leandro colon
Leandro Colon: Em raro lapso de lucidez, Bolsonaro disse uma verdade na reunião ministerial
Presidente afirmou que seu governo está indo em direção ao 'iceberg'
É justo admitir que Jair Bolsonaro falou uma verdade em meio às barbaridades ditas na reunião ministerial do dia 22 de abril.
Em lapso raro de lucidez diante das evidências sobre a interferência na Polícia Federal, o presidente afirmou aos ministros que seu governo pode estar "indo em direção a um iceberg". "A gente vai pro fundo, então vamos se ligar, vamos se preocupar [sic]", disse.
Passado o choque da revelação de um episódio da zorra total, a certeza é a de naufrágio após a batida inevitável da gestão Bolsonaro com o iceberg. O vídeo revela um governo não só de insanos e despreparados como também de gestores completamente perdidos.
Muita gente nem deve ter percebido, mas a razão do encontro era o programa Pró-Brasil, coordenado pelo general Braga Netto (Casa Civil).
A proposta é um amontado de ideias de investimentos públicos e de números reciclados. Na prática, nada.
"É um plano Marshall brasileiro, né?", disse Braga Netto na reunião fechada com seus colegas ministros.
Plano Marshall foi o programa dos EUA para ajudar a reconstruir os países aliados devastados economicamente com a Segunda Guerra.
Ao ouvir Braga Netto, Guedes rebateu: "Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme". "Um desastre", acrescentou. "Vai revelar falta de compreensão das coisas", disse o ministro na frente do chefe da Casa Civil e do presidente Bolsonaro. "Pró-Brasil é um nome espetacular', exagerou Guedes.
À tarde daquele dia 22, Braga Netto convocou a imprensa para anunciar o programa no Palácio do Planalto. Guedes ficou de fora da entrevista. Pouco antes, jornalistas foram informados e publicaram que nos bastidores os militares haviam apelidado o Pró-Brasil de "Marshall".
Questionado pelos repórteres, o chefe da Casa Civil, talvez um tanto esquecido do que dissera no encontro privado com os colegas de governo, respondeu: "Não existe nenhum Plano Marshall, aqui existe o Pró-Brasil. Plano Marshall é outra coisa".
Leandro Colon: As pistas de Marinho
A entrevista do ex-aliado se soma às acusações de Sergio Moro sobre interferência na PF
As gravíssimas informações dadas por Paulo Marinho à jornalista Mônica Bergamo, da Folha, têm potencial explosivo e dependem agora da boa vontade das autoridades em investigá-las.
Marinho era do núcleo duro da campanha de Jair Bolsonaro, e a riqueza de detalhes sobre o vazamento do caso Queiroz, com nomes, datas e locais, dá verossimilhança à sua narrativa. Há pistas de sobra para quem quer de fato apurar seu relato.
Por outro lado, se essa história for verdadeira, Marinho ajudou Flávio naquela época, calou-se por longo período e só decidiu contar o que sabe após virar adversário político da família Bolsonaro. Não tem bobo nem santo aí, até porque Marinho, como suplente do senador, tem interesse direto numa eventual derrocada do mandato do 01 de Bolsonaro.
Além de desgastar obviamente Flávio, as afirmações do ex-aliado jogam luz sobre a vitória de Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. Segundo Marinho, ao ser informado por um delegado da Polícia da Federal da operação Furna da Onça, em plena campanha, Flávio avisou o pai, então candidato à Presidência da República.
De acordo com sua versão, o postulante ao Planalto não só soube da operação como sugeriu a demissão do alvo principal dela, Fabricio Queiroz, que trabalhava no gabinete do 01 na Assembleia do Rio, e de sua filha.
Em um exercício de suposição, o que poderia ter ocorrido naquela disputa se a PF não adiasse a ofensiva? Bolsonaro venceu ciente de que o gabinete do filho estava sendo investigado? E ajudou a encobrir provas?
A entrevista de Marinho se soma às acusações de Sergio Moro de que Bolsonaro quer interferir na PF para influenciar em sua atuação no Rio.
Outros depoimentos do inquérito aberto pelo STF corroboram essa narrativa.
O obstáculo para as investigações no Supremo tem um nome: Augusto Aras, chefe da PGR.
