legalidade

Santos Cruz: O governo Bolsonaro, a população e as Forças Armadas

Extremos não podem impor sua agenda, aventureiros não podem ser tolerados

Carlos Alberto dos Santos Cruz / O Estado de S. Paulo

O presidente da República, senadores, deputados, prefeitos e vereadores são eleitos para assumirem suas responsabilidades e fazer o que é possível dentro da lei. O governo é eleito para governar e reforçar o regime democrático por meio do aperfeiçoamento das instituições, promover a paz social e o respeito pessoal, funcional e institucional.

Nenhuma autoridade pode ser agente de desmoralização e de enfraquecimento das estruturas existentes, promover fanfarronices, factoides, passeios com dinheiro público e alegar que não o deixam trabalhar. O populismo, a demagogia e a agitação social não podem ser praticados por autoridades.

A população, pelo voto, elege a pessoa e legitima a autoridade. Na democracia, o equilíbrio existe por uma dinâmica de forças entre os Poderes e outros núcleos de influência. As disputas e os conflitos são resolvidos dentro da legislação vigente. Também podem ser propostas modificações nas leis, dentro das normas e dos procedimentos que devem ser respeitados. Quando o equilíbrio é instável ou rompido, ele tem de ser restabelecido também de acordo com a lei.

Todas as manifestações públicas dentro da lei são válidas e importantes. Elas fazem parte do ambiente democrático, da liberdade de expressão e do jogo de pressões. O estímulo a soluções de força, fora da lei, com risco de violência, é criminoso e covarde. Aqueles que se perdem em suas ações têm de arcar com as consequências legais. Normalmente os extremistas, os incitadores da violência, desaparecem e ficam impunes, pois são covardes na sua essência. As pessoas, na sua luta por aquilo em que acreditam, seja qual for a linha, não devem cair na armadilha dos covardes, dos irresponsáveis e dos inconsequentes.

A convocação de manifestações não pode ser para transferir responsabilidades para a população, para outros Poderes, instituições, e para as Forças Armadas. Isso é falta de coragem funcional. A responsabilidade é intransferível.

É difícil definir democracia. É mais fácil observar algumas de suas características, como o respeito, a liberdade, as eleições periódicas, a igualdade, a dignidade, etc. Uma das expressões mais famosas é a de que a democracia é o “governo do povo, pelo povo, para o povo”. Isso é fundamento conceitual. Na prática, a responsabilidade governamental é transformar essa abstração em realidade com ações dentro da lei, que foi feita pelo povo, por intermédio de seus representantes, ao longo do tempo. As leis sempre podem ser melhoradas, aperfeiçoadas e ajustadas aos tempos atuais, dentro da ordem legal. Fora disso é fuga da responsabilidade, demagogia, populismo, assembleísmo.

Uma manifestação, mesmo que numerosa, com toda a sua validade, não representa a vontade de um povo inteiro. O que representa a vontade de um povo, na democracia, é o voto, que pressupõe, de antemão, o respeito à decisão da maioria.

É desrespeito às instituições militares inventar falsas justificativas e interpretações de conveniência para empurrar seguidores a pedirem intervenção de Forças Armadas (FAs), usar o prestígio e o poder militar como instrumento de intimidação e pressão política, para atingir objetivos de poder pessoal e de grupos. As FAs não podem ser exploradas e desgastadas por interesse político.

Deturpar o artigo 142 da Constituição federal é artimanha e demagogia. Não é verdade que as FAs sejam garantidoras da independência e da harmonia entre os Poderes. Não é isso o que diz a Carta Magna. Não existe nenhuma pista no artigo 142 que ampare essa interpretação. Também não existe nenhuma legitimidade em considerar as FAs “poder moderador” por conta de qualquer narrativa de conveniência. As FAs existem para a defesa da Pátria, para a garantia dos Poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não cabe no Brasil atual a ideia de interferência de FAs no funcionamento e exercício dos Poderes da República.

Não estamos na guerra fria, no pós-2.ª Guerra Mundial. Estamos em 2021. O Brasil não vive uma opção única entre a ameaça de caos e um “salvador da pátria”, uma disputa entre amigos e inimigos, direita x esquerda. Isso é manipulação da opinião pública e a redução do nosso país à mediocridade da divisão social binária. Os problemas reais de nosso povo são a corrupção persistente, a fome, o desemprego, a falta de saúde pública, de educação, de segurança pública, de aplicação da lei, a desigualdade social e os privilégios imorais.

Extremos de qualquer matiz não podem impor suas agendas. Aventureiros não podem ser tolerados.

