Luiz Carlos Azedo

Luiz Carlos Azedo: O retrato da (in)governança

“A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país”

A foto divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, na noite de domingo, com as sete pessoas mais importantes da República –– excluídos o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e vice-presidente Hamilton Mourão ––, após uma reunião fora da agenda no Palácio da Alvorada, diz muito mais sobre o que se deixa de fazer do que sobre qualquer outra coisa. Embora os assuntos tratados, segundo o post, fossem muito relevantes: vacina, auxílio emergencial, emprego e situação da pandemia. As conclusões da reunião são um mistério.

Quem são as autoridades na foto? Além de Bolsonaro, os generais Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Eduardo Pazuello (Saúde), todos sem máscara, a atitude mais negativista possível em relação à pandemia; os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, esses com máscaras. Evidentemente, a foto sinaliza força política, os pilares da governabilidade: a união entre os generais do Palácio do Planalto e os chefes do Legislativo, além do homem que toma conta do cofre da União, em torno do presidente da República.

Mais governabilidade, impossível. Entretanto, a foto é o retrato da crise de governança em que o país está sendo lançado. A reunião não apontou um rumo. Muito pelo contrário, a crise sanitária se agrava, a escassez de vacinas retarda a imunização em massa, permanece o impasse sobre a PEC Emergencial, a economia desanda. Não foi à toa que o dia de ontem foi pautado pelas manifestações de governadores e prefeitos cobrando mais responsabilidade do governo federal e do Congresso no enfrentamento da crise sanitária. Na semana passada, como em outras, não era essa a prioridade de Bolsonaro e das principais lideranças do Poder Legislativo.

Há uma grande diferença entre governabilidade e governança. A expressão “governance” é uma invenção do Banco Mundial (Bird), focada na existência de um “Estado eficiente”. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando ao desenvolvimento, ou seja, a sua capacidade de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções. Ao formular o conceito, o Bird considerou dois aspectos: o desenvolvimento sustentado, o que inclui equidade social e direitos humanos, e os procedimentos governamentais, entre os quais a articulação público-privada e a participação dos interessados nas decisões.

Pintando meio-fio

A alta burocracia do governo federal foi treinada para operar os dois conceitos, com os quais Bolsonaro não tem intimidade. Demorou para valorizar a governabilidade, que se refere à dimensão estatal do exercício do poder, suas condições sistêmicas, como as relações entre os poderes e a intermediação de interesses. A governança, porém, ainda é como aquele caviar do samba de Barbeirinho e Marcos Diniz, consagrado na voz de Zeca Pagodinho: “Nunca vi, nem comi/ eu só ouço falar”.

A governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado. Refere-se a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais, coordenação e regulação de transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico e do mundo social, como o consórcio que prefeitos estão formando para fazer o que o governo não faz: comprar vacinas. A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país.

Infelizmente, os generais que comandam o Palácio do Planalto não trabalham com os demais entes federados e a sociedade na base da cooperação e coordenação (como recomenda a moderna doutrina militar). Sob o comando de Bolsonaro, operam de forma prussiana, vertical, hierarquizada, de cima para baixo, como quem manda pintar de branco o meio-fio dos quarteis ou tomar ivermectina e cloroquina contra a covid-19. Além de um centro, essa visão das coisas tem um método: manda quem pode, obedece quem tem juízo. O resultado é que o país está paralisado, sem rumo, como o coelho hipnotizado pela serpente.

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Luiz Carlos Azedo: A tragédia do negacionismo

Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment

O presidente Jair Bolsonaro bateu no teto do negacionismo quando atacou governadores e prefeitos que adotaram medidas de lockdown. Em Fortaleza, durante evento que causou aglomeração e ao qual compareceu sem máscara, na sexta-feira, disse: “Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto, em especial no Ceará, é trabalhar. Essa politicalha do ‘fique em casa, a economia a gente vê depois’, não deu certo e não vai dar certo”. Aproveitou para ameaçar os governadores que não seguirem a sua cartilha: “O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui para a frente, o governador que fechar seu estado, o governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial”.

Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.

Psicologicamente, negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas. Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado, um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment.

Vacinas
No governo, além de Bolsonaro, os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araujo; do Meio Ambiente, Ricardo Salles; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em suas respectivas pastas, estão na linha de frente do negacionismo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também fez parte desse time. Sua responsabilidade no colapso do SUS em Manaus, por falta de oxigênio, está sendo investigada, assim como no atraso da compra de vacinas, inclusive, as que estão sendo produzidas no Brasil, como a CoronaVac (Instituto Butantan); a Oxford (Fiocruz) e a Sputnik V (União Química, privada). Agora, corre atrás das vacinas da Pfizer, que negocia desde agosto e refugou em setembro passado.

O negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a humanidade.

A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.

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Luiz Carlos Azedo: Pazuello descobre a pólvora

O SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe

Há um ano, bem no começo da pandemia da covid-19, se discutia se era uma “gripezinha”, como disse o presidente Jair Bolsonaro, ou uma grave crise sanitária. O então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, insistia que era preciso adotar a política de distanciamento social, para achatar a curva de contaminação e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto se esperava uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. Acabou demitido por contrariar Bolsonaro. O oncologista Nelson Teich, que o substituiu, pediu demissão rapidinho. Bem-mandado, o general de divisão Henrique Pazuello foi nomeado para o cargo.

Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.

Bolsonaro agiu como aquele rei persa que apostou e perdeu a partida de xadrez. Como recompensa, o seu vizir pediu um grão de trigo no primeiro quadrado do tabuleiro, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante, oferecendo joias, odaliscas, palácios, mas o vizir recusou. Só desejava os montes de trigo. Na hora de pagar a aposta, porém, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1.024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões.

A história foi contada pelo físico norte-americano Carl Sagan (Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte, Companhia das Letras, 1998) para chamar a atenção para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da escala dos mais variados assuntos. É o caso da pandemia de coronavírus, que pode virar uma endemia, se a política de vacinação do governo continuar errática, para não dizer toda errada, como está sendo realizada.

Colapso
Na quarta-feira, chegamos a 250 mil óbitos, com média móvel recorde de 1.129 mortes por dia. Estudo da Fiocruz referente à Semana Epidemiológica 7 de 2021 (período de 14 a 20 de fevereiro) mostra que oito dos 27 estados apresentam sinal de crescimento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e da covid-19 (95,4% do total de testes positivos), enquanto seis apresentaram tendência de queda. Entretanto, todas as regiões do país estão em risco. Ceará, Santa Catarina e Tocantins apresentam sinal forte (probabilidade maior que 95%) de crescimento na tendência de longo prazo (seis meses). Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul mostram sinal moderado (probabilidade maior que 75%). Ceará e Paraíba acumulam cerca de seis semanas consecutivas de crescimento, enquanto Tocantins apresenta cinco semanas. Alagoas, Goiás, Maranhão e Rondônia, embora estejam com sinal de estabilidade na tendência de longo prazo, vêm de longo período de crescimento.

Ontem, o ministro Pazuello anunciou que o governo tem três estratégias para enfrentar a pandemia: atendimento imediato em unidades básicas de saúde, estruturação de leitos de UTI e de enfermaria e impulsionamento da vacinação. Ou seja, descobriu a pólvora. Admitiu que a nova cepa do coronavírus, que surgiu em Manaus, já está em várias regiões do país. Citou aumento da contaminação no Pará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Goiás, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Na verdade, os sinais de que o SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, vêm da escassez de leitos em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe.

Quando Pazuello fala em pronto atendimento nas unidades básicas de saúde, não fica claro qual é o tipo de tratamento. Segundo a revista científica New England Journal of Medicine, a pesquisa Solidarity (Solidariedade) mostrou que medicamentos como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. A pesquisa é organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, conduzida pela Fiocruz. Esse coquetel faz parte do chamado “tratamento precoce”, que era recomendado pelo Ministério da Saúde e foi desaconselhado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).

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Luiz Carlos Azedo: Emenda Daniel Silveira

Arthur Lira busca uma reaproximação com os 130 deputados que votaram contra a prisão de Daniel Silveira, com os quais havia contado para a sua própria eleição

Com 186 assinaturas, a Câmara discute uma emenda constitucional cujo objetivo é proteger os deputados da prisão em flagrante, com novas regras que visam garantir não a sua imunidade parlamentar, mas velhos privilégios. Articulada pelo novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a proposta pode ser chamada de Emenda Daniel Silveira (PSL-RJ), o deputado falastrão de extrema direita preso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), por desacatar àquela Corte e seus ministros. É muita ironia, porque a prisão do parlamentar foi mantida pelo plenário da Casa por esmagadora maioria: 364 votos a favor, 130 contra e três abstenções.

