Lilia Lustosa

Confira entrevista exclusiva que Vladimir Carvalho concedeu a Lilia Lustosa

Cineasta brasileiro morreu nesta quinta-feira (24/10), na capital federal. Velório será nesta sexta, no Cine Brasília

Comunicação FAP

Um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro, o cineasta Vladimir Carvalho, que morreu aos 89 anos nesta quinta-feira (24/10), concedeu entrevista exclusiva à crítica de cinema Lilia Lustosa, como parte de uma pesquisa dela para uma tese de doutorado defendida em maio de 2021.

O título da tese é “L’”instant prégnant” du Cinema Novo brésilien: Un double mouvement de décolonisation en quête de légitimité”. Em português, “O ‘momento fecundo’ do Cinema Novo: um movimento duplo de descolonização em busca de legitimidade”. Ainda não foi publicada em forma de livro, mas já está disponível no site da universidade.

Vladimir concedeu a entrevista, que foi organizada em blocos, no dia 21 de setembro de 2016, no Cinememória.

O velório de Vladimir Carvalho será nesta sexta-feira (25/10), no Cine Brasília, na capital federal, onde ele morava. O cineasta estava internado em um hospital no Distrito Federal com problemas renais.

A seguir, confira a entrevista na íntegra:

Lilia Lustosa (LL): [Contexto] Era um dia de sol, e eu chegava meio afogueada, nervosa, ansiosa, carregando uma filmadora, um tripé e vários livros que queria mostrar para ele. Ele era um mestre para mim. Alguém que fazia parte dos meus estudos, alguém que era um exemplo, um autor do cinema brasileiro. Os livros em minhas mãos iam ganhando vida e pulando de minha bolsa para se exibirem para o grande Vladimir Carvalho. Não me lembro bem qual foi o primeiro que me escapou das mãos, mas o segundo foi um fininho, que trazia vários depoimentos para lá de interessantes sobre a realização de Aruanda.

Vladimir Carvalho (VC): Qual é o livro?

LL: Esse também[1]. [GOMES, João de Lima (org.), Aruanda – Jornada Brasileira. João Pessoa : UFPB/Editora Universitaria, 2003].

VC: Ah, sim.

LL: Tem umas entrevistas aí, né?

VC: Não é propriamente entrevista. Isso foi um encontro... e cada um foi... era uma mesa, entendeu? E cada um deu... deu... Você pegou esse livro onde?

LL: No Estante Virtual. Sabe aquele sebo eletrônico?

VC: uhum.

LL: Inclusive ele vem dedicado a alguém que não sou eu, claro!

VC: É o João Ramiro Neto. Fizemos juntos o Aruanda. É porque esse livro é fruto de um outro livrinho que é só sobre Aruanda. Essa parte aqui, ó, é outro livrinho que são só textos. Aí eles juntaram esses textos, que são textos em homenagem à João Ramiro, quer ver?

LL: E ao Rucker Vieira.

VC: E ao Rucker Vieira. Tá aqui: com a palavra João Ramiro. Tem um texto meu. Eu me recordo da figura dele... eu recordo que fomos os dois que o Linduarte convidou para fazer o roteiro. Ele já faleceu. Ele veio viver em Brasília, mas ele foi meio vítima dessa história da passagem da película para o... primeiro pro vídeo, que foi intermediário, depois digital, né? Então ele não se adaptou, ele ficou... perdeu mercado de trabalho. Vivia em São Paulo. Daí veio para Brasília. Ficou uns dois anos aqui. Não se adaptou. Aqui adoeceu e foi pra Paraíba e lá ele faleceu. Mais ou menos da minha idade. 80 anos hoje seria.

LL: Isso já faz tempo?

VC: Tem 10 anos.

LL: Mas ele fez o Cajueiro depois, né?

VC: Linduarte.

LL: É. Ah, o senhor não tá falando do Linduarte?

VC: Não, estou falando do João Ramiro.

LL: Ah, é do João Ramiro mesmo!

VC: O Linduarte chamou a mim e a ele pra fazer o roteiro. Depois chamou o Rucker para fotografar. Aí a gente foi... o João ficou mais na filmagem, mais tempo do que eu, porque eu tinha um vestibular pelo meio, entendeu? Aí eu não pude ir pra ficar. Depois é que eu fui e fiquei uma semana e o filme terminou. E ele foi muito, um montador muito solicitado no Rio. O João Ramiro, eu estou falando, entendeu? O Linduarte morreu há três anos atrás, dois anos. Dois anos!

LL: O que eu estou tentando fazer na minha tese é trabalhar com o período entre 1959 – fim de 59, desde que teve o tal do Manifesto Bola-bola mais ou menos – até 1961, na Bienal de São Paulo, quando os filmes são projetados...

VC: quando o filme é projetado

LL: Isso. E a minha ideia é tentar seguir a trajetória do Aruanda e do Arraial do Cabo, principalmente. Eu também vou falar, claro, dos outros filmes que estava sendo feitos...

VC: Você procura no Rio o... acho que chama-se João Saraceni, filho do Saraceni... ele está fazendo um filme.

LL: Ah, é?

VC: Ele está levantando material sobre Saraceni...

LL: Ah, que legal!

VC: Aí, ele naturalmente vai pegar coisa do Mário Carneiro, que eles fizeram juntos o filme, o Arraial... Teve boa inserção ontem no... [na véspera houve a exibição do documentário Cinema Novo, de Eryk Rocha – filho do GR – no Festival de Brasília].

LL: Teve muita cena! Teve mais do que de Aruanda, né? Bem mais!

VC: É muito interessante! É um filme muito interessante, porque é o choque cultural entre trabalhadores rurais... oh, eu ia dizer rural... entre pescadores – coisa primitiva – e o pessoal que trabalhava na fábrica. A fábrica ficou meio uma coisa... um apelo... um momento de passagem pra outra... pra humanidade, pra industrial, esse outro estágio da economia, né? E convivendo com a pesca mais primitiva, né? De puxar, né?

LL: E com a chegada, com a instalação da fábrica, os pescadores tinham que cada vez se afastar mais pra conseguir peixe, né?

VC: Porque havia já o problema da contaminação, etc.

LL: E sem contar a dinâmica da própria cidade, da comunidade, que foi toda alterada com a chegada da usina...

VC: E é curioso como são contemporâneos, nascem juntos... Com a diferença que um no Rio de Janeiro e o outro lá na Caixa Prego.  

LL: Exato. Então, justamente por isso que a minha ideia é essa: seguir a trajetória dos dois, porque nesse período o Arraial primeiro foi exibido no Rio, o Paulo Cezar já tinha ido embora pra Roma, né? O filme foi vaiado e tal, e aí o Mario Carneiro reedita o filme, manda uma cópia pra Bilbao pra participar de um festival...

VC: E o filme é premiado.

LL: E o filme é premiado. E o Saraceni lá. Depois o Saraceni recebe o filme, uma cópia. O pessoal da Embaixada, sem o Saraceni saber, manda pro Festival de Florença...

VC: E o filme ganha prêmio.

LL: O filme ganha prêmio. Depois o filme também é exibido, em janeiro de 1961, na Unesco. Que esse eu não consegui achar muita informação, mas claro, o pai do Mario Carneiro era embaixador lá, em Paris, junto à Unesco.

VC: Paulo Carneiro.

LL: é, Paulo Carneiro. Então imagino que tenha sido articulação dele...

VC: Claro, claro. O Itamaraty jogou um papel muito importante na difusão desses filmes todos. Com o... o Doutor Paulo é porque era [e faz gesto apontando para o alto] o máximo, embaixador, mas também com a influencia do Arnaldo Carrilho. Ele foi muito, muito, assim, generoso e interessado. Ele morreu batalhando por essas coisas, né?

LL: Inclusive em janeiro eu vim e fiquei uma semana no Itamaraty e agora eu estou de novo lá no Itamaraty, pegando...

VC: Poxa, se você tivesse pegado o Carrilho seria ótimo, porque ele falava, sabia de tudo... dessa parte Glauber, Saraceni... lá fora. Porque ele arrumava passagem, ele arrumava hospedagem,  hospedava na casa dele própria, entendeu? Muito importante.

LL: O Glauber morou na casa dele, né?

VC: Esse filme eu acho muito importante.

LL: Então, na minha... não só na minha visão, mas em tudo o que a gente lê, inclusive, esses dois filmes – o Arraial e o Aruanda – foram fundamentais para que o movimento eclodisse, né? Sei lá qual é a palavra... explodisse ou fosse lançado...

VC: É, é... porque um aspecto que é importante nisso tudo é que não havia muitos cineastas destinados ou, vamos dizer assim, vocacionados, para usar uma palavra tola, para o documentário. Existiam poucos exemplares. Existia o Humberto Mauro, que dirigia o Instituto Nacional do Cinema Educativo, que o nome já define uma posição de trabalhar com a realidade social, com... que resultou nos filmes que o Mauro fez no Instituto, acho que foram quase 200 filmes. E eram meio documentário, meio promocionais de certas questões, né, educativas, etc.? Por isso era chamado Instituto Nacional do Cinema Educativo. Era uma instituição que tinha como função, né, estimular primeiro a produção de filmes que se debruçassem, não sobre filmes de ficção, mas sobre coisas de interesse social na educação. E só depois é que vem o Instituto Nacional de Cinema, e depois, a Embrafilme. Inclusive atuando no mesmo edifico, na Praça da Republica.

LL: Ah, foi no mesmo? E foi lá que vocês foram pegar a... pedir emprestado

VC: A câmera. Pedir emprestado a câmera.

LL: Como é que foi essa viagem? Como é que... assim, na verdade eu fico curiosa pra saber como é que, porque estando lá na Paraíba, como é que chegavam as informações lá do Rio? Por exemplo, vocês já tinham uma ideia de que no Rio tinha um grupo de jovens que já estava começando a se mexer, na Bahia, o Glauber, como é que era isso?

VC: Essa história, ela um pouco precede – você fez assim um... manifestou a ideia que cobrisse de 1959 a 1961 – o que antecede um pouco ao 1959, quando a gente cogitou de fazer um filme, Aruanda, o que precede a isso é exatamente em que condições, ou melhor, que influencias aconteciam, que tipo de comunicação existia, né? Primeiro, houve um evento que eu reputo importante pra isso: que foi a proibição do Rio, 40 Graus, se não me falha a memoria em 1955. E isso já trouxe uma informação muito forte e que calhava com o momento que a gente estava vivendo, digamos assim, de consumo de uma informação importante, que é o neorrealismo italiano, né? Que, no primeiro pós-guerra, no imediato pós guerra, os italianos começaram a filmar na rua. Isso é de uma importância vital pra gente compreender o que vem depois. Aí o Rosselini vai pra rua e faz um Paisá, e faz Roma, Cidade Aberta, com atores naturais. Ora, quem tinha lido alguns livros, e não era exatamente o nosso caso. A literatura que circulava era muito restrita. Mas quem tinha ouvido falar, por exemplo, em Roberto Flaherty, por exemplo, de Homem de Aran, do Nanook, sabia que existia vagamente essa coisa do cinema que não era o cinema de ficção, um cinema, vamos chamar, de espetáculo que emanava especialmente de Hollywood que era essa coisa açambarcadora no mundo inteiro, já dominava os mercados com filme de ficção e, nos filmes de gêneros vários... Então a gente consumia: o faroeste, o musical americano em alta escala, o filme de gangster, o drama, o filme romântico, de mocinho e mocinha, toda essa coisa que é a formação... isso tem um século e quase meio, né? Daqui a pouco são quase mais meio século de cinema desde 1895 quando o cinema entrou em circulação. Então vivia-se esse clima em todo o mundo. E não precisava nem ser vocacionado ou melhor, não precisava se ter uma tendência a ser cineasta. Mas era o que existia. Aqueles mais atilados, e aí joga um papel importante a própria cultura pessoal de cada um, que era muito livresca e muito ligada, num primeiro momento ao jornalismo. Quase todos nós que viemos fazer Aruanda, a gente atua primeiro como jornalistas. Linduarte, inclusive, sendo crítico de cinema. Eu depois fui crítico de cinema...

LL: Ele já era crítico lá nessa época?

VC: Quando começou... quando a gente pensou em Aruanda, ele tinha uma coluna de jornal só sobre filmes, só... crítico de cinema. Entendeu? Já existia uma Associação de Críticos de Cinematográficos [sic] na Paraíba. Eu fui um dos presidentes. Eu falo isso porque, eu falo com conhecimento de causa porque eu fui um dos presidentes. Eu, o Will Leal, o próprio Linduarte fazia... mas ele nunca foi de querer dirigir nada... essa coisa de ser presidente de uma associação requer uma certa vontade de mexer com papel, não sei quê... Ele não... mas nós outros fizemos uma associação de classe lá, entendeu? Então a comunicação era a leitura. Uma revista importantíssima, que nos pôs em contato com uma certa produção documentaria, chama-se Anhembi. Eu tenho uma pequena coleção, posso depois te mostrar, de algumas dessas revistas e ela trazia matérias...

LL: Essa revista era uma publicação brasileira?

VC: Uma revista de cultura... Paulista. Anhembi. O Vale do Anhembi, o Vale do Anhangabau, não tem essa coisa dessas palavras indígenas que foram adotadas por São Paulo, eu não sei porque... Rua Cauauá... não sei o quê, entendeu? Vale do Anhangabau... e essa revista dava conta... exatamente é fruto de um certo nacionalismo, Anhembi, é fruto de um pouco do que aconteceu lá atrás com o grupo ANTA, o movimento ANTA, com Cassiano Ricardo... que vem da Semana de Arte Moderna de 1922. Quer dizer, esse fluxo meio que passa aos poucos e vai contaminando a produção cinematográfica do Brasil de uma postura mais cultural, eu diria até mais intelectual. Quem tinha mais informações... naquele tempo se o camarada se dedicava a um equipamento como a câmera porque tinha curiosidade, não é à toa que Humberto Mauro foi radio amador, era um pouco inventor, mexia com equipamentos lá ainda em, no interior de Minas, lá em Cataguazes. Ele era esse tipo curioso que tinha em diversas partes do país... que não sei porque comprava uma câmera, adquiria uma câmera... adquirir uma câmera já era assim um gosto pelo mecanismo, pela ótica, por isso e aquilo outro...  e o que caracteriza o cinema é a ter existido um evento chamado a câmara cinematográfica, que vem da câmera fotográfica... Primeira né? Primeira  o que aconteceu... então, a gente navegou muito na... nós somos a ultima etapa disso, eu digo a ultima, porque é a primeira a cogitar de fazer um cinema que não era de ficção. Entendeu? Isso é importante porque a gente começou a ler... Bom, o Estado de São Paulo, por exemplo, já tinha críticos de nomeada, críticos de cinema e nós nos habituamos a ler esse troço. Misturado com isso, naturalmente, vinham notícias: Fulano vai filmar, ciclano vai... está pensando em fazer isso e aquilo outro...

LL: quem que vocês liam muito? Paulo Emilio Sales Gomes?