A Constituição e a legislação têm todos os recursos para encaminhar soluções legais. A manutenção ininterrupta de campanha política, de conflito permanente, causa prejuízo à paz social e insegurança, com consequências negativas principalmente para as atividades econômicas e para a vida dos mais necessitados. O governo precisa é transmitir equilíbrio, paz social, cumprir as leis, dar atenção aos principais problemas e exercitar a habilidade política nas disputas.

GENERAL DA RESERVA, FOI MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-governo-a-populacao-e-as-forcas-armadas,70003824540


O grito de Bolsonaro é para jogar o país numa guerra inútil e insana

Ninguém ameaça matar o presidente, ele é que tem obsessão em fuzis. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro quer botar o povo na rua no Sete de Setembro com a fake news de que é “impedido de governar” pelo Supremo e o Congresso, materializando seu sonho infantil e doentio de estar em guerra: “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória”.

Ninguém ameaça matar Bolsonaro, ele é que tem obsessão em fuzis e sua tropa é que ataca os outros. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico.

Bem, é verdade que ele não governa, mas o STF, a Câmara e o Senado não têm nada a ver com isso. O problema é dele, que não tem talento, vontade, experiência e o mínimo de bagagem e equilíbrio para administrar o País. Só sabe fazer campanha e enganar os bobos.

Bolsonaro está sendo impedido de fazer o quê? Se o Congresso atrapalhou algo, foi a sua sanha por mais fuzil e menos feijão e ele teve de trocar projetos de lei armamentistas por decretos, que têm mais autonomia em relação ao Legislativo. E, se o Supremo impediu algo, foi quando Bolsonaro quis transformar igrejas, academias e cabeleireiros em “serviços essenciais”, com objetivo claro de matar o isolamento social – o que pode matar pessoas.

Deve-se ao STF, aliás, a exigência de um Plano Nacional de Imunização contra a covid, quando o governo guerreava contra Coronavac, Pfizer e o consórcio da OMS, apostando que a vacina seria a imunidade de rebanho (Bolsonaro acha até hoje).

Assim, o presidente empurra as culpas do governo para o STF. Exemplo: os R$ 16 bilhões que a União tem de pagar em 2022 aos Estados pelo Fundef (o fundo do ensino fundamental e do magistério). A AGU levou três vezes ao ministro Paulo Guedes a sugestão de um acordo com deságio de 40%, mas não vingou. Favoreceria a Bahia, governada pelo PT... Um encontro de contas, descontando das dívidas dos Estados com a União, ou um embargo de declaração, empurrando o desembolso para 2023, nem ocorreram ao governo.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ele é obrigado a monitorar todos os riscos fiscais, como é o caso, mas não o fez. Com o leite derramado, Guedes ligou para ministros do STF dizendo-se perplexo. Perguntei sobre isso ao ministro Gilmar Mendes e ele: “O ministro ficou surpreso? Pois a minha surpresa está na surpresa do ministro”.

Essas coisas acontecem porque o governo é disfuncional e os órgãos de informação não informam, fazem intriga, como dizer ao presidente que o STF mandaria prender o filho 02, vereador Carlos Bolsonaro. Querosene na fogueira contra o ministro Alexandre de Moraes. Quem ganha o quê com isso?

Em vez de informar sobre crise hídrica e de energia, fome, famílias na rua, ameaças ao Supremo, perspectivas da economia e da pandemia..., os órgãos de inteligência estão no mundo da lua, depois de o presidente jogar no lixo, por exemplo, os estudos da Abin e do Exército defendendo isolamento social. Ficou claro que prefere curandeiros, palpiteiros e fofocas.

O governo não tem presidente, estratégia, coordenação e preocupação com o País. O foco é a reeleição e bajular Bolsonaro. Se algo funciona, é o marketing e o gabinete paralelo para vender as versões que interessam a ele, o negacionismo e as fake news. Milhões caem feito patinhos e viram feras contra os críticos e a realidade.

O pretexto para falar de fuzis, prisão e morte é a guerra ao comunismo. Que comunismo? É só a mistificação contra quem defende Amazônia, educação pública, nossa música, nosso cinema, nosso teatro, os povos originários, a boa diplomacia, a saúde e a vida. Como o País é livre, cada um escolhe seu rumo: a favor da vida, da ciência, dos direitos, dos valores e das riquezas nacionais ou contra as instituições, as eleições, a democracia e a Amazônia. A maioria defende feijão. A minoria histérica, fuzil.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vitoria-ou-morte-o-grito-de-bolsonaro-e-para-jogar-o-pais-numa-guerra-inutil-e-insana,70003824469

*Título do texto original alterado para publicação no site da FAP


Pacheco: 'Não admitiremos qualquer retrocesso' no estado democrático

Ao Globo, Chefe do Congresso diz que anseio por ruptura há de ser coibido, e revela contato com as Forças Armadas

Julia Lindner, Paulo Cappelli e Thiago Bronzatto / O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cancelou a participação em um evento em Viena, na Áustria, para monitorar em Brasília as manifestações de 7 de setembro, insufladas pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso seja necessário, ele vai se pronunciar em defesa das instituições, em uma prática que já virou rotina. Pacheco, que na semana passada arquivou um pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também virou alvo de críticas, mas prefere não apresentar resposta.

