Lava Jato

Bruno Boghossian: Debate sobre transferência de Lula resume uma política contaminada

Petista está preso há quase 500 dias, mas opositores ainda buscam revanche

As decisões dos juízes de São Paulo e do Paraná animaram a militância bolsonarista. “O presidiário pode ficar em cela coletiva!”, comemorou a deputada Carla Zambelli (PSL). Lula está preso há quase 500 dias, mas alguns de seus opositores ainda estão em busca de revanche.

A discussão sobre uma possível transferência do petista de uma sala da Polícia Federal para uma penitenciária comum resume a contaminação do debate público no Brasil. O episódio conseguiu desgastar ainda mais as relações políticas e institucionais dos dois lados do fosso.

O ex-presidente estava na superintendência da PF em Curitiba por determinação da Justiça. Quando mandou prendê-lo, Sergio Moro afirmou que, em razão do cargo que havia ocupado, Lula deveria começar a cumprir sua pena “separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.

Um subordinado de Moro achou que isso deveria mudar. O superintendente Luciano Flores disse que a presença do ex-presidente mudou a rotina do prédio e que apoiadores do petista passaram a se aglomerar na região, demandando a presença constante de policiais. Isso acontece há 16 meses, mas só agora o órgão pediu a transferência do preso.

Ao saber que o ex-presidente poderia ser levado para o sistema prisional de seu estado, João Doria (PSDB) tentou passar a mão no troféu. “Ele será tratado como todos os outros presidiários”, escreveu. “Se desejar, terá a oportunidade de fazer algo que jamais fez na vida: trabalhar!”

O tom de vingança provocou reação de deputados de vários partidos. Na Câmara, um tucano foi ao microfone e disse que a decisão era absurda. Parlamentares pediram ao Supremo que julgasse o assunto no plenário. Os ministros suspenderam a transferência por 10 votos a 1.

O STF pôs de pé uma resposta institucional. A imagem de Moro se deteriorou um pouco mais, tanto no tribunal quanto no Congresso. De outro lado, os apoiadores do ex-juiz e de Bolsonaro tomam fôlego para atacar essa aliança. O fosso aumenta.


Luiz Carlos Azedo: Supremo versus Lava-Jato

“Apoiadores de Moro fazem uma dura campanha contra Toffoli e, principalmente, Gilmar Mendes, que subiu o tom nas entrevistas contra a Lava-Jato”

O transfere-não-transfere o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Superintendência de Polícia Federal em Curitiba para o Presídio de Tremembé, em São Paulo, foi mais um capítulo da queda de braços entre a força-tarefa da Lava-Jato e o Supremo Tribunal Federal (STF), no qual promotores federais e juízes de primeira instância deixaram na maior saia justa os ministros da Corte. A transferência foi decidida de forma tão repentina que o Supremo suspendeu a medida por 10 votos a um, o do ministro Marco Aurélio Mello, depois de a medida contra o petista ter provocado forte reação da Câmara, que chegou a interromper a votação da reforma da Previdência para que 80 deputados pudessem comparecer ao Supremo e pedir para que Lula continuasse preso em Curitiba, onde cumpre pena de mais de 12 anos de prisão.

A defesa de Lula recorreu ao Supremo depois que o juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, da Justiça estadual de São Paulo, decidiu que o ex-presidente cumpriria pena em Tremembé. Essa decisão foi tomada horas depois de a juíza federal do Paraná Carolina Lebbos emitir ordem de transferência de Lula de Curitiba para um presídio paulista. Depois de uma audiência com deputados que havia sido solicitada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, decidiu, em caráter de urgência, submeter o recurso de Lula ao plenário do tribunal, que estava reunido para julgar uma ação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A decisão dos ministros foi tomada em meia hora. Resolveram manter Lula em Curitiba até que a Segunda Turma do STF conclua o julgamento de um pedido de suspeição contra o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, na condução do processo do triplex do Guarujá (SP), no qual o petista foi condenado. Relator da Lava-Jato no STF, o ministro Edson Fachin foi o primeiro a votar a favor da suspensão da decisão da juíza do Paraná e da manutenção do petista em uma cela especial no Paraná ou em São Paulo. Rejeitou, porém, o pedido da defesa de que o ex-presidente fosse colocado em liberdade até a conclusão da análise do habeas corpus. O voto de Fachin foi acompanhado por outros nove ministros.

Até a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao se pronunciar sobre o pedido, defendeu que Lula não fosse transferido para um presídio comum, permanecendo preso na Superintendência da PF em Curitiba. Marco Aurélio Mello votou contra por questionar a inclusão do recurso na pauta do plenário do STF, com o argumento de que a decisão de manter Lula em uma cela especial caberia à Segunda Turma do tribunal, colegiado composto por cinco dos 11 magistrados da Corte. Classificou a decisão como queima de etapas.

Segunda Turma

Nos bastidores do Judiciário, o episódio é visto como uma escalada na disputa do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e dos procuradores da força-tarefa de Curitiba com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente o presidente da Corte, Toffoli. Como se sabe, a Segunda Turma do STF, formada pelos ministros Cármen Lúcia, presidente, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin ainda não concluiu o julgamento de um pedido de suspeição de Moro na condução do processo do triplex de Guarujá (SP), no qual Lula foi condenado, quando o atual ministro era o juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. A maioria da Turma é “garantista”, ou seja, prioriza o direito de defesa e as prerrogativas dos réus.

Na ação, a defesa aponta parcialidade do ex-juiz no julgamento e, em razão disso, pede que o ex-presidente seja libertado. O vazamento das conversas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato durante o julgamento do ex-presidente Lula pelo Telegram, que foram hackeadas e estão sendo divulgadas pelo site The Intercept Brasil, para alguns ministros, revelou a violação dos princípios da impessoalidade e imparcialidade durante o julgamento, o que alimenta especulações de que o processo será anulado em razão do desrespeito ao devido processo legal. Consequentemente, Lula seria solto. Em razão desses rumores, os apoiadores de Moro fazem uma dura campanha contra Toffoli e, principalmente, Gilmar Mendes, que subiu o tom nas entrevistas contra a Lava-Jato, ao saber que estava sendo supostamente investigado pela força-tarefa, o que seria uma ilegalidade.