VC: Líamos especialmente Paulo Emilio.... que é quando depois vem, que surge depois aquele livro dele... qualquer coisa com o subdesenvolvimento... Eu tenho tudo aí... Os livros eu tenho todos, mas eu às vezes me esqueço dos títulos. E aí a gente começou a.... Outra coisa que foi assim, espinha dorsal do nosso posicionamento com o cinema. Você me perguntou: Como é que essa informação chegava? Lhe respondo agora: Os padres tiveram um papel assim crucial porque os padres faziam a Gregoriana de Roma, espécie de faculdade, espécie de universidade do catolicismo em Roma, até onde eu sei... e os padres brasileiros iam... havia um intercâmbio, os padres se formavam lá... não se pode esquecer que Roma emana, é o Vaticano, então os caras passavam por lá e alguns deles participaram já na Itália do movimento dos cineclubes. Aquele papa, um daqueles Pios não sei o quê,  tem uma das encíclicas na qual ele diz peremptoriamente que “o que é importante para nós hoje em dia na divulgação da fé católica é o cinema”. Pari passo com isso, isso é importante para nós, porque tem muito a ver conosco, porque, vamos dizer assim, um dos manifestos da Revolução já vitoriosa é Lenin, Lenin dizendo que “de todas as artes a mais importante para nós é o cinema.” Porque ele viu essa possibilidade da massificação da informação, de levar ao campo, a todo aquele universo geográfico gigantesco que é a Rússia, né? O cinema levava aquela, a imagem, quer dizer era um transportador, um divulgador de qualquer mensagem, entendeu? Então você vê que católicos e comunistas se cruzam nessa história. E o que é que acontece? Nós éramos, nós começamos a frequentar o Cineclube de João Pessoa. Chamava-se Cineclube de João Pessoa.

LL: Quem dirigia esse cineclube?

VC: Quem dirigia? O dirigente maior era o padre...

LL: Ah, era um padre?

VC: Padre Antônio Fragoso. Esse padre se transformou, na carreira dele, da Igreja, ele foi bispo no Ceará muitos anos... já faleceu. Mas era um padre muito ilustrado, muito erudito, muito... sabia das coisas. E trouxe essa palavra, digamos assim, de Roma, do cineclube e tudo...

LL: Ah, eu não sabia.

Terceiro Bloco (3’05’’)

Essa coisa do cineclube, ela tinha uma certa capilaridade. Existia, por conta disso, em Belo Horizonte, onde era muito forte com a presença do Padre Logger (se escreve L-O-G-G-E-R) e do Padre Masotti um movimento muito significativo de cine clubes católicos, entende? A ponto de ter uma revista chamada Revista de Cinema que tinha muitos críticos que militavam junto com os padres, entende? No sentido da catequização, não é? através da programação de cinema conveniente, digamos assim, com indicações... Eles editavam boletins que chegavam para nós na Paraíba... boletins...

LL: Ah, chegavam? Via igreja, né?

VC: Via Igreja. Até um certo tempo eu guardei algumas coisas desses boletins que vinham com indicação, não era uma censura, mas indicação dentro da programação da Igreja. Um filme que era interessante, ou desaconselhava ou aconselhava a visão, as pessoas a assistirem àquele filme ou não, e, principalmente, discutia-se o cinema. O cineclube de João Pessoa tinha José Rafael de Menezes, um líder católico, não era padre, mas que tinha uma ascendência muito grande porque intelectualmente ele era uma pessoa muito atuante, escrevia, escreveu um romance Miragens... - qualquer coisa com miragens - era um romance sobre a migração, e escreveu Elementos de Estética Cinematográfica da Editora AGIR, pela Agir. Então ele vivia, morou na Paraíba, era paraibano, mas ele tinha uma influencia regional, ele era muito ouvido. E o José Rafael de Menezes teve também uma influência muito grande nesse Cineclube, tanto que tinha as sessões do Cineclube, em que se espalhava esses boletins pelas Igrejas, pelas paróquias, etc., e era muito presente esta ideia do cinema como arte e como, vamos dizer assim, difusor de ideias. Ideia, ideia naturalmente era a ideia católica, a função da Igreja... Agora, (Toca o telefone)

Quarto Bloco (16’48’’)

VC: Ao lado isso, nos outros, de um modo geral, o Brasil estava entrando meio que numa fase política de muitas ideias, muita literatura acerca disso, os jornais se posicionando, o aparecimento, por exemplo, no Nordeste uma coisa muito importante que aconteceu foi a criação, a fundação da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) com nada mais, nada menos, com  Celso Furtado a frente, que era um homem que vinha da Sorbonne, um paraibano, nascido em Pombal, na Paraíba, região da seca, região exatamente de onde nos fizemos Aruanda, que foi, esteve neste patamar, ele era o Superintendente da SUDENE, um homem que destrinchava a economia, um gênio da economia, até hoje, até hoje é lembrado, tanto que se fala muito nas ideias do Celso, até hoje, com relação as coisas que estão acontecendo no Brasil, até hoje, a gente tem problemas sério sócio econômicos. Então o Celso era a bola da vez em termos de um intelectual que estava à frente da SUDENE e todos nós gravitávamos em torno disso. Inclusive muitos intelectuais da Paraíba, que eram economistas, ou que eram pessoas que podiam estar na SUDENE migraram pro Recife, muitos deles trabalhavam diretamente com o Celso. Isso teve uma influencia muito grande porque, coincidentemente, era a mesma turma, era a mesma turma do Jornal UNIAO, do jornal O NORTE, que já tinha na Paraíba, que pertencia a Academia Paraibana de Letras, enfim a intelectualidade do Nordeste foi muito tocada por essa presença no Recife, que era a sede da SUDENE, então os de Alagoas, do Rio Grande do Norte, do Ceará, a gente... formou-se uma mentalidade de transformação daquele quadro de subdesenvolvimento especialmente. Isso é importantíssimo! O que é que acontece? Nas nossas cabeças a gente queria transformar, a gente queria, digamos assim, empolgar, de alguma forma, chegar aos estágios de poder, transformar isso... Coincidentemente surgem as Ligas Camponesas nesse momento. Essa coisa é o panorama pré 60, ou melhor, pré 60 não, que acontece nos últimos anos 50, já com a criação das Ligas Camponesas por Francisco Julião em Pernambuco, compreendeu? E, por consequência, começa-se a cogitar de se organizar os camponeses na Paraíba. É mais ou menos desse quadro, para mais ou para menos, que vem a ideia de filmar Aruanda. E o que é Aruanda? Preliminarmente? Um promotor de justiça, um juiz, que assumiu a comarca de Santa Luzia do Sabugi, e descobriu uma... descobriu é modo de dizer, estava lá... Iam à feira vender suas panelas e tal, mas o... o Cananeia, esqueço o primeiro nome, o Cananeia era, Dr. Cananeia, ele era o promotor de justiça em Santa Luzia do Sabugi. Foi ele quem primeiro falou dessa comunidade. Isso nos anos 50, lá atrás. Isso divulgou-se na imprensa. Linduarte fez uma reportagem escrita, que publicou na Tribuna da Imprensa no Rio de Janeiro – “As Oleiras do Talhado” – porque a região se chama Talhado, Serra do Talhado, e isso chamou muita atenção e, principalmente, deu a Linduarte um status assim... publicado na imprensa do sul, na Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, imagine você... As coisas as vezes são contraditórias. E Linduarte após isso ele também publicou numa revista de universitários que compunham um organismo internacional, acredito que foi, acho na Tchecoslováquia, uma revista da União Internacional dos Estudantes, coisa assim, sobre o mangue, sobre a pesca do caranguejo no mangue, aqueles homens enlameados  com a cara enfiada na lama, na pesca do caranguejo que é apressado com a mão mesmo, lá, puxa de dentro o caranguejo, e ele fez essa reportagem também, quase ao mesmo tempo que saiu a reportagem sobre as oleiras do Talhado. Era o seco e o molhado, uma nos mangues de João Pessoa e outra no alto sertão da Paraíba. Isso deu a ele uma certa visibilidade. Não tão grande como hoje o jornal e a revista dão, né? Mas deu uma certa visibilidade a ele. E aí, Linduarte, que era um leitor de Gilberto Freyre, de Josué de Castro, de Franz Boas, através de Gilberto... Ele era leitor desse pessoal porque ele fazia faculdade, ele formou-se em Direito, era bacharel em Direito, Linduarte Noronha. E teve um período que ficou muito tempo em Recife. Isso tudo é importante, pra mim! O Linduarte foi locutor da rádio Jornal do Comércio. Parece que eu estou ouvindo: “Pernambuco falando para o mundo.” Porque era o slogan, né? De uma megalomania total, né? Linduarte teve muito próximo, conviveu com a intelectualidade pernambucana porque ele era um locutor-narrador, especialmente, tinha uma voz muito bonita, e viveu no Recife esse período. Eu estou falando propositadamente de Gilberto Freyre e de Josué de Castro, porque um é o autor de Geografia da Fome, e o outro é o autor de Casa Grande e Senzala. Entende? Então era uma literatura que a gente consumia avidamente. Eu digo consumíamos porque eu sou quase, o Linduarte teria hoje 84 anos, se não me falha a memoria, e eu tenho 80, 81, já tenho 81, é uma diferença... só que ele foi meu professor de geografia no ginásio. De certa forma ele já fez minha cabeça no ginásio porque as coisas pelas quais eu me interessava, coincidiam, que também eram as coisas que ele estava interessado. Linduarte saía de férias, ia viajar, levava a máquina fotográfica dele, e fazia o que ele chamava de fotorreportagem, e quando ele voltava ele mostrava essas fotografias em sala. Ele ia então ao Maranhão, voltava, e mostrava as ribeiras do Rio Dumont, entendeu? Mostrava problemas da economia, o homem, o sertanejo, a seca. Isso me fez a cabeça. A mim, pelo menos. E a Ramiro também, porque Ramiro era poeta nessa época, que era também mais ou menos da minha idade, entendeu? Então o grupo de frequentava o Cineclube meio que se entediou, meio que ficou enfastiado da discussão no Cineclube, que era uma discussão mais para a estética do que propriamente para uma coisa que a gente, diferente de uma coisa que a gente começou a pintar nas nossas cabeças por conta de leituras do Anhembi, Jornal do Brasil, Estadão, começamos a descobrir que havia um cara na Bahia chamado Glauber Rocha,  que ia fazer Barravento. Já tinha o Luis Paulino dos Santos que já tinha feito Rampa, que era uma coisa só sobre o mercado e aquele meio que um porto na Bahia, na Bahia de Todos os Santos. Era um foco diferente da coisa. Tinha um camarada, Rex Schindler, na Bahia, que fazia muita... produtor... e Palma não sei de quê... Eles começaram a cogitar dessa coisa. Então pintou na cabeça de Linduarte transformar a reportagem das Oleiras do Talhado num roteiro de cinema e tentar conseguir fazer um filme daí. Isso é a eclosão de Aruanda. Aí a gente sentou, sentamos os três, de conversa em conversa, criamos, fizemos um roteiro. Um roteiro de ferro. Um roteiro de ferro é uma concepção russa pro roteiro que, no qual consta qualquer detalhe de filmagem está previsto. Uma agulha que caísse no chão tinha que ser relatado ali. Close, sei lá, detalhe de uma agulha que cai no chão.

LL: Isso vocês pegaram no manual do Kulechov? Eu li isso em algum lugar... ou não?

VC: Você deve ter lido em alguma coisa que eu escrevi, porque foi fundamental para nós a descoberta do... lendo essas coisas a gente viu que fazia-se alusão a um Tratado de la Realización [sic] Cinematográfica. Eu tenho ele ali. E aí fomos atrás desse livro. E lemos esse livro. E esgotamos, porque se era tratado da realização, tinha ali como fazer um roteiro. Então, nosso roteiro parecia um livro-caixa. O livro-caixa é aquele livro de contabilidade, com aquelas colunas. Então... porque assim dizia, assim contava, assim ensinava o tratado, então era aquela rigidez que não foi, naturalmente, obedecida, foi estuprada. Foi uma estrutura que a gente, quando a gente se viu no campo filmando: como é que a gente vai fazer isso? Não tem aqui. Então vamos fazer algo...

LL: Mas que serviu de qualquer maneira para dar a vocês a base, o norte, a segurança...

VC: O norte, porque a gente estudou... a gente, porque a gente foi... nós fomos à Serra do Talhado antes de filmar. Fomos os primeiros a subir a serra, inaugurando uma “carroçável”. “Carroçável” é uma estrada que você pega, derruba o mato e fica só aquela clareira, aquela... uma picada. A gente enfiou uma, se não me falha a memória, era uma camionete do DER, Departamento Estadual de Estrada de Rodagem, Departamento de Estrada de Rodagem, que era um coisa... e a gente conseguiu isso com o governo. Eles emprestaram uma camionete, e a gente foi nessa camionete e subimos pela primeira vez que eles viram... os meninos ficavam correndo... se a gente se deslocasse os meninos, as crianças todas iam correndo atrás daquele carro. A gente botava os meninos encima, entendeu? Era uma festa, porque fomos o primeiro carro a subir naquele lugar, subir mesmo, lá encima, entendeu? E aí, o Linduarte conhecia Odilon Ribeiro Coutinho, um usineiro rico, mas muito ilustre. Ilustre e ilustrado, amigo de Gilberto Freyre, e Linduarte consegue, através de uma carta, convencê-lo de ajudar na produção do Aruanda. Outra coincidência muito interessante é que, nesse momento, Juscelino está fazendo Brasília, está terminando Brasília que inaugura em 60. E uma das coisas que essa ideia do desenvolvimentismo que você mencionou do Juscelino, afetou muito a cultura brasileira, especialmente a produção artística. Já surgia a Bossa Nova, o teatro tomou um impulso muito grande, e eu acho que, especialmente, jogou assim um papel fundamental também Paschoal Carlos Magno. Paschoal Carlos Magno era um diplomata que criou um negocio chamado Festival Nacional do Estudante. Que aconteceu? Em Santos, pelo menos do que eu em lembre, depois um, acho que no Rio de Janeiro, e outro ou no Rio Grande do Sul, ou no Recife, eu não me lembro bem a sequência... eu sei que o Pascoal com o prestígio enorme, ele era poeta, diplomata, ele percorria o Brasil assuntando e descobrindo e contatando grupos de teatro ainda praticamente desconhecidos até aquele momento. E eu, por uma sorte não sei de onde, eu era diretor de um grupo chamado Teatro Popular de Arte. Um nome pretensiosíssimo, né? Teatro Popular de Arte. Eu era o diretor desse negócio, o presidente, tudo... e mobilizava... Eu que lancei de certa forma – sabe Zezita? A Piedade, do Velho Chico (novela)? – fui eu que trouxe pro meu grupo, Teatro Popular de Arte em João Pessoa. Você assiste a essa novela? Ela é uma das principais atrizes desse coisa... é a mais velha de todas, com óculos, já está com 74 anos, fui eu que lancei. E aí, nesse grupo que foi, a única vez que a gente saiu da Paraíba foi, a gente foi a Alagoas, viajando de trem, pela Great Western Railway of Brazil, pra Alagoas para nos apresentarmos num festival nordeste de teatro...

LL: Que era esse festival?

VC: Não, não era ainda. Não era o de Pascoal. E lá um grupo que era apresentado naquele dia, recebia do grupo que tinha se apresentado na noite anterior uma flâmula, um símbolo com a marca do festival. Um símbolo, uma flâmula era dada. Um sujeito subia no palco e dava para o chefe do outro grupo... E sabe quem subiu? Jofre Soares, que seria o coronel de Vidas Secas. Que não era conhecido ainda. Eu me lembro disso perfeitamente. Isso é finalzinho dos anos 50, entendeu? Quando voltamos à Paraíba, o Pascoal fez o tal do Festival Nacional em Santos, em São Paulo. E aí, eu peguei o cara mais bonito do grupo, que chamava-se Valderedo Paiva, extrapolava o padrão físico do paraibano, alto, bonito, olhos verdes, e junto com o marido da Zezita, Breno Marques (?) um tremendo de um escultor, maravilhoso, já faleceu, e fui ao Palácio do Governo onde o Pascoal estava dando uma recepção para conhecer os grupos. E aí apresentei o Valderedo a ele e nos apresentamos como um grupo, nós três. Ele pegou a agenda dele e disse: Põe aí nome e endereço. Eu pus o nome dos três. Não acreditei em nada. Fiquei pensando... dali 20 dias, três passagens. Foi a primeira vez que eu andei de avião. Foi a primeira vez que eu andei de avião. Como o Teatro dos Estudantes da Paraíba ia se apresentar em Santos com uma peça chamada João Gabriel Bockman, de Ibsen, o Linduarte, como era do jornal A União, o governo mandou que o Linduarte fosse cobrir o Festival. Daí fomos nós quatro. Eu, com a parte do teatro, mas já mordido pelo projeto que a gente estava escrevendo...