Lira quer regulamentar o artigo 53, que trata da imunidade parlamentar e da prisão de deputados e senadores. Na prática, a proposta impede que um parlamentar seja afastado do mandato ou preso por ordem de um único ministro da Corte, como aconteceu com Daniel Silveira. Tecnicamente, somente poderá ser preso em flagrante por crime inafiançável (racismo, tráfico, formação de grupos armados e crimes hediondos), mesmo assim, ficará sob os cuidados da Câmara ou do Senado, porque a proposta estabelece que o deputado ou senador, após a lavratura do auto de flagrante, permanecerá sob custódia da respectiva Casa até o pronunciamento definitivo dos seus pares.

Caso mantida a prisão pelo plenário, como aconteceu com Daniel Silveira, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar, que precisará ser confirmada pelo plenário do Supremo. Autor da proposta, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) propõe que o afastamento ou a perda de mandato de um parlamentar só possa ser decidido em um processo disciplinar da Câmara: “Nem um juiz nem o Supremo Tribunal Federal nem ninguém do Poder Judiciário pode afastar um representante legítimo do povo das suas funções. Representante que foi escolhido pelo poder maior da nação, que é o povo, não pode ter o seu mandato afastado por uma decisão judicial”, disse.

O texto também limita as operações de busca e apreensão no Congresso e nas residências dos parlamentares, que terão de ser aprovadas pelo plenário do Supremo. Os documentos ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade. Além do caso de Daniel Silveira, os do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 30 mil na cueca numa operação de busca e apreensão em sua residência, em Macapá, e da deputada Flordelis (PSD-RJ), suspeita de mandar matar o marido, recém-afastada do mandato pelo Tribunal de Justiça fluminense, motivaram a apresentação, a toque de caixa, da emenda constitucional.

Enrolados
Nos bastidores, comenta-se que Arthur Lira busca uma reaproximação com os 130 deputados que votaram contra a confirmação da prisão de Daniel Silveira, com os quais havia contado para a sua própria eleição à Presidência da Câmara. Legislaria em causa própria, pois faz parte do grupo de parlamentares enrolados que respondem a processo no STF. O Palácio do Planalto também atua nos bastidores para a aprovação da emenda constitucional, para compensar o abandono em que deixou Daniel Silveira quando o parlamentar foi preso.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), não esconde que o projeto é uma resposta ao STF: “É uma reação à forma como o Supremo atuou na prisão do deputado Daniel Silveira. Nós não podemos ter presos no Brasil por crime de opinião (…). Eu respeito o Supremo Tribunal Federal, acho que eles agiram ali, num momento ali, numa forma ordenada, corporativa, mas, friamente falando, não tem fundamento para a prisão, como ela foi feita”.

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Luiz Carlos Azedo: Guedes foi abduzido

O governo deu uma guinada populista e estatizante para agradar a base eleitoral de Bolsonaro e consolidar o poder dos generais do Palácio do Planalto

A troca de comando na Petrobras — o executivo civil Roberto Castello Branco foi substituído pelo general Luna e Silva na presidência da empresa — provocou uma queda de 21% das ações da companhia, o que representa uma perda no seu valor de mercado que já supera R$ 100 bilhões. Ameaças de troca de comando na Eletrobras e no Banco do Brasil também tiveram muito impacto no mercado financeiro, o que fez a Bovespa cair 5% e o dólar, fechar cotado a R$ 5,45, uma alta de 1,26%, mesmo com o Banco Central (BC) vendendo US$ 1,5 bilhão em linha direta.

O mercado não está só especulando, o que é normal quando há mudanças desse tipo. Está mesmo à beira de um ataque de nervos, porque a situação geral do país é complicada: (1) o Brasil está isolado internacionalmente, na contramão da política de Joe Biden; (2) a segunda onda da pandemia está fora de controle em várias cidades do país, com a média de mortes acima de 1.000 óbitos/dia; (3) a manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Câmara mostrou que o Centrão não apoia Bolsonaro para o que der e vier (os bolsonaristas podem não chegar a 130 deputados); (4) o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), em entrevista à Veja, deixou claro que seu acordo com o Palácio do Planalto não incluiu a reeleição de Bolsonaro em 2022.

O governo deu uma guinada populista e estatizante para agradar a base eleitoral de Bolsonaro e consolidar o poder dos generais do Palácio do Planalto, com a militarização da direção das principais empresas estatais. Com isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, corre o risco de virar um “anão de jardim” na Esplanada dos Ministérios. Ninguém sabe o que Guedes pretende fazer, mas o mercado financeiro o considerou uma figura ornamental nessa troca na Petrobras, ou seja, perdeu a credibilidade. Numa reunião com empresários, ontem, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), indagado sobre eventual saída de Guedes, respondeu com indiferença: paciência. Caso isso ocorra, o Centrão já tem candidato: Rogério Marinho, o ministro da Integração Nacional, que é economista e foi o negociador das reformas trabalhista, no governo Michel Temer, e previdenciária, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro.+

Pau mandado
Nos bastidores, Guedes fez chegar a interlocutores que sua aposta é a aprovação da PEC Emergencial. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC, propõe o fim do piso para a educação e a saúde, o que coloca em risco o recém-aprovado Fundeb e o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). No substitutivo da emenda constitucional, incluiu a chamada “cláusula de calamidade pública”, com os acionamentos de gatilhos para gastos extraordinários, ou seja, despesas acima do teto de gastos, sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ministro Paulo Guedes tem ressaltado a necessidade da votação dessa matéria para viabilizar o auxílio emergencial.

A nomeação do general Luna e Silva, que já foi diretor de Orçamento e Finanças do Exército e ministro da Defesa, não passou pelo ministro da Economia, foi uma indicação dos generais do Palácio do Planalto. Guedes foi abduzido pelos militares, mas minimiza os efeitos da troca de comando na Petrobras e vê a queda das ações como um fenômeno normal no mercado financeiro, no qual sempre atuou. Avalia que a aprovação da PEC pelo Senado será uma conquista mais importante do que os efeitos da intervenção na Petrobras. A equipe econômica também estaria elaborando um novo programa de privatização, que incluiria a criação de um fundo destinado à transferência de renda, o que agradaria o presidente Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pretende votar a PEC Emergencial na próxima quinta-feira.

O general Luna e Silva terá de convencer os acionistas da Petrobras de que não é um pau mandado do presidente da República, como acontece com o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que atua na base do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O problema do governo é que os acionistas da empresa podem entrar na Justiça exigindo indenização da companhia, principalmente os estrangeiros, em razão dos prejuízos causados pela intervenção indevida do governo na política de preços de combustíveis. Com ações na Bolsa de Nova York, a Petrobras já cortou um dobrado com esses acionistas, que processaram a empresa nos Estados Unidos por causa do escândalo do petrolão.

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Correio Braziliense: 'Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista', diz Haddad

Ex-prefeito de São Paulo anuncia que o partido não vai esperar 2022 para pressionar pela vacinação, pela volta do auxílio emergencial e pela geração de empregos, áreas em que considera que o governo fracassou

Luiz Carlos Azedo e Denise Rothenburg, Correio Braziliense

Liberado pelo ex-presidente Lula para desfilar como pré-candidato do PT à presidência da República, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que representou o Partido dos Trabalhadores na última eleição presidencial, dá a largada à sua pré-campanha acusando o empresariado brasileiro de ter "contratado o caos" em 2018 ao apoiar Jair Bolsonaro em "troca de dinheiro miúdo" e alguns por "dinheiro graúdo", referindo-se à expectativa de privatização da Eletrobras e da Petrobras,que faziam parte dos planos de Paulo Guedes.

Nesta entrevista ao Correio, ele anuncia que o partido não vai esperar 2022 para pressionar pela vacinação, pela volta do auxílio emergencial e pela geração de empregos, áreas em que avalia que o governo fracassou. "Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista", afirma Haddad, que considera Bolsonaro uma pessoa "perigosa". Quanto à rejeição ao PT, que levou o partido à derrota em 2018, ele considera que passou: "A rejeição ao Bolsonarismo já superou essa. Hoje, mais de 50% da população não quer a continuidade dessa loucura que virou o país, que é um país necrófilo, cultivando a morte, o desemprego, o desalento", diz. A seguir os principais pontos da entrevista.

O senhor já é o pré-candidato ou o PT pode apoiar outro partido?

Eu acredito que é natural que uma pessoa que tenha ido ao segundo turno de uma eleição presidencial seja lembrada pelo próprio partido. Mas nós sabemos que estamos lutando há muitos anos para provar a parcialidade do juiz Sergio Moro no julgamento do Lula. Entendemos que conseguimos recolher mais do que evidências. Recolhemos provas cabais de que o Moro agiu como chefe da acusação, o que é vedado por lei. Quero crer, até pela declaração de vários ministros, de que querem Justiça e não perseguição, que nós temos uma possibilidade de resgatar a democracia no Brasil. Não podemos abdicar da democracia. Não se trata de nomes, se trata de Justiça. Agora, o Lula, realmente, me pediu, conforme revelei, que não aguardemos isso. Não temos o mando dos prazos judiciais. Sabemos que a Justiça será feita, mas não sabemos quando. Temos que ter clareza que o Bolsonaro não pode ficar sozinho, em campanha, com um plano de ação atroz, que tem trazido tanta desgraça para o povo brasileiro. Esse é o sentido do meu afastamento da sala de aula para me colocar à disposição do PT até as eleições de 2022. Esse é o sentido, não deixar Bolsonaro só.