Ameaças à democracia: Em novo discurso com ataque a instituições, Bolsonaro diz que 'tudo tem limite'

Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que não admitirá qualquer retrocesso no sistema democrático e acrescenta que esse também será o papel das Forças Armadas, com as quais tem mantido contato.

O senhor disse que a rejeição do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes seria um “marco do restabelecimento da relação entre os Poderes”. No dia seguinte, Bolsonaro criticou a sua decisão e atacou Moraes. Como será possível retomar a harmonia?
São duas situações. Primeiro, a crítica do presidente da República à decisão de arquivamento do processo de impeachment é natural. Ele teve uma pretensão resistida e indeferida. A segunda parte, que é a manutenção de críticas muito ostensivas à Suprema Corte e aos seus integrantes, realmente não contribuem. Isso dificulta o processo de pacificação institucional que buscamos.

Acha que está isolado ao insistir em uma nova reunião entre os Poderes?
Não. Tenho absoluta certeza de que o pensamento do deputado Arthur Lira (presidente da Câmara) é o mesmo, de apaziguar. Sei também da disposição do ministro Luiz Fux (presidente do STF) de fazer o mesmo. Há uma comunhão de vontades nesse sentido.

Por que não citou o presidente Bolsonaro entre as autoridades dispostas ao diálogo?
O presidente Bolsonaro tem falado e agido no sentido de afirmar suas próprias convicções. Espero que ele possa contribuir para esse processo de pacificação, porque há inimigos batendo à nossa porta, que não somos nós mesmos, mas a inflação, o aumento do dólar, o desemprego, o aumento da taxa de juros e a crise hídrica e energética, que pode ser avassaladora. É importante que tenhamos um freio naquilo que não interessa para cuidar do que importa ao Brasil.

Quando falou com o presidente pela última vez?
Estive com ele (Bolsonaro) muito rapidamente no Dia do Soldado, em um evento no Exército. Falei com ele na véspera do dia do desfile das viaturas e dos tanques. Pessoalmente, foi um pouco antes disso. Então, já há algum tempo que não sentamos à mesa para tratar dos problemas do país. Acho até que isso precisa acontecer mais rapidamente.

O senhor teme que as manifestações de 7 de setembro saiam do controle?
Manifestações são próprias da democracia. Temos que respeitá-las, mas manifestações que tenham como objetivo retroceder a democracia, pretender intervenção militar ou a ruptura institucional ferindo a Constituição devem ser repelidas no campo das ideias.

Como vê a mobilização de PMs em torno das manifestações pró-Bolsonaro?
Se eu disser que conheço todas as Polícias Militares, vou estar mentindo, mas conheço algumas, em especial a de Minas Gerais e a de São Paulo. Sei que são corporações absolutamente conscientes, muito respeitadas pela sociedade, cumpridoras dos seus deveres e defensoras da democracia.

Há algum risco de ruptura institucional por parte de militares? Qual é a sua percepção dos encontros que teve com integrantes das Forças Armadas?
São instituições maduras, com um patriotismo muito forte e com obediência absoluta ao estado democrático de direito. Nesta semana, estarei no comando da Aeronáutica novamente para conversar com os brigadeiros, a convite do Alto Comando da Aeronáutica. Tenho mantido esse contato constante com essas instituições e vejo nelas uma obrigação de defesa do Brasil. Nós não admitiremos qualquer retrocesso e tenho certeza que também esse será o papel das Forças Armadas.

A participação do presidente em um desfile de blindados em frente à Praça dos Três Poderes não gera ruídos?
São episódios desnecessários, que deveriam ser evitados, especialmente neste momento em que há esses rumores. Mas não faço deles algo mais importante do que verdadeiramente são. O que vale é que temos as Forças Armadas conscientes do seu papel e muito bem comandadas por pessoas que têm esse compromisso com o país e que não se aventurarão em disputas ideológica e política.

Os ataques constantes do presidente ao sistema eleitoral podem colocar as eleições em 2022 sob algum risco?
Os ataques ao sistema eleitoral, sem fundamentos, são muito ruins, porque jogam em descrédito um sistema que, até pouco tempo atrás, era dado por nós como um orgulho nacional. Mas não considero que isso seja capaz de deslegitimar o resultado eleitoral. As eleições de 2022 vão acontecer, porque elas são fundamentais para a democracia.

