leandro colon
Leandro Colon: Paciente do SUS não pode ser tratado como mané
Episódio envolvendo avó de primeira-dama deveria servir para cair a ficha de Bolsonaro
Dados compilados pela Folha e divulgados neste domingo (11) mostram uma piora nos indicadores de saúde nos primeiros seis meses do governo de Jair Bolsonaro.
As informações integram um robusto levantamento sobre outras áreas. No caso específico da saúde no país, identifica-se um agravamento, por exemplo, na oferta de assistência básica, porta de entrada do SUS.
Na avaliação de especialistas, um dos fatores que levam a esse cenário tem vínculo com o desmonte do programa Mais Médicos. Houve ainda uma redução no número de agentes comunitários que fazem o atendimento casa a casa do cidadão.
Seria injusto e equivocado debitar da conta de Bolsonaro os problemas enfrentados pelo SUS. Nenhum governo até hoje conseguiu diminuir a sobrecarga do sistema público nem encontrar caminhos para que o atendimento às pessoas seja justo, rápido e de qualidade.
A 37 km do Palácio do Alvorada, o Hospital Regional de Ceilândia já virou um modelo de caos, falta de estrutura e descaso com os pacientes. Em maio, o Ministério Público do DF fez uma visita e identificou superlotação, cadeiras usadas como leito, pacientes espalhados pelos corredores e ausência de equipamentos.
No sábado (10), o repórter Daniel Carvalho encontrou a aposentada Maria Aparecida Firmino Ferreira, 78, deitada havia dois dias em uma maca em um corredor (lotado de pacientes) do hospital de Ceilândia à espera de cirurgia após sofrer fratura.
Maria Aparecida é avó da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Minutos depois de a reportagem procurar o governo do DF, ela foi transferida a um hospital de melhor estrutura para que fosse, enfim, operada.
A aposentada não poderia furar fila só pelo fato de ser avó da primeira-dama. Assim como também pouco importa a relação que teve ou tem com a neta e mulher do presidente.
O episódio deveria servir para Bolsonaro entender que sua verborragia diária cansou. Há prioridades urgentes. O paciente do SUS não aguenta mais ser tratado como um mané.
Leandro Colon: Dodge faz a lição de casa para ser reconduzida por Bolsonaro
O subprocurador Augusto Aras é o preferido, mas atual chefe da PGR emite sinais para ficar
Raquel Dodge deu a senha a Jair Bolsonaro no dia 7 de junho. “Estou à disposição, tanto da minha instituição quanto do país, para uma eventual recondução”, disse a procuradora-geral da República sobre o desejo de permanecer no posto.
Desde então, a chefe da PGR intensificou uma articulação nos bastidores, sustentada em alguns ministros do STF e parlamentares influentes. Em outra ponta, emitiu sinais para os pares no Ministério Público Federal, com os quais travou embates nos últimos dois anos. Não à toa, não quis disputar a lista tríplice da associação da categoria —provavelmente ela seria derrotada pelos colegas.
E Dodge fez o mais importante: aproximou-se de Bolsonaro,denunciado por ela por racismo e dono da caneta da indicação do próximo PGR.
Ao recorrer da decisão de Dias Toffoli (STF) que limitou o uso de dados do Coaf em investigações no país, Dodge deixou a porta aberta para manter parado o inquérito sobre Flávio, filho do presidente. Ela pede que Toffoli se limite ao caso do senador do PSL-RJ, que pediu a suspensão da apuração até análise em plenário, prevista para novembro. A procuradora-geral cumpriu o papel de recorrer, mas tomou cuidado para não incomodar o Planalto.
Depois de esnobar os colegas de Lava Jato em Curitiba por longo período, Dodge passou a bater bola com procuradores da força-tarefana reta final da sucessão na PGR.
A procuradora-geral, que evita a imprensa e o contraditório, faz vista grossa para a gravidade das mensagens trocadas por Deltan Dallagnol, pego atropelando regras de conduta, forjando a criação de empresa para levar dinheiro com palestra e usurpando competência ao estimular a investigação de ministro do STF.
Para Dodge, nada disso é preocupante, afinal ela precisa agora do respaldo de alas estratégicas da categoria, como a de Curitiba. No Planalto, o subprocurador Augusto Aras, que se mostrou pouco disposto a atrapalhar o governo na PGR, é o preferido. Mas Dodge tem feito direitinho a lição de casa para ser reconduzida.