Quinto Bloco (58’15’’)

VC: O que é que nós fizemos? Fomos pra Santos. O Ramiro, na pesquisa que ele fez sobre as possibilidades que a gente tinha de produção, tinha descoberto no Anhembi, um edital, ou algo parecido com um edital, do Banco do Estado de São Paulo, entendeu? O Banco principal. O Banco do Estado de São Paulo, que tinha uma carteira que dava, que podia emprestar para o cinema. Aí a gente enlouqueceu. A gente foi pra Santos. O Ramiro não foi, porque não tinha condição, ele não era... a minha jogada era por parte do teatro. Aí eu fui com Linduarte, aí ficamos de Santos para São Paulo, ficamos lá, mas não tivemos tempo de ser recebidos pelo Banco do Estado e, aí viajamos pro Rio, porque a gente tinha que ir pro Rio, pra de lá do Rio tomar um avião de volta para Paraíba, entendeu? Aí, fomos de trem para o Rio de Janeiro, participamos de uma... fomos ao Catete, Juscelino ainda estava no Catete, formamos uma fila enorme em volta do palácio do Catete. Os estudantes... o Paschoal Carlos Magno levou todo o pessoal que estava... do teatro... e ficamos em fila, a gente subia, passava, entrava no gabinete do Juscelino, ele estava sentado, ele se levantava e entregava um diploma, não era um diploma, era uma foto dele com autografo, de Juscelino. Me lembro perfeitamente disso... entendeu? E aquilo deu um status. Bom, e aí, Linduarte no Rio foi procurar Odilon, e Odilon deu uma carta para a Kodak para fornecer a película para o Aruanda. Que era ouro em pó, película 35mm, compreendeu? Aí ele foi no INCE falar com Humberto Mauro...

LL: na cara de pau?

VC: Na cara de pau. Mas ele já tinha o respaldo da película, aí o Mauro concedeu a câmera, mandou falar com... foi com o Linduarte falar com o Dr. Pedro Gouveia, que era o diretor geral do Minc, o diretor do programa todo, do projeto todo, e conseguiu trazer a câmera, levar a câmera para a Paraíba.

LL: E ele já estava com o... já tinha o roteiro feito? Ele levou alguma coisa...

VC: Levou o roteiro que foi aprovado, o que a gente tinha, esse roteiro tinha ficado pronto e foi em cima desse roteiro que o filme foi rodado. Pra você ver como...  numa província, pode-se dizer, que não tinha passado, não tinha tradição de produção cinematográfica. Existe um senhor, para o qual a gente tem que tirar o chapéu, chamado Walfredo Rodrigues, já há muitos anos faleceu, que fez “Sob o céu nordestino” e fez também um outro filme que se chama “Reminiscências de 30”. Dois filmes. Ele é a raiz mais distante, porque de Aruanda para o último filme que ele fez - ele fez nas décadas de 20 e de 30 - 30 especialmente. Aruanda é de 60. São 30 anos depois a gente vem com o projeto de Aruanda. Mas Walfredo a gente tem que tirar o chapéu pra ele. Eu vou te dar o livro, eu recordo (recolho?) a figura dele num texto um pouco grande... quando eu o conheci, entrevistei, etc., o Walfredo já velhinho...  Então era a única coisa que a gente tinha, a única referencia de cinema, fora, naturalmente, os cinemas, a exibição do cinema é avassalador, tem em todo mundo. Mas de propor filmes, Sr. Walfredo Rodriguez. Rodriguezzz, com Z.

E aí o filme, o Aruanda foi adotado, aceito no Festival de Karlovy Vary, na Tchecoslováquia.

LL: Foi em que ano isso de Karlovy Vary?

VC: É o ano da...

LL: Porque Barravento foi em 1962...

VC: É o ano da... Como chama isso, meu Deus do céu? Era... o Encontro da Crítica.

LL: 1960 então. 1960?

VC: Isso. É 1960. 1960. Houve uma Convenção, se chama Convenção da Crítica, em São Paulo, onde ele foi apresentado...

LL: que foi a primeira vez que ele foi projetado, né?

VC: É. E que o Paulo Emilio ficou basbaque! Entende? Ficou bobo!

LL: Antes dessa projeção em São Paulo, nesse dia aí, que foi junto com o La Dolce Vita, não foi? Passaram junto com La Dolce Vita?

VC: Não sei, esse detalhe eu não sei.

LL: A historia que está em livros, inclusive, eu já tinha lido, aliás eu tinha ouvido uma entrevista do Maurice Capovilla falando isso...

VC: É procedente.

LL: Depois tá nesse livro também que ele [Linduarte] chegou com o filme debaixo do braço e falou: tenho um filme aqui. Eles resolveram dar uma olhada, ficaram surpresos com o que viram e conseguiram encaixar na programação...

VC: Agora tem um fato, um episódio que foi marcante. Você conhece bem o Rio de Janeiro, não, né?

LL: Conheço. Meu irmão mora lá!

VC: No fim de Botafogo, na rua da Passagem, ela deságua na rua Álvaro Ramos... esse endereço é  absolutamente significativo pro seu...

LL: é o bar da Líder?

VC: É o bar da Líder. Tem o Laboratório, que depois foi transferido para Tijuca... não... Vila Isabel. Esse Laboratório depois foi transferido para Vila Isabel, mas até os anos 70 ele funcionou nesse endereço: Rua Álvaro Ramos, todo mundo conhecia porque era ali... quer falar com um cineasta? Quer falar com Nelson Pereira dos Santos? Vai lá de tardezinha, na boca da noite, que ele vai estar lá no Bar da Líder. Chamava Bar da Líder, não tinha esse nome, mas era o Bar da Líder. Bom, vizinho ao Bar da Líder tinha uma produtora de cinejornais, que era esse negócio de filmar...

LL: Sim, que o Jean Manzon também fazia... depois o Rozemberg...

VC: Que o Jean Manzon... Isso. Depois o... antes dos filmes antigamente, naquela época, tinha o Jornal da Tela, todo filme tinha um Jornal da Tela junto, que fazia uma espécie de resenha da semana, futebol, moda, acontecimentos sociais... eram três bloquinhos ali de 5, 6 minutos antes do filme, entendeu? Então ali se reunia muita gente porque ali tinha câmera, lá tinha moviola, entende? Então ficava transitando do Bar pra outra calçada onde funcionava a Labocine e, vizinho a ela, essa pequena produtora de Souza Junior. Souza Junior era o grande chefe, era o grande cinegrafista chefe, que tinha essa produtora de cinejornais... e tinha essa patota aí. E o Linduarte fez parada aí, porque o Rucker Vieira já conhecia o Souza Junior, que era nosso fotografo, nosso diretor de fotografia. Então, quando o filme foi projetado pela primeira vez, aí sim, primeiríssima vez, na Líder Cinematográfica, no Bar, quem foi convidado? Glauber Rocha!

LL: Ah! Por isso... eu ia perguntar... isso tá nas minhas perguntas...

VC: Foi quem primeiro escreveu!

LL: Porque isso que eu ia falar... ele escreveu o artigo... primeira vez que ele escreve sobre o Aruanda ainda não tinha tido a [Convenção da ] Crítica

VC: Não

LL: Aí, eu ia perguntar se ele estava na Líder nesse dia...

VC: Estava!

LL: Estava, né? Porque senão ele não teria como ter visto.

VC: Eu não sei se ele faz alusão...

LL: No artigo ele não fala da Líder, mas como ele escreveu antes...

VC: Não... é... foi o dia que ele viu! Ele saiu de lá da Labo, desceu, entrou no escritório do Souza Junior, foi direto para a máquina de escrever e fez... Ele estava tão alucinado, ele estava tão tocado pelo filme que ele foi de pronto... sabe esse troço? Aproveitou o fluxo da emoção e tudo...

LL: E diz que, até então ele só tinha feito o Pátio e A Cruz na Praça, né? E aí, parece, o que eu também li é que quando ele viu Aruanda ele falou: eu fiz tudo errado... eu estava fazendo tudo errado, é isso que eu tenho que fazer...

VC:  Mas ele tinha feito, se não em falha a memória, o Barravento

LL: Ainda não.

VC: Não?

LL: Hum, hum

VC: Então foi (gesto com os dedos indicando que foi próximo)

LL: Porque o Barravento ele filma, inclusive, ele não vai pro encontro da Crítica, de 1960 porque...

VC: Porque ele estava filmando?

LL: Porque está fazendo... na verdade, acho que ele já está finalizando o Barravento, acho que ele já estava montando o Barravento.

VC: É provável que tenha tido um impacto de grande influência...

Repare só... E aí o Glauber ficou alucinado! O Glauber ficou... quando viu aquilo ele teve que escrever e escreveu, e comprometeu... e veio junto com... e estava sendo visto na mesma época o Arraial do Cabo e ele juntou, são textos...

LL: Chama “Documentários”, né? E ele fala dos dois...

VC: Dos dois.

LL: Sendo que é interessante que a análise...

VC: Ele chama Dois selvagens... Dois bárbaros... dois selvagens com a câmera... por causa de Rucker e Linduarte, porque o Rucker foi o diretor de fotografia e o Linduarte diretor do filme.

LL: Inclusive, na hora em que ele analisa o filme em si, a crítica, ele é muito mais severo com o Arraial...

VC: Eu sei.

LL: ...do que com o Aruanda, porque ele divide, diz que o filme é dividido em partes...

VC: Ele já era amigo do Sarra, ele já era amigo do Sarraceni [sic] e tudo e pê, pê, pê... e aí ele ficou siderado, em primeiro... inclusive por causa da raiz sertaneja do filme. Dele próprio e do filme Aruanda, né? Então ele se identificou mais talvez... Mas é de total importância o Arraial, pari passo

LL: Uma coisa que eu acho interessante, bom, tem outras coisas antes dessa pergunta, mas uma coisa que me chama a atenção é que o Aruanda me parece que teve um impacto ainda mais forte, tanto pro Paulo Emilio como pro próprio Glauber Rocha e tal. E ele já escreve sobre o filme. No entanto, ele só escreve um artigo inaugurando entre aspas um novo movimento...

VC: Depois da Convenção

LL: Não. Em agosto de 1961, depois que o Saraceni volta de viagem, de Roma. Inclusive ele faz uma entrevista com o Saraceni, perguntando sobre a temporada...

VC: Ele fez o tal do curso lá... como é que chama?

LL: No Centro Sperimentale.

VC: Centro.

LL: Quando ele volta com o filme já premiado em três festivais o Glauber escreve um artigo chamado  “Arraial, cinema novo e câmara na mão”, onde ele fala exatamente o que que eles pretendem, as reivindicações, falando tipo... a gente não tá pedindo nada, empréstimos milionários, a gente só quer que abra, que dê oportunidade para os jovens, que o INCE abra as portas pra quem não tem experiência, que empreste equipamento, então ele faz toda a coisa dele, já chamando de Cinema Novo

VC: É uma segunda eclosão, já é uma segunda eclosão do...

LL: É um manifesto quase.

VC: É um manifesto.

LL: Ele já chama de Cinema Novo, só que ele chama de Cinema Novo, e depois ele fala cinenovo, depois ele chama de cinemanovo tudo junto...

VC: Quem chamou de Cinema Novo pra valer mesmo foi...

LL: Foi o Ely Azeredo

VC: É. Foi ele que deu esse nome. Foi ele. Sem querer! Uma coisa assim... É Cinema Novo! E... Cinema Novo ficou... Tem brigas deles porque ele era um crítico muito reacionário, né? Tá vivo ainda!

LL: Eu já mandei e-mail pra ele...

VC: É uma figura!

LL: e ele responde rapidinho!

VC: é. Ele está aposentado, então ele (faz gesto de alguém batendo à máquina)

LL: aí ele escreve...

VC: Ainda ontem, anteontem,  estava lá o novo endereço dele, vai morar na Barata Ribeiro, se não me engano...

LL: Ah, no ano passado, foi ano passado? Mandei email pra ele perguntando um monte de coisa, né? Aí ele respondeu assim, eu estou de mudança... e eu também estava de mudança, porque eu mudei da Suíça pra Argentina... daí ele falou: estou de mudança, depois eu respondo. Daí eu falei: então tá bom, porque eu entendo bem porque eu também estou mudando e é um caos, né, mudar?

VC: Tadinho, ele sofreu com essa mudança.

LL: É?

VC: Todo mundo ficou sabendo! Estou mudando, estou sem dinheiro!

LL: Mas então, a minha... uma coisa que me... pra terminar minha pergunta que eu não terminei... então, ele diz que Arraial é um modelo a ser seguido, então ele dá as reivindicações do movimento, ele dá um nome pro movimento, ele fala a coisa da câmera na mão e ele diz que Arraial é o modelo a ser seguido. A minha... uma coisa que me persegue é: Se Aruanda já era um modelo a ser seguido, porque era, tanto que o Jean-Claude Bernardet faz um... também um artigo dizendo que Aruanda é... é isso que a gente tem que fazer, atende a tudo o que o GB diz que deve ser feito, por que esperou tanto? Por que precisou... se Aruanda foi... ele viu Aruanda em 1960. Aruanda foi projetado em 1960, no fim ainda do ano, no encontro, acho que foi em novembro, por que esperar até agosto? Esperar os prêmios internacionais? Precisava desse... dessa legitimação europeia?

VC: É, de certa forma sim, de certa forma sim. A gente padece...

LL: A gente precisa disso?

VC: A gente padece disso, não é que precise, a gente padece disso!  O filme não dá certo aqui... sei lá... estou falando meu filme, um filme qualquer... o filme do, do... desse menino mesmo aí... [ele se refere ao documentário Cinema Novo, de Eryk Rocha, filho de GR, exibido na noite anterior no Festival de Cinema de Bsb]...

LL: Ganhou prêmio lá em Cannes...

VC: Primeiro tem, claro, a gente sabe...

LL: Claro, é filho do...

VC: É filho... segundo, o filme tem uma força, você pode discutir isso ou aquilo, um detalhe, cada critico pode ver de uma maneira, mas é muito forte... bate em Cannes, a figura do falecido... Pá! Aí... depois o seguinte, traz de volta uma informação que já estava esmaecendo... ah, isso é que é Cinema Novo! Ah!!!! Entendeu? Eu estou falando do filme do coisa... que é a mesma condição! Aruanda deitou e rolou porque voltou da... foi aceito em Karlovy Vary, não sei se ganhou prêmio, acho que ganhou um prêmio lá, entendeu? Então, isso é importante também, também! Agora, a demora é o seguinte: você sabe o Vidas Secas é posterior...

LL: Sim, 1963.