Quais são as pautas prioritárias no Senado até o fim deste ano?
Todas são prioritárias. Nesta próxima segunda-feira, terei uma reunião com o ministro Paulo Guedes. Quero fazer uma conversa de compreensão sobre o que são as prioridades do governo como alguém que possa ser colaborativo e, ao mesmo tempo, crítico daquilo que não se deva ter. Por exemplo, eu não posso permitir que haja, a pretexto de uma reforma tributária, um projeto que pura e simplesmente aumente impostos para o contribuinte. Isso é muito ruim. Devemos evitar isso. Na próxima semana, terei uma conversa com o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, sobre um problema gravíssimo que nós temos: precisamos de um planejamento para as crises hídrica e energética. O que nós não podemos definitivamente fazer é interromper o diálogo. Se isso ocorrer, vai ser muito nocivo para o Brasil.

Como avalia a retomada das coligações partidárias nas eleições proporcionais, aprovada pela Câmara?
Sou a favor do sistema proporcional sem coligações partidárias e com imposição da cláusula de desempenho. Vamos submeter ao Senado para que a maioria decida, mas a volta ao modelo anterior é um retrocesso.

O senhor defende que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) paute a sabatina de André Mendonça, ex-chefe da AGU, para o STF?
É importante que o Senado dê uma resposta e que haja sabatina, a submissão do nome ao plenário do Senado para o escrutínio dos senadores. Não só no caso do ex-ministro André Mendonça mas também em todas as demais indicações.

Como o senhor vê a iniciativa do governo Bolsonaro de turbinar o Bolsa Família?
O programa social é uma prioridade. É inegável que ele tem que existir, em razão da pobreza que temos. Ressinto a falta de um Ministério do Planejamento independente da Economia, para termos um planejamento nacional de políticas dos ministérios, políticas públicas. Política econômica é algo muito amplo, que deve ser feito por especialistas, mas que não possam ser despidas de sensibilidade social.

As pesquisas apontam uma polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula. É possível emergir desse cenário um candidato de centro?
Várias hipóteses podem acontecer, mas considero que vai depender muito do andamento do Brasil nos próximos meses. O cenário eleitoral vai ser definido em 2022. Neste momento, o Brasil não precisa de candidatos à Presidência. O Brasil precisa do presidente buscando unificar o país para os problemas imediatos que nós temos.

O senhor se vê como potencial candidato do centro?
Não considero essa hipótese de candidatura neste instante em que se recomenda ter um presidente do Senado que possa enfrentar os problemas. Disputa eleitoral é inoportuna no momento, em especial para o presidente do Senado.

O senhor dizia ser contra a abertura da CPI da Covid. Agora, avalia que a comissão tem desempenhado um papel importante?
Temos que avaliar o retrato do momento em que decidi não abrir a CPI. Naquele momento, tínhamos mais de 4.000 mil brasileiros morrendo todos os dias só pela Covid-19. Era um momento muito crítico, de muita desunião. Não tínhamos uma escala de vacinas. Eu achava que a CPI, naquele momento, poderia ser um fator de desagregação maior e de insegurança jurídica para a estabilização do combate à doença. Mas eu não nunca desvalorizei a CPI e o seu papel. Nem nunca disse que ela não seria aberta. Eu apenas discuti o momento da abertura. A minha esperança é que a CPI possa cumprir o seu papel de apurar responsabilidades, autoria, materialidade, tipicidade de fatos e que aqueles que tenham praticado qualquer tipo de ação antijurídica possam ser responsabilizados.

O presidente da Câmara criticou o andamento de algumas pautas no Senado como a privatização dos Correios e o licenciamento ambiental. O senhor acredita que Arthur Lira espera que o Senado passe a aceitar decisões da Câmara, sem alterações?
Eu não recebo essa ponderação do presidente Arthur Lira como uma crítica ao Senado, mas apenas como um exercício de pretensão de que aquilo que foi aprovado na Câmara também o seja no Senado Federal. Nós também temos um uma porção de projetos aprovados no Senado que, ao longo de anos, estão na Câmara aguardando uma definição. Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel. O que temos no Senado é a preocupação de aprofundar as matérias, de não ter açodamento, de termos a reflexão necessária por meio das comissões e do plenário. Cada um tem o seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado. Não significa que eu seja lento. Mas eu gosto de refletir, de aprofundar, de submeter aos pares uma discussão realmente mais duradoura dos projetos de lei. Cada um tem o seu perfil e ambos se complementam e prestam um bom papel de unificação no Congresso Nacional.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/nao-admitiremos-qualquer-retrocesso-no-estado-democratico-diz-rodrigo-pacheco-em-entrevista-ao-globo-1-25175657

*Título do texto original alterado para publicação no portal da FAP


Como violar monumentos desafiando o perigo fascista

Discussão é sobre se estamos dispostos a deixar que nossa História seja incinerada sem levantar nossa voz contra isso

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo

Chegou-me, pela mão certeira de um aluno, um ensaio de Ortega Y Gasset, escrito há mais de cem anos (“Espanha invertebrada”, 1917), sobre a decadência de sua nação e publicado pelo Estadão/Estado da Arte, em 25.08.2021. O filósofo espanhol reconhece, metaforicamente, no surgimento, então recente, do que hoje chamamos de cinema, uma possibilidade nova de compreensão de um drama de séculos, o qual permaneceria opaco se visto sob os limites de fotografias isoladas de cada ato desse drama.