O senhor já deve ter uma proposta de programa esboçada. Quais seriam as três prioridades de debates nesta pré-campanha eleitoral?

Não podemos aguardar 2022 para pressionar o governo a vacinar as pessoas. Essa sabotagem que o governo Bolsonaro fez com a vacina e com o isolamento social, que trouxe tanto desemprego e sofrimento para as famílias brasileiras, será uma agenda das caravanas já em 2021, não vamos aguardar 2022 para discutir isso, emprego, renda e saúde pública. Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista. Vamos discutir com a população a vacinação e o auxílio emergencial imediatamente. Agora, evidentemente, a economia brasileira está totalmente desorganizada e temos uma situação de queda brutal do investimento público, temos que encontrar espaço orçamentário para gerar emprego. É uma ilusão imaginar que vamos poder contar com o investimento privado em substituição ao público. Isso nunca aconteceu. Está aí o Joe Biden lançando um plano de US$ 2 trilhões para recuperar a economia americana, contrariando toda a cartilha neoliberal. Temos que ter clareza que precisamos gerar empregos no país e o PT é um partido que mais gerou empregos na história do Brasil. Foram 20 milhões em 12 anos, sabemos fazer isso. Obviamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem que ser reforçado, porque provou que é o instrumento que temos de política pública na área da saúde. E, lamento dizer, vamos encontrar a educação, que pouco se fala no Brasil, em situação de extrema penúria.

Como assim?

O Bolsonaro destruiu o sistema educacional brasileiro. Até como ex-ministro da Educação, teremos uma tarefa enorme de reconstruir o sistema educacional brasileiro. O Ministério da Educação se negou a coordenar ações das secretarias estaduais e municipais. Cada um está dando um tiro para um lado. Provavelmente, vamos ter uma pandemia de crianças e professores, que estavam antes resguardados. Não houve planejamento para a volta às aulas presenciais. O Ministério da Educação não deu nenhuma entrevista coletiva organizando o país na área educacional. Bolsonaro tem nomeado interventores nas universidades e institutos federais ao arrepio da lei, está cortando verba de ciência e tecnologia. O corte já chega a 70% do pico do nosso investimento. E a cultura está destruída no país. Não há financiamento para geração de empregos na área da cultura. Então, temos um desafio enorme nessas áreas que dialogam com o futuro, ciência, educação, artes, cultura.

Não seria tarefa dos estados organizar a volta às aulas presenciais nas escolas de ensino médio e fundamental, uma vez que esses níveis são atribuição deles?

A Constituição não diz bem isso. A Constituição diz que a União tem o papel de coordenador em todas as ações federativas. E, no caso da educação e da saúde, isso é textual: o governo federal nunca pode lavar as mãos. Nunca. Em área nenhuma. Na educação e na saúde tem uma recomendação expressa na Constituição. Os apoios técnico e financeiro são obrigações constitucionais da União frente ao SUS e aos sistemas educacionais.O governo Bolsonaro não fez nem uma coisa, nem outra. Nem o Pazuello, nem o ministro da Educação. Estamos no quarto ministro da Educação. Jamais se dispuseram a coordenar as ações com equipes de sanitaristas, epidemiologistas que pudessem fazer uma programação coerente. Estamos falando de um quarto da população que está em sala de aula. Não estamos falando de pouca gente. Mais de 50 milhões de brasileiros são estudantes, professores e funcionários de escola. Se somarmos as universidades, estamos falando de quase um terço da população.

Para 2022, seu principal concorrente é o juiz Sergio Moro, o único que, nas simulações de segundo turno, ultrapassa Bolsonaro. Isso deixa evidente que essa variável da Lava-Jato ainda tem peso nas eleições. Como lidar com isso?

Há uma confusão proposital entre combate à corrupção e o que aconteceu em Curitiba. No meu ponto de vista, o que aconteceu em Curitiba também pode ser classificado como corrupção. Do sistema de Justiça. Você não pode simplesmente perseguir politicamente uma pessoa como projeto político, não pode fazer isso. Eu, se fosse juiz, não perseguiria Bolsonaro por crimes ficcionais. Ele tem que responder pelos crimes que cometeu porque tem prova. Por exemplo, quando a gente acusa Flávio Bolsonaro pelo desvio de verba pública em gabinete, não é uma acusação feita ao léu. Você tem lá a conta-corrente, o dinheiro sendo transferido de uma conta para outra, inclusive envolvendo a esposa do presidente da República. Você tem um acúmulo de patrimônio que jamais uma pessoa como Bolsonaro conseguiria amealhar, patrimônio imobiliário, loja de chocolate. Ou seja, está feito um nexo entre uma coisa e outra. Agora, você não pode usar, corromper o sistema, para fazer política. É isso que juristas do mundo inteiro e, não sou eu que estou dizendo isso, condenam a maneira como o juiz Sergio Moro se comportou. Agora, toda a legislação anticorrupção é do nosso governo, todo o fortalecimento da polícia, do Ministério Público, é do nosso governo. Esse governo está fazendo o contrário. Está enfraquecendo o combate à corrupção. Então, não vai ser o juiz Sergio Moro que vai me ensinar uma coisa que eu sei de cor. Passei pelo Ministério da Educação com R$ 100 bilhões de Orçamento, passei pela prefeitura de São Paulo, com R$ 60 bilhões de orçamento, e você nunca ouviu de ninguém que não foi feito um combate pesado contra a corrupção. Inclusive, em São Paulo, desbaratei uma máfia do INSS, recuperei quase meio bilhão de reais para a cidade. O Moro é que tem se explicar.

Embora o senhor diga que Sergio Moro extrapolou, há uma rejeição ao Partido dos Trabalhadores. Como o senhor vai lidar com isso?

Primeiro, acho que a rejeição ao bolsonarismo já superou essa. Hoje, mais de 50% da população não quer a continuidade dessa loucura que virou o país, que é um país necrófilo, cultivando a morte, o desemprego, o desalento. Então, acho que vai crescer esse sentimento na sociedade, de que nós não podemos continuar assim. Como vai crescer também a compreensão sobre o que de fato aconteceu. Do meu ponto de vista, houve, efetivamente, a partir de um cartel de empreiteiras, a captura da direção da Petrobras, e, diga-se de passagem, diretorias que eram ocupadas por pessoas de carreira, com mais de 30 anos de casa. Não foi gente de fora da Petrobras que organizou o cartel das empreiteiras. Agora, se foi possível desbaratar aquele cartel, só foi possível pelo fortalecimento das instituições promovido pelos nossos governos, que é o oposto do que está sendo feito hoje. Então, acho que a gente tem que falar com muita transparência. Não podemos cair no erro da criminalização generalizada. Às vezes ouço falar, ah, a imprensa brasileira é uma porcaria. De que jornalista está falando? De qual veículo. Sabe? Quando começa a generalizar…

O senhor é a favor do impeachment?

Não fui a favor do impeachment em 2019, não falava disso. Agora, fui a favor quando ele cometeu crime de responsabilidade, e dois muito graves: um, participar de atos antidemocráticos. O presidente da República não pode fazer isso. É expresso na lei do impeachment: não pode atentar contra o exercício dos outros Poderes. O presidente da República não pode constranger os outros Poderes na base da violência, tem que argumentar. Não pode intimidar os poderes da República. Isso é crime previsto em lei e ponto. Tem que afastar. Dois, o que fez na crise sanitária. Para mim, é crime de lesa-humanidade. Se nós tivéssemos um presidente decente, teríamos menos de um terço das mortes que tivemos, seguindo recomendações de qualquer epidemiologista, qualquer sanitarista. Então, ele é, sim, responsável pelas mortes.

Na hipótese de impeachment, assume Hamilton Mourão. Qual seria sua posição em relação a um governo dele, que, de certa maneira, assumiria com o seu apoio?

Não, veja bem: quando fomos a favor do impeachment do Collor, à época, todos os partidos votaram a favor. O PT não aderiu ao governo do Itamar, embora o Itamar fosse uma pessoa proba e responsável. Assumiu a Presidência legitimamente. Não aderimos ao governo, com exceção da Erundina, que foi um caso isolado e que contrariou a orientação partidária. Permanecemos na oposição, mas sempre a favor da democracia. O PT não faz toma lá dá cá com governos liberais, de direita. A gente respeita a direita. É uma força política que tem total condição de disputar hegemonia na sociedade. O PT é o maior partido de centro-esquerda e não de direita. A direita tem todo o direito de existir, como nós temos o direito de existir. O impeachment não pode ser negociado na base do toma lá dá cá, tem que ser aprovado ou não seguindo a regra constitucional: cometeu crime de responsabilidade? Está matando brasileiros? Se insurgiu contra a democracia? É crime previsto em lei. Teríamos poupado, pelo menos, 150 mil vidas, se Bolsonaro fosse afastado há um ano. Em primeiro lugar, falamos, esse senhor não tem condição de gerir essa crise, vai arrebentar esse país. E olha o que aconteceu. Tudo o que dissemos no começo do ano passado, demonstrou ser a mais pura verdade. Ele é um homem destrutivo. Tem prazer nisso. É impressionante.