Ele não esconde nos bastidores que não vê crimes por parte de Bolsonaro. No que depender de Aras, o inquérito vai para o arquivo. Nesses mesmos bastidores de Brasília, ele até já ganhou um apelido: advogado-geral da República.
Leandro Colon: O jogo Bolsonaro x Moro é político
Se o presidente cometeu crime, é problema da PGR; à mesa agora está uma série de elementos políticos graves
Há um movimento em Brasília de desqualificação do depoimento de Sergio Moro à Polícia Federal.
Críticas vêm de advogados de enrolados com a Lava Jato, de parlamentares que integram um Congresso pouco simpático ao ex-juiz e de magistrados de tribunais superiores que nunca morreram de amores por ele.
Os ataques do Planalto à oitiva não contam, afinal Jair Bolsonaro é o alvo dela. O entorno de Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro para chefiar a Procuradoria-Geral da República, tem diminuído nos bastidores a importância do relato à polícia.
É fato que Moro frustrou quem esperava algo bombástico. Não foi assim. Não houve um petardo desconcertante em Bolsonaro. Se o presidente cometeu crime, é um problema da PGR e do STF identificá-lo. À mesa agora está uma série de elementos políticos bem graves.
Fernando Collor sofreu impeachment em 1992 e foi absolvido pelo Supremo. Dilma Rousseff foi retirada do Palácio do Planalto em 2016 com base nas pedaladas fiscais, mas pouco sofreu na esfera penal.
O jogo é político, e Moro enumerou pistas. Citou o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril - cuja existência foi revelada pelo próprio Bolsonaro - como suposta prova da pressão sobre a PF. E jogou três ministros militares na fogueira: Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.
O trio de generais vai depor à PF nesta terça-feira (12). Suponha-se que eles falarão a verdade.
No último dia 23, horas depois de a Folha revelar o pedido de demissão de Moro a Bolsonaro, Braga Netto disse em entrevista coletiva no Planalto que a assessoria do então ministro “desmentiu” sua saída.
Não era verdade. Não só jamais houve desmentido oficial como o próprio Braga Netto havia tratado do assunto com Moro pouco antes. O ministro da Casa Civil sabia que ele pedira demissão ao presidente.
Já Ramos não pode negar os conflitos entre Moro e Bolsonaro. Na manhã do dia 24, tentou inclusive falar com ex-ministro por meio de Luiz Pontel, então secretário-executivo do Ministério da Justiça, para impedir o anúncio da demissão às 11h daquela sexta-feira. Não conseguiu.
Leandro Colon: Bolsonaro fala em 'limite', mas já ultrapassou o dele como presidente
O presidente já passou as fronteiras da ética, da impessoalidade e da responsabilidade sanitária
Em apoio a mais um ato contra as instituições que compõem os Poderes da República, o presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo (3) na rampa do Planalto: "Chegamos no limite".
O recado específico foi para o STF (Supremo Tribunal Federal), mas, diante dos episódios acumulados, é difícil compreender o significado de "limite" no vocabulário restrito (e limitado) de Bolsonaro. Em seu governo essa fronteira não existe há muito tempo.
O limite da ética foi para o beleléu quando ele decidiu manter no cargo um ministro do Turismo indiciado pela Polícia Federal e denunciado à Justiça pelo esquema de laranjas do PSL.
E sumiu pelo ralo com sua aproximação de políticos do centrão, abrindo o balcão de cargos em troca de proteção no Congresso contra um possível, e cada vez mais provável, movimento de impeachment.
"Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão", já dizia o general Augusto Heleno na convenção do PSL em 2018.
Agora Bolsonaro grita pelo centrão e todos que integram essa patota do fisiologismo político de Brasília querem ser seus irmãos.
O limite da impessoalidade quebrou-se no primeiro ano de governo, quando Bolsonaro permitiu que seu filho Carlos montasse o gabinete do ódio no Planalto para perseguir adversários externos e ministros, como Gustavo Bebianno e Carlos dos Santos Cruz, expurgados pela família do presidente.
A coroação da influência familiar veio com a nomeação (derrubada pelo STF) de Alexandre Ramagem, amigo do peito do presidente e do filho Carlos, para a direção-geral da Polícia Federal.