No mesmo dia, na imprensa e em redes sociais, publicou-se imagens fotográficas da queima, no Rio de Janeiro, de uma estátua de Pedro Álvares Cabral, protagonista da narrativa fundacionista do Brasil historiograficamente consagrada e, por isso mesmo, contestada por um revisionismo histórico proposto por correntes acadêmicas e ativistas de movimentos políticos. A fidelidade jornalística ao registro do fato vincula-o a um protesto em defesa de populações indígenas (ou de “povos originários”, conceito histórico-político amplamente aceito hoje, para nomeá-las e legitimar a causa) e contra o estabelecimento de um marco temporal que reinterpreta e redefine seus direitos constitucionais, discussão ora em curso no Judiciário e no Legislativo brasileiros.

A fotografia do acontecimento carioca e do conflito conjuntural a que se vincula é, como na metáfora de Gasset sobre a derrocada de sua Espanha, insuficiente para a plena compreensão do processo em que o fato se insere. Estamos - assim como se estava na Espanha a duas décadas de uma guerra civil - diante de um script cinematográfico. Processo contínuo, que se não for refratado, pedirá um Picasso vindouro para pintar, como aviso aos pósteros a essa quadra perigosa que vivemos, o quadro agonístico das Guernicas que gestos insólitos como aquele preparam. Com isso quero dizer que não é do conflito de interesses e valores entre agronegócio e povos originários que tratarei aqui. Sem desqualificar sua importância para a pauta política e social do presente, evitarei conferir-lhe a centralidade fotográfica que lhe atribui a gramática polarizadora em voga. Peço passagem para outra pauta, que é coisa de cinema.

Quero discutir as depredações como tema político em si, autônomo (embora não alheio), face a causas econômicas e sociais. E não se trata de questionar apenas o fogo como meio, mas os fins desse gesto iconoclasta. A discussão, conforme a sinto, é sobre se estamos dispostos a deixar que nossa História seja incinerada sem levantar nossa voz contra isso.

Muitas das críticas pontuais à violência como método costumam ser apenas céticas quanto às possibilidades de que ela, a violência, atinja, no caso, o objetivo supostamente nobre ao qual, também supostamente, esse ativismo se dedica, isto é, o de revogar a história “escrita pelos opressores” e reescrevê-la “sob a ótica dos oprimidos”.  Acho preciso falar contra isso, sem meias palavras e logo, antes que a extrema direita, espertamente, o faça.

Mas penso que há um passo a mais a dar, além de manifestar esse lúcido ceticismo. Num momento em que a destruição é o tom da política (na verdade, da antipolítica) imposta por quem deveria governar o País, é preciso ir além de um não ao não estéril desse ativismo carbonário que emula e ajuda o exterminador. É preciso dizer sim ao que a nossa história prevalecente instituiu. Um sim que não é sanção, é reconhecimento de uma condição.  

Ainda que povoada de iniquidades, não só delas a história nacional se fez. Nela estão marcas do labor e obras voltados a torná-la melhor, segundo aspirações em disputa e valores compartilhados, em cada época. Labor e obras que, de modo algum, foram fracassos. Esse juízo maniqueísta, inquisitorial e anacrônico sobre a construção do Brasil, que avalia a obra de atores e movimentos do passado pelo metro de desejos e demandas contemporâneos, nega luz a algumas virtudes políticas de nossas ambiguidades tradicionais. Se cabem ideias de reformar essa tradição, a ideia-força da pacificação precisa estar no centro, não no limbo da política e da história que estamos fazendo hoje. Devemos tão somente achar modos mais civilizados de derrubar as prateleiras, as estátuas e as estantes que nos acompanharam até aqui? Ou conservá-las, no limite do razoável?