VC: Três anos não é brincadeira! Três anos é muito tempo! O, eles adotaram um procedimento com relação à luz do nordeste que é bebido de Aruanda... Alguém diz, ah, porque Zé Medeiros fotografava com luz natural. Ele era fotografo do O Cruzeiro. Não tem nada a ver com o cinema. O Zé só entra no cinema muito depois. Não tem nada a ver. O que aconteceu foi o seguinte: o Barreto, que também foi fotografo do O Cruzeiro, produziu Vidas Secas. Então, eles já queriam copiar, digamos assim, ou melhor, assimilar aquela fotografia bastante contrastada – o que é preto é preto, o que é branco é branco –, por quê? Porque nós não tínhamos os recursos! Porque quando você filma no estúdio, por exemplo, aquela lâmpada ali [VC aponta com o dedo uma luz à sua direita], entende? Está dando um leve reflexo, um leve brilho no seu nariz, aqui do lado da sua face, aqui... Esse outro lado está bastante eclipsado. Quando você filma... se eu aumentar a voltagem daquela luz, vai ficar mais ainda, vai ficar escuro desse lado. E nós não tínhamos recursos para estar mexendo com essa coisa. O que a gente usava era o chamado rebatedor. O que é um rebatedor? Eu mesmo, numa experiência imediatamente posterior à Aruanda, deitei e rolei aí... era o que eu tinha. Então eu fiz com rebatedor. Então você pega uma superfície qualquer, por exemplo, um pedaço de madeira, de compensado quadrado... esse quadrado aqui, dessa fotografia, e aí eu colo nessa madeira, sabe esse metal que você coloca o bolo?

LL: Ah, papel alumínio?

VC: Papel alumínio. Você cola papel alumínio e você vai, se você está embaixo de uma árvore e o sol está aí, aqui tá a sombra... o sol que está aqui é violento... se eu dirigir esse reflexo pro seu rosto, ele é iluminado. Entendeu? É uma coisa super primitiva. O cinema americano usava para... porque queria copiar um pouco... o cowboy, por exemplo,  você vê a fotografia dos... dos westerns uma série desses coisas... já bem... com... aferrolhado, em cima de um tripé, você levava pra qualquer lado. A gente pegava aquilo e levava... Eu levei, eu levei serra acima, serra abaixo pra fazer o São Saruê, quadros negros de escolas rurais, porque eu filmei, por coincidência, em algumas vezes lá no sertão em férias, e aí eu falava com diretor do grupo, e ele emprestava aquele quadro negro... Então leve esse aqui! Me emprestava. Aí eu colava, eu pegava goma, maizena, fazia um grude junto com Clemente, meu fotógrafo, e pregava dois daqueles troços... porque um, muitas vezes, a gente punha do lado de fora com o sol, e se tinha aqui uma parede e eu estava filmando um casebre de um pobre, botava dois... chutava pra aquele e aquele chutava na cara do sujeito. Entendeu? Então isso resultou em Aruanda numa luz crua, uma luz crua, dura, rascante, que meio que pulveriza os objetos. As vezes, como incide violentamente em cima do objeto um foco direto de luz, aquilo quase que desaparece, ao passo que o que está mais na sombra fica meio... então como eram negros, ficava um grande contraste. Então essa luz é uma descoberta! É uma descoberta! Isso ninguém me tira da cabeça! Porque não tem nenhum filme realizado...

LL: E foi feito de... sem experiência prévia, né?

VC: Sem experiência prévia. O que é que a gente tem, a gente tem isso pra fazer? Vamos lá e faz! Isso é irmão da câmera na mão! Faça com qualquer luz! Uma vez eu dei uma entrevista a um jornal de Recife: filme em 16, mas filme no Nordeste! Olha que besteira! Filme em 16mm, porque se é o que tem, só tem 16, filma...

LL: Mas vá pra lá porque a luz lá é...

VC: Claro! Eu filmei em 16mm, a maior parte dos primeiros dos meus filmes são todos ampliados para 35mm, porque eu filmei em 16mm, porque era muito fácil com uma câmera como essa, eu filmei o Saruê todinho... Saruê é ampliado...

LL: Ah, o Saruê é ampliado?

VC: Ampliado, 35... A origem dele é 16mm, a cópia já é 35mm. E só quando eu vim viver em Brasília, consegui o dinheiro pra pagar essa despesa toda, porque a ampliação é caríssima! Bom, mas isso é detalhe! O fato é o seguinte: é criatividade involuntária, posso dizer, mas é criatividade! Fizemos e fomos copiados porque eles foram fazer Vidas Secas, aquele solão infernal... o Barreto junto com o Nelson resolveram fazer... só que eles fizeram o seguinte: como eles tinham algum recurso, começaram a fazer uma tomada com a concepção da luz dura, e outra tomada com a concepção clássica, iluminada bonitinha, etc. e tal. Entendeu? Então o Vidas Secas tem as duas coisas, só que predomina, por exemplo, se o coronel está... se há uma cena dentro de casa, no Vidas Secas, você lá fora quase não vê nada. Porque a luz do Nordeste, ainda mais filmado em tempo de seca, porque é filmado em tempo de seca, aquela luz... é como Brasília, né? Por isso que eu fiz aquele versinho que você pôs aí na... eu fiz aquele versinho porque quando eles vinham filmar em Brasília, os cinegrafistas, esses que estavam...

LL: que não tinham experiência com a luz daqui...

VC: Não tinham experiência, não usavam fotômetro... ali tem um fotômetro que você pode ver... é um aparelhozinho desse tamanho que liga... que você lê a luz e registra na câmera. Aí os caras chegavam aqui e filmavam como quem estava filmando no Rio, em São Paulo, que é aquela coisa meio embaçada, nublada assim... aí chegava no laboratório, meio estourado. Pô... Tem que botar o fotômetro! Então eu fui e escrevi aquele haicai: Brasília, claro enigma... por causa de Drummond. De luz incandescente, batendo na lente. É isso, entendeu? Então a proposta de luz que prevaleceu... Deus e o Diabo é feito todo assim! Por que? O Deus e o Diabo é muito parecido com a literatura de cordel porque... vou te contar uma história de não sei o que de imaginação...

LL: é, vou contar uma historia...

VC: de verdade e imaginação...  não sei o quê... do sertão... não sei o que lá... é todo cordelesco. Então o cordel, coincidentemente, é aquela capa de folheto...

LL: De gravura... de xilogravura

VC: De gravura, de xilogravura, que é preto, branco, pá, pá, pá...

LL: Que é preto no branco. Inclusive em Arraial do Cabo que também tem uma luz bem contrastada...

VC: Mas já sofisticada!

LL: Mas o Mario Carneiro era gravurista, né?

VC: Era gravurista, mas em que? Gravura em metal, que dá uma excelente nuance. Tinha uma formação plástica, era um intelectual...

LL: Já tinha saído do Brasil

VC: Pô... o cara sabia tudo de... eu tenho o livro dele, é um livro completo, um livro de pintor, e de gravador. E sofisticado. O Arraial, a diferença de Arraial é que a fotografia é bastante sofisticada, aquelas insinuações da rede do peixe... você vai ver o trabalho gráfico do Mario é muito inspirado... ou melhor um é inspirado no outro, não sei em que momento. Se vem um primeiro. Entendeu? As gravuras dele têm muito disso, a coisa da sutileza, uma nuance assim... é diferente.

LL: São realidades muito diferentes.

VC: Nós não, a gente não sabia o que estava fazendo, de certa forma, entendeu? Na fotografia. O Rucker tinha feito um curso em São Paulo e voltou se “arvorando”...

LL: ... Se achando!

VC: Com o... como é o nome daquele? Casaris... Não sei o quê Casaris... tem o nome dele por aí... Casarés, Casaris... e assim foi feito, né? [José Cañisalles e Mario Pagés – fonte, livro de José Marinho].

LL: Depois que o filme foi projetado no Encontro da Crítica, e que foi assim... Paulo Emilio, todo mundo... não só Paulo Emilio como vários...

VC: foram vários... Foram três, Jean-Claude, Paulo Emilio...  Glauber primeiro, Paulo Emilio, Jean-Claude...

LL: Então, depois disso, quando o Linduarte volta para a Paraíba, depois do filme já ter projetado, como é que foi a repercussão na Paraíba? Saíram artigos? Como é que foi?

VC: Primeiro, a província é cruel e preconceituosa. Começaram a dizer... quando o Linduarte voltou à Paraíba com a câmera, ainda não tinha filmado, “Linduarte voltou cineasta e vai fazer uma obra prima”... sabe esse tipo de piadinha assim?  E aí entrevistavam Linduarte ou aí davam uma nota, mas sempre com... de pé atrás. Ele, ele... e aí teve uma carta de Câmara Cascudo [e ele aponta para uma foto na parede, dele com Câmara Cascudo]... Aquilo sou eu e Câmara Cascudo.

LL: Ah, é?

VC: é, é da época. Esse é um momento... isso é 1960, isso aqui, na casa do Câmara em Natal. E parece que, em vez de eu, imbecil aqui, estudante ainda, ouvi-lo, alguém bateu essa foto em que eu estou: “Oh, Câmara Cascudo, qual é a tua, pô?”

LL: Mas isso não é típico da juventude?

VC: É. Menino metido à besta.

LL: Ah, isso é bom!

VC: Por isso que eu guardo, né? Porque é engraçado... todo metidinho...

Bom, mas é isso. O... a gente estava falando da luz... eu olhei aqui no teu livro...

LL: Não, porque daí eu perguntei se tinha tido repercussão na própria Paraíba.

VC: Sim, sim. Primeiro eles tentaram gozar. Aí vem o negócio da Tchecoslováquia. Depois da Tchecoslováquia vem uma exposição russa, russo-soviética, claro com Niesh (?) , em São Cristóvão, no... onde era a feira de São Cristóvão, num negocio que tem assim... um centro cultural, um centro comunitário, sei lá... o São Cristóvão, você sabe, né? Você sabe onde é a feira?

LL: No Rio?

VC: É, no Rio de Janeiro, mas na feira de São Cristóvão, mas não era feira naquela época, era um lugar de grandes exposições internacionais, e aí a União Soviética fez ali...

LL: isso é em 1961, então?

VC: olha, em 1959 acontece a revolução cubana...

LL: Sim

VC: Não podemos esquecer disso...

LL: Que influenciou muito tudo isso

VC: Tudo, tudo. Foi filmada a revolução... os caras começaram a fazer o cinema cubano e tudo... então 1960, 1961*, por aí... acho que é em 1961 que acontece a exposição russa.

* Exposição Soviética inaugurada em 4/5/1962, no pavilhão de São Cristovão, no Rio de Janeiro. Fonte: http://clubemilitar.com.br/ha-50-anos-acontecimentos-de-1962/ No mesmo site, fala-se de uma denuncia e descoberta de uma bomba-relogio na Exposição Soviética (em 20/5/62).

LL: Deve ser 1961

VC: Baixou, os russos baixaram aqui assim, na base da propaganda. Eu e João Ramiro tínhamos foto com uma moça chamada Maya Menglet, uma russa de... desse tamanhão, bonita, do olho azul, loura, sabe, aquela loura...

LL: Bem russa, aquela russa assim

VC: Russona, mas pra exportação mesmo, você falava que a espiga de milho do russo era enorme... a gente ficava falando besteira, porque os grãos eram desse tamanho, e vem essa russa linda de morrer, era uma deusa, e a gente tirou um retrato na associação para a grande imprensa, eu e Ramiro, João Ramiro. E vieram aqueles russos com aquelas camisas que o botão era desse lado aqui, do outro lado... muito engraçado! Por que? Era um momento em que a gente estava vivendo as reformas do Jango.

LL: Sim, isso que eu ia falar, porque aí estava com o Jango entrando, né?

VC: Reforma, reforma agrária  principalmente.

LL: Espera aí, o JK sai no fim de 61, não? Mas ele ainda estava no governo e o Jango vice.

VC: Não... o Jânio renuncia...

LL: em 1961

VC: Em 1961

LL: Outubro de 1961

VC: Agosto. Geralmente essas coisas acontecem em agosto.

LL: Agosto é um mês...

VC: É 1961. Só durou um ano.

LL: É.

VC: 9 meses, pra ser mais especifico. 9 meses, por aí...

LL: Mas no fim de 1960 tem eleição, é isso?

VC: Não, porque o Jango foi preterido porque ele era vice-presidente. Você lembra que, diferente de hoje, era a chapa Ja-Ja... Jango-Jânio

LL: Votava separado...

VC: Um de um partido e o outro do outro. Era possível fazer esse troço. Então quem era o vice-presidente da republica? Daí os milicos deram pra trás. Impediram, ficou aquele negocio... o Jango pra voltar teve que adotar o parlamentarismo... aquela confusão... você pode... tem um livro muito interessante sobre essa coisa que se chama Biografia do Brasil. Dessa grossura! Eu tenho ele no Rio. É muito interessante porque essas passagens estão muito bem claras lá. É bom você dar uma olhada. Você vai ter tempo pra isso! Você tem tempo. Então, essa influencia do russo... então, o que acontece? Linduarte vai ao Rio...

LL: Levando o filme?

VC: [acena que não]... com a incumbência de adquirir uma câmera... que a gente viu o material que estava exposto na... uma das coisas que estava lá, uma nave, não sei o quê... uma batedeira, uma colhedeira mecânica, que os russos expuseram no Campo de São Cristóvão, nesse lugar lá, no... é um centro, você sabe qual é! Que hoje é a feira de São Cristóvão. E lá tinha a Konvak, uma máquina,  câmera russa de 35mm, que não pagando, porque era um regime comunista, eles não pagavam royalties pela copia que faziam das outras câmeras. Então era uma soma da Éclair, da... da Éclair [mexe a cabeça, negando], da Flex Arret, da Arriflex, da Mitchell, da Mitchell americana. Então o russo fez uma câmera completa copiada dos outros. Konvak. E aí a universidade autorizou o Linduarte a adquirir essa câmera. Comprou dos russos. Haja história!!!! A gente vai até amanhã de manhã falando disso! Aí volta pra Paraíba com essa p... eu ia dizer com essa porra dessa câmera! Essa câmera nunca filmou! Porque Linduarte era um preguiçoso! Pensa num cara preguiçoso que acorda meio-dia! E ele foi deixando. Ele fez o... com a câmera...

LL: Ele fez o Cajueiro...

VC: O Cajueiro, ele fez com a mesma câmera que tinha feito Aruanda, que foi a mesma que a gente pegou para fazer Romeiros da Guia, meu primeiro filme. Enfim, essa câmera virou uma lenda. Nunca ninguém filmou...

LL: Ninguém usou a câmera?

VC: No Cabra Marcado Pra Morrer, eu havia sugerido que a gente utilizasse... até pra diminuir as despesas do Cabra Marcado pra Morrer, que não tinha... era um... tinha dinheiro, mas não tinha tanto, que a gente usasse a câmera. A câmera foi pedida e liberada lá na Universidade. A gente... estava com Rucker Vieira em Recife a câmera, pra um conserto, sei lá o quê... e a gente levou e o que a gente filmou, pifou...

LL: não prestou?

VC: Não deu, porque o filme raspava... porque isso tem o chassi... a câmera é composta por ... você põe ela... você põe o filme... deixa eu ver se consigo abrir esta para eu te mostrar como é o mecanismo...

LL: Mas eu acho que sei como é...

VC: São dois rolos. Tem um rolo aqui virgem, que ela desenrola, passa pela frente da câmera, e enrola do outro lado já exposto. Aí você entrega no laboratório, o que já está exposto e aquilo é revelado e copiado. Eu não estou conseguindo abrir, mas você sabe. Bom, o filme raspava e aí não prestou. A gente filmou um carnaval pra Prefeitura de Vitória de Sant’Antão, que nos acolheu, foi onde a gente foi surpreendido pelo Golpe Militar de 31 de março. Entendeu? A gente fez pra agradar...

LL: Essa é outra historia que é fantástica...

VC: Mas aí não deu porque a gente não, quer dizer, não deu.. a gente copiou, não sei o quê e não tinha nada... estava muito [faz muitas caretas e ruídos]... o filme rrrrr, em vez de rodar 24... arranhava a borda e parava. Aí queimava o filme. E não deu. E essa câmera está lá até hoje como peça de museu. Só. E acompanhava essa... E pior do que isso, e que foi motivo de crítica nossa, minha e de Ramiro...  A gente botou pra quebrar em Linduarte, porque Linduarte negou que a gente tinha feito o roteiro. Isso foi uma merda!