A preços de hoje, Bolsonaro tem uma vaga no segundo turno em 2022. O que leva o senhor a crer que o resultado será diferente de 2018?

O Bolsonaro só ganhou com base numa mentira: de que eu era o extremista que ele era. Mentiram para a sociedade. Vocês me conhecem há muitos anos. Comparar a minha biografia de professor, democrata, lutei pelas diretas, lutei pela Constituinte, fui para a sala de aula estudar o Brasil, estudar o mundo. Fui ministro da Educação, fui prefeito de São Paulo.

E na esquerda, uma eventual candidatura de Guilherme Boulos lhe ajuda ou atrapalha?

É óbvio que se nós pudermos estar juntos no primeiro turno, estaremos. Não há dúvida de que faremos o esforço necessário para estarmos juntos, mas quero lembrar que, em 2018, tinham quatro candidatos até o dia da inscrição de chapa e nós só conseguimos fazer aliança com o PCdoB e mais ninguém. No domingo da inscrição de chapa, às 23h, faltando uma hora para o término do prazo. Obviamente, a situação hoje é melhor, porque temos mais tempo para sentarmos à mesa e discutir. A situação está mais clara sobre o que de fato acontece no Brasil do que estava em 2018. Muitas informações foram reveladas e a solidariedade a Lula é muito maior hoje por parte dos partidos de esquerda do que foi em 2018. O drama que estávamos vivendo. A compreensão desse drama por parte das forças políticas é maior. E, quando falo maior, falo da centro-direita, que acordou para as ameaças que estamos vivendo. Então, acho que o quadro é outro. E podemos fazer um grande entendimento de que o candidato que for ao segundo turno, terá o apoio dos demais. E aí, um leque mais amplo do que o de 2018. É o que eu espero que aconteça. As pessoas têm todo o direito de ter o seu projeto e apresentá-lo no primeiro turno. É um direito. É para isso que tem dois turnos, para a pessoa se apresentar da forma mais adequada que considera, mas com o compromisso de, no segundo turno, derrotar o governo de extrema-direita que está no Brasil.

O senhor vislumbra um cenário de muitos candidatos em 2022?

Em 2018, tivemos 13 candidatos. Imagino que, com um ano e meio pela frente, a gente consiga ter menos do que isso, se a gente conversar e se conseguir se entender sobre o que está em jogo no Brasil. Digamos que podemos cair para seis candidatos. Mas o acordo de segundo turno precisa ter mais atenção da imprensa. É a sugestão que eu faço: ou seja, aqueles que votaram no Bolsonaro no segundo turno, em 2018, fariam o mesmo em 2022? A gente acha que precisaria explorar isso melhor para saber quem é democrata e quem não é no Brasil. Na minha opinião, quem apoia Bolsonaro hoje não tem grande compromisso com a democracia. Em 2018, poderia alegar ignorância, mas hoje não dá para alegar ignorância de quem é o Bolsonaro.

Na disputa pelo Senado, o PT apoiou Rodrigo Pacheco. Na Câmara, a decisão de apoiar Baleia Rossi foi disputadíssima na bancada. Outros partidos se dividiram. Como lidar com essas forças que implodiram?

Não acho que implodiram. Rodrigo Maia estava de saída. Achamos que ele perdeu muitas oportunidades de liderar o processo de contenção do bolsonarismo. Acredito que ele tenha, realmente, desperdiçado essas oportunidades. E hoje entendo melhor o porquê. Seu próprio partido o rifou. Ele deve estar de saída do DEM no próximo período. E o PT, então, de forma bastante disputada internamente, resolveu fazer um gesto, de ter um presidente da Câmara que não fosse bolsonarista para conter os ímpetos autoritários e antiestado do Bolsonaro. Fizemos um gesto que, na minha opinião, foi pedagógico. O que esse gesto demonstrou? Que a direita, na hora H, vai para o lado do Bolsonaro. Não aceitaram nem um deles para presidir a Câmara. Preferiram correr para o colo do Bolsonaro. Ficou muito escancarado que a direita não tem esse compromisso com a democracia, que ela batia no peito em 2018 para justificar não votar em mim. No Senado, foi algo bem diferente. Rodrigo Pacheco é um advogado, garantista, um cara centrado, que era o melhor candidato. Não era o candidato do Bolsonaro, como falam. In pectore, jamais o Bolsonaro escolheria uma pessoa como ele para presidir o Senado, mas acabou se rendendo à articulação que foi feita pelo Davi Alcolumbre, em torno de uma pessoa que agregava mais do que um candidato bolsonarista agregaria. Não foi propriamente uma vitória do bolsonarismo, ao contrário da Câmara, onde o fenômeno foi outro: o PT fez o gesto e a direita correu para o lado do Bolsonaro. Mas isso foi pedagógico, porque a população vai enxergando quem de fato é oposição a esse governo. O maior partido de oposição a este governo é o PT, não tenho a menor dúvida. É um partido grande, com mais de 50 deputados, que ainda tem densidade para se insurgir contra o Bolsonaro.

O Congresso está diante de dois fatos que vão balizar as duas Casas. Uma é a CPI da Saúde, que precisa ser instalada no Senado. E o outro é o caso Daniel Silveira. Qual sua opinião sobre essas duas questões?

A gente sempre testa as pessoas no cargo. A gente nunca sabe o que vai ser de alguém antes de a caneta estar na mão. Às vezes, o cara diz antes o que vai fazer, como o Bolsonaro disse. Mas é raro alguém dizer tudo o que vai fazer, infelizmente, porque as pessoas deveriam ser muito transparentes antes de assumir cargos de comando no país. Eu acredito que uma CPI da Saúde é necessária, porque a gente tem que estimar quantas pessoas morreram, quantas vidas foram ceifadas por absoluta responsabilidade do governo. Aí, vai se discutir a cadeia de responsabilização, se foi o Bolsonaro ou o Pazuello. Pelo menos, o ministro tinha que cair, porque ele é diretamente responsável pelo que fez. Comprar cloroquina, distribuir cloroquina, combater a vacina, não promover as encomendas necessárias para a gente estar em patamar de vacinação, não ter um gabinete de crise até hoje instalado, não coordenar as ações federais. Se isso não é improbidade, é melhor rasgar a lei, porque ninguém vai responder mais por improbidade nesse país, depois do governo Bolsonaro. Não existe improbidade mais. Ou a gente leva a sério o Brasil, ou vamos ladeira abaixo, como estamos indo. Por isso, acho a CPI da Saúde imprescindível e espero que ele (Rodrigo Pacheco) instale.

E em relação ao caso Daniel Silveira?

Prisão de parlamentar é sempre uma coisa delicada. É óbvio que esse deputado, em especial, está fustigando o Supremo talvez para provocar essa situação. Ele deu um palanque virtual bastante considerável, ele é uma pessoa das sombras, parece que já foi 90 vezes preso, segundo ele próprio. Se entendi bem o discurso dele, é uma pessoa que tem orgulho de ter sido presa 90 vezes. É uma pessoa das sombras que vem fustigando a Suprema Corte há muito tempo. Não sei se a medida mais correta é a prisão, mas, com certeza, a medida mais correta é a cassação do mandato. A quebra de decoro está caracterizada, de acordo com toda a legislação. Compreendo também que a decisão judicial da Suprema Corte tem que ser respeitada. Esse cidadão está nessa campanha, de promover ódio, de promover atentados contra a democracia, há muito tempo. Praticamente desde que tomou posse. Não sei o tipo de ameaça que os ministros vêm recebendo. Eu sei que vêm recebendo ameaças, contra a sua própria vida muitas vezes. Se amanhã se descobrir uma pessoa que está fomentando um atentado contra a vida do presidente da República, que é alguém que eu considero desprezível, sou a favor de que essa pessoa saia de circulação. Isso não é uma atitude de quem respeita a democracia. Existe lei e você não pode fomentar nenhum ato de violência contra uma autoridade constituída.

Como o senhor avalia o decreto das armas?

É outro caso que o Congresso tinha que sustar, via decreto legislativo. Onde vai parar isso? As pessoas precisam de vacina para salvar a economia. E a pessoa está preocupada em armar milicianos? Esse sujeito que foi preso, investiga a vida dele: deve ter algum parentesco ou ligação com o Adriano, que foi morto na Bahia; com o Queiroz, escritório do crime, essa turma. É muito sério o que está acontecendo. A gente precisa ler o livro do Bruno Paes Manso, sobre a república das milícias, para saber o que está acontecendo no Brasil. Temos na Presidência da República uma pessoa muito perturbada, que não tem nenhum compromisso com a democracia. Uma pessoa perigosa. Estamos falando de uma pessoa muito perigosa. Não sei se as pessoas estão atentas para isso, mas o perigo está à espreita. É muito grave.