Leandro Colon: Moro do Twitter desmente Moro do Senado
Ao contrário do que disse a senadores, ministro teve acesso a investigação sobre hackers
Os registros de áudio e das notas taquigráficas do Senado —um arquivo oficial, autêntico e não editado— guardam as palavras do ministro Sergio Moro (Justiça) aos senadores no depoimento de 8 horas e 30 minutos em 19 de junho.
Disse o ministro às 9h36 sobre o caso dos hackers: “A investigação está sendo realizada com autonomia pela Polícia Federal. Eu já disse mais de uma vez no passado: o meu papel, como ministro da Justiça, é um papel estrutural, apenas para garantir também a autonomia dos órgãos vinculados ao Ministério da Justiça. Então, eu não acompanho, pari passu, cada um desses acontecimentos.”
Ele voltou ao assunto às 11h32. “Relativamente à investigação, são duas questões: a investigação é sigilosa. Então, não se pode informar fatos relativos a essa investigação, sob risco de ineficácia; e, dois, eu, como ministro da Justiça, não tenho o papel de, vamos dizer assim, atuar nessas investigações diretamente. Meu papel é mais estrutural”, afirmou.
Às 16h48, Moro declarou aos senadores: “Eu, de todo modo, estou afastado, vamos dizer assim, da condução concreta desse inquérito. Essa é uma atribuição da Polícia Federal.”
Na terça-feira (23), depois de ser preso, Walter Delgatti Neto prestou depoimento à PF em que confessou ser o autor dos ataques aos celulares das autoridades e a fonte que repassou os dados ao The Intercept Brasil.
Às 14h09 do dia 24, Moro postou em sua conta no Twitter: “Parabenizo a Polícia Federal pela investigação do grupo de hackers, assim como o MPF e a Justiça Federal. Pessoas com antecedentes criminais, envolvidas em várias espécies de crimes. Elas, a fonte de confiança daqueles que divulgaram as supostas mensagens obtidas por crime.”
Na quinta (25), às 14h04, ele escreveu: “Pelo apurado, ninguém foi hackeado por falta de cautela”. O ministro telefonou para informar autoridades que foram atacadas e anunciar a destruição das mensagens.
Ele não se afastou da investigação e ainda repassou fatos dela. O Moro do Twitter desmentiu o do Senado.
Leandro Colon: Refúgio na galera
Estratégia de Bolsonaro é falar o que quer e correr para as ruas
De surpresa, Jair Bolsonaro apareceu em uma tradicional galeteria em Brasília para almoçar no domingo (21). “O calor do povo não tem preço”, disse em rede social.
Pouco antes, o presidente esteve em um culto evangélico e discursou aos presentes. Ele afirmou que não sofre a solidão do poder porque tem lealdade com o povo. No sábado (20), deu uma passada em um encontro de motociclistas no DF. Divulgou as imagens da visita logo em seguida.
Nenhum desses eventos estava previsto na agenda de fim de semana do presidente. Episódios semelhantes, com escapadas sem aviso prévio, ocorreram em sábados e domingos recentes. E a imprensa, logicamente, precisa correr atrás dele.
Assim como também virou rotina o presidente terminar a semana sob artilharia após declarações polêmicas, muitas descabidas, desconexas da realidade e até da verdade.
O que faz Bolsonaro? Tem usado o fim de semana para tentar prevalecer sua narrativa dos fatos da véspera, culpando a imprensa por, segundo ele, deturpar o que dissera.
Ao mesmo tempo, produz e difunde imagens com simpatizantes. Noves meses depois de ser eleito presidente, Bolsonaro mantém a tática de campanha eleitoral pendurada em seguidores fora e dentro das redes.
Parece ser a aposta dele diante de ausência de um apoio fidelizado no Congresso, da escassez de estratégia política e de comunicação no Planalto e da intolerância que não esconde ter a críticas da imprensa.
Há três dias, Bolsonaro surpreendeu até quem já desistiu de se surpreender com ele. Foi uma sexta-feira (19) maluca e sem fim. Declarou que não há fome no país, agrediu governadores do Nordeste e admitiu que criticou um filme (o da Bruna Surfistinha) ao qual não assistiu.