Duas decisões monocráticas de Toffoli tensionam os ministros do Supremo: a abertura de inquérito para investigar o vazamento de dados da Coaf (Comissão de Controle das Atividades Financeiras), conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes sem a participação do Ministério Público Federal, e a suspensão — a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que estava sendo investigado em razão do caso Queiroz — de todas as investigações da Polícia Federal com base em informações sigilosas fornecidas pela Coaf, sem a devida autorização judicial.

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Hélio Schwartsman: Deltan deve ir para a cadeia?

É bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas tenha se tornado público

Não há muita dúvida que é bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas do pessoal da Lava Jato tenha se tornado público. Pudemos entender melhor como funcionam as entranhas da Justiça e ampliar nosso conhecimento sobre a natureza humana.

As consequências políticas da divulgação são inevitáveis. Sergio Moro e Deltan Dallagnol saem menores do episódio. Poderão ter dificuldades em dar seguimento ao que planejavam para suas carreiras. O caráter messiânico da Lava Jato também sai arranhado, o que não é mau desde que não se sacrifique toda a operação. Parece-me complicado, entretanto, usar as interceptações, que são um caso claro de prova ilícita, para condenar juridicamente quem quer que seja.

A questão das provas ilícitas é complicada, e a doutrina não é unânime, mas, de um modo geral, entende-se que elas não apenas não podem ser usadas no processo penal como ainda contaminam outras provas com que entrem em contato. Há, contudo, exceções. Elas podem, por exemplo, inocentar um réu.

Imaginemos um sujeito que foi condenado à morte, mas aparece uma gravação, obtida ilegalmente, em que outra pessoa admite ter cometido o homicídio. Seria obviamente uma loucura seguir com a execução, ainda que a prova seja ilegal e não sirva para condenar o real assassino.

Não é exatamente a mesma coisa, mas acho que, por derivação, dá para sustentar que as interceptações, ao revelar que Moro agiu com parcialidade em certos processos, podem levar à sua suspeição e possivelmente à anulação de algumas decisões. Usar essas provas para condenar Moro ou Dallagnol por algum crime que possam ter cometido, contudo, já me parece avançar demais.

O irônico aqui é que dupla fez um forte lobby para que o Congresso aprovasse uma legislação que flexibilizaria a vedação do uso de prova ilícitas. Eles perderam. Não acredito em deuses, mas admito que eles têm um profundo senso de ironia.


Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato na ofensiva

“Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas, por suspeita de superfaturamento e desvio de recursos públicos na ampliação da Marginal Tietê”

No último dia de recesso do Judiciário, a Operação Lava-Jato retomou a iniciativa, com nova denúncia contra o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, pelo Ministério Público Federal (MPF), por corrupção, lavagem de dinheiro e fraude de licitação. Preso em Curitiba, Paulo é apontado como suposto operador financeiro do PSDB e responsável pela lavagem de milhões de reais a favor da Odebrecht.

Paulo Vieira é réu por suspeita de superfaturamento de uma obra de R$ 71,6 milhões que foi paga pela estatal Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) ao consórcio Nova Tietê, cuja liderança pertencia à Delta, empresa de Fernando Cavendish. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, mas foi enviada à 7ª Vara Federal do Rio em julho de 2016 porque os réus e os crimes são semelhantes aos da Operação Saqueador, um desdobramento da Operação Lava-Jato.

Embora no Rio de Janeiro, o juiz federal Marcelo Bretas mira os tucanos paulistas. A ampliação da Marginal Tietê custou R$ 360 milhões. As obras foram realizadas entre 2009 e 2011, na gestão de José Serra (PSDB-SP). Paulo Preto está sob forte pressão da Lava-Jato para fazer uma delação premiada. Ontem, Cavendish disse ao juiz Bretas que conheceu Paulo Vieira de Souza em 2008, durante uma reunião em São Paulo sobre a participação da Delta em obras do governo paulista.

O ex-diretor da Dersa teria pedido R$ 8 milhões em espécie para garantir a entrada da empresa carioca nos contratos. Cavendish disse que, além desse pagamento, depois do início das obras foram feitos outros, no valor de R$ 20 milhões, ao longo do contrato. O operador financeiro Adir Assad, que também prestou depoimento, aumentou a carga contra Paulo Vieira: disse que entregou a ele, em mãos, R$ 1,5 milhão.

Em outra frente de investigações, o doleiro Dario Messer foi preso em São Paulo, pela Polícia Federal. Estava foragido desde maio de 2018, quando foi deflagrada a Operação Câmbio Desligo, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro. O doleiro estava no apartamento de uma amiga, Mary Oliveira Athayde, na Avenida Pamplona, nos Jardins. A prisão foi efetuada durante cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos por Bretas, com base em informações da inteligência da Superintendência da PF do Rio de Janeiro.

Lavagem de dinheiro

Messer vivia entre São Paulo e Paraguai. Engenheiro, é citado em inquéritos policiais desde os anos 1980, quando foi apontado como operador financeiro do banqueiro de jogo do bicho Waldomiro Paes Garcia, o Miro, então patrono da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, que morreu assassinato numa guerra com outros chefões da contravenção fluminense. Também foi o operador do envio irregular de US$ 33 milhões para o exterior por fiscais da Fazenda do RJ e auditores fiscais. O escândalo ficou conhecido como “Propinoduto”.