Agora, ele tem dito que essas afirmações são feitas para tirá-lo da Presidência em 2022...

Semana passada falou em tirar de circulação os jornais. Ou seja, não tem dia que ele não atente contra a democracia. Foi passar o carnaval, com mais de mil mortos por dia, e passear em jet-ski em Santa Catarina. Que exemplo edificante ele dá sobre qualquer assunto? Está há dois anos e dois meses na Presidência da República. Não consigo ver um exemplo que se diga, aqui foi uma postura de presidente, aqui representa a alma do brasileiro. O que eu vejo é ameaça o tempo todo.

Como lidar com isso, num processo eleitoral que será tenso?

O empresariado brasileiro que apoia o Bolsonaro até hoje precisa botar a mão na consciência. Se o empresariado brasileiro não botar a mão na consciência e reconhecer que contratou o caos ao ocupar a Presidência da República com essa figura, a tensão vai aumentar. Eles precisam entender o que eles fizeram. Eles contrataram o caos. Contrataram o caos e por dinheiro miúdo. Alguns por dinheiro graúdo, Eletrobrás, Petrobras. Alguns estão de olho na compra na bacia das almas do patrimônio nacional. Mas eles contrataram o caos.

Além de ter que convencer o empresariado a pôr a mão na consciência, o PT também precisa convencer esse empresariado de que aquela situação que vivemos lá atrás, com petrolão e mensalão, não vai se repetir?

Vamos pegar o caso dos tucanos aqui de São Paulo, que governam o estado desde os anos 1990. Você tem Metrô, Rodoanel, Dersa, tudo capturado, todas essas empresas foram capturadas, você pode deduzir daí que uma figura que eu até defendi publicamente, o governador Geraldo Alckmin, estava envolvido com a captura dessas empresas? Se aparecer uma prova de que ele estava envolvido, prendam. Agora, você não pode supor que tudo o que aconteceu com aquele Paulo Preto foi sob o comando de uma liderança tucana, a não ser alguns que tinham contas no exterior. Esses precisam ser presos. Tem várias lideranças tucanas que precisam ser julgadas, porque há evidências absurdas, cartões de crédito e contas no exterior. É outro departamento. A questão do gabinete do Bolsonaro, estão lá as provas… Nada contra combater a corrupção. Mas vamos fazer isso de maneira adequada, de acordo com a lei, sem política, sem ideologia. Juízes imparciais, juízes honestos, não tem nenhum problema em avançar nessa agenda.

Em relação ao PT também?

Não tem nenhum problema, você tem milhões de filiados. Vamos pegar a igreja, um padre saiu da linha. Você defende a punição. Se você respeita a Igreja, sim. Eu respeito o meu partido, por isso defendo a punição. Tem prova contra um filiado do meu partido, paciência, eu lamento, mas eu não tenho compromisso com a coisa errada. Isso vale para a minha igreja, vale para o meu partido, vale para a minha família, vale pra todo mundo, pode ser meu filho, meu primo, meu sobrinho, errou, paga. Se eu defendo isso para a minha família, como é que eu não vou defender para a minha igreja e o meu partido? Essa coisa não existe comigo, essa questão não é partidária. Defendo que as pessoas do PSDB que não sejam culpadas, sejam absolvidas. Não posso desejar a punição para um adversário se ele não cometeu algum erro. Não quero isso para ninguém, seja de que partido for. Não quero saber, errou, paga; não errou, não paga. Tem uma lei, tem que cumprir a lei, ponto. Se você é contra a lei, lute para mudar a lei, mas enquanto a lei estiver em vigor, cumpra a lei.

E o ex-presidente Lula, qual será o papel dele daqui pra frente?

Lula nunca desrespeitou o Poder Judiciário, é bom que se diga isso. Ao contrário, ele isolava o que estava acontecendo em Curitiba do que estava acontecendo no resto do país. A briga do Lula é por justiça, não é contra A, B ou C. E o Lula, assim que estiver vacinado, está louco para se vacinar, ele já está com 75 anos, está esperando a vez dele, deve acontecer nas próximas semanas, ele se colocará à disposição do país, como sempre se colocou, para ajudar a construir uma saída.

Como fica a questão se o Lula for liberado pela Justiça para disputar as eleições?

Primeiro, vou seguir com as minhas ideias e o meu partido, independentemente da missão que me for dada. Segundo, se a Justiça chegar é muito justo que o PT reabra a discussão e o Lula possa ser candidato, que é o desejo de 100% da militância do PT. Por fim, não acho que vamos chegar ao que aconteceu em 2018. Eu estou saindo à rua, como todos os pré-candidatos, todo mundo está colocado. É um direito de cada cidadão se deslocar com segurança pelo país com uma mensagem, não sei no que isso pode prejudicar quem quer que seja, prejudicar as pessoas.

O senhor é considerado um petista light, o Lula não, é o Lula, é o PT raiz 100%, puro-sangue. Isso faz muita diferença numa disputa de segundo turno?

O único partido ao qual me filiei foi o PT e isso já tem bastante tempo. As pessoas conhecem o meu trabalho, sou a favor de que o homem público tenha sua vida passada a limpo, uma coisa é uma novidade, estou chegando agora; outra coisa é uma pessoa que tem 20 anos de vida pública. Não estou chegando agora, tenho 20 anos de experiência. Passei por cargos muito importantes, por um ministério que não era tão importante quando cheguei, mas deixei um dos maiores ministérios, mais importantes, senão o mais importante do país. Foram 8 anos só de MEC, mais quatro anos na maior cidade do país. Minha vida está aí para quem quiser virar do avesso, as decisões que eu tomei, polêmicas, não polêmicas, mas que eram polêmicas e deixaram de ser, porque se mostraram correta, a minha família, onde eu moro, os meus filhos, a educação que eu dei, tudo... O homem público tem que estar à disposição, com toda a transparência. Se eu sou mais light ou menos light, as decisões que eu tomei falam mais do que um discurso. Lula não saiu com 80% de aprovação por outra razão que não fosse a sua capacidade de diálogo, é um homem do diálogo, um homem que nunca se negou a sentar à mesa com quem quer que fosse para discutir o interesse nacional. Não me vejo dissociado disso. Não existe isso de o Haddad ser moderado, o Lula, não, como se pode inferir da pergunta. Ele é um homem de diálogo.

O senhor já tem uma experiência eleitoral em disputa com João Doria, no caso da Prefeitura de São Paulo, na qual o senhor foi derrotado. O que o senhor aprendeu com essa experiência e como o senhor lidaria com o Doria em 2022?

Em 2016, eu tive dois problemas muito graves: a situação em que estava o PT nacionalmente, que perdeu 60% dos votos no país, e na cidade de São Paulo, tinha duas concorrentes que foram prefeitas do PT, que deixaram o partido. A Luiza Erundina concorreu pelo PSol; e a Marta Suplicy, pelo MDB, que tomou o poder em 2016, a partir do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Esse cenário foi único e as pessoas não conheciam o Doria, que se vendeu bem. Eu não acho que esse cenário vá se repetir, menos ainda no Brasil. Uma coisa é a cidade de São Paulo, outra coisa é o Brasil. E eu acredito que as pessoas tenham se dado conta também do que ele representa em termos de compromisso social e democrático, das dificuldades que sofre dentro do próprio partido. Não acho que esse cenário tenha qualquer plausibilidade em 2022.

E o Luciano Huck?

Há sempre aquela solução do bolso do colete. Olha, celebridade é celebridade, às vezes, tem o carinho da população por ser celebridade. Mas eu acho que a política, mais ainda a Presidência da República, falo isso com toda a fraqueza. Eu sempre recomendaria tranquilidade. Obviamente, uma pessoa ter popularidade em razão de um programa de auditório, ser da Rede Globo, é uma coisa; presidir o país é outra bem diferente. Mas, conhecendo a direita como eu conheço, eles são especialistas em embarcar em coisas que pra mim soam como uma aventura. As pessoas acham que para representar o Brasil num campo de futebol tem que saber jogar bola, mas pra ser presidente da República não precisa entender de economia, direito, filosofia, não precisa entender de nada disso. Eu acho o contrário, acho que as pessoas têm que se preparar. Eu acompanhei muito uma pessoa extraordinariamente inteligente, que se preparou muito para chegar à Presidência, conversou com as maiores intelectualidades do país. Lula se preparou décadas para poder ser o maior presidente da história do país, segundo todas as pesquisas. Não dá, sinceramente, não acho prudente.

E o Ciro Gomes, há conversas ou já se afastaram a um ponto que não tem mais diálogo?