Questionado sobre o fim dos 40% de multa sobre o FGTS, deu resposta confusa. E colocou em xeque dados do governo sobre desmatamento.
Está posta a estratégia do presidente de falar o que quer e correr para a galera. A dúvida é o preço que o país pagará por isso no longo prazo.
Leandro Colon: É sério isso
Frases fora de hora ditas por Bolsonaro não devem ser tratadas com normalidade
Em menos de três dias, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a prática do trabalho infantil, comparou o Brasil a uma virgem que atrai tarados e tratou a lenda João Gilberto, que morreu no sábado (6), apenas como uma “pessoa conhecida”.
Não se pode dizer que Bolsonaro causa espanto com essas declarações. As suas limitações são de domínio público desde os tempos de deputado federal. Ele foi eleito sem enganar nem mesmo seus eleitores.
Frases fora de hora e absurdas ditas pelo chefe da República não devem ser tratadas com normalidade.
Ao exaltar o trabalho infantil, o presidente faz a apologia de uma ilegalidade. A Constituição do país liderado por ele proíbe menores de 16 anos de trabalharem (com exceção dos aprendizes a partir de 14). O IBGE estima que ao menos 1 milhão de crianças trabalhem ilegalmente.
No início da noite de sábado, Bolsonaro resolveu dar uma escapada do Palácio do Alvorada para uma festa de São João no clube Naval, em Brasília. Não sem antes falar com os jornalistas que estavam de plantão do lado de fora. Aproveitou para novamente provocar líderes europeus sobre a preservação da Amazônia.
Segundo ele, “o Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”. Não cabe no figurino de um presidente equiparar chefes de outros países a um maníaco. Não há tese ambiental, por mais delirante que seja, capaz de sustentar tanta agressividade.
Na entrevista, Bolsonaro foi questionado sobre o pai da bossa nova. Passavam-se quatro horas do anúncio de sua morte e o Planalto ainda em silêncio. Esperava-se uma manifestação de agradecimento e exaltação à figura de quem fez muito pela cultura do país, dentro e fora dele.
Bolsonaro saiu com essa: “Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?”. Não é um despropósito imaginar que ele nem soubesse direito quem era João Gilberto. Comportamento que parece mistura de desprezo ao compositor morto com ignorância mesmo.
Até o mais fanático dos “bolsominions” deveria ficar constrangido.
Leandro Colon: Bandeira e boneco não dão votos a Bolsonaro no Congresso
Se presidente quer tirar o governo da UTI, deveria parar de medir forças
O presidente Jair Bolsonaro pagou para ver e conseguiu, surpreendentemente, um público considerável nas ruas a favor de seu governo. O protesto deste domingo (26), no entanto, é incapaz de contornar a maior fragilidade de sua gestão: a relação com o Congresso.
A eleição já passou. Não adianta empunhar bandeira verde-amarela mirando em quem pode inviabilizar as pautas governistas. Os alvos principais foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o centrão.
Sem eles, Bolsonaro não vai a lugar algum. É política, queira ou não. Na falta de capacidade para fazê-la, o presidente apelou, e quem apela tem grandes chances de perder no final.
Se ele quer tirar o governo da UTI, deveria parar de medir forças. Bandeira e boneco inflável não dão voto no Congresso. É hora de pragmatismo, de colocar a bola no chão, dar um pito na deslumbrada e ineficiente bancada da selfie do PSL e aconselhá-la a usar os telefones para negociar voto a favor do Planalto.
É um governo sem base e com o agravante de o partido do presidente comportar-se de maneira negligente. Não há graça alguma na imagem dos deputados desfilando simpatia pelas redes sociais em plena sessão de interesse do país.
A votação da reforma da Previdência no plenário da Câmara, quando e se ocorrer, será uma final de Copa do Mundo. O Planalto e seus apoiadores no Congresso podem errar agora, agir como se estivessem em um parque de diversões, mas não terão margem para falhas lá na frente.
O ministro Paulo Guedes (Economia) avisou que pulará fora do barcose a reforma fracassar. Caso o Senado confirme a votação da Câmara, o Coaf sairá da Justiça e Sergio Moro terá ainda de trabalhar muito para conseguir passar o projeto anticrime.
Guedes e Moro são os fiadores políticos do governo. Bolsonaro perderá prestígio e musculatura se um dia ficar sem um deles ou ambos. Embora finja que não, o presidente sabe que, em um cenário hipotético de catástrofe política, as ruas, por si sós, não são suficientes para sustentá-lo.
