liberal-democracia
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Como esperado, o segundo turno da eleição presidencial resultou na vitória do candidato do campo democrático sobre o candidato da situação, por uma margem consideravelmente inferior, contudo, à previsão inicial. Na verdade, o leque de recursos financeiros e políticos mobilizados pelo governo, de legalidade ao menos duvidosa, mostrou alguma eficácia, da liberação indiscriminada de verbas e créditos novos às operações de restrição da mobilidade dos eleitores no dia do pleito.
Em condições de normalidade democrática, a disputa estaria encerrada, e todos ficariam em situação de vencedores e vencidos, engajados, de forma aberta e cooperativa, no processo de transição. Ocorre que no último quadriênio, como sabemos, não houve normalidade democrática no país. Em consequência, o governo reconheceu sua derrota de forma ambígua e tardia, ao tempo em que encorajou a mobilização de partidários seus na frente dos quarteis, em protesto contra o resultado eleitoral, em favor de intervenção militar, com a finalidade declarada de inverter a vontade manifesta dos cidadãos e declarar a minoria como se maioria fosse.
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A permanência de militantes governistas nas ruas, com a complacência dos responsáveis pela manutenção da ordem e o apoio financeiro cotidiano de redes de empresários golpistas, constitui um desafio aberto à democracia brasileira, desafio que deverá ser enfrentado de forma permanente, por todos nós, a partir do primeiro dia do novo governo.
Hoje, contudo, a tarefa imediata dos democratas é sua articulação firme e mobilização ampla contra as manifestações golpistas, que configuram um crime contra o estado democrático de direito, assim como contra a propaganda favorável a elas, que caracteriza uma atitude de apologia a esse crime. Urge assegurar, depois da vitória eleitoral, a diplomação e a posse dos eleitos, os degraus posteriores da sequência prevista na regra eleitoral.
Apenas a partir da posse poderá ter início o processo efetivo de metamorfose da frente ampla eleitoral que se formou entre o primeiro e o segundo turno das eleições em frente ampla política e programática. Esse não será, claro está, um processo simples. Seu sucesso dependerá em boa medida da capacidade de os participantes construírem as convergências necessárias e manter, simultaneamente, a manifestação aberta e transparente de suas diferenças para informação e julgamento da opinião pública.
As tarefas não são fáceis, mas o caminho a ser trilhado está claro: contra toda tentativa de subverter o resultado das urnas; todo apoio ao processo de transição; pela diplomação e posse dos eleitos; pela constituição de um governo de ampla frente democrática, com a participação de todas as forças contrárias ao projeto autoritário e retrógrado do governo que se encerra!
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Morre Isabel, aos 62, ícone do vôlei brasileiro e ativista
Mônica Bergamo, Bruno Lucca e Josué Seixas*, Folha de S. Paulo
A jogadora de vôlei Isabel Salgado morreu na madrugada desta quarta-feira (16), aos 62 anos, no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A ex-atleta foi acometida de uma pneumonia que se agravou, levando a um quadro de síndrome aguda respiratória.
"Confirmamos a partida de uma das atletas mais importantes que este país teve. No momento, a família está reunida, e não teremos nenhuma declaração. Pedimos a compreensão de todos. Isso será feito assim que possível", disse a assessoria.
Ela estava bem até a semana passada, segundo relato de amigos.
Na última segunda-feira (14), Isabel havia sido anunciada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, como integrante do grupo de trabalho de esporte na transição para o governo Lula.
Isabel Salgado nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de agosto de 1960. Ela começou a jogar vôlei no Flamengo aos 12 anos e foi campeã brasileira em 1978 e 1980. O destaque no clube a levou à seleção brasileira, e ela logo ganhou espaço no time. Defendeu o Brasil nos Jogos Olímpicos de Moscou (1980) e de Los Angeles (1984) —a primeira equipe da história do país a disputar grandes competições.