Fiz um esforço enorme, no primeiro semestre de 2018, para que ele se aproximasse mais do Lula. Infelizmente, fiz quatro tentativas, duas com o próprio Ciro, uma com o Carlos Luppi e uma com o Mangabeira Unger. Não foi possível. Acho que foi um erro. Depois, no segundo turno, houve aquela atitude de sair do país e não houve mais contato. Recentemente, Camilo Santana, que é um grande governador do PT, conseguiu promover uma primeira conversa lá no Instituto Lula, tomara que as coisas mudem pra melhor.


Luiz Carlos Azedo: O mico da Petrobras

“O melhor negócio do mundo já não é uma refinaria de petróleo, como dizia David Rockefeller. Estamos vivendo uma grande mudança de matriz energética”

Esta quem me contou foi o ex-governador Artur Carlos Gerhardt Santos, que governou o Espírito Santo no começo dos anos 1970 e foi o grande artífice de sua industrialização. Levou para o seu estado indústrias de beneficiamento de commodities que muitos não desejavam, por causa dos riscos ambientais, como a Aracruz Celulose e a Companhia Siderúrgica de Tubarão, razão pela qual o Espírito Santo tem uma economia industrial ligada ao comércio exterior.

A história é a seguinte: quando foi construída a ponte rodoferroviária Florentino Avidos, a primeira ligação entre a ilha de Vitória e o continente, um português empreendedor logo tratou de criar uma linha de lotação, como se chamavam os ônibus da época. Os catraieiros – barqueiros que faziam o transporte de passageiros entre a capital e Vila Velha – fizeram uma greve. “Não tinha a menor chance de dar certo”, disse-me o ex-governador. Hoje, os catraieiros continuam oferecendo seus serviços, até viraram atração turística. Obviamente, para reduzido número de usuários.

A história é singela, mas ilustra o impacto da modernização nos meios de produção e na organização do trabalho, resguardadas as devidas proporções, é claro. E nos remete aos caminhoneiros e à situação da Petrobras, símbolo do nacional desenvolvimentismo e do nosso capitalismo de estado. Por pressão dos caminhoneiros insatisfeitos com a alta de preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o presidente da Petrobras, Roberto Cunha Castelo Branco, e nomeou para o cargo o general Joaquim da Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer.

É como se o governador Florentino Avidos, que importou a ponte de ferro da Alemanha em 1927, proibisse a linha de lotação para atender aos catraieiros. Caminhoneiros já derrubaram um presidente da República, protagonizando a crise que facilitou o golpe do sanguinário general Augusto Pinochet no Chile, no qual o presidente Salvador Allende morreu, em 1973. No Brasil, com a greve de 2018, caminhoneiros integraram a vanguarda da campanha de Jair Bolsonaro, que agora é refém da categoria. Recentemente, engavetou a nova lei da cabotagem, que baratearia os transportes de carga e reativaria a indústria naval, por pressão dos caminhoneiros. Bolsonaro teme uma nova greve da categoria como o diabo foge da cruz, porque vê uma conspiração para destituí-lo do cargo instalada no Palácio do Jaburu.

Acontece que a troca do executivo civil por um general sinalizou para o mercado a ruptura com o princípio de não-interferência do governo na política de preços da Petrobras, que é uma sociedade anônima, cujas ações despencaram nas bolsas de Nova York e São Paulo. A perda foi de R$ 28,2 bilhões no valor de mercado, num único dia. O tamanho do prejuízo dependerá dos próximos passos do governo e da competência do novo presidente da empresa, que não é do ramo, como o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. As novas políticas de preços de combustíveis e de desinvestimento da Petrobras não dependem só do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Choque de petróleo
Estamos vivendo um novo choque de petróleo.

Já houve três:

(1) em 1973, na criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), quando seus países membros limitaram a produção e exportação de petróleo, quadruplicando de US$ 3 para US$ 12 o preço do barril, em resposta à política das “Sete Irmãs”, cinco petroleiras americanas (Chevron, Exxon, Gulf, Mobil e Texaco), uma anglo-holandesa (Shell) e uma britânica (British Petroleum);

(2) em 1979, quando houve a revolução no Irã e sua guerra com Iraque, grandes produtores, o que resultou na redução da oferta de óleo; e

(3) em 1990, na Guerra do Golfo, entre o Iraque e o Kuwait, com as mesmas consequências. Agora, a OPEP e a Rússia resolveram reduzir a produção de petróleo e novamente jogar os preços para cima, o que afeta diretamente a Petrobras. Como não somos da OPEP, temos que jogar no time das “Sete Irmãs” e dançar conforme a música.

Com sede em Viena (Áustria), a OPEP foi fundada por Arábia Saudita, Venezuela, Irã, Iraque e Kuwait. Depois incorporou: Líbia (1962), Emirados Árabes (1967), Argélia (1969), Nigéria (1971), Gabão (1975), Angola (2007), Guiné Equatorial (2017) e Congo (2018). Esses países controlam 78,7% das reservas de petróleo do mundo. Entretanto, o melhor negócio do mundo já não é uma refinaria de petróleo, como dizia David Rockefeller. Estamos vivendo uma grande mudança de matriz energética, em plena recessão mundial provocada pela pandemia de covid-19, que afeta de forma acelerada e profunda o mercado automotivo e, consequentemente, de combustíveis. Não foi à toa que a Ford fechou suas fábricas no Brasil.

No auge da crise do governo Dilma Rousseff, o presidente de uma das “Sete Irmãs” no Brasil queixava-se de que há sete anos não havia leilões do pré-sal, o que desorganizava todo o “cluster” do petróleo, que migra de país de acordo com a intensidade de exploração. “Entre a prospecção e a produção, o ciclo de retorno de investimento no pré-sal leva 20 anos”, explicou. Retirar petróleo em águas profundas custa caro. A Petrobras não tem capital para explorá-lo na velocidade necessária e, em 20 anos, pode até ficar com um mico na mão. Por isso, como aconteceu com os catraieiros, o lobby dos caminhoneiros não tem futuro. Vem aí, rapidinho, o caminhão elétrico.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-mico-da-petrobras/

Luiz Carlos Azedo: Dispensa adversários…

Daniel Silveira não é querido e respeitado por seus colegas, tem apenas dois anos de mandato, nenhuma experiência parlamentar e comportamento arrogante

Quem tem um aliado como o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) não precisa de adversários. É a situação do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), na antessala de um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), absolutamente imprevisto e desnecessário, por causa dos ataques do parlamentar àquela Corte e seus ministros. Hoje, o plenário da Câmara deverá decidir se revoga a sua prisão em flagrante — motivo de grande controvérsia jurídica, porque se baseia em postagens nas redes sociais —, sobre a qual a decisão unânime do Supremo firmou jurisprudência. Ontem, a tendência da maioria dos deputados era de manter a prisão e aguardar que o próprio Supremo a relaxasse, substituindo por outras medidas, como prisão domiciliar e tornozeleira eletrônica.

O deputado foi transferido para o batalhão prisional da Polícia Militar fluminense, em Niterói, no final da tarde de ontem; antes, os policiais federais encontraram dois celulares em sua cela. Na reunião de líderes, à tarde, somente quatro partidos haviam decidido pela revogação da prisão: PSL, Pros, Novo e PSC. Manifestaram-se formalmente pela manutenção PSDB, Republicanos, Cidadania, Rede, PSB, PDT, PT, PcdoB, PSol. O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que também é a favor da manutenção da prisão, foi escolhido relator pelo presidente da Câmara, o que indica uma tendência da votação. Lira tem dado demonstrações de que não pretende tomar partido do deputado contra o Supremo, muito pelo contrário. Entretanto, também não quer se desgastar com sua base de apoio.

O fato é que Daniel Silveira conseguiu isolar os deputados de extrema-direita na Câmara, que reagiram de forma atabalhoada à prisão, com duras críticas ao STF, criando constrangimentos para os deputados contrários à prisão em flagrante por razões jurídicas. Esses parlamentares discordam da interpretação dada pelo Supremo às circunstâncias em que os ataques foram cometidos, no caso, por meio das redes sociais, para caracterizar o flagrante delito. Consideram a prisão abusiva, por supostamente desrespeitar o instituto da imunidade parlamentar. A maioria dos deputados, porém, repudia as agressões de Daniel ao Supremo e seus ministros, por representarem um atentado ao Estado de direito democrático. Muitos já se manifestam a favor da cassação do mandato do parlamentar pelo Conselho de Ética da Câmara.

Para os deputados do chamado Centrão, a força hegemônica na Câmara, a votação de hoje pode ser um providencial divisor de águas em relação ao grupo bolsonarista de raiz, demarcando os limites institucionais nos quais estão dispostos a conviver com o grupo e também a apoiar o presidente Jair Bolsonaro. De certa forma, essa fronteira foi delineada por Lira na conversa que teve ontem com o presidente Jair Bolsonaro, na qual o avisou de que a tendência da Câmara era manter a prisão. Silveira está sendo tratado como um falastrão desastrado e radical, que só cria problemas para seus aliados.