No caso do coronavírus, Bolsonaro atropelou os limites humanitários ao violar recomendações das autoridade sanitárias, promover aglomerações e incitar a população contra as medidas de isolamento social.
Neste domingo, Bolsonaro assistiu de camarote, da rampa do Planalto, seus apoiadores agredirem jornalistas em pleno exercício livre da profissão.
Não fez nada, não repudiou e ainda criticou a TV Globo. Bolsonaro é um presidente sem limites.
Leandro Colon: Demissão de Valeixo não foi única rasteira de Bolsonaro em Moro via Diário Oficial
Sanção de pacote anticrime no dia de Natal também desagradou o ex-ministro
A demissão surpresa de Maurício Valeixo da direção da Polícia Federal não foi a única rasteira via Diário Oficial de Jair Bolsonaro em Sergio Moro.
O ex-ministro nunca engoliu o gesto do presidente de publicar na virada de 24 para 25 de dezembro, em pleno dia de Natal, a sanção do pacote anticrime, uma bandeira de Moro.
Bolsonaro ignorou a maioria dos pedidos do então ministro e fez mais: manteve a criação do juiz das garantias, algo a que Moro se opunha.
Assim como no caso da exoneração de Valeixo, Moro, que estava no exterior naquele dia, foi surpreendido pela publicação no Diário Oficial.
O Ministério da Justiça havia entregado um parecer ao Planalto recomendando a derrubada de 38 pontos. Bolsonaro levou em conta só quatro.
Esse episódio está nas “pontuais divergências” citadas por Moro no discurso de sexta-feira (24) em que anunciou sua demissão do cargo.
“Mas não vou aqui falar dessas outras divergências. Isso fica para uma outra ocasião”, disse ele.
Moro ainda externou a aliados frustração pelo fato de Bolsonaro não ter respaldado a bandeira a favor da prisão de condenados em segunda instância.
Na visão do entorno do ministro, o Planalto nunca embarcou nas propostas de combate à corrupção.
Na fala de sexta ele deixou claro que no dia do “sim” a Bolsonaro, em 1º de novembro de 2018, obteve o compromisso sobre o tema.
Por fim, nas últimas semanas, não caíram bem na equipe de Moro os movimentos de aproximação dos partidos do chamado centrão com Jair Bolsonaro.
São políticos ambiciosos por verbas e cargos, tendo alguns deles sido alvo da própria Lava Jato.
Na despedida, o ex-juiz citou, por exemplo, a pressão de Bolsonaro para mexer na PF em Pernambuco.
O Planalto tem sido cobrado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), sobre ações da polícia contra ele e familiares.
Bezerra é investigado por desvio de dinheiro público no Nordeste.
Folha de S. Paulo: Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, anuncia sua demissão do governo Bolsonaro
Moro largou carreira de juiz federal para virar ministro e disse ter aceitado o convite de Bolsonaro por estar 'cansado de tomar bola nas costas'
Leandro Colon, da Folha de S. Paulo
O ministro Sergio Moro (Justiça) decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira (24) e deixar o governo de Jair Bolsonaro após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.
Conforme a Folha revelou, Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23) quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.
Após Moro anunciar um pronunciamento às 11h desta sexta, o Planalto enviou emissários para tentar convencer o ministro a ficar. Em vão. Moro não aceitou, mostrou-se irredutível. Nas palavras de um aliado, "os bombeiros fracassaram".
O contexto da exoneração de Valeixo foi considerado decisivo para o ministro bater o martelo.
A exoneração foi publicada como "a pedido" de Valeixo no Diário Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Segundo a Folha apurou, porém, o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Planalto de sua publicação.
O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.
Na avaliação de aliados de Moro, Bolsonaro atropelou de vez o ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo durante as discussões que ainda ocorriam nos bastidores sobre a troca na PF e sua permanência no cargo de ministro. Diante desse cenário, sua permanência no governo ficou insustentável, e Moro decidiu deixar o governo.
Membros da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, ouvidos pela Folha na condição de anonimato, afirmam que o movimento de Bolsonaro que resultou no pedido de demissão feito por Moro tem como o pano de fundo a tentativa de o presidente controlar as ações e as investigações da corporação no país.