LL: Também já li isso.

VC: É. Aí a gente... passamos adiante e: E aí? Vieram dois rolos de filme 35mm, aquilo era muito caro! Acompanhou a... uma espécie de brinde dos russos, dois rolos de 10 minutos de película de 35mm, e nunca foi usado. Caducou e estragou, nunca aconteceu. A câmera vermelha, como eles chamam. O Rucker, como ele estava com essa câmera guardada na casa dele, quando veio o BOPE, ele foi preso e de certa maneira torturado, porque ele apareceu na prisão... Porque muita gente foi presa, né? A gente escapou fedendo! Eu, o Coutinho, Cecil Thiré...

LL: Mas você teve depois que mudar de nome e ficar um tempo escondido....

VC: Não. Eu mudei por iniciativa própria, de medroso que eu sou! Porque eu não sou valente, não sou... queria viver! Queria viver, como sobrevivi, graças a Deus! E saí fora. O Coutinho esteve preso, depois o pai tinha influencia em São Paulo... e aí ele foi solto. Mas o que acontece é que o Rucker na prisão, ele teve uma moléstia, uma coisa, uma dor... que a gente, todo mundo lá chamava “moléstia do mundo”, entendeu? E ele foi... fizeram um cirurgia sem anestesia nele. É! Ele foi mal tratado! Por causa dessa porcaria dessa câmera... “O cara é comunista! Câmera comunista!” Foi agarrado com a câmera comunista... Foram na casa dele e estava lá a câmera!  E ele passou por esse desconforto terrível, né? E a câmera nunca filmou. Mas é pra dizer, eu acho... eu estou contando tudo isso pra traduzir o clima... nós queríamos transformar, nós queríamos o poder socialista no país, a gente queria fazer as reformas do Jango: reforma urbana, reforma agrária, reforma universitária, reforma bancária, todas as reformas, estava na linha de frente! Se ia fazer eu não sei. Só sei que a gente embarcou nessa, todo mundo. Quem não era de esquerda estava ferrado! Não, é porque hoje em dia... foda-se! Não sou nem de direita, nem de esquerda. Se um estudante ficava de lado, dessas coisas, ou era um doente que não estava percebendo as coisas, ou então era um mal caráter que ia entregar a gente em algum momento, sei lá o quê! Mas esse momento não dá pra gente reproduzir... contando coisas. Era isso. O resultado é o Golpe Militar... e aí foi tudo pras cucuias!

LL: E isso também afetou o...

VC: Paralisou o Cabra Marcado por 17 anos. Depois é que volta.

LL: Mas, nessa época, em 61, que eu tinha... o que eu me questiono muito é o porquê do Aruanda não ter sido o suficiente para declancher, né, em francês..  Pra fazer o movimento...

VC: Mas, quando fez, fez com muita força, né?

LL: É, sim. Aí...

VC: Você diz que o artigo de Paulo Emilio é de 1961?

LL: Não. O do Glauber Rocha.

VC: De 1961?

LL: De agosto de 1961. Ele já tinha escrito aquele que fala de Aruanda e Arraial...

VC: Ah, bom! Mas já tinha inaugurado o bafafá em torno de Aruanda?

LL: Sim. Por isso que eu acho estranho. Porque eu acho que Aruanda tem tanta força, teve tanto impacto que talvez já fosse o suficiente para o movimento, que aquele bando de jovem queria... porque desde 1959, dos encontros no Bar da Líder, no Alcazar, não sei quê, eles já falavam de movimento. Que eles queriam lançar um movimento, tanto que eles escrevem esse Manifesto Bola-bola que todo mundo critica, quer dizer, que era cinema-cinema, e que todo mundo dizia...

VC: Isso é um pouco reação ao que vem antes um pouquinho, porque eu comecei falando do Nelson, foi muito importante a convivência com o Nelson. O Nelson montou o Barravento. Montou. Montou!

LL: De graça quase, né?

VC:  É. O Glauber não sabia o que tinha feito, o Nelson foi quem deu ordem, ele não tinha noção de... como é que chama? De edição. Depois que o filme estava pronto, descobriram mais duas latas debaixo da cama dele que ele tinha esquecido. Conta-se. Entendeu? E o Nelson foi quem fez. Então, isso é um pouco pra... “Agora nós... agora é a nossa vez!” Porque há uma diferença de idade, né? O Nelson é muito mais velho do que a raça, né? O Nelson tem 86, parece... 86 ou 87, não sei. Está bem, já bastante velho. Mas tem vigor, né, ainda. Então, o Paulo Cezar, Leon Hirzman, Joaquim, de certa forma o Jabor, que ainda não tinha filme importante, mas estava no grupo, você viu ele ontem, várias vezes até... ele aparece, e falou, inclusive...

LL: Cacá Diegues.

VC: O Cacá.  Walter Lima Junior. Só aqui você tem 6 caras de frente. De frente, né? Do Cinema Novo. Todo ele aí já. Posso estar esquecendo um ou outro do Rio...

LL: O Gustavo Dahl. Mas que só começa a fazer filme depois...

VC: Mas o Gustavo Dahl é mais novo, bem mais novo e estava...

LL: Ele estava em Roma também, né?

VC: O que eu quero dizer é o seguinte: essa febre... as pessoas foram fazer seus filmes. Nesse momento foi todo mundo correndo fazer... O Leon foi correndo fazer Maioria Absoluta, que o Maioria Absoluta era o voto do analfabeto, filmado na Paraíba inclusive.

LL: Mas eu acho que o Maioria Absoluta ele já faz em 1964, 63? Antes?

VC: Não. Em 1964 não. Acho que ele faz antes do Cabra. Não, não, não. Ele faz depois! Tá certo, tá certo! Faz depois porque já era com o Nagra. Jabor operando o Nagra.

LL: Porque o Nagra chega em 1962, né? Com aquele curso da Unesco...

VC: Depois que o Arne Sucksdorf deu o curso, eles ficaram muito inflamados e essa demanda aí por informação ou por escrever, tem um pouco que ver com a prática... todo mundo foi fazer cinema, todo mundo foi correr atrás do seu roteiro e procurar meios pra fazer, entendeu?

LL: E lá na Paraíba, o Aruanda foi exibido em circuito comercial, teve alguma... como é que foi lá?

VC: Teve uma exibição, vamos dizer, festiva, porque com essa viagem do Linduarte, o prestigio foi enorme, né? A Paraíba se sentiu...

LL: A viagem de Karlovy Vary? Da Tchecoslováquia?

VC: É. Essa coisa da Tchecoslováquia e mesmo a Convenção da Crítica... Quando o filme passa na Paraíba, já é no auge... já é uma coisa assim “Aruanda nas páginas”. O Cruzeiro deu uma matéria boa. A revista O Cruzeiro era muito lida! Era a revista semanal, a única que tinha. Ainda não tinha Manchete, nem tinha Veja. O Cruzeiro deu uma matéria...

LL: Deu uma matéria boa no Cruzeiro?

VC: Deu uma matéria. Uma foto com...[2] Porque O Cruzeiro não se detinha muito em análise não, né? Ele promovia. Então, pela foto. Tem uma foto do filme e um pequeno texto daquele senhor... ele era um cineasta de segunda. Ele era do Ministério da Cultura e escrevia no O Cruzeiro. Depois eu me lembro. Depois eu me lembro... tá por aí o nome dele... Ele escreveu um texto. Eu tinha essa revista, não sei o que... onde foi que ela se extraviou... Mas o que eu quero dizer é o seguinte: fez-se uma exibição do Aruanda no Cine Rex, que os exibidores eram muito amigos nossos, o Luciano e... Vanderlei, o Luciano Vanderlei... que exibiu e foi assim um... todo mundo foi, né? E foi exibido, pra completar a fama, numa plenária da SUDENE no Recife. Entendeu? Plenária da SUDENE significa o quê? Os governadores presentes. Os governadores do Nordeste presentes. Mais o Celso, mais todo mundo... assistiram Aruanda. Isso é...

LL: E como foi a repercussão?

VC: Enorme!!!!! Aquilo serviu de filme-texto! Aí, Aruanda! Olha o que é o Nordeste! É a marginalidade econômica... socioeconômica. O cara sobreviver de algodão nascido natural. Um herbário natural. Aquele algodão não era o algodão fibra longa... era o algodão primitivo, já existia no lugar.  E num lugar desgraçado que é...

LL: que não tem nada...

VC: Nada. Não tem nada. Na terra não tem nada! Entendeu? Foi assim um escândalo na SUDENE. Um escândalo em termos, né, que eu digo...

LL: Eu tenho que tentar achar rastros disso aqui na SUDENE...

VC: Isso aí você provavelmente...

LL: Eu também tinha visto que teve a projeção na Líder e também, ainda no Rio, antes de ir pra São Paulo, teve uma projeção no Rio,  né? Num cinema mesmo.

VC: Deve ter sido no Cineclube da ABI... a ABI – Associação Brasileira de Imprensa – tinha um cineclube que o David Neves passava esses filmes. Pode ter sido. Havia um cineclubão no Rio de Janeiro que ficou muito tempo na ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

LL: Não, mas era num cinema...

VC: O cinema tinha uma verdadeira ojeriza por esse tipo de trabalho, foi... demorou muito para eles admitirem que podia... A lei do curta veio porque já [e faz gesto com as mãos representando “muita fala”]...

LL: Vocês aproveitavam a Lei do Curta também, né?

VC: Não. Não existia.

LL: Não. Não conseguiram entrar em nenhum?

VC: Não, não existia.

LL: Mas não passavam os cinejornais?

VC: Aquilo era uma abertura só para os cinejornais que durava cinco minutinhos aí. A Lei do Curta mesmo só veio com a ABD forçando a porta, forçando... isso foi um movimento assim, glorioso!

LL: Eu achei que naquela época já...

VC: Não, não... havia uma licença, que vinha desde Getúlio, para os filmes do DIP, para esse negócio assim de propaganda do governo... é... não era a Lei do Curta. Lei do Curta somos nós já! Associação Brasileira de Documentaristas – ABD. Isso não foi gratuito não. Isso foi luta!

LL: Muita luta!

VC: É!

LL: O filme também teve apoio do Instituto Joaquim Nabuco de Recife

VC: Sim

LL: Bem, isso a gente já falou...  

VC: Eu acho... com certeza o Cajueiro Nordestino... que são os dois únicos filmes do Linduarte nessa época. Ele fez também um filme de ficção que não deu certo. Chama... Salario da Morte. É um filme de ficção. Foi feito um grupo... é um filme que não existe, não sei nem se tem cópia. Entendeu? Não foi. Os filmes do Linduarte são Aruanda e o Cajueiro Nordestino, imensamente inferior. Não é nada, mais um...  uma bobagem... nem repercutiu! Há uma frase do Humberto Mauro, que foi dito na intimidade, e que não é divulgada, porque não tem interesse, ninguém tem interesse de chegar e enxovalhar! “Desses aí eu faço um por semana no meu sítio!” entendeu? Porque ele tinha um sitio onde ele filmava coisa, lá em Cataguazes.

LL: Parece que teve também um Festival em Cataguazes, né? Nessa época aí também. Acho que em 1961, 62...

VC: Não sei. Não tenho certeza, não vou dizer que teve, mas pode ter acontecido.

LL: Mas era assim uma homenagem a Humberto Mauro

VC: O que teve foi troço na Bahia. Na Bahia teve um troço que o Rex junto com os outros, tinha... acho que foi nesse Festival que ele apresentou o... como é que chama?

LL: Bahia de Todos os Santos?

VC: Não, não. Uma palavra africana... é até um filme... os filmes do André Luiz de Oliveira, o último filme que ele fez, é esse título...

LL: Na Bahia? 

VC: Não, ele vive aqui. Ele copiou esse título...

LL: Sim, mas esse filme... esse festival é em 1962, eu acho

VC: Isso. De 62 na Bahia que foi assim glorioso pra nós. Foi todo mundo pra lá... eu não fui, mas foi todo mundo pra lá! É quase assim a semente para muito depois criar a Jornada da Bahia.

LL: Nessa projeção da Líder, você estava lá?

VC: Não. Eu fui, a projeção que o Glauber estava, se ele estava, eu não percebi ou eu não estava antenado. Porque é o seguinte: eu fui para o Rio... isso é 61... eu não sei se eu fui pro Rio para uma reunião do Partido ou se eu fui para o Rio...  eu estava parado lá... não foi... foi depois. É que eu ia dizer que tinha sido de Santos... mas não foi. Foi depois. Foi depois e eu fui para uma reunião do Partido. No Rio. Coincidentemente o filme estava saindo do Laboratório. E de lá da Líder, eu me lembro perfeitamente, porque ainda tinha bonde no Rio, e a gente veio brigando dentro do bonde até a Glória, onde eles estavam hospedados, desceram e eu segui adiante porque eu ia pra Tijuca, pra casa de uma tia minha. Porque quando eu assisti e vi que não estava o nosso nome, eu pulei dessa altura.

LL: Claro!

VC: Aí vínhamos eu, o Rucker e o Linduarte no bonde, e aí eu apresentei logo o meu descontentamento. E aí ele começou a falar: Vocês não fizeram nada... parará... e ali a gente rompeu. Quando eu voltei pra Paraíba, a gente soltou os cachorros em cima dele. Eu dei entrevista, blablabá... e isso rolou hoje eu estou pouco ligando... não tenho mais interesse nisso. Eu fiz 23 filmes depois de Aruanda, pelo amor de Deus... e aí eu não me lembro se foi no dia em que Glauber estava. Provável que o... Se foi, eu não registrei. Ele pode ter visto o filme e... porque a Líder era o seguinte: ali estava a porta, você saía... é provável que na conversa  ele saiu e eu não registrei o Glauber naquela hora. Mas eu estava lá quando o filme saiu do forno.

LL: Nessa época aí, já tinha esse clima do movimento, dessa coisa que estava acontecendo... já, né?

VC: Do grande movimento. Não tinha o movimento do documentário, não tinha. Você contava nos dedos... você tinha o filme Arraial do Cabo, tinha algum filme feito na Bahia, os filmes, que não eram propriamente, não eram documentários assim focado, tinha A Velha a Fiar... que todo mundo assistia, que não era um documentário, mas era um filme curto, muito interessante, que é uma cantiga... [ele cantarola a música]. Aquilo é uma cantiga que ele fez por que promovia o quê? Um elemento popular da cantiga popular, uma cantiga de trabalho, né? Mas não era um documentarista, porque ele já tinha feito filmes de ficção, e era disso que ele se orgulhava, não dos duzentos filmes que ele fez de serviço... mas havia algumas coisas na Bahia, a Rampa, uma coisa assim... mas foi Aruanda que sacudiu. Sacudiu e todo mundo ficou influenciado por isso! Mas não tinha um movimento do documentário. Existia já, e com o manifesto Bola-bola, essas coisas toda, e aí vem Cinco Vezes Favela, que é... não é um filme, não são documentários, são filmes ficcionados, mas que têm muito... a câmera se volta pra favela. Como a câmera se voltou pra marginalidade do nordeste, da seca, da miséria, etc., eles se voltaram pra favela, porque era aquilo que estava representando... aí vem filme de samba, de isso, vem filme daquilo outro, entendeu?

LL: Sendo que o Couro de Gato já tinha sido feito antes, né?

VC: Antes. O Couro de Gato entrou no Cinco Vezes Favela porque eles fizeram uma espécie de homenagem ao belo dum filme e ao Joaquim que tinha prestígio... o pai do Joaquim dirigia o... o que era?