Náufrago

Além de manter a prisão do parlamentar, o clima é favorável à cassação do mandato no Conselho de Ética, que já está funcionando e quer tratar o assunto em ritmo acelerado. Daniel Silveira não é um parlamentar querido e respeitado por seus colegas, tem apenas dois anos de mandato, nenhuma experiência parlamentar anterior e comportamento considerado arrogante. Esse é o perfil sob medida para uma cassação pela própria Câmara, que tem a tradição de expurgar àqueles que são considerados indesejáveis, às vezes para purgar os próprios pecados da Casa. É bom lembrar que a maioria dos integrantes do Centrão é formada por políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami eleitoral de 2018, em cujas ondas surfaram Daniel Silveira e outros deputados de extrema-direita.

O vento da eleição de Arthur Lira à Presidência da Câmara, na qual contou com o apoio do grupo bolsonarista, rondou. Daniel Silveira não ajustou as velas e naufragou. O próprio presidente Jair Bolsonaro lavou as mãos no caso de sua prisão, apesar das pressões dos filhos Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal, e Carlos Bolsonaro (PR), vereador no Rio de Janeiro. A prioridade do Palácio do Planalto é aprovar a PEC Emergencial, que incluirá o auxílio emergencial, e o Orçamento de 2021. Nesse sentido, a confusão criada por Silveira somente atrapalha os objetivos do governo. Em algum momento, provavelmente, Bolsonaro sinalizará para sua base de apoio alguma solidariedade ao parlamentar, mas isso somente criará mais problemas para o próprio governo.

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Luiz Carlos Azedo: O que está em jogo?

A revogação da prisão do deputado Daniel Silveira ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual se opõe

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que na campanha eleitoral destruiu uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada por milicianos do Rio de Janeiro. Na terça-feira, o parlamentar, em live de quase 20 minutos, fez ameaças ao STF e a diversos ministros da Corte, com afirmações caluniosas e atentatórias ao Estado de direito democrático. À noite, foi preso pela Polícia Federal, que cumpriu mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ex-policial militar, várias vezes punido por mau comportamento, Silveira deixou a corporação ao se eleger deputados federal na onda bolsonarista, em 2018. Está sendo investigado nos inquéritos que apuram as fake news contra o Supremo e os responsáveis pelas manifestações em favor de uma intervenção militar, sob responsabilidade do ministro Moraes. É suspeito de supostas ligações com as milícias do Rio de Janeiro e de ser um dos líderes dos grupos de extrema-direta que pregam a volta do regime militar.

O pretexto para gravação do vídeo por Silveira foram as declarações do ministro Édson Fachin a propósito do depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas, ao Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual o general afirma que o texto de seu Twitter sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2018, fora discutido no Alto-Comando do Exército. No vídeo, Silveira também defende a volta do Ato Institucional nº 5, que levou à fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964 , que destituiu o presidente João Goulart.

O vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros, ontem mesmo, denunciou Silveira por instigar a ruptura institucional e a animosidade entre o Supremo e as Forças Armadas. A decisão unânime do Supremo cria também jurisprudência sobre esse tipo de manifestação, nas redes sociais, que prega a ruptura da democracia e a violência contra seus poderes constituídos. Hoje, haverá audiência de custódia de Daniel Silveira, mas dificilmente sua prisão em flagrante será revogada por Moraes.

A prisão de Silveira pegou de surpresa o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, que recém-assumiu o cargo e já está no epicentro de uma crise política provocada por um de seus aliados. A decisão de Moraes gerou polêmica sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, principalmente, na Câmara, onde aliados de Silveira protestaram contra a decisão por afinidade ideológica. Outros parlamentares, porém, por convicções políticas e jurídicas, consideram que a prisão em flagrante, nas circunstâncias que se deram, é uma afronta à imunidade parlamentar.

Narrativa fascista
Presidente da Casa, Lira havia convocado uma sessão plenária para discutir a questão hoje à tarde, mas a suspendeu. Em seu lugar, marcou uma reunião de líderes. Tenta, ainda, negociar a conversão da prisão em flagrante em prisão domiciliar, para evitar um confronto entre a Câmara e o Supremo, mas essa possibilidade ontem era muito remota. É prerrogativa da Câmara revogar ou não a prisão de deputado. Por mais que se faça uma discussão técnica na Casa, qualquer decisão será política.

A defesa do instituto da imunidade tem forte apelo entre os pares de Silveira. Muitos já são favoráveis à punição do parlamentar pela própria Casa, onde já foi apresentado, pelos partidos de oposição, um pedido de cassação de mandato, por quebra de decoro parlamentar, na Comissão de Ética da Câmara. Nos bastidores, cresce a avaliação de que a revogação da prisão de Silveira não vale um confronto com o Supremo, que seria muito desgastante para os dois Poderes e a antessala de uma grave crise institucional. A manifestação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi no sentido de evitar essa crise.

No sábado de Carnaval, os decretos do presidente Jair Bolsonaro sobre venda de armas, uma espécie de “liberou geral” para quem gosta de andar armado, invadiram as prerrogativas do Congresso e geraram apreensão entre os parlamentares, porque os grupos de extrema-direita que Silveira e outros deputados representam estão se transformando em milícias políticas armadas. A truculência desses grupos, principalmente nas eleições, é uma ameaça à democracia.

Foi essa truculência que Daniel Silveira escalou ao ameaçar os ministros do Supremo, pois já tinha dado mostras desse comportamento em diversos episódios, desde a sua eleição. A revogação de sua prisão, em termos políticos, ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual Silveira se opõe; legitima uma narrativa política de características fascistas na tribuna da Câmara. A imunidade parlamentar tem outras dimensões, que precisam ser consideradas.

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Luiz Carlos Azedo: Fogo na camisa amarela

Como brincar carnaval diante de um cenário tão macabro? Ir às ruas para uma festa cujo clima depende de aglomeração seria uma espécie de suicídio coletivo

O carnaval sempre foi um momento de inversão de papéis, de questionamento das normas, de fuga do padrão da vida cotidiana e da libertação da repressão. Neste ano, não. Ainda vamos levar algum tempo para ter a verdadeira dimensão do que está ocorrendo, mas, talvez, o carnaval deste ano seja um momento de choque da dura realidade, que é a crise sanitária pela qual o mundo está passando, agravada pela incompetência e pelo negacionismo do governo. Oxalá, no próximo carnaval, a maioria da população esteja imunizada contra a covid-19.

No começo da pandemia, imaginava-se que o carnaval de 2021 seria um dos maiores de todos os tempos, com a população indo às ruas se divertir, superada a peste. Estaríamos vivendo momentos felizes, de muita contestação aos tabus da nudez e da sensualidade, de ironias e críticas escrachadas aos governantes e, como não poderia deixar de ser, ao presidente Jair Bolsonaro. Feminismo, racismo, diversidade, exclusão, os temas caraterísticos do debate contemporâneo, numa sociedade pluralista e democrática, estariam sendo tratados com bom humor e muita sagacidade pelo povo nas ruas, cantando marchinhas e sambas.

Por incrível que possa parecer, o carnaval — essa festa tão desvairada — também é um momento de conscientização da população. É quase impossível na vida de um brasileiro não ter visto um desfile de escola de samba, não ter saído num bloco ou participado de um baile de carnaval no qual não houvesse ruptura ou transformação de costumes. É uma festa muito ambígua, na qual a fuga da realidade funciona como um espelho da sociedade, quando a velha senhora que passa roupa para fora se veste de luxuosa baiana, a madame vira figurante numa ala de escola de samba, o jovem desempregado brilha na bateria, a socialite leva uma bronca do bombeiro hidráulico por atrasar o desfile e o galã da novela arrisca um desengonçado samba no pé, sendo ele mesmo, e não o seu personagem.

O carnaval substituiu o entrudo, que era uma festa embrutecida, na qual o povo tomava as ruas para jogar farinha, baldes d’água, limões de cheiro e até lama e areia uns nos outros. Ou seja, um avanço civilizatório. Roberto DaMatta, o antropólogo estudioso dos foliões e dos malandros, sempre destacou que o carnaval não é apenas um momento de alienação da realidade, é um espaço de transformação dos padrões da sociedade. O Rio de Janeiro, quanta ironia, teve um prefeito que não gosta de carnaval e não conseguiu se reeleger. Temos um presidente da República que também não gosta e que, talvez, se regozije pelo fato de o povo não ter tomado as ruas para fazer troça das autoridades e de si próprio.

Folião de raça
Um dos maiores carnavais de todos os tempos, segundo os historiadores, foi o de 1919, no Rio de Janeiro, ano de estreia do Cordão do Bola Preta, que havia sido fundado em dezembro do ano anterior e, hoje, é o maior bloco do país, arrastando milhões pelo centro do Rio de Janeiro no sábado de carnaval, o que deveria ter acontecido ontem. Aquele foi um carnaval no qual a população comemorou o fim da gripe espanhola, a epidemia que matou 15 mil pessoas somente no Rio de Janeiro. Neste carnaval, a média de óbitos na cidade está em 158 mortes por dia, sendo 234 óbitos e 5,5 mil casos de contaminação nas últimas 24 horas. Já são 551 mil casos no estado.