Mesmo tendo como medalha mais importante pela seleção um bronze nos Jogos Pan-Americanos de 1979, em San Juan, Isabel marcou história. Ela foi parte importante de uma geração que colocou o vôlei brasileiro no mapa do esporte mundial e abriu o caminho para as atletas que, na sequência, elevariam o país ao topo da modalidade.
Isabel também se notabilizou pelo pioneirismo. Ela foi a primeira jogadora brasileira de vôlei a atuar em uma liga do exterior, em 1980, quando foi para o Modena, da Itália.
A atleta migrou das quadras para a areia em 1992 e foi campeã mundial da etapa de Miami em dupla com Roseli, dois anos depois. A modalidade se popularizou e estreou nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, mas Isabel não competiu. Ela encerrou a carreira em 1997.
Em 2020, juntou-se ao ex-jogador Walter Casagrande Júnior, colunista da Folha, e outros esportistas para formar o movimento Esporte Pela Democracia. Isabel também participou do movimento das Diretas Já, onde conheceu o ex-atleta, quando a filha mais velha, Pilar, ainda era criança.
Em entrevista à Folha, em 2020, disse que "atletas não podem ficar neutros diante de injustiças" e que o posicionamento servia para "mostrar ao governo que também somos cidadãos".
"Vejo um grande avanço entre a classe esportiva. A gente tem, por exemplo, a participação da Democracia Corinthiana na época das Diretas Já, contra a ditadura, na figura do Sócrates, do Casagrande, e de outros que tiveram um papel muito importante. Eu me lembro de participar das Diretas Já com minha filha Pilar, que tinha quatro ou cinco anos, e são lembranças caras demais. O processo para nos tornarmos uma democracia foi muito duro, eu ficava emocionada na anistia de ver as pessoas voltando para o Brasil e reencontrando seus familiares", contou.
Ela é mãe dos atletas Maria Clara Salgado, Carolina Solberg e Pedro Solberg, além de Pilar e de Alisson, que adotou em 2015. Isabel formou dupla com Maria Clara e Carolina. Depois, dedicou-se a fazer parte da gestão das carreiras dos filhos atletas.
Carolina chegou a ser advertida pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) por ter gritado "Fora, Bolsonaro!" em uma entrevista pós-jogo. Ela continua competindo em alto nível, enquanto Maria Clara já se aposentou.
"Tinha uma imagem solar! Uma brava guerreira", declarou a cineasta Helena Solberg, cunhada da ex-atleta, em mensagem enviada à reportagem.
O velório está programado para às 11h desta quinta-feira (17), no Crematório e Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Às 14h será realizada uma cerimônia reservada a familiares e amigos e, em seguida, o corpo será encaminhado à cremação.
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Nas entrelinhas: O “iliberalismo” não erradica a pobreza
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Na coluna de domingo, intitulada Vamos falar de exclusão estrutural, falamos da exclusão de maioria da população dos benefícios de uma sociedade moderna e democrática e da velha segregação social que herdamos da ordem escravocrata, que não se restringe ao racismo estrutural, mas atinge a população mais pobre de um modo geral. Esse é um diagnóstico quase pacífico, mas as divergências a partir de perspectivas políticas diferentes para enfrentar o problema, como são as alternativas social-democrata e “iliberal”, polarizam o debate eleitoral que estamos vivendo neste momento.
O debate ocorre de uma forma que exclui alternativas intermediárias, como as social-liberal ou neoliberal, que corresponderiam às propostas dos candidatos derrotados no primeiro turno. Em busca de apoio na classe média e no empresariado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais se aproxima da alternativa social-liberal, marcadamente sinalizada pelo apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos economistas do Plano Real Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Armínio Fraga. Jair Bolsonaro (PL), em recente entrevista, buscou apoio nos meios empresariais e na classe média defendendo a proposta de Estado mínimo, o modelo neoliberal.