No “Mensalão”, é apontado como responsável pelo envio de US$ 1 bilhão de forma irregular para o exterior e entregar o dinheiro, em reais, no Banco Rural, para integrantes do PT. Além de ser dono de uma offshore no Panamá citada no caso do Swissleaks, Messer coleciona citações em relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre operações suspeitas, entre 2010 e 2015.

Na operação “Câmbio, desligo”, Messer é citado como o “Cagarras”, alusão ao Arquipélago das Cagarras, defronte ao qual tem uma cobertura em Ipanema. Os doleiros Claudio Barbosa, conhecido como “Tony” ou “Peter”, e Vinicius Claret, o “Juca Bala”, apontaram Messer como o “doleiro dos doleiros”, por ser dono de um sistema de compensação on-line no Uruguai que conectava doleiros de 52 países e operava contas em 3 mil empresas “offshore” de paraísos fiscais. A expectativa é de que também faça delação premiada, como outros doleiros presos pela Operação Lava-Jato.

Para completar a ofensiva, foi decretada a prisão do empresário Valter Faria, presidente do Grupo Petrópolis, dono da cerveja Itaipava. Com outros executivos do Grupo Petrópolis, teria atuado na lavagem de cerca de R$ 329 milhões em contas fora do Brasil. Segundo a Lava-Jato, o presidente do Grupo Petrópolis usou o programa de repatriação de recursos de 2017 para trazer ao Brasil cerca de R$ 1,4 bilhão obtido.

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Luiz Carlos Azedo: Aloprados e hackers

“Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime”

Preso pela Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, o principal acusado de hackear os telefones do ministro da Justiça, Sérgio Moro e de outras autoridades, assumiu em depoimento ser a fonte das mensagens publicadas pelo site Intercept, do jornalista americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, e também pelo jornal Folha de S. Paulo e pela revista Veja. Delgatti disse que encaminhou o material a Greenwald de modo anônimo, voluntário e sem recompensa financeira. O jornalista confirmou a informação “nova e verdadeira”.

A Folha revelou que os contatos do hacker com o americano “foram virtuais, somente pelo aplicativo de conversas Telegram, e ocorreram depois que os ataques aos celulares das autoridades já tinham sido efetuados”. Mais de mil pessoas tiveram seus celulares invadidos pelos hackers, entre as quais os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha; além da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O ministro Sérgio Moro pretende identificar e comunicar a ocorrência às centenas de vítimas de invasões de celulares.

Até celulares do presidente da República foram alvo dos hackers presos pela Polícia Federal, mas Jair Bolsonaro minimizou o fato, com o argumento de que não conversa assuntos sigilosos de Estado pelo celular e não tem nada a temer. Furou o balão que estava sendo inflado no Palácio do Planalto, de que haveria uma conspiração para desestabilizar o governo e afastar Bolsonaro do poder. Já havia até quem defendesse o enquadramento dos hackers na Lei de Segurança Nacional por ato terrorista, o que seria um grave precedente do ponto de vista institucional. Para esses setores, os quatro hackers presos em São Paulo não invadiram os celulares de autoridades e até jornalistas por conta própria, estavam a serviço de um grupo político e de grandes empresas.

Não se pode descartar essa possibilidade, porque realmente há muitos interessados em desmoralizar e/ou contingenciar a Operação Lava-Jato e o ministro Sérgio Moro. Mas é precipitado chegar a essa conclusão sem provas cabais dessas ligações, inclusive financeiras. Se existirem, é óbvio que a Polícia Federal e o juiz federal que comanda as investigações farão a denúncia formal, e os envolvidos terão de arcar com as consequências legais. Até agora, as investigações mostram que o grupo atuava de forma organizada e criminosa, e inclusive já tinha antecedentes criminais, mas essas relações não foram comprovadas.

Existe um mercado negro de informações roubadas pela internet. Hackers são contratados para bisbilhotar a vida alheia e vazar informações comprometedoras por todo tipo de gente, de marido traído a candidatos em dificuldades eleitorais, de velhos estelionatários a chantagistas de celebridades. A experiência da Polícia Federal nesse campo de investigação é grande, dispõe de equipe altamente especializada, recursos tecnológicos e uma gama de crimes cibernéticos já elucidados. Não foi à toa que rapidamente chegou aos quatro envolvidos. Mas trata-se de uma investigação criminal e não de uma investigação política, esse deve ser o divisor de águas.

Lava-Jato

O caso, porém, tem evidente dimensão política, que envolve a revelação dos métodos de atuação da força-tarefa da Lava-Jato e a liberdade de imprensa. A mesma investigação que prendeu os hackers confirma a veracidade dos conteúdos vazados, de um lado; e mostra uma relação perigosa entre os investigados e o jornalista Greenwald, de outro. Uma coisa é revelar informações comprometedoras de autoridades preservando o sigilo da fonte, um direito constitucional dos jornalistas; outra, financiar o roubo de informações privadas, o que é crime. Essa é a fronteira que não pode ser atravessada.

Houve uma evidente ofensiva de setores da oposição e do mundo jurídico contra o uso de métodos heterodoxos de investigação pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, assunto que hoje está na esfera de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como é caso do acesso a informações do Coaf sem prévia autorização judicial. O PT e outros partidos de oposição também apostaram no desgaste da Lava-Jato, vislumbrando a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com argumento de que as conversas do então juiz federal Sérgio Moro com os procuradores da Lava-Jato desnudaram um processo de perseguição política. Agora, porém, o vento virou com a prisão dos hackers. Se houve ligações financeiras entre eles e o PT, teremos outro caso dos aloprados. Até agora, porém, isso não se comprovou.