Para pessoas próximas ao ministro, os alvos são variados, mas o foco está em apurações que podem resultar em problemas para a família presidencial e para sua rede de apoio. E na falta de ações contudentes contra adversários políticos. Como as que envolvem a disseminação de fake news por parte da rede de apoio bolsonarista.
Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas".
Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumulou série de recuos e derrotas.
Moro se firmou como o ministro mais popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente, segundo o Datafolha.
Pesquisa realizada no início de dezembro de 2019 mostrou que 53% da população avalia como ótima/boa a gestão do ex-juiz no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideram regular, e 21% ruim/péssima. Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.
O ministro, nos bastidores, vinha se mostrando insatisfeito com a condução do combate à pandemia do coronavírus por parte de Bolsonaro. Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta (ex-titular da Saúde) na crise com o presidente.
Aliados de Moro avaliam que ele foi um dos alvos da recente declaração de Bolsonaro de que usaria a caneta contra "estrelas" do governo.
"[De] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona", afirmou Bolsonaro, no início do mês, a um grupo de religiosos que se aglomerou diante do Palácio da Alvorada.
Sob o comando de Moro, a Polícia Federal viveu clima de instabilidade no ano passado, quando Bolsonaro anunciou uma troca no comando da superintendência do órgão no Rio e ameaçou trocar o diretor-geral.
No meio da polêmica, o presidente chegou a citar um delegado que assumiria a chefia do Rio, mas foi rebatido pela Polícia Federal, que divulgou outro nome, o de Carlos Henrique de Oliveira, da confiança da atual gestão. Após meses de turbulência, o delegado assumiu o cargo de superintendente, em dezembro.
No fim de janeiro, o presidente colocou de volta o assunto na mesa, quando incentivou um movimento que pedia a recriação do Ministério da Segurança Pública. Isso poderia impactar diretamente a polícia, que poderia ser desligada da pasta da Justiça e ficaria, portanto, sob responsabilidade de outro ministro.
Bolsonaro depois voltou atrás e disse que a chance de uma mudança nesse sentido era zero, ao menos neste momento.
Com a demissão, Moro vê mais distante a possibilidade de ser indicado pelo presidente para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Sobre isso, Moro já respondeu que essa é uma "perspectiva interessante" e que seria como ganhar na loteria.
Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. A indicação de ministros do Supremo é uma atribuição do presidente que depois precisa ser aprovada pelo Senado.
Esse caminho de Moro ao Supremo já estava enfraquecido especialmente depois da divulgação de mensagens privadas que trocou com procuradores da Lava Jato.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho do ano passado, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.
Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas. Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petistas à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e pode ser julgado ainda neste ano.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.
RECUOS E DERROTAS DO 'SUPERMINISTRO'
Ministério da Segurança Pública - Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB).
Prisão após condenação em 2ª instância - Em novembro, o Supremo Tribunal Federal voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância. Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula, condenado pelo ex-juiz. Ponto muito defendido pelo ministro, a execução antecipada da pena foi tirada do pacote anticrime pela comissão que analisou o texto na Câmara. Por outro lado, Moro tem liderado esforço no Congresso para a elaboração de nova lei que permita a medida.
Pacote anticrime - O projeto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro foi um tanto diferente daquele apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Para além da prisão após segunda instância, a ampliação das causas excludentes de ilicitude, que poderia isentar de punição policiais que matassem em serviço, também foi removida. Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça, quatro foram atendidas por Bolsonaro de forma integral e uma de forma parcial. Meses antes, o presidente havia dito que o pacote, considerado prioridade para Moro, não era visto com urgência pelo governo.
Juiz das garantias - Aprovada junto com o pacote anticrime, a medida, que prevê a divisão de processos penais entre dois juízes, foi criticada por Moro. Bolsonaro, contudo, sancionou o projeto e não vetou o instituto.
STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.
Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.
Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.
Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.
Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco. O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.
Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.
O ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.
Depois, o Coaf foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.
Decreto das armas - O primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve ignorada sua sugestão de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.
Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema. Denunciado pelo Ministério Público por envolvimento no caso, Marcelo Álvaro Antônio permanece no cargo de ministro do Turismo.
Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.