LL: O IPHAN

VC: O IPHAN, essa coisa toda. Então isso foi... me parece que foi o pai do Joaquim que promoveu a vinda do - não ele propriamente, mas a instituição - do Arne Sucksdorf, com câmera, trouxe o Nagra, daí houve um pulo, uma revolução, porque a presença do Nagra representa uma revolução. Porque você deixa de escrever texto que você cola no filme e passa a ouvir as pessoas. As pessoas até aquela hora não tinham voz.

LL: E vocês ouviam falar aqui do cinéma-vérité? Ouviam, chegava essa informação do cinema-verdade?

VC: Não. A partir do Nagra, aí todo mundo... a gente consumiu o Cahiers du Cinéma. Porque às vezes a comunicação, ou a informação ela cria uma velocidade assim extraordinária, de uma rapidez e de uma eficácia enorme, porque a gente começou a ler, começou a ver... aí... eu me lembro... eu era, em 1965, eu fui assistente do Arnaldo Jabor no filme Opinião Pública, e de um filme chamado Rio, Capital do Cinema, que é um média metragem que talvez nem tenha mais cópia. Rio, Capital do Cinema, feito para o Departamento de Turismo da Guanabara. O Jabor tinha um prestigio muito grande com o Lacerda, então ele conseguiu esse troço. A gente filmou... eu vi, daqui pra aí, Fritz Lang, Polanski, Claudia Cardinali, Gleen Ford, Wayda , porque eu fui assistente do Jabor nesse filme Rio, Capital do Cinema e a gente filmava tudo. A gente passava o dia inteirinho no Copacabana Palace, filmando essas pessoas, filmamos uma festa no Copacabana Palace. Eles tinham alugado smoking para a gente entrar na festa e eu carregava a bateria. Naquele tempo a gente carregava um trambolho, um trambolhão, isso aqui multiplicado por... pendurado aqui, junto da câmera sempre.

LL: De smoking?

VC: É, de smoking. Quando foi no outro dia, que a gente foi devolver os smokings para Rolas, aquele célebre... que foi de negócio de alugar roupa, né? Tinha um rombo desse tamanho. O ácido da bateria tinha feito um rombo assim. Quase que pega as minhas costelas aqui. Uma coisa assim, meio queimado, né? E o rombo [gesto com as mãos]. Eles tiveram que pagar o smoking. Entendeu? Porque a gente filmou tudo. Eu estou dizendo isso por quê?

LL: Nem eu lembro mais. A gente estava falando do... Ah, não, porque eu perguntei se o Cinéma-vérité...

VC:  A velocidade com que as coisas acontecem... Aí também foi assim... são coisas pontuais. Festival Internacional do Filme – FIF.

LL: Teve do Filme Francês também, não teve?

VC: Teve. Veio tudo. Veio tudo. Veio a raça toda! A irmã da... a D’Orleac, irmã desse mulher célebre, que é a... a Bela da Tarde, como chama?

LL: Ah, a Belle du Jour, a Catherine Deneuve?

VC: A Catherine Deneuve. Veio a D’Orleac... veio todo mundo, entendeu? Veio muita gente! Esse é um filme que... o Moniz Vianna, com um prestígio enorme na crítica, um crítico reacionário da peste, mas com um prestígio no governo, ele conseguiu trazer tudo isso. Era amigo de Lacerda, o dinheiro todo estava formado, Copacabana virou um... sabe como é? Um troço extraordinário! E filmes... e então eu estou lá metido no meio. Eu peguei dois festivais: o de 1968, ou 69, o repeteco de 69, eu já era repórter de jornal no Rio. Já tinha acontecido o Cabra, eu já tinha me lascado, perdi um emprego que tinha 10 anos de serviço, com medo de voltar. Com medo. Então me demitiram por abandono de cargo. Eu nunca mais fui lá. Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE. Um daqueles institutos, IAPETEC, IPASE e IAPI. E aí eu não fui mais lá, e aí fiquei vagando no Rio de Janeiro, arranjei um trabalho no jornal e fiquei trabalhando até que vim pra Brasília. Vim pra Brasília eu estava morando numa casa de cômodo, eu e minha mulher, sabe Deus como! Aí me ofereceram um trabalho na Unb, que eu ia ganhar dez vezes o que eu ganhava no Rio. Daí eu vim pra cá. Salvei a pele!

LL: E nunca mais saiu.

VC: E nunca mais saí. Entendeu? Isso pra dizer o seguinte: que aí já tinha adquirido uma velocidade enorme aí veio o golpe... PUF! Eu me lembro do filme do... O Desafio, do Paulo Cezar Saraceni, que já é a crise do intelectual de esquerda, já tinha acontecido...

LL: Que é como o Terra em Transe também, né?

VC: É, como Terra em Transe que é de 1965. E teve o maior problema pra sair do país, acho que nem conseguiu sair, virou um caos, o Itamaraty não quis... [E olha no relógio]

LL: Ah, está na sua hora, né?

VC: Daqui a pouquinho.

LL: O Terra em Transe... inclusive até o Deus e o Diabo também teve problema, né? Porque o Deus e o Diabo...

VC: O Deus e o Diabo... Eu vou contar mais uma história pra você: a nossa câmera do Cabra Marcado para Morrer pifou e só tinha ela... pifou, no meio da... a câmera...

LL: Do Cabra Marcado?

VC: A câmera, não essa russa não, a câmera mesmo, pifou, queimou! Aí parou tudo. A gente foi rever o roteiro e não sei o quê... e mandou-se o Cecil, carioca, Cecil Thiré, filho da Tônia, com a câmera para o Rio de Janeiro, levando, pra arrumar.  Cecil volta transtornado, alucinado... Ele assistiu à Première do...

LL: Do Deus e o Diabo?

VC: A gente ficou a noite inteirinha ouvindo o Cecil. E ele falava, falava, falava...

LL: Parece que foi um sessão assim...

VC: Ele: “Rapaz, é uma coisa que vocês nunca viram...”

LL: Parece que tinha muita gente chorando, gente aplaudia...

VC: Alguém gritou: Gênio, gênio! E daí pra frente, só foi gênio pra Glauber. Me lembro muito bem disso, da volta do Cecil... porque isso é janeiro, fevereiro de 1964. Estourou assim, ó!

LL: Porque ele foi exibido antes... Eu fiz uma apresentação sobre Deus e o Diabo lá na Embaixada, lá em Buenos Aires, ele foi exibido antes, então eu li sobre isso... no dia 13 de março, que era o dia que ia ter o comício do Jango, o filme foi exibido pra um grupo pequeno.

VC: Acho que de tarde, coisa assim...

LL: Sim, foi de dia, exatamente, pra um grupo pequeno, que devia estar lá o Cecil Thiré.

VC: Alex, me lembro que estava Alex, Leon, toda a raça, porque cada um levou seu convidado... Vamos ver um filme de um cara... lálálá... Já tinha feito Barravento. Bateu na tela... o Cecil...

LL: Foi um negócio louco! Só que nisso já tinham mandado uma copia do filme pra participar do Festival de Cannes.

VC: Houve uma... sabe, o Itamaraty?!!! O Itamaraty, diplomata você sabe como é, né? Vira-folha, né? Ele estava no meio desse troço... e houve meio que uma pequena sabotagem de não entregar, de... enfim.

LL: E era o Arnaldo Carrilho que era o responsável do Departamento Cultural que mandava. E os militares foram lá e falaram pra ele: ó, aquela fita que você mandou lá, não pode.

VC: Não pode.

LL: Isso é numa entrevista do Arnaldo Carrilho. E aí ele fala: “Ih, mas eu não posso, eu tenho que consultar meus superiores.” Ele jogou essa, porque o Itamaraty também tem essa coisa da hierarquia igual ao exército, né? E os caras: Superior? É, não, tá bom...

VC: Superior? Como assim?

LL: Tá. E parece que nisso projetaram e o Figueiredo assistiu...

VC: Aí danou-se...

LL: Não. Ao contrário, ele liberou o filme. 

VC: é?

LL: Porque aí, quando os caras voltaram no dia seguinte, eles falaram: “ó, é, o filme tem umas coisas assim, tem meio um discurso meio assim...

VC: No SNI. Ele era do SNI.

LL: “...mas, daí ele fala, mas o filme é muito bom! Então foi liberado.

VC: É curioso.

LL: Eu não sei o que tem por trás disso,

VC: Isso é curioso, Mas se está escrito e alguém disse, você pode... trabalhar isso

LL: Foi o Arnaldo Carrilho, na entrevista.


[1] GOMES, João de Lima (org.), Aruanda – Jornada Brasileira. João Pessoa : UFPB/Editora Universitaria, 2003.

[2] O Cruzeiro, n. 33 (?), 1962 – foto com texto : “No Cinema nacional, alguns curta-metragem [...] já passaram à história. “Aruanda” (do qual damos uma cena na foto abaixo) coloca-se entre essas pequenas obras-primas.”


O que esperar do novo filme ¡Qué Viva México!

Com o mesmo título do famoso filme inacabado de Sergei Eisenstein, de 1932, o cineasta mexicano Luis Estrada lançou, no mês de março, seu próprio ¡Qué Viva México!, longa-metragem de mais de três horas de duração e que é uma sátira bem ácida da política mexicana atual.

Sátira, aliás, que não é novidade na filmografia do diretor, já que, a cada sexênio, ele lança um filme que detona o governo da atualidade, fazendo ainda uma análise (quase sempre cruel) da "mexicanidade”, ou seja, das idiossincrasias e incoerências do povo mexicano. Isso acontece desde A Lei de Herodes (1999), quando analisava e anarquizava os governos do Partido Revolucionário Institucional (PRI ). Em seguida, com seu Um Mundo Maravilhoso (2006), satirizando o governo de Vicente Fox. Em 2010, com O Inferno, cuja vítima principal era o presidente Felipe Calderón, e, mais recentemente, em 2014, com A Ditadura Perfeita, em que atirava pedras na administração do presidente Enrique Peña Neto. Enfim, há toda uma tradição guerrilheira que faz com que a espera pelo lançamento de seus filmes seja algo prazeroso para alguns e bem incômodo para outros.

¡Que Viva México! não foge à tradição e ataca de frente o governo do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, vulgo AMLO, do partido MORENA (Movimento Regeneração Nacional). Um político que se diz de esquerda, à favor do povo e contra a corrupção de qualquer natureza, mas que se rende (como todos) às armadilhas do poder, tendo uma ótima relação com os presidentes dos Estados Unidos, incluindo com o ex Donald Trump. Não podemos esquecer que os vecinos norteamericanos são os maiores parceiros comerciais do México, com as remessas de dólares vindas de lá para cá (dos imigrantes) representando 4% do PIB nacional.

A trama do filme gira em torno de Pancho Reyes (Alfonso Herrera), um homem de classe média (em ascensão), que trabalha dia e noite para atender os caprichos da esposa e dos filhos. De origem humilde, ele prefere esquecer e deixar bem escondido esse passado, até o dia em que recebe, porém, o telefonema de seu pai Rosendo (Damián Alcázar, que atua na pentalogia completa de Estrada), informando que o avô falecera e que era aguardado em seu pueblo para o enterro e para a leitura do testamento.

O que vemos, então, é o retorno à pobreza natal de Pancho, uma viagem ao México profundo, cheio de poeira, pobreza, mas também de alegria, camaradagem, comilanças, bebedeiras, mariachis e, claro, corrupção e espertezas. Tudo é paroxismo, é crítica, é desacato. Um verdadeiro show do politicamente incorreto, que tem irritado muitos espectadores mexicanos, sobretudo, os "Whitexicans" (elite branca do país), que não gostam nada de se ver assim representados na telona.

Mas, verdade seja dita, Estrada não poupa ninguém e aponta sua metralhadora para todos os atores do México contemporâneo, desviando-se assim do modelo maniqueísta que representa pobres como bons e ricos como maus, ou ainda políticos como os únicos seres corruptos e corruptíveis. Em seu filme, ele desenha um microcosmos capaz de representar as várias camadas da sociedade desse país, com seus defeitos e qualidades, mas, principalmente, com suas incoerências. Não à toa, ¡Qué Viva México! vem desagradando priistas, morenistas, panistas, etc, gente de esquerda, de direita e até de centro. Quase uma unanimidade!

Pelos olhos de uma estrangeira, residente no México há pouco menos de três anos, o que vejo é um retrato ácido da sociedade local, obviamente, levado ao extremo. Importante ter em mente que estamos aqui, porém, diante de uma sátira e que, por isso mesmo, os personagens, bem como as situações, são sim exagerados, artificiais e caricatos. Não se pode levar tudo a sério, nem querer interpretar cada diálogo ao pé da letra. O próprio cenário, a trilha e os filtros amarelados usados para representar o México quente e perigoso – como os gringos costumam fazer –, corroboram os excessos da história ali contada. Ao mesmo tempo que vão de encontro à campanha #UnfilterMexico, que a marca de cerveja Corona lançou há pouco, junto com o diretor de fotografia mexicano Emmanuel “Chivo" Lubezki, com o objetivo de acabar justamente com esse estereotipo no cinema.

Por outro lado, entendo a indignação de alguns mexicanos, pois olhar-se no espelho nem sempre é fácil, mesmo que, tantas vezes, necessário. Nosso Brasil bem que precisava de um louco Estrada para espelhar na telona, a cada quadriênio, uma sátira de nossos presidentes e da evolução (ou involução) de nossa sociedade.

Saiba mais sobre a autora

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL)Suíca.


Arte: João Rodrigues/FAP

Lilia Lustosa: “Cinema é importante aliado da democracia contra a extrema de direita”

Diversos filmes lançados recentemente têm refletido a importância da luta pela democracia contra o avanço do populismo de extrema direita no mundo. O longa alemão “Nada de Novo no Front” e “Argentina, 1985” são apenas alguns dos exemplos mais atuais. Porém, não é de hoje que o cinema ajuda a combater regimes autoritários.
Para analisar como a sétima arte tem ajudado a fortalecer a democracia ao longo da história, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana bate um papo com a crítica de cinema Lilia Lustosa. Ela é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, na França.

https://open.spotify.com/episode/6UU0KAPxRDGj1bQbJIr3DN

O Cinema Novo, importante movimento cinematográfico brasileiro, que ocorreu entre 1960 e 1970, e ficou marcado pela crítica às injustiças sociais e pela garantia dos direitos dos cidadãos é outro tema abordado no programa. No fim da conversa, Lilia Lustosa também deixa dicas de filmes que expõem a importância da democracia e a luta contra desigualdades. O episódio conta com áudio do documentário “Democracia em Vertigem”, do trailer do filme “Argentina, 1985” e do site do jornal Estadão.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, YoutubeGoogle PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP

https://open.spotify.com/playlist/3nQjkkNqmxf0AICw9cHIK8

“Não estamos vivendo nada de novo no cinema”, diz especialista

Avaliação é da doutora em História e Estética do Cinema Lilia Lustosa, em artigo na revista de novembro

João Vitor*, da equipe FAP

Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, na França, Lilia Lustosa critica a possível falta de ideias originais no meio cinematográfico mundial que, segundo ela, causa um “surto de remakes no cinema”. Ela abordou o assunto em artigo que produziu para a revista Política Democrática online de novembro (37ª edição).

As refilmagens ou remakes, na avaliação de Lilia, são “uma forma de oferecer ao público uma versão melhorada de um hit do passado, usando tecnologia de última geração”. “Um tiro aparentemente certeiro para atingir grandes bilheterias. Afinal, cinema, além de arte, é também negócio”, continua.

A revista é editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. A instituição disponibiliza, gratuitamente, em seu portal, todo o conteúdo da publicação mensal na versão flip. Lilia também é especialista em marketing.

Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de novembro

A autora do artigo analisa o recente lançamento do longa Duna, dirigido por Denis Villeneuve, remake do filme homônimo já convertido em cult, realizado por David Lynch em 1984, como uma possível escassez de ideias para novos roteiros.

Contudo, ela orienta que não haja generalização, pois, conforme ressalta, em alguns casos, pode haver, de fato, razão importante para a reprodução de um sucesso do passado. “Na passagem do cinema mudo para o cinema falado muitos estúdios refizeram alguns de seus títulos no intuito de modernizá-los, já que o público à época não queria mais saber de filme mudo”, afirma.

Na avaliação da autora, o cinema está cada vez mais negócio do que arte. “Mas uma coisa não se pode negar, o tal fim capitalista às vezes pode render uma versão artística de melhor qualidade, como é o caso do novo Duna”, analisa.

A especialista faz um pedido de desculpas aos fãs de Lynch, pois, para ela, a versão de Villeneuve está bem mais interessante e bonita do que a original. “Resta agora aguardar a segunda parte do novo Duna, com previsão para outubro de 2023, para ver se de fato o remake compensa”, pondera.

Veja lista de autores da revista Política Democrática online de novembro

A íntegra do artigo de Lilia Lustosa pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente.

A nova edição da revista da FAP também tem reportagem especial sobre as novas composições familiares e entrevista especial com o economista Bernard Appy, além de artigos sobre economia, cultura e política.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida

  • Leia também

Dívidas públicas podem custar 270 bilhões de reais, diz economista da UnB

“Lindolfo Hill foi símbolo da melhor utopia comunista”, diz professor

Defesa da democracia deve ser objetivo maior dos partidos, diz revista da FAP

“Precisamos amadurecer discussão da reforma do Imposto de Renda”

Veja todas as edições da revista Política Democrática online! 


RPD || Lilia Lustosa: Remakes, reboots, spin-offs… Faltam ideias?

Estúdios apostam nos remakes, criando uma versão melhorada de um hit do passado com tecnologia de última geração, para atingir grandes bilheterias

Lilia Lustosa / RPD Online

O recente lançamento do blockbuster Duna, dirigido por Denis Villeneuve, remake do filme homônimo já convertido em cult, realizado por David Lynch em 1984, leva-nos a pensar se estão faltando ideias originais no meio cinematográfico mundial. Some-se a esse título todas as sequelas, prequelas, rebootsspin-offs e todos os outros tipos de continuação de histórias já contadas e que agora ganham novas cores, sons e tecnologias. Desde Pinóquio e Cinderela, passando por A Lenda de Candyman e Amor, Sublime Amor (a ser lançado em dezembro), a lista é longa! 

A primeira impressão é a de que escasseiam ideias para novos roteiros. No entanto, se olharmos para trás, veremos que não estamos vivendo nada de novo, já que Hollywood sempre foi afeita a um remake e/ou a uma franquia.Sem falar, é claro, nos tantos filmes estrangeiros que, ao fazerem sucesso em seus países de origem, ganham imediatamente uma versão norte-americana para que os espectadores dali não tenham o trabalho de ler legendas.  Só neste ano há dois bons exemplos: O Culpado, uma “cópia cuspida e escarrada” do original dinamarquês Culpa (2018); e No Ritmo do Coração, versão americana do francês A Família Bélier (2014).  Duas produções plenamente satisfatórias em suas versões originais, mas que não agradariam ao público estadounidense, segundo sugerem alguns produtores, que enxergam na refação dessas obras um sucesso praticamente garantido.  

Mas não generalizemos!  Em alguns casos, pode haver de fato uma razão importante para a reprodução de um sucesso do passado. Na passagem do cinema mudo para o cinema falado, por exemplo, muitos estúdios refizeram alguns de seus títulos no intuito de modernizá-los, agregando-lhes som, já que o público de então não queria mais saber de filme mudo. Ou ainda, em casos bem específicos, como o do brasileiro Orfeu do Carnaval, realizado primeiramente em 1959 pelo francês Marcel Camus, baseado na peça Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes, e depois refeito por Cacá Diegues no fim dos anos 1990. À época do lançamento do filme de Camus, os futuros cinemanovistas, jovens que se organizavam em torno de um cinema brasileiro independente e descolonizado, reprovaram a versão estereotipada da pobreza pintada pelo francês em seu filme, onde a favela aparecia como um aglomerado de casinhas coloridas, com suas vistas deslumbrantes e com uma gente sempre sorridente e dançante ocupando as cenas. Diegues nunca esqueceu esse “descalabro” e lançou seu Orfeu em 1999, com o intuito de fazer valer a obra original do poeta e diplomata brasileiro. Escolheu o cantor Toni Garrido como protagonista e fez uma versão musicada em plena Retomada do nosso cinema.

Apesar da riqueza musical (com assinatura de Caetano Veloso), o Orfeu de Diegues traz um ambiente menos festivo e mais marcado pela realidade do morro, com o tráfico de drogas e o crime organizado ganhando destaque, além de uma complexificação dos personagens, que deixam de lado o maniqueísmo da versão francesa. Não que o Orfeu de Camus fosse de todo ruim. O sucesso foi tal que o filme acabou levando a Palma de Ouro em Cannes e, no ano seguinte, o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dois prêmios que foram, no entanto, parar lá na França, país natal do diretor, deixando os brasileiros, donos do palco, do elenco e da história, de mãos vazias! 

No passo acelerado com que as tecnologias se desenvolvem atualmente, casos como o de Orfeu são, no entanto, minoria. A explicação mais provável para o novo surto de remakes é a de oferecer ao público uma versão melhorada de um hit do passado, usando tecnologia de última geração. Um tiro aparentemente certeiro para atingir grandes bilheterias. Afinal, cinema, além de arte, é também negócio. Cada vez mais negócio do que arte, sendo o “vil metal” o que mais conta em Hollywood. Ou estaria faltando mesmo criatividade para roteiristas, diretores e produtores? Ideias novas capazes de render fortunas para os cofres dos megaempresários, que, por medo do fracasso, acabam optando por mais do mesmo. 

Mas uma coisa não se pode negar, o tal fim capitalista às vezes pode render uma versão artística de melhor qualidade, como é o caso do novo Duna… Pois, que me desculpem os fãs de Lynch, mas a versão de Villeneuve, que desta feita vem dividida em partes, está bem mais interessante e bonita do que a original, que, além de muito lenta, é dona de uma estética demasiado trash para um filme de pretensões tão gradiosas. 

Resta agora aguardar a segunda parte do novo Duna, com previsão para outubro de 2023, para ver se de fato o remake compensa! 


Saiba mais sobre a autora
Lilia Lustosa, é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.


RPD || Lilia Lustosa: Belmondo, Nouvelle Vague e cia

Movimento cinematográfico mostrou uma França mais moderna, dinâmica. Jean Paul Belmondo era seu grande ícone

Em setembro, o mundo perdeu um de seus grandes atores, Jean-Paul Belmondo. Símbolo maior da Nouvelle Vague, movimento cinematográfico francês revolucionário que, inspirado no neorrealismo italiano e no cinema-verdade de Jean Rouch, acabou por influenciar diversos novos cinemas em todo o mundo. 

Desde o lançamento de Acossado, naquele março de 1960, o cinema mundial nunca mais seria o mesmo. Não por ter sido esta a pedra fundamental do movimento, mas, mais precisamente, por ter se convertido em uma espécie de manifesto da Nouvelle Vague, ao apresentar na telona estética e temática totalmente novas. O filme, dirigido por Jean-Luc Godard e baseado em argumento de François Truffaut, mandou às favas as regras já consolidadas do cinema comercial, trocou o tripé pela câmera na mão, usou película fotográfica ultrassensível para escapar da obrigatoriedade dos estúdios e ainda transformou bandidos em protagonistas, levando plateias inteiras a torcerem para que Michel (Belmondo), mesmo depois de ter roubado um carro e matado um policial, escapasse para Roma com a bela Patricia (Jean Seberg).

A partir dali, o mundo começava a entender que já não era mais preciso se render à predatória indústria cinematográfica norte-americana, nem à francesa, nem a qualquer outra. E que era possível, sim, realizar bons filmes com poucos recursos, câmeras leves, ao ar livre, equipe reduzida, tratando de temas moralmente questionáveis. Foi a retomada do “cinema de autor”, preconizado pelos vanguardistas dos anos 1920/30. 

No Brasil, um dos herdeiros da Nouvelle Vague foi o Cinema Novo, que adotou a câmera na mão como slogan e levantou a bandeira da independência dos grandes estúdios, nacionais e internacionais. A liberdade era o grande lema dos jovens cinemanovistas que viam nessa nova maneira de fazer cinema uma forma de descolonizar também sua cultura. Filmes como Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra, beberam diretamente da fonte do movimento francês, sendo vistos com admiração até mesmo pelos próprios críticos do Cahiers de Cinéma, berço da Nouvelle Vague. No filme de Guerra, Norma Bengell protagonizou o primeiro nu frontal da história do cinema brasileiro. Um escândalo para a época! 

Mas o Cinema Marginal também assimilou características da “marginalidade” do movimento francês, levando-os, porém, a um paroxismo nunca visto no Brasil. O crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet aponta várias influências de Godard em O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, filme-marco deste movimento que sucedeu o Cinema Novo. Para ele, Acossado teria sido o filme que mais influenciara o cineasta paulista em sua obra. O anti-herói Jorge (Paulo Villaça) tinha muito de Michel-Belmondo, seu suicídio tendo sido moldado, porém, a partir da morte de outro personagem de um filme de Godard, Ferdinand de O Demônio das Onze Horas (1965), também interpretado por Belmondo. 

Já nos Estados Unidos, a Nouvelle Vague impulsionou o nascimento da New Hollywood, deixando como herança a liberdade temática adotada a partir de então, com tramas que passavam a dialogar mais diretamente com o contexto sociopolítico daqueles rebeldes anos 60. Tópicos como igualdade racial e de gênero, pacifismo e liberdade sexual passaram a aparecer sem pudor nas telas de cinema. Anti-heróis viraram protagonistas e foram ganhando espaço no coração dos espectadores. Algo impensável até a estreia de Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn, filme que abriu portas para uma nova geração de cineastas, composta por Scorsese, Coppola, Spielberg, Georges Lucas e outros. Diretores que mergulharam Hollywood em outra dimensão estética, sendo até hoje venerados e idolatrados por um sem-número de cinéfilos mundo afora. Cineastas que influenciaram, por sua vez, outras gerações que seguem trabalhando em busca de novas inspirações e tecnologias que possam revolucionar ainda mais a sétima arte. 

Mas, voltando à França e ao grande ícone da Nouvelle Vague, Belmondo nunca hesitou em assumir que não era lá muito fã daquele tipo de cinema que ele considerava “intelectual” demais… Um dos filmes em que mais gostou de atuar foi O Homem do Rio (1964), de Philipe de Broca, uma aventura nada nouvellevaguiana, rodada em Paris e no Brasil, uma espécie de live-action de Tintim, em que Adrien (Belmondo) viaja por terras tupiniquins para salvar sua amada Ignès (Françoise Dorléac), raptada por índios sul-americanos. Certamente, um retrato-clichê de nosso país, mas que serviu para conquistar espaço nas telas e nos corações dos franceses e de todo o mundo.  

Merci et au revoir, Belmondo! 


*Lilia Lustosa é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.


RPD 35 || Lilia Lustosa: A poética política de Glauber

Morte do cineasta, que fez uma reviravolta nas artes para pensar o nacional-popular nos anos 1960, completou 40 anos no dia 22/8

“A poesia e a política são demais para um só homem”. Com essa frase, Paulo Martins, protagonista de Terra em Transe, espécie de alter-ego de Glauber Rocha, jogava na cara dos brasileiros os sentimentos de exaustão e decepção que agonizavam sua alma. O ano era 1967 e o país ainda aprendia a conviver com a ditadura militar, mal sabendo que o pior estava por vir… 

Glauber Rocha, baiano de Vitória da Conquista, entrou para a História como um dos maiores e mais polêmicos cineastas brasileiros. Com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”[1], ele fez poesia e política ao longo dos 42 anos que duraram sua curta existência. Desde seu primeiríssimo Pátio (1959), curta-metragem experimental realizado do “alto” de seus vinte anos, até o sofisticado e desconstruído A Idade da Terra (1980), seu último filme, a obra do cineasta foi evoluindo em progressão geométrica. Ou seria poética? Partiu do experimentalismo puro, influenciado pelos neoconcretos com os quais convivia quando de passagem por aquela Montmartre tupiniquim que era a Zona Sul do Rio de Janeiro na virada dos anos 60.

Passou pelo neorrealismo com seu primeiro longa, Barravento (1962). Bebeu da fonte do romance realista brasileiro dos anos 30, mesclando-o com a cultura popular brasileira em seu fantástico (meu preferido) Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Tudo isso sem nunca deixar de lado as lições de Eisenstein, de quem era fã confesso. O resultado dessa antropofagia oswaldiana foi a criação de um Cinema Novo, original e revolucionário, movimento que alçou a cinematografia brasileira aos píncaros da glória, revelando que um país de terceiro mundo também era capaz de fazer cinema de qualidade, mesmo com os parcos recursos disponíveis. De repente, nossos filmes passaram a participar e a concorrer a prêmios nos principais festivais europeus e latino-americanos, sendo, ao mesmo tempo, legitimados pela intelligentsia brasileira.  

A obra-prima de Glauber e uma das maiores do Brasil continua sendo "Deus e o diabo na terra do sol", de 1964. Foto: Copacabana Filmes

Apesar de peça fundamental dessa conquista, Glauber nunca foi uma unanimidade, tendo sido criticado por muitos em função de sua personalidade autêntica, mística e aparentemente contraditória. Até hoje, há os que ainda discutam e rechacem suas atitudes. De fato, o cineasta criou alvoroços, como no curta Di-Glaluber (1977), quando adentrou o enterro de Di Cavalcanti, filmando-o no caixão sem autorização da família. Gerou também grandes comoções, como na estreia de Deus e o Diabo, dias antes do golpe militar, deixando a plateia estarrecida pela originalidade, ousadia e beleza de um filme que trazia a cultura popular nordestina para a telona. Uma alegoria que partia da história real do cangaço para lançar uma profecia revolucionária: “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Comprou ainda brigas homéricas, como quando, com seu Terra em Transe, desagradou a gregos e troianos, ou melhor, a cariocas, paulistas e baianos, sendo condenado pela direita e pela esquerda, e até por alguns de seus companheiros de luta pela descolonização do cinema brasileiro. Camaradas que ficaram ainda mais revoltados, quando o cineasta decidiu elogiar Golbery do Couto e Silva, um dos mentores do golpe de 64. Ou então quando apertou a mão de Figueiredo em Sintra. 

Glauber – ou Gabiru para os bem chegados –, definitivamente não tinha a pretensão de agradar maiorias, nem minorias. Era coerente apenas com suas próprias ideias e com suas tradições e não-tradições. No começo dos anos 80, desgostoso com o rumo que tomava seu país e praticamente abandonado por seus antigos companheiros, o cineasta, já autoexilado do Brasil, foi buscar abrigo um pouco mais longe, em outro plano. Há 40 anos, naquele 22 de agosto de 1981, um dos maiores cineastas brasileiro partiu, deixando órfãos seus filhos de sangue e também toda uma geração de cinéfilos e cineastas que sabia enxergar genialidade e brilhantismo por detrás daquelas cabeleiras, obras e frases revoltas. Uma morte prematura que privou nosso país e nossa gente de muitas reflexões, manifestos e protestos que hoje se fazem tão importantes. Um brasileiro orgulhoso de sua terra, ateu criado por uma mãe protestante e um pai católico, admirador do candomblé e da estética barroca. Um “profeta alado”, como bem o definiu Paulo Emílio Sales Gomes. Um cineasta-pensador que, sem ter o corpo fechado de Lampião, morreu por excesso de política e poesia. Ah,Paulo-Glauber-Rocha-Martins, que falta você faz! 