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Luiz Carlos Azedo: Eixo na política

“Começa a cair a ficha de que a reforma da Previdência não é uma varinha de condão, que num passe de mágica resolverá os problemas da economia, como se dizia no começo do ano”

O governo anunciou, ontem, mudanças nas regras para saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com objetivo de aquecer a economia com estímulos ao consumo popular. Os trabalhadores poderão sacar até R$ 500 de cada conta que possuírem no FGTS, ativa ou inativa (do emprego atual ou dos anteriores), a partir de setembro. A previsão é de um impacto de R$ 42 bilhões na economia até 2020. Anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, a medida é uma tentativa de construir um cenário econômico mais otimista para o mercado, uma vez que as projeções de crescimento do PIB para este ano estão abaixo de 1%. Mira também uma parcela da população na qual crescia a insatisfação com o governo federal.

O mercado recebeu a medida com cautela, muitos avaliam que mais da metade dos recursos a serem liberados serão utilizados pelos trabalhadores para pagar dívidas. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 37% dos consumidores que estão com contas atrasadas devem menos que R$ 500, o valor liberado pelo governo para cada trabalhador este ano. O presidente da entidade, José César da Costa, diz que “os saques devem atender às necessidades de quem mais sofre neste momento, os cidadãos das classes C, D e E, que estão há muito tempo sem liquidez”.

As projeções do mercado financeiro para o crescimento deste ano são de 0,8%. Caso haja realmente melhora no ambiente econômico a partir de setembro, os mais otimistas fazem uma previsão de crescimento do PIB de 1,7 a 1,9% em 2020. “É um impacto de curto prazo, que não muda a trajetória de crescimento, apenas estimula transitoriamente a economia. A gente não vai ver empresário contratar e aumentar planta por causa de um impulso temporário. É uma medida de curto prazo para elevar temporariamente a demanda e não a capacidade produtiva”, segundo a economista Zeina Latif, da XP Investimentos.

Começa a cair a ficha de que a reforma da Previdência não é uma varinha de condão, que num passe de mágica resolverá os problemas da economia, como se dizia no começo do ano. Mesmo a venda de ativos das estatais, como o controle acionário da BR Distribuidora pela Petrobras, na terça-feira, que sinaliza um avanço efetivo na política de privatizações, não está sendo suficiente para motivar os investidores. Na verdade, a aprovação da reforma da Previdência pela Câmara em primeiro turno não foi capaz de alterar a percepção do mercado sobre o ambiente econômico; deixar a segunda votação para agosto frustrou expectativas e gerou uma grande interrogação em relação à capacidade de o presidente da República liderar as reformas.

O problema é comportamento dispersivo e radicalizante do presidente da República, cuja agenda é focada na questão dos costumes e nas disputas ideológicas com a oposição, ou seja, está descolada das medidas estruturantes da economia. A estratégia de exacerbação de tensões com a oposição e a sociedade civil é vista como um complicador para aprovação da reforma da Previdência em segunda votação na Câmara. Essa dificuldade política é agravada pelas contradições internas do próprio governo, que funciona como um arquipélago, com redutos corporativos, núcleos ideológicos e religiosos e centro de excelência insatisfeitos, com é o caso do Itamaraty e órgãos como Inpe, Fiocruz e IBGE. A percepção do mercado é de que o problema político está instalado no governo e não no Congresso, como seria o normal, mas acabará se refletindo no Parlamento. O eixo da estagnação econômica é mais político do que fiscal, pois há um ambiente favorável à aprovação das reformas.

Hackers
A Operação Spoofing, autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Criminal, investiga supostas ligações de quatro hackers presos pela Polícia Federal com a invasão dos celulares do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e outras autoridades para obter mensagens privadas trocadas pelo Telegram. Spoofing é o termo em inglês que define a “falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa fazendo-a acreditar que a fonte de uma informação é confiável quando, na realidade, não é”. As investigações realizadas pela Polícia Federal concluíram que os supostos hackers tiveram acesso ao código enviado pelos servidores do aplicativo Telegram ao celular de Moro para abrir a versão do aplicativo no navegador.

O site Intercept Brasil, que divulgou as mensagens trocadas por Moro e procuradores da Lava-Jato, classificou de precipitadas as conclusões de que teria ligação com os hackers, mas essa é a linha de investigação da Polícia Federal. Veja e Folha de S. Paulo, que também divulgaram as mensagens, reiteraram a convicção de que as mensagens são autênticas, com a ressalva de que receberam o material do jornalista Glenn Greenwald, responsável pelo site, que diz ter recebido as informações de fonte anônima. A Constituição garante à imprensa o sigilo da fonte, mas considera a invasão de celulares um crime cibernético. O caso ainda vai longe.

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Bernardo Mello Franco: Os lucros do procurador

A pregação da ética pode se tornar uma atividade lucrativa. Foi o que descobriu Deltan Dallagnol. Ele fez um plano de negócios para enriquecer com o prestígio da Lava-Jato

A pregação da ética pode se tornar uma atividade lucrativa. Foi o que descobriu Deltan Dallagnol, chefe da Lava-Jato em Curitiba. Nos novos diálogos revelados
pelo Intercept Brasil e pela “Folha de S.Paulo”, o procurador faz planos de enriquecer às custas do prestígio da operação. A ideia era transformar em dinheiro a fama construída com entrevistas e PowerPoints.

“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu, em dezembro passado.

Em outra mensagem, o procurador se mostra animado com o reforço em sua conta bancária: “Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k (R$ 100 mil) limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k (R$ 400 mil)”. Ele já recebe salário de R$ 33,6 mil por mês, além de R$ 3 mil extras em auxílio alimentação e auxílio pré-escolar.

Os chats indicam que Dallagnol mobilizou duas servidoras públicas para tocar suas atividades privadas. Ele também discutiu com o colega Roberson Pozzobon uma tática para driblar questionamentos jurídicos. A ideia era registrar a firma de palestras em nome das mulheres, já que a lei impede procuradores de gerenciar empresas.

Numa das conversas, o chefe da Lava-Jato discute a alternativa de criar uma organização sem fins lucrativos. “Escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, observa. “Temos que ver se de fato é um instituto sem fins lucrativos, ou apenas instituto no nome...”, emenda Pozzobon.