Leandro Colon: Servidor público também precisa pagar a conta da crise
Governo propõe cortes no setor privado, mas há um silêncio sobre medidas para o funcionalismo
O Senado tem ao todo cinco funcionários no “serviço aeroportuário”. As remunerações partem de R$ 25 mil, segundo registros oficiais.
A atribuição deles é cuidar do planejamento das viagens das autoridades e de seus convidados que desembarcam no aeroporto de Brasília.
O serviço é subordinado à Polícia Legislativa do Senado, que fornece 19 servidores, com bons salários, para o “serviço de plenário e comissões”.
Outros 22 policiais legislativos trabalham na proteção do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ao todo, a Casa tem cerca de seis mil funcionários de carreira e comissionados. Em tempos de sessões virtuais, com senadores votando de casa pela internet, e voos restritos, é inútil o “serviço aeroportuário”.
Assim como não há necessidade para 19 policiais cuidarem da segurança do plenário e das comissões, que estão inoperantes fisicamente.
Mas enquanto o governo federal propõe o corte de jornada e dos salários do setor privado para enfrentar a crise do coronavírus, há um silêncio sobre medidas que atinjam o bolso do funcionalismo público.
Os três Poderes —Executivo, Judiciário e Legislativo— não se mexem para buscar uma saída legal que corte na própria carne.
O presidente do STF, Dias Toffoli, por exemplo, tratou de acalmar a tropa da Justiça quando a hipótese de redução salarial foi aventada.
Reportagem publicada no domingo (12) na Folha mostra que haveria um caixa de R$ 6 bilhões se houvesse uma diminuição de 25% na jornada e nos salários por três meses na administração federal.
Somando os funcionalismos estadual e municipal, o valor subiria a R$ 36,8 bilhões, de acordo com estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Um dinheiro que poderia ir para o combate à pandemia.
Grande parte desses são servidores de carreira, que compõem uma elite com estabilidade trabalhista em meio a uma crise econômica que promete ser sem precedentes. Que ao menos então recebam menos por trabalhar menos nesse período.
Leandro Colon: Se Mandetta cair?
Queda de Mandetta pode piorar vida de Bolsonaro, mas ameaça a dos brasileiros
A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde seria um bom caminho para quem torce por uma rápida derrocada de Jair Bolsonaro.
Ao ameaçar a atual política de combate ao coronavírus, a queda do ministro provocaria reação política de altas proporções dos outros Poderes.
Isolaria mais o presidente dentro sua equipe ministerial, que tem apoiado Mandetta frente à pandemia.
A pequeneza do presidente em relação ao ministro pode arriscar o futuro do governo no longo prazo e, no curto, ameaçar a vida dos governados por ele. Se você é dos que não suportam mais a gestão Bolsonaro e quer seu fim, só que está preocupado com a escalada imediata do vírus, então é melhor torcer para que ele e Mandetta se entendam.
O sonho do presidente é nomear alguém alinhado aos seus delírios científicos. Que abrace fórmulas baseadas na metáfora bolsonariana de que o vírus é como uma chuva em que 70% dos brasileiros vão se molhar e apenas os idosos serão os mais afetados (ignorando, por exemplo, o impacto da doença sobre jovens).
Para o lugar de Mandetta, fala-se muito do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e do ex-ministro Osmar Terra, entusiastas de restrições menos severas à população.
Hoje, o chefe da Saúde conta com o respaldo dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente do STF, Dias Toffoli, e seus colegas não escondem o respeito pelo trabalho conduzido por ele.
Congresso, Supremo e ministros de peso, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), compartilham da defesa do isolamento social como ferramenta para brecar a velocidade do coronavírus.
Maia afirmou na sexta-feira (3) que Bolsonaro não tem coragem de demitir Mandetta nem mudar a política de combate ao coronavírus.
Quem torce pela vida espera que Bolsonaro continue sem coragem de mexer nas diretrizes atuais do ministério e, claro, que também erre em suas previsões de chuva.
Leandro Colon: Contra o confinamento, Bolsonaro vive isolamento político na pandemia
Não há uma figura de alto calibre do governo que abrace o discurso de menosprezo
Contra o confinamento social, Jair Bolsonaro se meteu em um isolamento político, como reforçam o tom da entrevista do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), no sábado (28), e as declarações do vice, Hamilton Mourão, à Folha.