Uma noção de perigo exige uma atitude política que mostre a incautos o quão estamos distantes de 1968, muito mais do que de 1929; quão é grave derrubar estátuas, estantes e prateleiras numa hora em que o fascismo não é mais passado e nos assombra, de novo, com sua atualidade, em vários países. Efeitos nefastos da falta dessa noção podem ir muito além das mazelas intelectuais legadas pelas vertigens de 1968 e que José Guilherme Merquior tão bem apontou no seu O marxismo ocidental. A rejeição moral, culturalista, ao capitalismo e ao mercado, a cada dia mais realidades imperativas para a vida das pessoas comuns; a estetização da política por um discurso crítico da razão; a hipervalorização da vontade política como via de libertação contra a racionalidade das instituições, tudo isso afetou, sem matar, o pensamento da geração seguinte. Mas agora o preço pode ser a integridade mental e mesmo física da comunidade política. Nas circunstâncias do mundo atual, em que a década 1930 está politicamente mais próxima que ade 1960, reclamando mais Churchills do que Sartres, iconoclastia é ímpeto colaboracionista com o agressor. Fazem falta pensamentos reformadores que recusem nacionalismos, mas ajudem seus países a resgatarem seus selfs nacionais. Sem dizerem sim a si, as nações impactadas pela força de gravidade global nada terão a contribuir para um cosmopolitismo generoso.

É por isso que considero apropriado olhar para a estátua de Cabral na fogueira e pensar em Ortega y Gasset. No seu texto, o enredo cinematográfico do infortúnio espanhol, narrado com sentimento e razão, traça, retrospectivamente, um caminho que começa no particularismo dos atores e termina em inelasticidade social. Vale-nos como prevenção:

(...) A essência do particularismo é que cada grupo deixa de sentir-se a si mesmo como parte e em consequência deixa de compartilhar os sentimentos dos demais. Não lhe importam as esperanças ou as necessidades dos outros (...). Por outro lado, é característico deste estado social a hipersensibilidade para os próprios males. Irritações e dificuldades que em tempos de coesão são facilmente suportados, parecem intoleráveis quando a alma do grupo se desintegrou da convivência nacional (...)

(...) Dizem que os políticos não se preocupam com o resto do país. Isto, que é verdade, é, contudo, injusto, porque parece atribuir exclusivamente aos políticos tal despreocupação. A verdade é que se para os políticos não existe o resto do país, para o resto do país existem muito menos os políticos. E o que acontece dentro desse resto não político da nação? (...). Cada agremiação vive hermeticamente fechada em si mesma. (...)Rodam umas sobre as outras como órbitas estelares que se ignoram mutuamente. Polarizada cada qual em seus tópicos gremiais, não tem nem notícia dos que regem a alma do grupo vizinho. Ideias, emoções, valores criados dentro de um núcleo profissional ou de uma classe, não transcendem minimamente às restantes. O esforço titânico que se exerce em um ponto do volume social não é transmitido, nem obtém repercussão a alguns metros de distância, e morre onde nasce.

Propus ir além da reação e do ceticismo. Pauta positiva, sim, mas outra pauta. Não a iconoclasta, que resulta de um racionalismo jacobino, sempre oscilando entre delírios subjetivistas e o pragmatismo de interesses mal compreendidos. Pauta positiva para dialogar com os “de baixo” reais do país, não com seres simbólicos, imaginários, estetizados por ideologias que vão parar no obscurantismo. Um caminho do meio, para dialogar com gente para quem, ao tempo em que "cada tauba que caía doía no coração", faz sentido dizer que "os home tá com a razão, nóis arranja outro lugar". 

Nem as pessoas treinadas nos ofícios de estudar e pensar, nem os matogrossos e jocas do Brasil, precisamos de pautas postiças. Aos primeiros cabe baixar a bola e falar a língua de quem busca cobertores adequados a seus vários frios e, na chuva, aprende, com o tempo, a encontrá-los não apenas nos estoques de Deus (embora neles também, por que não?). Talvez lhes ocorra reformar sua atitude resignada de deixar a vida lhes levar. Mas se o fizerem, em algum momento, não será porque vanguardas iluminaram seu caminho. Será para reformar, sem renegar, a nossa tradição, pois ela também tem lá a sua serventia. O caminho do meio não subestima o amor que pessoas sentem pelas suas saudosas malocas.

Assim a maloca, assim a história de cada pessoa e a do nós nacional em contínua construção. Pauta positiva só pode vir daí. Não há caminho do meio possível se aceitamos, sociológica ou filosoficamente, a naturalização coercitiva de pautas incendiárias. Inexistem “verdadeiros anseios”. Eles são sempre contingentes, descobertas da vida em comum. Vanguardas não são apenas equívocos de método. São enganos existenciais.