Leandro Colon: Laranjal e balbúrdia
Bolsonaro teve dois encontros privados com ministro envolvido em esquema de laranjas
A Polícia Federal sob o governo de Jair Bolsonaro avança cada vez mais nas investigações do esquema de desvio de verba pública por candidatas laranjas do PSL, partido do próprio presidente.
O inquérito foi aberto após esta Folha, em uma apuração realizada pelos repórteres Ranier Bragon e Camila Mattoso, revelar que mulheres foram usadas pelo PSL em Minas para burlar a regra que destina 30% de recursos para uma cota feminina nas eleições.
E quem dirigia o PSL local na época? O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado eleito. Empresas ligadas a assessores dele receberam recursos das chapas. Uma candidata acusou o ministro de participação na falcatrua.
A deputada Alê Silva, também eleita pelo PSL de Minas, afirma ter sido ameaçada de morte por Álvaro Antônio pelo fato de ela ter contribuído na descoberta do escândalo que envolve a sigla do presidente.
O que fez Bolsonaro até agora? Prometeu tomar uma decisão quando acabar a investigação policial. Curiosamente, o presidente teve dois encontros privados com o ministro do Turismo nas duas últimas semanas.
Trocaram figurinhas sobre o laranjal do PSL? Bolsonaro repassou ao seu ministro algum tipo de informação sigilosa que tem recebido de seus subordinados? Ou as duas reuniões oficiais no gabinete do Palácio do Planalto serviram para o presidente e o ministro discutirem estratégias de combate ao turismo gay no país? O que de fato a dupla tem conversado tanto reservadamente?
Nas buscas feitas há uma semana, a PF não encontrou evidências de que as gráficas citadas pelas candidatas laranjas à Justiça prestaram o serviço pago com verba pública eleitoral.
De nanico a força na Câmara catapultada pela onda bolsonarista, o PSL é uma balbúrdia (palavra da moda) política. É suspeito de desviar dinheiro de campanha, tem um ministro inexpressivo e enrolado até o pescoço e pouco contribui para o sucesso da agenda governista no Congresso. Um fiasco até aqui.
Leandro Colon: Disputa por sucessão de Dodge é um retrato do país
É ingenuidade pensar que todos estão só bem intencionados em conduzir a Procuradoria-Geral
A sucessão de Raquel Dodge no comando da Procuradoria-Geral da República bate à porta de Brasília. Nos bastidores, a guerra está conflagrada entre procuradores.
Em entrevista à Folha no sábado (13), o subprocurador-geral Augusto Aras lançou-se candidato avulso, fora da briga pela polêmica lista tríplice da associação da categoria (ANPR). O seu discurso é um aperitivo do que vem por aí até setembro, quando acaba o mandato de Dodge.
Aras ataca o modelo de eleição interna em que os procuradores votam nos candidatos declarados e uma lista com os três mais votados é enviada ao presidente da República.
Na opinião dele, a prática de realizar um escrutínio entre os membros do Ministério Público Federal leva a um cenário de politização, com doses de clientelismo e fisiologismo, que geralmente contaminam os Poderes Legislativo e Executivo.
Ele ainda colocou sob suspeita o sistema de votação eletrônica da ANPR. A direção da entidade reagiu às declarações e defendeu o método.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou algumas vezes que não tem compromisso com a escolha da ANPR. Nada o obriga a segui-la. A tendência, aliás, é que ele realmente indique um nome de fora da relação oficial.
Não foi à toa que Aras emitiu sinais ao presidente. Suas chances são mínimas de integrar a lista tríplice. O mesmo vale para Raquel Dodge. Desgastada na categoria, sobretudo na ala ligada ao antecessor e desafeto, Rodrigo Janot, a chefe da PGR se movimenta no Judiciário e busca apoio de militares para ser reconduzida.
Os “janotistas” jogam pesado para ter um nome com força na eleição da ANPR. Um cotado é Vladimir Aras, primo de Augusto. O Ministério Público Militar, por sua vez, faz lobby para emplacar o sucessor de Dodge.
É ingenuidade pensar que todos estão apenas bem intencionados em conduzir uma instituição tão importante. Há uma briga por cargos, gratificações, prestígio, vaidade e muito poder. Infelizmente, o Ministério Público Federal talvez seja hoje o retrato mais fiel do que virou o país.