A divisão social no Brasil não segue mais o padrão clássico da sociedade industrial, porque vivemos numa ordem pós-moderna, na qual as classes sociais já não se estruturam como antigamente. Por exemplo: a velha classe operária da grande indústria mecanizada é uma espécie em extinção. Não se resolve mais o problema da renda e da inclusão econômica apenas com empregos formais, que continuam sendo muito necessários, mas ampliando as possibilidades do mundo do trabalho com outras atividades produtivas e a chamada economia criativa, que fomentam o empreendedorismo e o trabalho por conta própria na prestação de serviços e oferta de bens e produtos.
O que torna perigosa essa divisão, que faz parte das contradições de qualquer sociedade? É a forma radicalizada como está sendo tratada. Historicamente, a exclusão social gerou conflitos que foram resolvidos ora com políticas públicas, na ordem democrática, ora com a força bruta, nos governos autoritários. Sem dúvida, o esforço individual e o empreendedorismo são saídas para a exclusão em qualquer regime em que exista livre produção mercantil e liberdade econômica, protagonizado por governos social-democrata, social-liberal, neoliberal ou iliberal.
O problema é que isso não resolve o problema da miséria dos que não conseguem ultrapassar os limites impostos pela competição individual e a concorrência capitalista. É aí que as políticas públicas de transferência de renda e inclusão social são necessárias.
Ética protestante
Em 1997, Fareed Zakaria, apresentador da emissora CNN e especialista em política doméstica e externa, escreveu no periódico Foreign Affairs que alguns países tinham cada vez menos apreço pelo “Estado de Direito, respeito a minorias, liberdade de imprensa”, o que chamou de “iliberalismo”. Essa tendência passou a ser um eixo da política mundial com o fortalecimento da direita europeia, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e sua aliança com líderes mundiais, como Vladimir Putin, na Rússia, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, que transformaram as respectivas democracias em ditaduras eleitorais.
Na Polônia e na Hungria, líderes populistas fazem a mesma coisa. No Brasil, Bolsonaro se tornou um dos polos desse eixo, sobretudo depois da derrota de Trump para o presidente democrata Joe Biden.
Num vídeo recente, que virou meme nas redes sociais, o empresário Luciano Hang, o “Velho da Havan”, aliado de primeira hora de Bolsonaro, faz a apologia do empreendedorismo e critica duramente a regulamentação da economia pelo Estado, atribuindo à esquerda a responsabilidade pelo atraso econômico do país, ao passo que a direita teria feito de Santa Catarina o paraíso brasileiro para se investir, trabalhar e empreender.
E onde entra a “ética protestante”? A expressão foi cunhada há mais 100 anos pelo sociólogo alemão Max Weber, impressionado com a competição entre as igrejas protestantes dos EUA. Hoje, em Springfield, no Missouri, há uma igreja para cada mil habitantes. São 122 igrejas batistas, 36 capelas metodistas, 25 Igrejas de Cristo e 15 Igrejas de Deus, que competem ferrenhamente entre si, usando métodos comerciais e de marketing, que são a inspiração para as denominações pentecostais aqui no Brasil.
A valorização do trabalho duro, do empreendedorismo e do sucesso individual é um “americanismo” que veio para ficar, tão poderoso na sua projeção global que nem mesmo a China comunista escapa de sua expansão: estima-se que número de protestantes chineses possa chegar a 110 milhões. No Brasil, onde se multiplicam as denominações pentecostais, o avanço evangélico junto à população de baixa renda está alicerçado na fé em Deus, na defesa da família, na pauta conservadora dos costumes, no esforço individual e no empreendedorismo.
A adesão ao projeto iliberal, como o de Bolsonaro, tem a ver com a absolutização do sucesso individual como via de mobilidade social. Entretanto, num país tão desigual como o nosso, essa opção por si só não erradicará a pobreza. Por isso, não sensibiliza a maioria dos eleitores de mais baixa renda.