Não é privilégio de cariocas e fluminenses. No Distrito Federal, a covid-19 matou 4.198 pessoas, de um total de 247 mil infectados; oito vezes mais do que acidentes e homicídios. Em Belo Horizonte, foram 16,5 mil mortes, de um total de 798 mil infectados. Em São Paulo, 55 mil mortes, com 1,9 milhão de infectados. Na Bahia, 10,6 mil mortos para 623 mil infectados. Em Pernambuco, 10,6 mil mortos para 277 mil infectados; no Amazonas, são 9,7 mil mortos para 292 mil infectados. Estamos vivendo a rebordosa das campanhas eleitorais e das festas de fim de ano.

Como brincar carnaval diante de um cenário tão macabro? Agora, com a segunda onda da pandemia, ir às ruas para uma festa cujo clima depende de aglomeração e contato físico seria uma espécie de suicídio coletivo. Por isso, mesmo que a festa seja em casa e nas redes sociais, neste ano, o carnaval não valeu. Melhor ficar em casa, cantar A Jardineira e pôr fogo na camisa amarela, como aquele folião de raça de Ary e Elizeth, na quarta-feira de cinzas.

PS: até quinta-feira!

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Luiz Carlos Azedo: Falta de vacina agrava a crise

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível

A campanha nacional de vacinação deveria se chamar operação vaga-lume, porque não tem vacinas suficientes para imunizar a população de forma contínua, no ritmo necessário para conter a segunda onda da pandemia. Há três semanas, ultrapassamos mais de mil mortes por dia; nos últimos sete dias, em média, foram 1.050 mortos. Entre eles, o senador José Maranhão (MDB-PB), de 87 anos, que estava internado no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, e lutou 71 dias contra a doença. O Brasil já ultrapassa a marca dos 9,6 milhões de casos e 235 mil mortes por covid-19.

Ontem, registramos 1.452 mortes em 24 horas, nível equivalente ao auge da crise no ano passado, em julho. Foi nesse contexto que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, prestou depoimento ao Senado, tentando se explicar sobre suas trapalhadas à frente da pasta, principalmente no caso do colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em Manaus, por falta de oxigênio, e do atraso na aquisição de vacinas, que, agora, estão fazendo falta na campanha de vacinação. O SUS tem condições de vacinar até 10 milhões de pessoas por dia, por meio de uma grande rede de postos de vacinação e equipes veteranas em campanhas de imunização.

Apenas 4,3 milhões de brasileiros foram vacinados até agora, a maioria, o pessoal da linha de frente do combate ao novo coronavírus e os mais idosos, sendo que 80 mil já receberam a segunda dose. Isso representa apenas 2,4% da população, muito pouco diante da necessidade de vacinar até 70% dos brasileiros para conseguir eliminar a propagação do vírus, o que corresponderia a 146 milhões de pessoas. Por falta de insumos, a produção de vacinas pelo Butantan e pela Fiocruz está numa escala muito baixa e até intermitente, o que acaba desorganizando a vacinação que já estava programada em diversos municípios, por falta de imunizantes. A importação de vacinas prontas e a liberação do imunizante russo Sputnik V, produzido aqui no Brasil por um laboratório privado, continuam a mesma novela.

No Senado, Pazuello prometeu que 50% da população estará vacinada até junho e mais 50% até dezembro, mas não disse como. O depoimento do general foi sofrível, com informações erradas, afirmações não comprovadas e promessas sem amparo objetivo. O esforço dos aliados do governo no Senado para evitar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde pode fracassar por causa do desempenho de Pazuello. Por mais boa vontade que tenha o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será muito difícil não instalar a comissão, a não ser que o governo consiga convencer pelo menos quatro dos 31 senadores que assinaram o requerimento a desistirem da CPI.

A CPI da Saúde é uma saia justa para o senador Rodrigo Pacheco. O líder da bancada do MDB, Eduardo Braga (AM), que foi governador do Amazonas, fez duros questionamentos a Pazuello. Disse que alertou o ministro da Saúde pessoalmente, em dezembro, sobre o risco de colapso em Manaus. A morte de senador José Maranhão, que tinha amplo trânsito entre os colegas, aumentou ainda mais o trauma. Pacheco tenta evitar a CPI, mas é cobrado pela oposição, que também o apoiou na eleição, como é o caso do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento de CPI.

Auxílio
Diante da crise sanitária, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, ontem, que pretende prorrogar o auxílio emergencial por mais três ou quatro meses, para mitigar o impacto da pandemia. A falta de vacinas fará com que a crise sanitária se arraste o ano todo, com forte impacto nas atividades econômicas, em decorrência do desemprego e da recessão. Por essa razão, Bolsonaro deseja conceder o abono. Ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando sua aprovação popular aumentou, por causa do abono, em janeiro, com o fim do auxílio emergencial, a popularidade dele decaiu.

Ontem, o presidente da República anunciou que pretende prorrogá-lo, provavelmente, com parcelas de R$ 200, mas precisa encontrar uma fonte de receita para não estourar o teto de gastos. Por ora, não há recursos no Orçamento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já cobrou uma definição do governo. O Centrão e a oposição querem aprovar o abono, mas não a criação de um imposto. Preferem, se for o caso, furar o teto de gastos, porém, a equipe econômica não aceita. O governo também não enxuga seus gastos na Esplanada dos Ministérios.

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Luiz Carlos Azedo: O trem andou

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica

A independência do Banco Central (BC) foi aprovada, ontem, na Câmara, por 339 votos a 114, depois de 30 anos de discussão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez da votação uma demonstração de força e uma sinalização para o mercado de que vai retornar à agenda das reformas. A aprovação também é um contraponto à gestão do antecessor, deputado Rodrigo Maia(DEM-RJ), que está sendo responsabilizado por Lira e pelo Planalto pelo atraso na votação das medidas econômicas necessárias para enfrentar a crise. Não é bem assim, a matéria já estava pronta para ser aprovada e contava com ampla maioria. Provavelmente, seria a primeira medida a ser votada caso o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) fosse o eleito.

Na verdade, o que está atrasando a votação das medidas econômicas é a falta de entendimento político entre a turma do Centrão, os militares do Planalto e a equipe econômica em relação à maioria dos assuntos, sem que Bolsonaro tome uma decisão. Por exemplo, a criação do auxílio emergencial, desejo da ampla maioria dos parlamentares, não vai adiante porque toda a Esplanada dos Ministérios se recusa a cortar na própria carne, e a equipe econômica também não quer criar um imposto.

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica. Diretores do banco terão mandato de quatro anos, com direito a uma reeleição. Os mandatos não coincidirão com o do presidente da República, que indicará o presidente e demais diretores do BC. Caberá ao Congresso aprovar a indicação e, se for necessário, destituir os diretores do banco.

Em tese, a independência do BC acaba com interferências do Executivo na política monetária. Num regime de metas de inflação, isso garante que a política de juros seja administrada com foco exclusivo na estabilidade da moeda. Alguns analistas acreditam que os juros do mercado futuro, que servem para a rolagem da dívida pública, tenderão a cair com a decisão. A medida é muito criticada pela esquerda e economistas desenvolvimentistas, mas há muitos países governados por partidos de esquerda que têm bancos centrais independentes.

Outro passo importante foi a instalação da Comissão Mista de Orçamento, que estava sendo adiada por causa de uma disputa pelo seu comando entre o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Centrão. A presidente da CMO é a deputada Flávia Arruda (PL-DF), indicada por Arthur Lira. Com 31 deputados e 11 senadores, a comissão instalada, ontem, vai examinar o Orçamento de 2021; em abril, outra composição será feita, para discutir o Orçamento de 2022. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao instalar a comissão, descartou a criação de um novo imposto para financiar a prorrogação do abono emergencial.

Doria versus Aécio
A lavagem de roupa suja em público no PSDB continuou ontem. O governador João Doria praticamente deu um ultimato à cúpula do partido para afastar o deputado Aécio Neves (MG), em nota duríssima; Aécio rebateu. Do jeito que vão as coisas, será impossível a permanência de ambos na legenda. O problema é que Doria tem mais poder político, por causa do governo de São Paulo, mas quem tem maioria na cúpula da legenda é o político mineiro.

É impressionante como a disputa pela presidência da Câmara desagregou a legenda. Mostrou para Doria que uma parte considerável da bancada pode ter derivado para a base do presidente Jair Bolsonaro, comprometendo seu projeto eleitoral. A forma como o governador paulista pretende resolver o problema não está clara. Há três hipóteses: (1) forçar os pares a lhe entregar o comando da legenda; (2) sair do partido para ser candidato por outra legenda; (3) desistir da candidatura, tendo Aécio como pivô da tragédia.

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