Os diálogos expõem a fórmula de Dallagnol para capitalizar a imagem de caçador de corruptos: “Para o modelo dar certo, teria que incluir coisas que envolvam como lucrar, como crescer na vida”. Ele propõe tópicos como “Turbine sua vida profissional com ferramentas indispensáveis”, “Liderança:
influencie e leve seu time ao topo” e “Ética nos negócios e Lava-Jato”. Nada diferente do lero-lero motivacional que movimenta a indústria da autoajuda. “Cada palestra teria que ser muito bem desenhada, ter uma pegada de pirotecnia”, acrescenta.

Em outros tempos, Millôr Fernandes avisou: “Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal”.


Luiz Carlos Azedo: A mágica da política

“Ontem, vivemos uma inflexão no processo de confrontação que havia se instalado entre o Executivo e o Legislativo, um momento de afirmação da nossa democracia e do Congresso”

Por que a política exerce tanto fascínio, ainda que uma parte considerável da sociedade tenha repulsa aos políticos e nem sequer saiba que essa é uma atitude política, muito mais afirmativa do que a simples indiferença? Talvez a explicação seja seu poder de transformar a vida em sociedade, de viabilizar ambições e projetos coletivos. Essa é a grande mágica da política, embora sua definição básica, do ponto de vista clássico, seja a da ciência prática que tem por objetivo a felicidade humana.

Dizia Aristóteles: “Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras, tem, mais que todas, este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política”. Ou seja, é a arte das artes e a ciência das ciências.

Há, portanto, dois campos num mesmo universo: o da ética, associada à felicidade individual do homem; e a política propriamente dita, que se preocupa com a felicidade coletiva. O problema é que nem sempre as duas andam juntas, e esse divórcio costuma ser muito perigoso. O próprio filósofo grego, discípulo de Platão, provou desse veneno quando caiu em desgraça e foi parar no exílio. Isso não impediu, entretanto, que, milênios depois, seu pensamento metafísico fosse um dos pilares do processo civilizatório ocidental.

Embora defendesse a existência de um Deus único acima de tudo, base da teologia católica, Aristóteles considerava a existência de um mundo único, um só objeto. E que, para ser feliz, é preciso fazer o bem a outrem. Por isso, o homem é um ser social e, portanto, um ser político. Por consequência, cabe ao Estado “garantir o bem-estar e a felicidade dos seus governados”. Testemunha da crise da democracia escravagista, escreveu a Política, seu grande tratado sobre o tema, no qual discorreu sobre a democracia, a aristocracia e a monarquia.

No fundo, essa é uma visão otimista, que se faz necessária no momento em que estamos vivendo, de certa forma sombrio e até atemorizante, por essa razão, impregnado de pessimismo. Sob certos aspectos da atual crise da democracia representativa e de uma onda regressista em relação aos costumes, a política é a nossa grande esperança. A aprovação da reforma da Previdência pela Câmara, ontem, por 379 votos, contra 131, portanto, um escore bem maior do que os 340 previstos pelos governistas, ainda que existam muitos destaques a serem apreciados, é demonstração de que a política ainda é o caminho para resolver os problemas da nossa sociedade.

Há muitas críticas à reforma, e uma justa oposição dos setores que por ela se consideram mais prejudicados, porém, a votação de ontem foi um daqueles momentos mágicos da política, no qual o Congresso brasileiro encontra saída para os desafios da nação. Ao contrário do que alguns defendem, sem a política não há soluções pactuadas na sociedade, ainda que reflitam o melhor do Iluminismo. O que há é imposição.

Ontem, vivemos uma inflexão no processo de confrontação que havia se instalado entre o Executivo e o Legislativo, um momento de afirmação da nossa democracia e do Congresso. É óbvio que se avultam os líderes que protagonizaram esse processo, em particular, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-DF), o grande artífice da aprovação da reforma. Seu papel como articulador da maioria é conhecido, mas há que se destacar o papel de negociador com o Executivo e interlocutor com a oposição, pois sua atuação tem se pautado pelo diálogo, a moderação e a prudência, além do respeito às ideias divergentes e às minorias.

A nuvem se mexe

Não fossem certas atitudes do presidente Bolsonaro e de seu grupo ideológico, de confrontação e fustigação constante do Congresso, os méritos seriam mais compartilhados com o Executivo, que também teve um papel relevante ao priorizar a reforma, principalmente, o ministro da economia, Paulo Guedes. Na verdade, o Palácio do Planalto abriu mão de ser sócio majoritário da reforma em razão de atitudes nas quais mirou muito mais a sua base eleitoral originária do que os interesses majoritários da sociedade.

Como disse certa vez o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, a política é como uma nuvem: você olha uma vez, ela está de um jeito, olha de outro, já mudou sua configuração. Está em curso um reequilíbrio de forças nas relações entre os Poderes da República. Provavelmente, após o recesso do Judiciário, veremos qual será o reposicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Voltando à divisão aristotélica entre ética e política propriamente dita, que foram duramente contrapostas nas eleições passadas, sobretudo em razão da Operação Lava-Jato, em torno dessa questão terá que haver também um reposicionamento. O Congresso também terá protagonismo nesse terreno, talvez maior do que muitos gostariam. Na verdade, a discussão do chamado pacote anticrime e da lei de abuso de autoridade chama à responsabilidade todas as lideranças envolvidas nesse processo, entre as quais o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que não está acima do bem e do mal, e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)

Nesse aspecto, a surpresa de ontem foi o relatório do senador Marcos Do Val (Cidadania-ES), que se reposicionou em relação ao tema e mitigou muitas propostas polêmicas de Moro. O relatório foi claramente pactuado com seus pares e sinaliza certo protagonismo que o Senado assumirá nessa questão. No mesmo sentido, a aprovação da proposta que criminaliza o crime de caixa dois, com base no relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC), aponta para a busca de um reencontro da política com a ética, a partir do Congresso, e não dos tribunais.