Gil Castello Branco: A vez e a hora da liberal-democracia
O economista americano Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia em 1976, que lecionou na Universidade de Chicago por três décadas, dizia: “Se o governo administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”.
Lembrei-me da frase de Friedman ao ver vários economistas com passagens pela mesma universidade —o berço do liberalismo —assumirem funções no futuro governo, com a finalidade de destravar o Estado brasileiro, mastodôntico e corporativo. Os alvos iniciais serão a alteração das regras e do modelo previdenciário, a desestatização/desmobilização e a reforma do Estado.
O primeiro desafio será a aprovação no Congresso da reforma da Previdência para reduzir o déficit que atingiu R$ 268,8 bilhões no ano passado. A encrenca começa aí. A Previdência urbana e rural tem um rombo de R$ 182,4 bilhões, mas atende a quase 30 milhões de pessoas. O Regime de Previdência dos Servidores Públicos tem déficit de R$ 86,4 bilhões e só atende a 1,1 milhão de pessoas. Isoladamente, as maiores defasagens percentuais entre as arrecadações e os benefícios pagos estão nas previdências rural e dos militares, cujas receitas cobrem apenas cerca de 8% dos pagamentos. Diante desses números, como irão reagir os principais grupos de apoio a Bolsonaro, a bancada ruralista e a caserna, se os seus interesses forem contrariados? Não é simples refazer o pandemônio previdenciário, repleto de “privilégios e direitos adquiridos”, por mais injustos que sejam.
O segundo desafio passa por concessões, privatizações e venda de imóveis do patrimônio da União. O Brasil tem atualmente 138 empresas estatais que possuem 508 mil servidores e movimentam anualmente R$ 1,3 trilhão, mais de cinco vezes o PIB do Uruguai. Em tese, um prato cheio para gerar recursos para abater a trilionária dívida do país. Mas bastou ser anunciado o nome do futuro presidente do Banco do Brasil — e o BB nem está na relação das empresas privatizáveis — para a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil comprar espaço na capa do jornal “Correio Braziliense” para criticar o escolhido por ser “vinculado ao mundo das finanças privadas e defensor inconteste das privatizações”.
Já o valor global do patrimônio imobiliário público federal é estimado em R$ 947 bilhões. O potencial de arrecadação é enorme, mas a falta de estrutura da Secretaria do Patrimônio da União é muito maior. O governo não tem vocação para gerir um conjunto de bens dessa natureza. Paga aluguéis a terceiros no valor de R $1,6 bilhão e recebe cerca de R$ 400 milhões como arrecadação decorrente dos seus bens.
O terceiro desafio é a reforma do Estado, com a eliminação de órgãos e atividades superpostas, redução dos privilégios, das reservas de mercado, dos monopólios, dos subsídios e dos generosos financiamentos concedidos pelos bancos públicos aos amigos do rei. A diminuição da quantidade de ministérios deverá implicar a revisão da estrutura de cargos e salários. Existiam 23.140 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções Comissionadas do Poder Executivo, segundo dados de outubro de 2018.
Se reunidos todos os cargos, funções e gratificações atingia-se a 99.403! Os salários dos servidores federais são, em média, 96% superiores aos da iniciativa privada, conforme estudo do Banco Mundial. Nesse sentido, o governo Bolsonaro não participou da festa, mas já chegará pagando a conta, como a do descabido aumento dos subsídios dos ministros do STF, com reflexos de R$ 6 bilhões, e os reajustes salariais autorizados por Temer em 2016, com parcela a vencer em 2019. O corporativismo irresponsável solapa a austeridade fiscal nos Três Poderes e no Ministério Público.
Quando perguntavam ao economista e diplomata Roberto Campos —um liberal de carteirinha —se havia saída para o Brasil ele citava três: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. Com suas ideias avançadas para a época, Roberto Campos deve estar exultante: atualmente, são vários os aeroportos que nos levam ao exterior e os liberais chegaram ao poder, inclusive o seu neto.