Leandro Colon: Datafolha mostra que governo Bolsonaro não tem tempo a perder a partir de agora
Pesquisa é preocupante para governo, mas é possível corrigir a rota e governar para valer
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro tem feito tímidos acenos de autocrítica, reconhecendo, a seu modo, inclusive com alguns exemplos esdrúxulos, possíveis erros de conduta e de gestão.
Diante da inércia na formação de sua base aliada no Congresso, ele contemporizou o discurso que tem adotado contra o que chama de "velha política". Em busca de apoio, desculpou-se com dirigentes partidários do que classifica de "caneladas" —palavra rotineiramente usada pelo presidente para justificar absurdos (muito mais que caneladas) que costuma dizer não só sobre políticos.
Em um café com jornalistas na sexta-feira (5), Bolsonaro foi questionado sobre declarações passadas, entre elas uma em defesa do fechamento do Congresso. O presidente então saiu-se com essa: não haveria como se arrepender do que dissera, mesmo hoje discordando, afinal, ele fez xixi na cama até os cincos anos e não tinha como voltar atrás. "Saiu, pô", disse aos presentes no encontro.
Xixi na cama aos cinco anos tende a ser um ato involuntário. Afirmar publicamente ser a favor de trancar as portas do Parlamento, não.
Bolsonaro deveria aproveitar essa aparente fase reflexiva e ler com calma a pesquisa do Datafolha sobre os cem dias de governo. Não será perda de tempo, de forma alguma.
Os dados são preocupantes, porém estão longe de uma catástrofe para o chefe da República. Ele é o presidente mais mal avaliado entre os eleitores desde 1985, mas 59% apostam que sua gestão será ótima ou boa.
Ao que parece, Bolsonaro ficou mais chateado com os dados sobre a sua imagem (em que está com patamar inferior a Lula e Dilma Rousseff sobre ser muito ou pouco inteligente) do que com 61% dos entrevistados terem dito que ele fez até agora menos do que o esperado no cargo.
Cem dias, por mais desastrosos que tenham sido, são muito pouco em um período de quatro anos. É possível corrigir a rota política, trocar ministros ineficientes, controlar o impulso na rede social e governar para valer. Só não há tempo a perder.
Leandro Colon: Não há mais tempo para erros no governo Bolsonaro
Planalto jogou cinco semanas no lixo e precisa colocar bola no chão para reforma
Com a posse do novo Congresso, em 1º de fevereiro, criou-se a expectativa de que o jogo para o governo de Jair Bolsonaro começaria para valer depois de um janeiro bem morno, de escassas medidas.
Fevereiro deveria ter sido o mês para o Planalto estabilizar uma base parlamentar aliada decente, ajustar os pontos frágeis de sua articulação política, após a entrega da reforma da Previdência, e entrar em março tinindo para o que der e vier.
Não foi o que vimos. O governo meteu os pés pelas mãos e jogou cinco semanas no lixo. Encalacrou-se na crise dos laranjas do PSL, que levou à queda de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência e transformou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um morto-vivo na Esplanada, apenas à espera de uma demissão inevitável.
No Congresso, sobraram críticas à capenga articulação política governista, visivelmente confusa e sem uma estratégia desenhada para garantir um apoio mínimo para o pontapé da reforma previdenciária.
Bolsonaro botou gasolina no fogaréu das redes sociais ao compartilhar em sua conta pessoal um vídeo obsceno no último dia de carnaval.
Ao demitir da direção de um instituto importante um diplomata experiente e respeitado pelos colegas, o Itamaraty expôs mais uma vez os traços de autoritarismo e perseguição ideológica que parecem dominar a gestão do ministro Ernesto Araújo.
A barafunda no Ministério da Educação é assustadora. Depois do constrangedor episódio da carta sobre a filmagem dos alunos cantando o hino nacional nas escolas, os pupilos do guru bolsonarista Olavo de Carvalho foram alijados pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez na sexta (8).
Basta vontade para o governo consertar logo os estragos das últimas semanas —alguns decorrentes de falhas evitáveis—, colocar a bola no chão e tentar controlar o jogo político. A partir de agora, o Congresso assume de vez o protagonismo da reforma da Previdência, crucial para o sucesso de Bolsonaro. Não há mais tempo para erros primários.
