram.

Por causa das chamadas “pedaladas fiscais” e decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi aberto pela Câmara dos Deputados em abril de 2016, decisão confirmada pelos senadores em maio. Em 29 de agosto, Dilma Rousseff compareceu ao Congresso para se defender. Dois dias depois, os senadores aprovaram seu impeachment por 61 votos favoráveis e 20 contrários.

Ontem, Bolsonaro participou de uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Rezende (RJ). Escreveu no Twitter: “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos. De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”. Agosto está só começando; a crise está em marcha.

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Luiz Carlos Azedo: Ninguém morre de véspera

Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.

Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.

Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger, mesmo estando entre os mais votados e com o balaio cheio de emendas parlamentares. A expressão “Mateus, primeiro os teus”, de origem bíblica, parece ter mobilizado Lira. A pressão de sua base para
derrubar a proibição das coligações foi irresistível. Usada como derivação popular, por causa da rima, a expressão faz todo o sentido. Cobrador de impostos em Cafarnaum,
na Judeia, pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. O conselho de Jesus ao discípulo teria sido o seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”. Trocando em miúdos, o presidente da Câmara sabe que precisa liderar a Casa. A maioria de seus aliados está em risco eleitoral.

A saída foi aprovar a federação de partidos, para facilitar a montagem das chapas de candidatos a deputados federais. Aprovado por 304 votos a 119, o projeto de lei agora vai à sanção. Permite a duas ou mais legendas se unirem em uma fe- deração partidária e atuarem de maneira uniforme em todo o país. O texto já tem aval do Senado e segue para o presidente Jair Bolsonaro. Se não houver vetos, a federação de partidos permitirá a união de siglas com afinidade ideológica e programática, sem que seja necessário fundir os diretórios. A regra deve ajudar partidos menores a alcançar a chamada “cláusula de barreira”, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição.

Montagem de chapas
Com isso, a cláusula de barreira seria calculada para a federação como um todo, e não para cada partido individualmente. Entretanto, uma vez constituída a federação, os partidos a ela filiados deverão permanecer juntos por pelo menos quatro anos. Após registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação atuará como se fosse uma única agremiação partidá- ria. Ou seja: seguirá as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária; os partidos terão a identidade e a autonomia preservados; e a aliança terá abran- gência nacional.

A ideia de acabar com as coligações partidárias, mantendo a cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos, tem amplo apoio na opinião pública e nos meios acadêmicos, mas esbarra na realidade eleitoral dos estados, nos quais houve ampla fragmentação nas eleições municipais. Os grandes partidos, com muitos recursos, e os governadores, principalmente, passariam a dar todas as cartas na montagem das chapas. A realidade eleitoral nos estados, porém, foi mais forte. Está sendo difícil montar as chapas completas, devido à necessidade de grande número de candidatos, mesmo nos grandes partidos. A vantagem estratégica daqueles que já tem mandato, devido aos recursos do fundo eleitoral e às emendas parlamentares, espanta os candidatos competitivos, que não querem disputar uma eleição sem paridade de meios. Veio daí a rebelião dos perus. Ninguém quer morrer de véspera já tendo mandato.

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Luiz Carlos Azedo: O sapo barbudo

Bolsonaro explora o descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem de votos, inconformado com a derrota.

As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.

A votação expôs as contradições do Centrão e da própria oposição. A maioria da bancada do PSDB foi a favor do voto impresso — isto é, 14 dos 26 deputados, sendo que cinco se ausentaram e Aécio se absteve. O inverso aconteceu com o PL, partido da ministra Flávia Arru- da, secretária de Governo, que contou com o apoio de apenas 11 dos 41 deputados da legenda (sete se abstiveram). Os únicos partidos que votaram monoliticamente foram do PCdoB, com oito votos contra a proposta, e o PSC, com 11 votos a favor. Em todas as demais bancadas houve dissidências e muita tensão, em razão das emendas ao Or- çamento e da pressão dos seus eleitores bolsonaristas.

Bolsonaro também tentou mobilizar seus aliados no Senado para reabrir a discussão sobre o voto impresso, mas o movimento foi prontamente esvaziado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem o assunto foi encerrado com a votação na Câmara. “Eu quero reiterar a minha confiança na Justiça Eleitoral brasileira, para que possa se desincumbir dos caminhos da eleição de 2022 com o máximo de lisura, sem qualquer tipo de fato que possa ser apontado em relação à fraude ou qualquer coisa que o valha”, disse. Com essa decisão, agora o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão alinhados em relação à segurança da urna eletrônica, mas a dúvida sobre a aceitação do resultado das eleições por Bolsonaro, caso seja derrotado, mais do que nunca, permanece no ar. Por quê?

Favoritismo
Ora, porque existe uma grande insatisfação na cúpula das Forças Armadas com o STF, que Bolsonaro explora com obstinação. Ontem, o novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez gestões junto ao tribunal para tentar restabelecer o diálogo entre o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, e o presidente da República. É um gesto importante, mas de pouca credibilidade, porque Bolsonaro trabalha em outra direção. Aproveita-se do descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu favoritismo nas pesquisas de opinião para a Presidência, em 2022.

O petista fez mais pelo reaparelhamento das Forças Armadas do que qualquer outro presidente da República. Financiou projetos e reorganizou programas da indústria de Defesa: submarino nuclear, novos aviões de caça, satélites de comunicações e observação, caminhões e caros blindados, monitoramento da Amazônia. Entretanto, Bolsonaro trouxe-as de volta ao centro do poder e promete restabelecer a tutela militar sobre a nação, além de ter melhorado os soldos e preservado privilégios na reforma da Previdência. Num regime democrático, as Forças Armadas devem se manter apartadas da política. Caso Lula seja eleito, portanto, terão que engolir o sapo barbudo outra vez, como diria o falecido governador Leonel Brizola. Bolsonaro trabalha dia e noite para impedir que isso ocorra, com um golpe de Estado, caso perca eleições para o petista. Esse é o busílis do estresse da República.

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