Embora seja também verdade que aumenta a aceitação social das pautas revisionistas. É um processo de mudança de mentalidade que transcorre sob nossos olhos. Processo, no entanto, que não é nem irreversível, nem automaticamente virtuoso. Do ponto de vista da democracia, por exemplo, algumas das novas tendências em processo (como a promoção de maior igualdade entre os indivíduos, pela consideração de suas diferenças de condição) democratizam a própria democracia. Outras, como, por exemplo, a de refundar identidade e história do país, empobrecem um repertório que, historicamente, vem se tornando cada vez mais plural e dilapidam um patrimônio que, sendo cada vez mais democrático, já fez Pedro Álvares Cabral sair da vida para se tornar História. Por que trazê-lo de volta? Não será esse um flerte indesculpável com as taras regressistas dessa má hora que vivemos?

*Cientista político e professor da UFBa.

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/paulo-fabio-dantas-neto-historia-de.html


Marcelo Godoy: Vacina e legalidade: as as razões que levaram Santos Cruz à oposição a Bolsonaro

Quando decidiu escrever um artigo para o Estadão, o general decidiu que era chegada a hora de parar de poupar o ex-chefe; falta de ação contra pandemia o fez aumentar as críticas

Caro leitor,

O general Santos Cruz estava cuidando da roça quando tocou o telefone em sua casa. Queriam avisá-lo do conteúdo do inquérito dos atos antidemocráticos da Polícia Federal divulgado pelo Estadão. Pouco depois, começaram as chamadas dos jornalistas. Para a Coluna do Estadão, o general disse que nada daquilo lhe causava surpresa: “É lastimável o fluxo de dinheiro para alguns apoiadores, As consequências tem de ser dentro da lei.” O general torce. Contar a razão disso ajuda a pôr luz em alguns dos principais eventos do governo de Jair Bolsonaro.

General Santos Cruz
General Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Os privilégios aos blogueiros inventados pelo bolsonarismo para fazer propaganda do governo e gerar lucro para os envolvidos nessa operação não surpreenderam o general  porque Santos Cruz conheceu de perto a ascensão de pessoas como Alan dos Santos, um dos parvenus investigados pela PF. Afinal, quem bancava as viagens a Brasília, as instalações confortáveis e as estadias no exterior dessa turma? É o que a PF e o general gostariam de saber.

Uma coisa, no entanto, o general sabe: quem abriu o gabinete presidencial para essa tropa de ‘nouveau riche’? A resposta é simples: o próprio presidente, aquele que afirmou na reunião ministerial de 22 de abril que seus adversários queriam a “nossa hemorroida, a nossa liberdade”. Sem explicar até agora o que uma tinha a ver com a outra... Generais como Santos Cruz recebem seus salários de fonte conhecida e descontam os impostos na fonte. A PF indaga como essas coisas funcionam com os blogueiros bolsonaristas.

Santos Cruz fora Secretário Nacional da Segurança Pública no governo de Michel Temer e um dos oficiais que participaram da articulação que levou Jair Bolsonaro ao poder. É criticado, por isso, pela oposição, que não lhe perdoa a adesão ao bolsonarismo. Diz que, ao contrário da maioria dos eleitores que se decepcionou com o governo, ele conhecia Bolsonaro e sabia o que esperar do colega. E se pergunta quais as ligações de Santos Cruz com o chamado “partido militar”, o grupo que resolveu trocar a política do Exército pela opção de tentar fazer política no Exército.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes Foto: Divulgação / Governo do Estado de SP

Apesar das desconfianças de alguns, o ex-ministro-chefe da secretaria de Governo é cortejado por partidos políticos e chegou a ser convidado pelo governador João Doria para entrar no PSDB. O general se diz um homem de direita. E, ao lado de colegas, apresentava um argumento para justificar sua passagem pela política: o combate à corrupção. Mas pensava que um governo devia dialogar e ouvir a todos, independentemente de partidos.

Sabia da limitação dos militares para assumir funções civis para as quais não foram treinados. Aos amigos, dizia: "Cabos sabem fazer muito bem as coisas militares que se esperam dos cabos, assim como os sargentos, os tenentes e os generais. É uma ilusão pensar que podemos cuidar de tudo." No governo, teve a Secretaria de Comunicação – e suas verbas publicitárias – subordinada à sua pasta. Estudou como a publicidade oficial funcionava, quais contratos mantinha e com quem. E logo barrou um de R$ 39 milhões para divulgar a viagem de Bolsonaro a Davos. Justificou-se com o fato de que a imprensa já ia cobrir a presença do presidente no evento.

Também não aceitou direcionar a verba de publicidade a aliados e amigos, defendendo critérios técnicos como audiência, tiragem, abrangência e público alvo. Não demorou a entrar na mira da turma de Carlos Bolsonaro, o filho do presidente que é citado 43 vezes no inquérito que apura a existência de uma organização criminosa por trás dos atos em Brasília que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Santos Cruz não entendia por que um contrato de R$ 40 milhões era assinado com uma agência se a execução dele não passava de R$ 12 milhões. 