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Luiz Carlos Azedo: O mito do “homem cordial”

“Moro construiu sua imagem pública sobre os pilares do mito do herói de Homero: a grandiosidade e a singularidade. Aspirava à imortalidade, comportava-se como um semideus da Justiça”

O “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, não é bem aquilo que o senso comum deduz à primeira vez que se depara com o conceito-chave de sua obra seminal, Raízes do Brasil. A expressão “cordial” não indica apenas bons modos e gentileza, vem de “cordis”, em latim, ou seja, relativo a coração. Para Buarque, o brasileiro não suporta o peso da própria individualidade, precisa “viver nos outros”. A apropriação afetiva do outro seria um artifício psicológico e comportamental predominante na sociedade brasileira, parte integrante do nosso processo civilizatório.

A cordialidade “pode iludir na aparência”, explica Buarque. A polidez do “homem cordial” é organização da defesa ante a sociedade. “Detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas suas sensibilidades e suas emoções.” O brasileiro dispensa as formalidades, pretende estreitar as distâncias, não suporta a indiferença, prefere ser amado ou odiado.

Em grande parte, a “fulanização” da política brasileira vem desse viés antropológico, embora nossas instituições políticas sejam surpreendentemente robustas, como destacou recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao comentar a relação do presidente Jair Bolsonaro com o Legislativo: os partidos são fracos, mas o Congresso é forte. De certa maneira, as redes sociais potencializaram essas características do “homem cordial”. Num primeiro momento, nas relações interpessoais; depois, no processo político, principalmente nas disputas eleitorais.

Bolsonaro e sua antítese, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado e está preso, exacerbam essas características da política brasileira. Ambos flertam com o populismo, buscam aproximação afetiva com aliados e eleitores, protagonizam a exacerbação das paixões políticas. Ambos se enquadram no “tipo ideal” da obra de Sérgio Buarque, se analisarmos com esse olhar o papel de cada um na vida nacional.

E o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que ontem estava sendo sabatinado na Câmara, por sua atuação heterodoxa, digamos assim, na Operação Lava-Jato? Pelas próprias características de seu trabalho como juiz federal, seu comportamento formal e circunspecto não se enquadra nesse tipo ideal do “homem cordial”. Ou melhor, não se enquadrava, até serem reveladas as conversas que mantinha com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.

O semideus

Moro construiu sua imagem pública sobre os pilares do mito do herói da Ilíada de Homero: a grandiosidade e a singularidade. Aspirava à imortalidade, comportava-se como um semideus da Justiça. Mas tinha uma existência verdadeira, que pressupõe também a volta para casa, a vida normal — até que a situação exigisse outro gesto glorioso e individual, de grande bravura. O herói semideus faz coisas sobre-humanas, mas não é imortal.

A filósofa Hannah Arendt, em A Condição Humana, discorrendo sobre o mito do herói, destaca que a sua coragem antecede as grandes batalhas, tem a ver com disposição de agir e falar, se inserir no mundo e começar uma história própria. O herói não é necessariamente o homem de grandes feitos, equivalente a um semideus; pode ser um indivíduo comum que se insere e se destaca no mundo por meio do discurso e da ação. O herói é sempre aquele que se move quando os outros estão paralisados. Precisa fazer aquilo que outro poderia ter feito, mas não fez; ou melhor, o que deixaram de fazer.

Moro se tornou uma personalidade nacional graças à Lava-Jato, na qual só se pronunciava nos autos. Mas era aplaudido e cumprimentado nas ruas. Representava os órgãos de controle do Estado e a ética da responsabilidade, que zelam pela legitimidade dos meios empregados na ação política. Cumpriu um papel estratégico na luta em defesa da ética na política, vetor decisivo para o resultado das eleições passadas. Contra Moro, Lula não tinha a menor chance; seria preso, como foi, pelo juiz durão.

Depois das eleições, convidado por Bolsonaro para ser ministro da Justiça, Moro manteve-se na crista da onda, mas deixou de ser o juiz “imparcial”. Esse atributo agora foi posto em xeque. As revelações do site The Intercept Brasil sobre supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba sugerem a intervenção indevida do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. O cristal de seu pedestal de herói foi trincado por conversas banais nas redes sociais. O mito do herói ainda sobrevive, mas já não é a mesma coisa: Moro virou um político, sujeito a todos os ritos da luta política e do jogo democrático. A vida real está revelando a face oculta de mais um “homem cordial”.

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Luiz Carlos Azedo: O senso dos exaltados

“A radicalização inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência”

Muitos cartazes e faixas nas manifestações de domingo passado em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, tinham um significado muito claro: defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Legítimas palavras de ordem em favor da reforma da Previdência, da Operação Lava-Jato e da legislação anticrime, fatores de mobilização da opinião pública, foram desvirtuadas por algumas lideranças que defendem a substituição de nossa democracia representativa por um regime autoritário.

Militantes do Vem Pra Rua e do MBL, que convocaram os protestos, foram agredidos por integrantes de grupos de extrema direita que defendem a transformação do governo num regime militar. O MBL e o Vem Pra Rua surgiram durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não participaram das manifestações pró-Bolsonaro de maio passado por terem sido convocadas para pressionar o Congresso e o Supremo. Entretanto, apoiam a Lava-Jato e Sérgio Moro. Por isso, convocaram a manifestação de domingo, que foi engrossada pelos militantes que defendem uma intervenção militar. Os dois grupos se estranharam. Na Avenida Paulista, somente não houve um conflito generalizado por intervenção da Polícia Militar, que conteve os mais exaltados.