Leandro Colon: Laranjal machista ajudou a turbinar PSL na eleição
Esquema de candidatas laranjas revela como partido operou para crescer nas eleições
O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, usou candidatas laranjaspara driblar a legislação eleitoral em esquema de desvio de verba pública. Na cara dura, o presidente da sigla afirmou que a culpa é da lei, afinal, segundo ele, as mulheres não têm a vocação política.
Segundo as regras, 30% dos candidatos de cada partido devem ser mulheres, mesma proporção a ser respeitada no repasse do fundo partidário, formado por dinheiro público.
O que fez o PSL? Burlou a lei, conforme revelaram reportagens da Folha. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, por exemplo, é o mandachuva da legenda em Minas. Seu grupo escalou quatro mulheres para preencher a cota.
Na prática, elas fingiram ser candidatas. Eram laranjas. Juntas, não tiveram mais de 2.000 votos. Essas mulheres nunca pensaram em se eleger. Atuaram como figurantes. Foram usadas pelo PSL para repassar dinheiro do fundo a empresas ligadas a Álvaro Antonio, o deputado federal mais votado pelos mineiros.
Quem preside o PSL é Luciano Bivar, com passado nada idôneo na cartolagem do futebol pernambucano. Não se sabe direito o que ele ofereceu para levar Bolsonaro e sua trupe. A aposta deu certo, e o PSL saltou de nanico para a segunda maior bancada eleita, que tem Bivar como um dos vice-presidentes da Casa.
O que se descobre agora é como a sigla operou para atingir tamanha façanha. Em Pernambuco, uma funcionária do partido, indicada como candidata também para garantir a cota feminina, levou R$ 400 mil do fundo partidário, o terceiro maior repasse da legenda em todo o país.
O dinheiro saiu na véspera da eleição para imprimir 9 milhões de santinhos em uma gráfica fantasma. A candidata teve somente 294 votos.
Em entrevista à repórter Camila Mattoso, Bivar atacou a cota dizendo que a política “não é muito da mulher”. Bolsonaro nega as acusações de que é machista. Ele silenciou sobre o laranjal do PSL, mas deveria repudiar publicamente o discurso misógino do chefe do seu partido.
Leandro Colon: Davi não representa nova política
O presidente do Senado não tem nada de novato e precisou de velhas práticas para derrotar Renan
Em seu discurso de candidato a presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) falou em "formas ultrapassadas e injustas da velha política". Apresentou-se aos pares como uma alternativa ao modelo antigo de atuação parlamentar.
Aos 41 anos, Davi é uma figura jovem em uma Casa tradicionalmente ocupada por senhores e senhoras que já percorreram longa trajetória pública como governadores, vários mandatos no próprio Senado, e até como presidente da República.
A sua vitória depois de dois dias de vergonhosas sessões enfim solapou não só Renan Calheiros (MDB-AL), mas um grupo que, tutelado por José Sarney, mandou e desmandou, desde os anos 90, no plenário e na exagerada estrutura administrativa (incluindo a polícia legislativa). Fez (e mal) o que bem quis no Senado.
A mudança deveria então criar expectativas morais? Nem tanto. O presidente do Senado não tem nada de novato. Vive há quase 20 anos da política. Elegeu-se vereador em Macapá em 2000.
Foi deputado federal por três mandatos, de 2003 a 2014, e é senador há quatro anos. Tem PhD no baixo clero, por onde passam negociatas das mais indecorosas do submundo parlamentar.
Seu principal padrinho na eleição do Senado foi Tasso Jereissati (PSDB-CE), que possui camarote vip no Carnaval dos coroneis do Congresso. Davi agradeceu os "conselhos" do tucano, desafeto público de Renan.
O novo comandante do Senado já mostrou do que é capaz ao usar a cadeira de presidente temporário para operar em plenário uma manobra em benefício próprio. O STF cassou rapidamente a maracutaia regimental do voto aberto, mas o circo já estava montado para derrotar Renan.
E nada é mais velho do que a interferência do Palácio do Planalto em uma disputa no Congresso. Davi deve muito ao ministro Onyx Lorenzoni por sua eleição e precisa ser grato ao enrolado senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que abriu o voto a seu favor. As suspeitas sobre Flávio envolvem práticas corriqueiras da velha política.