Não há uma figura de alto calibre do governo que abrace o discurso de menosprezo à pandemia. Nem mesmo o ministro Paulo Guedes, em pânico pelos efeitos do coronavírus na economia, tem feito pouco caso.
É indefensável o gesto do presidente neste domingo (29) em passear pelo comércio de Brasília, conversar com pessoas e, pior, causar aglomeração, foco de contaminação.
O coronavírus já havia ainda mais afastado o Legislativo do Planalto. Os panelaços diários pelo país indicam um desgaste popular, apesar de o presidente manter sob sua rédea uma parcela fiel e significativa do eleitorado da disputa de 2018.
O temor em perder apoio de empresários e de trabalhadores autônomos levou o chefe da República a endurecer o discurso e defender a abertura do comércio e de escolas.
Não só. Bolsonaro passou a estimular e postar em suas redes sociais carreatas nas cidades contra o confinamento tão recomendado por especialistas e pelo próprio ministério.
Apesar dos afagos que fez ao patrão, honrando o DNA fazedor de média de todo político raiz, Mandetta afirmou que agora não é hora de carreatas e provocou quem pretende seguir o buzinaço de veículos: "Daqui a duas, três semanas, os que falam 'vamos fazer carreata' vão ser os mesmos que vão ficar em casa".
Documento revelado pela repórter Natália Cancian mostra que os técnicos da Saúde estão dispostos a ignorar a posição do presidente.
O entorno de Bolsonaro no Planalto, sobretudo a chamada ala militar, também está insatisfeito com seu comportamento na crise do vírus.
Com sutileza, Mourão afirmou que o coronavírus não é uma "gripezinha", mas algo sério a combater.
O bom senso até parece existir dentro do governo, mesmo com os gestos imprudentes de quem o chefia.
Leandro Colon: Bolsonaro diz que está com o povo, mas o povo rechaça sua postura na pandemia
O Datafolha deveria assustar quem tanto explora a retórica de que está com a população
Não são apenas os panelaços nas janelas de prédios que refletem a insatisfação da população com o menosprezo de Jair Bolsonaro à escalada do coronavírus pelo país.
Pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira (23) é um recado bem dado e importante das ruas à figura do presidente da República.
Os números deveriam assustar quem tanto explora a retórica de que está com o "povo". Além de peças políticas, como o Congresso e os estados, boa parte da população que ele tenta usar de escudo também reprova sua atuação na crise do vírus.
Os trancafiados em casa para não pegar a doença têm apreço ao Ministério da Saúde, sob Luiz Henrique Mandetta, e ao comportamento dos governadores. Ao mesmo tempo, rechaçam a postura de quem deveria ser o 01 no combate à pandemia.
Enquanto o brasileiro se isola em casa, Bolsonaro faz o mesmo no Alvorada, não para evitar o vírus que chama de gripezinha, e sim porque os demais personagens não enxergam nele alguém com capacidades política e psicológica para liderar.
O Datafolha mostra que 55% dos brasileiros consideram ótimo ou bom o desempenho da pasta da Saúde, percentual similar (54%) ao dos que aprovam a reação dos seus governadores. Questionados sobre Bolsonaro, só 35% responderam positivamente sobre sua conduta na crise.
Para piorar o cenário, 68% reprovam o gesto irresponsável do presidente de se juntar a uma aglomeração na rampa do Palácio do Planalto, durante a manifestação do último dia 15, e cumprimentar as pessoas.
Bolsonaro tem sido um desastre, e sua imagem se deteriora. Ele fez um aceno no fim de semana, destacando a preocupação com o coronavírus —não sem antes deslizar com um vídeo tosco, gravado pelos filhos amalucados, anunciando a produção de um remédio que ainda não tem eficácia comprovada contra o vírus.
Prevê-se que a pandemia esteja controlada em poucos meses no país. Já a permanência de Bolsonaro na cadeira de presidente até 2022 torna-se cada vez dia mais improvável.
Leandro Colon: Gesto de Bolsonaro deveria envergonhar ministros que combatem coronavírus
Presidente quebra os protocolos de combate à doença e dá os piores exemplos
Enquanto o planeta Terra acelera o processo de confinamento de sua população para estancar a disseminação do coronavírus, Jair Bolsonaro quebra os protocolos de combate à doença e dá os piores exemplos ao país que preside.