[1] Frase criada a partir de uma conversa com Paulo Cezar Saraceni, que lhe explicava como se fazia cinema moderno. 


*Lilia Lustosa é crítica de cinema. Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Conheça filme que registrou detalhes dos Jogos Olímpicos de Berlim

Em artigo na Política Democrática online de agosto, Lilia Lustosa se debruça sobre obra da alemã Leni Riefenstahl

Cleomar Almeida, da equipe FAP

A crítica de cinema Lilia Lustosa diz que um dos documentários esportivos de maior importância na história de filmes foi escrito, realizado e montado pela alemã Leni Riefenstahl entre 1936 e 1938, época em que o Partido Nazista comandava a Alemanha. Ela publicou análise sobre Olympia, em artigo na Política Democrática online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

“Trata-se de Olympia, documentário que registrou para a prosperidade os Jogos Olímpicos de Berlim, realizados em 1936 no neoclássico Estádio Olímpia, construído especificamente para o evento, um agigantado teatro greco-romano capaz de abrigar um público de até 100 mil espectadores”, escreve Lilia, na revista. A versão flip da publicação pode ser acessada, gratuitamente, no portal da entidade.

De acordo com Lilia, o estádio foi encomendado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), mas financiado pelo Ministério da Propaganda de Goebbels e pelo próprio Partido Nazista de Hitler, que sonhava com um filme-vitrine para o regime nacional-socialista, Olympia foi e é até hoje um filme controverso. Entrou para a História como um dos melhores documentários de todos os tempos.

“Isso porque o registro de Leni revolucionou a maneira de se filmar práticas desportivas, seu modelo sendo usado e repetido até hoje mundo afora”, diz a crítica de cinema. Segundo ela, havia múltiplas câmeras para os saltos ornamentais, valas cavadas na terra para colocar os olhos dos espectadores na altura das pernas dos competidores, câmera lenta para registrar com precisão cada parte do movimento, enquadramentos ousados e originais que mostraram como nunca os maiores atletas daquele 1936 em ação.  

A diretora alemã, segundo o texto publicado na Política Democrática online de agosto, comandou com firmeza e talento uma equipe de 23 cinegrafistas, que tinham ordem para filmar todas as 129 modalidades presentes nos jogos, evitando assim perder qualquer possível quebra de recorde.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra da análise da crítica de cinema pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.

Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

‘Mulher veio ao mundo para ser o que desejar’, diz escritora

Padre Antônio Vieira era atualíssimo, afirma historiador e jornalista

Oscilação do STF gera danos a processo político eleitoral, diz advogado

Refundação do Estado chileno pode ter complicações, diz historiador

‘Temperatura política deve se elevar durante este mês’, diz sociólogo

Ameaças de Bolsonaro podem inibir reanimação da economia

Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid-19

Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento

‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador

Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP

Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante

‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama

Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!


RPD 33 || Lilia Lustosa: O Brasil verdade de Capô

No último dia 29 de maio, Maurice Capovilla, grande nome da cinematografia brasileira, nos deixou e foi bailar em outros palcos… O cinema brasileiro ficou menos doce e menos alegre. 

Capovilla, ou simplesmente Capô, como gostava de ser chamado, foi um cineasta e roteirista de mão cheia, responsável por alguns marcos de nossa cinematografia. Em 2017, tive a oportunidade de trocar alguns e-mails com ele, quando fiz a curadoria de um evento para a Embaixada do Brasil na Argentina. A ideia era promover o reencontro das figuras que compuseram um projeto que reúnia cineastas brasileiros e argentinos, entre 1964 e 1965, e que entrou para a história como Brasil Verdade. Dessa união, nasceram quatro documentários de média metragem, produzidos pelo fotógrafo e empresário Thomaz Farkas: Subterrâneos do Futebol, dirigido por Capô; Viramundo, de Geraldo Sarno; Memória do Cangaço, de Paulo Gil Soares; e Nossa Escola de Samba, do argentino Manuel Horácio Gimenez. Filmes considerados hoje como as primeiras amostras de cinema-direto em nosso país. 

Mas a história do Brasil Verdade começa um pouquinho antes, quando dois jovens cineastas brasileiros conhecem um tal argentino Fernando Birri que havia montado uma escola de cinema em sua Santa Fé natal, depois de ter chegado de uma temporada de estudos no Centro Sperimentale de Cinematografia em Roma. Mesmo com poucos recursos, os dois partem numa odisseia e, entre ônibus e barcos, chegam até a cidade argentina. Com a cara e a coragem, batem à porta do tal Birri para pedir-lhe um estágio. Só queriam aprender a fazer filmes! O que ignoravam é que aquele mestre barbudo viria a se tornar a figura mais importante do Nuevo Cine Lationamericano. Os dois jovens eram Maurice Capovilla e Vladimir Herzog, jornalista e cineasta morto em 1975 na prisão do DOI-CODI, assassinado pelo regime militar que reinava soberano em nosso país. Quando Birri foi expulso da Universidad del Litoral por causa de seus pensamentos de esquerda, foi em São Paulo que ele encontrou abrigo, junto aos seus amigos brasileños

Capô foi também testemunha ocular do nascimento do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro de maior expressão dentro e fora de nosso país. Ele estava lá naquela famosa sessão do Cine Coral, em que o documentário paraíbano Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, foi projetado antes de La Dolce Vita (1960), de Fellini, na ocasião do encerramento do Festival do Cinema Italiano e da simultânea abertura da Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica. À época, o jovem Capô trabalhava na Cinemateca Brasileira, uma das organizadoras do evento, ao lado do grande Paulo Emilio Sales Gomes. 

Os anos se passaram e Capô continuou sua jornada, revezando-se entre o documentário e a ficção, nunca perdendo de vista o povo brasileiro, sua cultura e suas mazelas. Em 1967, realizou seu primeiro longa-metragem de ficção: Bebel, Garota-Propaganda, com roteiro dele mesmo,baseado no conto “Bebel que a Cidade Comeu”, de Ignácio de Loyola Brandão. Seu segundo longa, O Profeta da Fome (1970), inspirou-se no texto-manifesto de Glauber Rocha, “Estética da Fome”. Nele, Glauber sugere que nossa miséria seja transformada em nossa própria estética, em uma arma capaz de apontar ao colonizador o estado real do colonizado. O filme de Capô, que trazia um faquir como protagonista, interpretado por José Mojica Marins (o Zé do Caixão), usa justamente essa fome como espetáculo. Uma representação dolorosamente revolucionária do brasileiro. 

Além de cineasta, Capô foi também um militante engajado, integrou o CPC – Centro Popular de Cultura e o Comitê Internacional do Cinema Novo contra a censura nos anos 1960, além de um entusiasta defensor da educação como veículo de transformação da nossa gente. Exerceu o magistério na UnB, na ECA-USP e na Escola Internacional de Cinema e TV em Santo Antonio de los Baños, em Cuba, também participou diretamente da criação do Instituto Dragão do Mar, em Fortaleza, o mais importante centro de ensino de dramaturgia e cinema do Nordeste.  

Mas seu coração era grande e nele havia espaço também para a TV, meio que não discriminava e do qual sabia extrair o melhor. Trabalhou no Globo Shell e no Globo Repórter, foi ainda responsável pela exibição dos primeiros telefilmes brasileiros na Rede Record, no início dos anos 1980. 

O Brasil perde um grande homem, e o cinema brasileiro, um de seus mais entusiastas defensores. Obrigada, Capô! Viva Capô! Voe alto e leve sua alegria para outras dimensões desse imenso universo. 

Mais sobre a autora:

Lilia Lustosa é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne e doutoranda nesta mesma instituição de ensino superior.


Crítica de cinema aponta filme que completa percurso de sucesso

Cleomar Almeida, Coordenador de Produção da FAP

Testemunho singular de seu tempo, o filme Nomadland, de Chloé Zhao, completa um percurso de sucesso, tendo vencido também quatro prêmios Spirit, os “Oscars” do cinema independente: melhor filme, melhor realização, melhor montagem e melhor fotografia. É o que lembra a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (31ª edição).

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, a publicação tem todos os seus conteúdos disponibilizados, na íntegra, gratuitamente, no portal da entidade.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

“Não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade”, afirma Lilia.

O filme de Zhao, segundo Lilia, apesar de não focar no político, tem a crise econômica norte-americana de 2008 como ponto de partida e a questão do trabalho (ou da falta dele) como locomotiva da história.

“Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo”, diz a crítica de cinema.

Ela lembra que o historiador Marc Ferro afirmou que os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. “São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades”, salienta.

“Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado!”, afirma, para continuar: “Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida”.

Veja todos os autores da 31ª edição da revista Política Democrática Online

A íntegra da crítica de Lilia está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

Leia também:

Livro ‘Almeida: um combatente da democracia’ mostra resiliência de um democrata

Cursos a distância crescem no Brasil, apesar de acesso à internet não ser para todos

‘Polo democrático precisa construir agenda mínima e ter cara’, diz consultor estratégico

‘É hora de reconstrução da cultura essencial a exercício da cidadania’, diz sociólogo da Unesp

Bolsonaro vê Amazônia como espaço para ocupação predatória, diz ex-presidente do Ibama

‘Papel de Bolsonaro é o da destruição de políticas públicas’, critica professor da UFRJ

‘Contra ciência, país enveredou para superstição’, diz Política Democrática Online

Quem mais vai perder é o povo pobre’, diz ex-presidente do IBGE sobre atraso do Censo

Abolição não significa libertação do homem negro, diz historiador e documentarista

Santos Cruz: ‘Instituições não aceitarão ações aventureiras do governante’

Clique aqui e veja todas as edições anteriores da revista Política Democrática Online

Fonte:


RPD || Lilia Lustosa: Nomadland – Crônica de um prêmio anunciado

Quando o envelope com o nome do ganhador do Oscar de melhor filme foi aberto na histórica Union Station de Los Angeles, ninguém ficou surpreso ao ver ali impresso o título Nomadland. Afinal, desde que a temporada de festivais e premiações começou – Veneza, Globo de Ouro, BAFTA, PGA Awards… – só dá ele!  

O curioso é que não estamos falando aqui de nenhuma superprodução de 200 milhões de dólares, como foi o caso de Tenet (2020). Nomadland, baseado no livro homônimo de Jessica Bruder e adaptado por Chloé Zhao, custou 5 milhões, não tem efeitos especiais e conta uma história simples por meio de uma narrativa linear, com jeitão mais de documentário do que daquelas ficções estrambólicas que costumam levar as mais prestigiosas estatuetas. 

O que faz então de Nomadland uma quase unanimidade em meio a tantos críticos de diferentes nacionalidades e backgrounds

Vamos lá. 

Talvez um primeiro fator a considerar seja o de que 2020 foi um ano de poucas superproduções em função das restrições impostas pela pandemia. Os grandes estúdios preferiram guardar seus maiores trunfos comerciais – os blockbusters – para quando as coisas melhorarem e as pessoas puderem voltar às salas de cinema. Com isso, abriu-se espaço para produções menores, que em geral ficam relegadas aos festivais ou às salas de cinema de arte. 

Um segundo ponto que podemos levantar é o fato de Nomadland ser um filme introspectivo, que trata de questões existenciais, com reflexões que vêm ocupando as mentes de quase todos nestes loucos tempos pandêmicos. Quem não parou para repensar a vida durante os mil confinamentos a que fomos submetidos? Quem não se questionou sobre o que de fato importa? O filme de Zhao, embora rodado em grande parte no exterior, em meio a desertos, montanhas e oceanos, é também um roadmovie interior, uma viagem pelos sentimentos de pessoas que escolheram ou foram obrigadas a puxar a âncora e partir rumo a uma vida de incertezas, descobertas, simplicidade e autoconhecimento. 

Isso nos leva a um terceiro ponto, que é a mescla de realidade e ficção a partir da qual o filme é construído. Com exceção de Fern – interpretada magistralmente por Francis McDormand (agora detentora de três Oscars) –, e de mais um ou dois personagens, o que vemos ali são histórias reais de não-atores que interpretam suas próprias vidas. Claro que há um roteiro, uma organização e mesmo uma encenação por parte de todos os que compõem a trupe de Nomadland. Mas as histórias e sofrimentos apresentados na tela são genuínos, o que gera grande empatia na plateia, que se sente mais próxima das sensações ali compartilhadas e instigada a refletir sobre suas próprias questões. É quase uma sessão de terapia!  

Finalmente, vale ressaltar que, em um ano em que tanto se fala de igualdade de gênero e que tanto se tenta combater a violência contra a mulher – e mais recentemente contra os asiáticos –, o fato de a diretora, roteirista, montadora e coprodutora do filme ser mulher e asiática tem também seu peso. Não que isso diminua o mérito de Nomadland, muito menos o dos louros recebidos até aqui. Mas não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade. O que não está de todo errado! E o filme de Zhao, apesar de não focar no político, tem a crise econômica norte-americana de 2008 como ponto de partida e a questão do trabalho (ou da falta dele) como locomotiva da história. 

Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo. Pode ser. Mas, como afirmava o historiador Marc Ferro, que nos deixou há pouco, os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades. 

Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado! Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida. 

*Lilia Lustosa é formada em publicidade, especialista em marketing, mestre em história e estética do cinema pela Universidade de Lausanne e doutoranda nesta mesma instituição de ensino superior.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Fonte:


Nomadland encanta pelas contradições e se consagra como vencedor do Oscar 2021

Análise é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), a crítica de cinema Lilia Lustosa acredita que o ano de 2021 pode representar um grande avanço para a conquista feminina no cinema.

“Ao que tudo indica, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina”, afirma Lilia, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição).

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.

Dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos, Nomadland vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada, na avaliação de Lilia Lustosa. O filme se tornou o segundo dirigido por uma mulher a receber a estatueta maior da grande premiação hollywoodiana (Melhor Filme) – e Chloé Zhao também repetiu o feito no prêmio de direção (Melhor Diretor).

Roadmovie

“Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand”, conta a crítica de cinema, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online.

A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que, conforme ressalta Lilia, a sociedade está assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra pessoas nascidas naquela região, “a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus”.

“Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta!”, critica Lilia. “Mas, enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo”, destaca o artigo da revista online da FAP.

Globo de Ouro

Em fevereiro último, como lembra Lilia, Cloé Zhao se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito.

“No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filme foi laureado mais uma vez como o melhor do ano”, diz.

Para saber todos os detalhes da crítica de cinema produzida por Lilia, acesse diretamente a versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

Druk: o filme que “passa ao largo do moralismo” e “não demoniza a bebida”

Morto há 50 anos, Anísio Teixeira deixou vivo legado para a educação brasileira

Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa

Pesquisador do Ipea aponta “impactos de ordem moral” da pandemia da Covid

Diretoria do Banco Central parece infectada por ‘populismo cambial’, diz economista

‘Segurança jurídica é elemento de importância quase espiritual’, diz advogada

‘Quatro parcelas de R$ 250 serão insuficientes’, diz economista Sérgio Buarque

Vinícius Müller mostra passos fundamentais à criação da “pedagogia do centro”

Criminosos provocam tsunami de crimes virtuais na pandemia com ransomware

Editorial da Política Democrática Online conclama oposições para cooperação

‘Governo federal cooptou Centrão para impedir impeachment’, diz Temporão

Clique aqui e veja todas as edições anteriores da revista Política Democrática Online