Tais fatos merecem uma reflexão sobre o nível de exacerbação criado pela radicalização política. Alguém já disse que o senso comum em relação a certos temas nem sempre coincide com o bom senso. Os protestos foram convocados depois que o site The Intercept Brasil passou a divulgar supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que sugerem a intervenção do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. Há duas discussões cruzadas na questão: uma trata da objetividade dos crimes cometidos pelos réus da Lava-Jato e as penas em relação aos seus atos; a outra, da necessária separação de papéis entre quem investiga, quem acusa e quem julga, pressupostos da ordem democrática. A esfera de decisão sobre esses assuntos é o Poder Judiciário.

É óbvio que, na democracia, o povo tem direito de se manifestar como quiser. Tanto o Congresso como o Supremo têm que saber suportar a crítica das ruas. Mas não é uma boa política o Executivo estimular esse tipo de mobilização, muito menos um ministro de Estado como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, subir no palanque como se fosse mais um militante de direita radical.

Por uma série de razões, entre as quais a situação da economia, o presidente Jair Bolsonaro vive um momento delicado de seu governo, que ainda não deslanchou e perde popularidade. Em circunstâncias normais, diante da agenda do governo no Congresso e dos problemas da economia, o movimento natural seria a busca de negociação política. Mas não é isso que acontece. Essa mudança na chamada “correlação de forças” anima a oposição a retomar a iniciativa política e, em contrapartida, estimula o presidente da República a buscar apoio nas ruas, mobilizando sua base eleitoral mais ideológica.

Radicalização

Tanto os setores governistas mais moderados quanto os da oposição estão sendo frustrados nas tentativas de negociação política por causa dos mais exaltados. De um lado, o PT mantém uma ofensiva contra a Lava-Jato e Sérgio Moro, na expectativa de que o Supremo anulará o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa do suposto relacionamento indevido do ex-juiz com os procuradores da força-tarefa de Curitiba. De outro, o presidente Jair Bolsonaro agarra a bandeira da luta contra corrupção e manipula a opinião pública contra os demais poderes, para deslocar a linha de apoio do seu governo para a fronteira majoritária que respalda a Lava-Jato.

Esse ambiente de radicalização, porém, inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência. Os lobbies contrariados pela reforma estão organizados e atuam intensamente no Congresso para manter seus privilégios. Como são setores incrustados no aparelho de Estado, em todos os níveis, têm mais poder de barganha do que os demais trabalhadores a serem atingidos pelas mudanças na Previdência, principalmente os do setor privado, cujos sindicatos estão muito enfraquecidos em razão do desemprego e do fim do imposto sindical.

A situação somente não é mais desfavorável à aprovação da reforma porque há um esforço para blindar a economia de parte das principais lideranças da Câmara, lideradas pelo seu presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi muito atacado nas manifestações. Na linha de frente das pressões corporativistas para manter os privilégios na reforma estão partidários do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula. É a chamada unidade dos contrários.

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Luiz Carlos Azedo: Tiros no pé

“Maia procura limpar o terreno para aprovar a agenda econômica que pode facilitar a retomada do crescimento, mas Guedes retroalimenta o confronto do governo com o Congresso”

É incrível a capacidade de o governo dar tiros no próprio pé, às vezes, em questões vitais para seu próprio sucesso. Foi o que aconteceu ontem, em razão das críticas do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Parlamento. Em conversa com o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), disse que “o Congresso é uma máquina da corrupção”. A afirmação, em linha com as críticas sucessivas do próprio presidente Jair Bolsonaro ao Parlamento, provocou a indignação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em nota, diante da repercussão negativa das palavras de Guedes, o Ministério da Economia desmentiu a declaração do seu titular, mas o leite já estava derramado. É muita falta de senso político criar um mal-estar dessa ordem no mesmo dia em que a Comissão Especial que discute a reforma da Previdência na Câmara encerrou sua discussão, que contou com a participação de 127 dos 154 deputados.

O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), prepara seu relatório com objetivo de conseguir mais apoio entre os partidos. Segundo o presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a votação do relatório deverá ficar para a semana que vem. Um dos temas em negociação é a inclusão de estados e municípios na reforma, que haviam sido retirados pelo relator. Somente os governadores do Ceará, do Piauí, de Pernambuco e da Bahia são contrários à proposta e resistem a convencer os parlamentares dos seus estados a votarem a favor da medida. Rodrigo Maia articula a inclusão.

Nesse cenário, os ataques sistemáticos contra o Congresso e uma violenta campanha feita por partidários do presidente Jair Bolsonaro contra o presidente da Câmara nas redes sociais fogem à racionalidade. Rodrigo Maia é grande esteio para aprovação da reforma e de outros projetos de interesse do próprio governo, como a reforma tributária e o novo marco legal das parcerias público-privadas. O parlamentar procura limpar o terreno para aprovar a agenda econômica que pode facilitar a retomada do crescimento, mas Guedes retroalimenta o confronto do governo com o Congresso.

Aeromula

Enquanto nos bastidores o conflito era entre Guedes e Maia, em plenário o assunto mais debatido era o caso do sargento da Aeronáutica detido na Espanha com 39kg de cocaína, transportados no avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que serve à equipe de apoio da comitiva do presidente da República. O fato teve grande repercussão internacional e revelou a fragilidade do dispositivo de segurança da Presidência. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, tentou se justificar: “Só se o GSI tivesse bola de cristal” conseguiria “prever” que um sargento militar seria preso transportando 39kg de cocaína em sua bagagem. O presidente em exercício, Hamilton Mourão, classificou o militar preso como uma “mula qualificada”.

A prisão ocorreu quando o avião da Força Aérea Brasileira pousou às 14h (horário local) no Aeroporto da Andaluzia. A aeronave servia como reserva para o presidente Jair Bolsonaro, que viaja em outro avião para participar da reunião do G20 em Osaka, no Japão. O militar realizou 29 viagens ao exterior na comitiva presidencial, servindo a três presidentes da República. Não se sabe desde quando o sargento é um traficante de drogas, mas o fato é que ninguém transporta tamanha quantidade de droga sem um esquema sofisticado de apoio. Especialistas calculam em 2 milhões de euros o valor da cocaína apreendida pelas autoridades espanholas. Bolsonaro determinou uma investigação rigorosa sobre o caso, que gerou grande constrangimento para a FAB e o GSI.