Também não entendia por que o governo pretendia gastar tanto em publicidade com a reforma da Previdência, se era um tema já explorado pelo governo de Michel Temer e se havia apoio à medida ainda maior na atual Legislatura. Dizia então que a sociedade toda já sabia do que se tratava. E, ainda que pensasse que, ser filho de presidente, não é uma função pública, nada pôde contra as intrigas dos parvenus em busca de uma janelinha no Planalto.

Lembrava que a promessa do governo Bolsonaro era “fazer diferente” de seus antecessores. E pensava na Revolução dos Bichos, de quando Bola de Neve escreveu os princípios do animalismo – os sete mandamentos – na parede da granja. Naquele dia, todos partiram para colher o feno e quando voltaram à noite perceberam que o leite das vacas havia sumido.

Acabou demitido antes de apresentar seu plano de comunicação governamental no qual pretendia defender que a “comunicação do governo não pode ser mercadológica, não pode ser ideológica e deve transmitir informações, em vez de mera propaganda de governo ou de pessoas”. Por fim, o general pensava que a política do Planalto não podia concorrer com outros veículos de comunicação. 

Após deixar o governo, Santos Cruz permaneceu quase um ano comedido ao falar do governo e poupava o presidente. Foi assim mesmo depois da demissão de Sérgio Moro e das afirmações do ministro da Justiça de que Bolsonaro queria usar a PF para favorecer o filho denunciado por desviar dinheiro público. O que o fez mudar de postura e passar a criticar abertamente o presidente foi a decisão de Bolsonaro comparecer a uma manifestação em frente ao QG do Exército, que pedia o fechamento do Congresso e do STF.

Decidiu falar no momento em que viu colegas da reserva próximos de Bolsonaro defenderem uma extravagância: o papel de Poder Moderador das Forças Armadas diante de conflitos institucionais. Era a tese do golpe de Estado que pretendia fingir legalidade onde só havia a intenção de se praticar um crime contra a Constituição. Ela levou o general a escrever um artigo publicado no Estadão. Seu primeiro passo na mudança de tom em relação ao governo.

Santos Cruz pressentiu a tentativa de se envolver o Exército em uma aventura, assim como o bridaieor Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar. Sabia que a grande maioria dos colegas não se envolveria na discussão, mas acreditava ser necessário enfrentar os extremistas que dominavam a cena. E se justificou para os amigos: “Há três pragas hoje no Brasil: a corrupção, o coronavírus e o fanatismo”. No dia 12 de novembro, foi mais longe ao escrever no Twitter: “Cansado do Show. O Brasil não é um País de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito."

CANSADO DE SHOW. O Brasil nâo é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito. — General Santos Cruz (@GenSantosCruz) November 12, 2020

Um dia antes, havia desabafado contra Bolsonaro, que comemorara a morte de um brasileiro no que pensava ser o fracasso da coronavac, a vacina desenvolvida no Instituto Butantã em parceria com a Sinovac chinesa. “Ganhou de quem? Vacina, qualquer que seja, é saúde pública. É para a população. Não é assunto particular. O trato tem ser técnico e dentro da lei. Fora disso é irresponsabilidade, falta de noção mínima das obrigações, desrespeito pela saúde dos cidadãos. Vergonha! Sem classificação!"

Recentemente, para um político que o procurou pedindo que assinasse uma ficha de filiação partidária, o general explicou a recusa, afirmando que, assim, acredita que sua voz será ouvida por mais gente e não só pelos filiados daquele partido. Embora comemore a presença de militares na política como mais uma opção para o eleitor, Santos Cruz acredita que a uma ilusão de achar que eles são a solução para a gestão pública é muita vezes propagada pela imprensa. Militares são competentes para as coisas militares; as demais dependeriam da capacidade de cada um. Esse seria o caso do general Pazuello.

Não é de um intendente, como Pazuello, que o País precisaria à frente do Ministério da Saúde, mas de alguém que entenda de políticas públicas. O intendente especialista em logística não consegue comprar seringas e agulhas para vacinar a população. E se submete a um chefe que não o deixa comprar vacinas. Ou como afirmou Gonzalo Vecina, fundador  ex-presidente da Anvisa: "Propor vacinação só em março e alcançar no máximo um terço da população em 2021 é um crime". Militar da ativa, Pazuello ajudaria a vincular o Exército ao governo que comete esse crime. Mas antes de responsabilizar o general, Santos Cruz sabe que é preciso olhar para o Planalto. É lá que está o presidente da República, que devia sentar na cabeceira da mesa de reuniões e definir o que se deve fazer na maior crise sanitária do século, em vez de se omitir, brigar por causa de vacina e chamar o povo de maricas.