luis carlos barroso
Rosângela Bittar: Meu doutorado contra o seu
O STF atual dá vez a midiáticos e demagogos
Não é por Lula, Deus ou o Diabo, muito menos em defesa do princípio da prisão após fixação da pena em segunda instância. O Supremo Tribunal Federal está como está não porque pressionado pelas ruas, ou porque resiste a ser vanguarda como querem alguns de seus membros na aplicação das leis (o que isso significa, ministro? Não aplicá-las? Minha parte prefiro em Justiça). Ou, pior, para atender aos reclamos das manifestações populares, no Supremo definidas como o desejo social. Qual das manifestações? A que quer um sim ou a que quer um não? Pelo sim, pelo não, o Supremo pode ficar hoje na coluna do meio.
Pressões sobre o Supremo podem ser feitas e devem ser. Podem ser toleradas e devem ser. Mas seu papel primordial é interpretar a Constituição e, com isso, fazer Justiça.
Não há demérito nessa sua atribuição e ela não deveria estar submetida às ideias, também de alguns de seus membros, que se o Legislativo não legisla, cabe ao Supremo "avançar", inclusive nas atribuições de outro poder, e legislar. Principalmente depois que ganhou a ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental), o Supremo vai fazendo uma nova Constituição.
O resto é campanha para surfar na popularidade que levará os ministros interessados nesse modelo, após cumprir o rito sequencial de presidir o TSE mais à frente e o STF, mais à frente ainda, a alguma candidatura de representação do povo, desta vez correta do ponto de vista do poder em disputa.
Isso tem rendido popularidade, sobretudo, para um ou dois integrantes da Corte que exploram a ideia, em parte verdadeira, que o sistema partidário é intrinsecamente corrupto, um bordão que pega e alimenta boa mídia virtual para seus autores.
Está em jogo a usurpação de poder, aproveitando um momento de extrema fragilidade dos demais. E há os males da composição, da competência, da compostura.
Mesmo juridicamente fraco, o Supremo precisa saber se comportar e não, tal qual pomba-gira sob luzes de holofotes, como se viu em sessão recente, submeter os interessados nos julgamentos a um ataque de personalidade inflada pelo ego.
O STF não pode mandar às favas a Constituição. Se a Justiça não tem credibilidade como tal, onde se vai procurar equilíbrio, discernimento e, ao fim, a própria Justiça?
Neste momento, ainda por cima, a Corte está liderada por personalidades demagógicas, o que só incapacita o colegiado a resistir à baixa política. Lideranças estas que vêm expondo um tribunal em processo célere de enfraquecimento, culminado na sessão anterior à Páscoa que remeteu a tensão política extrema ao dia de hoje. Não quis, ou não conseguiu, assumir seu papel: mais fácil do que a confusão que armou, obrigando ministros a brandir passagens de check-in já feito, poderia, simplesmente, manter a votação na ausência dos viajantes, ou não ter marcado a sessão para aquele dia, ou não ter colocado nenhum assunto à frente da agenda para não atrapalhar o horário do assunto principal. Ou, simplesmente, suspender a sessão porque nunca iniciou nenhuma discussão à noitinha.
A condução do colegiado já foi execrada por dar um voto de minerva que favoreceu um indigitado que, pego na corrupção, caiu no desgosto popular; depois recuperou-se por um voto considerado racional sobre a redação do Enem; novamente na berlinda pelo voto na questão do ensino religioso e agora novamente condenada por permitir que o colegiado chegasse ao ponto de fervura política de hoje. Isso é Supremo?
No plenário, infla-se um bicho-papão criado nas ruas na esteira da disputa política, em seguida torna-se proeminente o autoeleito caçador, que dá o passo seguinte na formação de um pelotão de combate, arregimentando tropa. Porque quer ser referência e, justiça seja feita, no Supremo, com raríssimas duas exceções, nem quem está armado até os dentes, com razão ou sem, tem coragem para ficar sozinho.
A composição do atual Supremo talvez seja uma das chaves para se compreender o que se passa e abandonar de vez as esperanças no resgate de seu papel principal.
O atual é composto por professores e, sobretudo, por advogados se digladiando diante de um júri imaginário em torno de nada, até que retome a leitura enfadonha de seu empolado voto. Até um decano age como promotor e é preciso ter compaixão da sua sina atual, a de exegeta dos votos, tão díspares e cheios de firulas que precisam ser compatibilizados para que a presidência possa proferir o veredito.
Tenta-se esconder o conflito de egos sob um suposto conflito acadêmico entre quem se formou na escola alemã e quem preferiu ficar no sistema anglo-saxão. Mais um ato de desprezo à inteligência do público pagante que, nessa configuração, então, fica à mercê da sorte ou do azar de ter seu processo, para uma decisão monocrática, distribuído a quem tem princípios mais ou menos garantistas, ou respeitam mais ou menos a Constituição e a jurisprudência.
Meu doutorado contra seu doutorado.
Em todas as épocas e composições o Supremo enfrentou dificuldades. Mas eram catedráticos, políticos veteranos e experientes, embaixadores, presidentes da Câmara e do Senado, presidentes de tribunais de Justiça dos principais Estados, e até advogados que passaram pela política. Numas fases, Gallotti, Trigueiro, Bilac Pinto, Baleeiro, Alckmin. Noutras, Célio Borja, Dias Correa, Brossard, Kelly, Lins e Silva, Nunes Leal, Hermes Lima, Vilas Boas, Gonçalves de Oliveira.
Pessoas que emprestavam sua biografia ao Supremo e não lá foram para fazer biografia.
Falta referência e promove sessões de insultos, não de conhecimento jurídico.
Há quem localize o início da degradação no funcionamento da TV Justiça, que expôs em tempo real o performer, o fraco, o esforçado, o advogado de defesa, o promotor, e amplificou a disputa de vaidades. Antes brigavam, afirma-se, mas já saiam do plenário abraçados. Hoje, não, o exibicionismo na TV não permite recuos. Bobagem, está aí, provando o contrário, recente sessão do TRF-4, que mostrou ser possível julgar com transmissão ao vivo sem criar um show de horrores para o qual não quisemos comprar ingresso e expondo apenas conhecimento, comedimento, respeito. Culpar o sofá sempre foi e ainda é piada.