Em sua primeira participação na cúpula de líderes do G20, em Osaka, Bolsonaro tem previsão de se reunir com os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da França, Emmanuel Macron. Também deve se reunir com o presidente da China, Xi Jinping, e com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. O encontro mais esperado no Japão, porém, será entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, em razão da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.

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Luiz Carlos Azedo: Decidiu, cumpra-se!

“As decisões do Supremo precisam ser respeitada por bolsonaristas e petistas. A Corte não pode decidir sob chantagem, com medo de um golpe de Estado, não importa o réu. O nome já diz tudo: Supremo”

O presidente Jair Bolsonaro foi eleito por um triângulo de demandas majoritárias da sociedade: ética, família e segurança. Essas são as palavras-chave sobre as quais assentou sua estratégia de campanha. O sucesso de seu governo, portanto, está pendurado nesses eixos. Ocorre que o governo precisa transpor uma linha que não estava no imaginário dos seus eleitores: a crise fiscal, cuja resolução depende da aprovação da reforma da Previdência. Por causa dela, Bolsonaro enfrenta dificuldades na economia e vê sua popularidade ser corroída.

Com inflação zero, crescimento zero e uma massa de 12 milhões de desempregados (ampliada com os precarizados e os que desistiram de trabalhar são 25 milhões de pessoas em grandes dificuldades), entretanto, Bolsonaro completa seis meses de um governo errático, que ainda não conseguiu organizar seu meio de campo. Atua como aquele artilheiro que pretende ganhar o jogo sozinho e desarruma todo esquema tático do time, que sofre substituições frequentes e joga muita bola para os lados e para trás, sem falar nos passes errados.

As pesquisas de opinião mostram o crescimento contínuo da desaprovação do governo e a queda dos índices de aprovação, o que levou o presidente da República a reagir em três níveis: voltou a ter uma agenda de rua típica de campanha, agarrou com as duas mãos a bandeira da Lava-Jato e recrudesceu no tema da posse do porte de armas. Está dando certo: a aprovação voltou a subir. Mas a sociedade está mais polarizada entre os que aprovam e desaprovam o governo, o número dos que consideram o governo regular, diminui.

Ontem, por exemplo, Bolsonaro revogou dois decretos assinados em maio que facilitaram o porte de armas de fogo. No lugar, editou três novos decretos e enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional sobre o mesmo tema. O Decreto nº 9.844 regulamenta a lei sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição, o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas; o nº 9.845, a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição em geral; e o nº 9.846, o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores.

Bolsonaro não quer dividir com o Congresso a agenda da segurança pública. Tem dificuldades de dividir qualquer agenda, exceto aquelas que possam ter ônus eleitorais. Por isso, não digeriu a derrubada do decreto da venda de armas pelo Senado e não quis sofrer nova derrota na Câmara. Muito menos aceita que o Congresso tenha a iniciativa de pôr outro decreto em seu lugar, mesmo patrocinada pela chamada “bancada da bala”. Essa uma espécie de reserva de mercado eleitoral que pretende monopolizar. Não é assim que as coisas funcionam numa democracia. Para ser o pai da criança, Bolsonaro precisa articular a sua própria maioria no Legislativo, o que não fez até agora, e aprovar seus projetos.

O caso da Previdência é emblemático. Nove entre 10 economistas dizem que, sem essa reforma, não há como resolver a crise fiscal. A retomada do crescimento, com geração de mais empregos, depende de esse nó ser desatado. Nunca houve um ambiente tão favorável para a aprovacão da reforma. Está tudo certo para que isso ocorra, de forma mitigada, sem mexer com aposentadorias rurais e Benefícios de Prestação Continuada para os trabalhadores de mais baixa renda. O plano de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, porém, não rolou. Nunca foi bem explicado para a sociedade, o que costuma ser um obstáculo a mais no Congresso. O fundamental — o aumento do tempo de contribuição e da idade mínima, além da redução de privilégios dos servidores públicos — será aprovado.

Julgamento
Toda vez que a Previdência avança na Câmara, porém, surge uma nova polêmica ou várias criadas por Bolsonaro que não têm nada a ver com esse assunto. Qualquer estrategista diria que está faltando foco ao governo. Será isso mesmo? O mais provável é que Bolsonaro não queira colar sua imagem à reforma: ele a defende nos pequenos círculos empresariais que frequenta; quando vai para a agitação na sua base eleitoral, que é muito corporativa, muda completamente de eixo. O caso agora da Lava-Jato, então, caiu do céu.

No mundo jurídico, a revelação das conversas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, com os procuradores da Lava-Jato provocou uma estupefação. É tudo o que não se aprende nas faculdades de direito. Ocorre que a Lava-Jato virou uma força da natureza, com amplo apoio popular, transformou o ex-juiz de Curitiba num ícone da ética e da luta contra a corrupção. Bolsonaro montou nesse cavalo e se mantém firme na sela, porque é aí que pode melhorar um pouco mais seus índices de aprovação.

Entretanto, da mesma forma como tenta jogar a opinião pública contra o Congresso no caso do decreto das armas e, mais recentemente, das agências reguladoras, os partidários de Bolsonaro pressionam o Supremo Tribunal Federal (STF) no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Qualquer que seja o desfecho do julgamento de Lula, a decisão do Supremo precisa ser respeitada por bolsonaristas e petistas. A Corte não pode decidir sob chantagem, com medo de um golpe de Estado provocado por uma decisão sobre um habeas corpus, não importa o réu. O nome já diz tudo: Supremo. Decidiu, cumpra-se!

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