Neste domingo (15), ele saiu do isolamento recomendável a quem fará novo teste. Ao menos 12 pessoas ligadas à comitiva presidencial da viagem aos EUA contraíram o vírus.
Bolsonaro cumprimentou pessoas, juntou-se a aglomeração, tirou selfies, pegou em celulares, ferramenta de fácil contágio, de desconhecidos.
Antes, passeou com a estrutura oficial do comboio da Presidência, com direito a ambulância médica de acompanhamento, para inflar o buzinaço da carreata de manifestantes.
Embora grave, o componente político do gesto do presidente de estar em um ato anti-Congresso fica até menor diante da irresponsabilidade em ignorar medidas básicas para estancar a escalada do coronavírus.
Bolsonaro ainda compartilhou em suas redes imagens de protestos pró-governo, respaldando que as pessoas corram riscos, coloquem a vida de outras em perigo, na linha contrária do que os demais países têm feito para impedir a contaminação.
Já chegam a 200 os casos no Brasil. Até a conclusão deste texto, 24 eram somente no Rio de Janeiro. Pouco depois das 11h, Bolsonaro divulgou vídeo de pessoas aglomeradas em Copacabana. “Brasil acima de tudo!”, escreveu. De tudo mesmo, inclusive da pandemia assustadora.
Ato contínuo, ele publicou imagens de uma carreata em Brasília, onde há seis episódios de coronavírus.
Há pelo menos 2.000 suspeitos. O ministro Mandetta tem dado aulas de serenidade e planejamento mesmo tendo sob sua pasta uma estrutura de saúde precária para enfrentar o tsunami que vem por aí com a explosão previsível do vírus.
O ministro Paulo Guedes (Economia) estava sem rumo até sexta (13), quando anunciou algumas medidas, ainda que insuficientes, de curto prazo. Os gestos de Bolsonaro deveriam envergonhar os seus subordinados.
Leandro Colon: Com o ministro que tem, Turismo deveria manter Ronaldinho embaixador
Escândalo envolvendo ex-jogador não pode chocar tanto a Embratur
Logo após a divulgação de que Ronaldinho Gaúcho havia sido detido no Paraguai pelo uso de passaporte falso, pipocaram nas redes sociais as lembranças de sua nomeação para a função simbólica de embaixador do Turismo brasileiro.
O ex-camisa 10 do Barcelona foi escolhido em setembro pela Embratur para ajudar a promover a imagem do Brasil no exterior. Recebeu um certificado (este verdadeiro, espera-se) para o trabalho voluntário.
O resultado não poderia ser mais desastroso: seis meses depois, Ronaldinho protagoniza no noticiário internacional um enredo vexaminoso —e também muito esquisito.
Ronaldinho e seu irmão Assis são investigados por terem apresentado passaportes paraguaios para visitar o país vizinho. Gesto sem pé nem cabeça porque se pode entrar com passaporte brasileiro ou um RG.
A questão é que o documento de mentira não só existe como foi utilizado na imigração local. A fraude é grotesca até para os folclóricos padrões de falsificação do Paraguai.
O escândalo nem deve chocar tanto a Embratur já que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, continua no cargo após ter sido indiciado pela Polícia Federal e denunciado à Justiça por corrupção eleitoral.
Não faria sentido cancelar a honraria ao ex-craque da seleção se o chefe da pasta toda é enrolado até o pescoço no esquema dos laranjas do PSL. E, vale lembrar, o presidente Jair Bolsonaro (que recebeu Ronaldinho para um almoço no Planalto) declarou que é preciso esperar a conclusão do processo envolvendo o ministro para decidir seu futuro.
Portanto nada mais coerente do que manter Ronaldinho embaixador do Turismo no aguardo de a Justiça paraguaia encerrar o caso. Segundo o noticiário, o ex-atleta pode ter relações bem mais complicadas com o grupo que forneceu o passaporte.
Bolsonaro e Embratur nada têm a ver com a confusão de Ronaldinho. Mas o episódio mostra que esse negócio de governantes tirar proveito da fama de esportistas consagrados é uma sacada com boa dose de riscos.
*Leandro Colon é diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso.