Lava Jato
Luiz Carlos Azedo: ABC do caixa dois
Políticos e empresários recorrem ao caixa dois para pagamento de propina, campanhas eleitorais e enriquecimento ilícito
Na tradição política brasileira, o que apartava políticos honestos dos desonestos não era o caixa dois eleitoral — quase sempre fruto do superfaturamento de contratos de obras e serviços —, era o desvio de recursos públicos para enriquecimento pessoal, a formação de patrimônio com o dinheiro da campanha eleitoral; as famosas “sobras de campanha” estão numa espécie de limbo entre uma coisa e outra. Essa tortuosa linha divisória, do ponto de vista jurídico, porém, nunca existiu, embora fosse um segredo de polichinelo no mundo da política.
Acontece que esse entendimento nunca foi o dos cidadãos, nem da Justiça Eleitoral, muito menos do Ministério Público e da Polícia Federal. Ou seja, não existe uma suposta linha divisória entre o joio e o trigo do ponto de vista legal. Só existe na política, mesmo assim é unilateral, porque os malvados não aceitam que os mocinhos citados nas delações premiadas fiquem safos da Operação Lava-Jato. Desculpem-me a expressão, querem “suruba” geral, como diria o presidente do PMDB e líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Esse assunto esquentou depois que Marcelo Odebrecht e os ex-executivos Hilberto Mascarenhas, Cláudio Mello Filho e Benedito Barbosa da Silva Junior prestaram depoimentos contraditórios no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao ministro Hermann Benjamin, relator da ação do PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. Os depoimentos foram verdadeiros bumerangues, pois acabaram envolvendo o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), que teria pedido R$ 15 milhões para aliados, depois que Odebrecht se recusou a doar dinheiro diretamente para sua campanha. Sobrou também para o presidente Michel Temer, que pediu ajuda financeira à Odebrecht para a campanha do PMDB, o que teria resultado na entrega de dinheiro do caixa dois da empreiteira para o ministro da Casa Civil licenciado, Eliseu Padilha, via escritório do advogado José Yunes, amigo e ex-assessor do presidente da República.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estava na Itália, saiu em defesa de Aécio, criticando versões que não refletiam exatamente os depoimentos. A polêmica sobre a separação do joio do trigo, uma imagem bíblica, que ganhou as páginas dos jornais e os programas de televisão, surgiu de uma frase do ex-presidente: “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”.
O debate foi parar na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), por um placar apertado: três a dois, com o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Édson Fachin, que acolheu a denúncia, sendo apoiado pelos ministros Celso de Mello, decano da Corte, e Ricardo Lewandowski, contra os votos dos ministros Gilmar Mendes, presidente da Turma, e Dias Toffoli. Entendeu-se que não há separação entre o joio e o trigo, no caso de Raupp, que teria recebido, na campanha de 2010, uma doação legal de R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão. Os recursos teriam sido desviados de contratos que a empresa mantinha com a Petrobras.
Doações legais
A expressão caixa dois tecnicamente se refere a recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização. A lavagem de dinheiro e a organização criminosa com esse fim agravam o crime. É utilizado por algumas empresas que deixam de emitir ou emitem notas fiscais com valor menor ao da transação realizada para pagar menos tributos. A diferença entre o faturamento real e o valor declarado forma o caixa dois da empresa. Na política, governantes e grandes corporações recorrem ao caixa dois para formar fundos destinados ao pagamento de propina, financiamento de campanhas eleitorais, enriquecimento ilícito e outras ilegalidades.
Do ponto de vista legal, é um crime financeiro, de sonegação fiscal, com pena prevista na Lei nº 7. 492, de 16 de junho de 1986. De forma mais ampla, aplica-se o artigo 1º da Lei nº 8.137, de 1990, para relações tributária, econômica e de consumo. Pode resultar em condenações de 1 a 5 anos de reclusão e multa (quando não se caracterizar como lavagem de dinheiro e organização criminosa). O que está em discussão na Operação Lava-Jato e outras investigações é o caixa dois eleitoral associado à lavagem de dinheiro e às doações legalizadas junto à Justiça Eleitoral.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel faz uma analogia com os critérios adotados pelo Leão para caçar os sonegadores: se alguém usa dinheiro não declarado para pagar o dentista e ele declara que recebeu o dinheiro, quem usou caixa dois foi o primeiro; se o paciente informa a origem dos recursos e o pagamento, e o dentista não declara, o sonegador é o segundo. Quando os dois não declaram, ambos estão ocultando receitas e operando com caixa dois. O problema se complica no caso das doações eleitorais por causa da origem do dinheiro, o superfaturamento ou desvio de recursos públicos. Se o beneficiado ou autor é o ordenador de despesa, é uma situação; se não é esse o caso, a situação é outra. Tudo isso começa a ser examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no caso das contas da campanha da chapa Dilma-Temer, e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das doações da Queiroz Galvão para a campanha de Raupp.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Monopólio da política
Publicado no Correio Braziliense em 07/03/2017
Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos
Há muito que a política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares. No caso brasileiro, embora pareça o contrário, os atores políticos decisivos para a irrupção de crises que balançam o coreto dos mais poderosos costumam ser personagens à margem do processo decisório, como o motorista do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o caseiro do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e, mais recentemente, a secretária do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Maria Lúcia Tavares, que, por 11 anos, cuidou dos pagamentos nacionais do caixa dois da empreiteira. Os pagamentos internacionais são outra história, que já começa a aparecer.
No Tribunal Superior Eleitoral, Maria Lúcia explicou ao ministro Hermann Benjamin, relator da ação do PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, a atual dor de cabeça do Palácio do Planalto e do stablishment político do país. “A gente recebia uma planilha. Nessa planilha havia uns codinomes, esses codinomes vinham com os valores e a data da entrega. Esperava o chefe mandar pra mim os endereços e eu passava para o prestador de serviço”, disse Maria Lúcia. Uma das planilhas, chamada Programa Especial Italiano, contabilizava os repasses para o Partido dos Trabalhadores. Entre 2008 e 2013, teriam sido R$ 128 milhões.
Ontem, o engenheiro civil Fernando Sampaio Barbosa, ex-diretor da Odebrecht, arrolado como testemunha de defesa do ex-presidente da Odebrecht S.A. Marcelo Odebrecht e, ao prestar depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, confirmou o que os investigadores da Operação Lava-Jato já sabiam: o operador do esquema de caixa dois do PT na campanha de 2010 era o ex-ministro da Fazenda de Lula, que chefiou a Casa Civil nos primeiros meses do governo Dilma Rousseff, posição conquistada por sua atuação na campanha. “A gente sabia que o ‘Italiano’ era o Palocci”, disse Barbosa. O petista é réu no processo porque recebeu R$ 128 milhões em propinas e repassou ao PT, entre os anos de 2008 e 2013. O “Italiano” era citado num e-mail enviado por Marcelo Odebrecht para Barbosa e outros executivos da empresa. Palocci nega. Havia outro italiano no esquema da campanha de 2014: o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, denunciado pelo próprio Marcelo Odebrecht na semana passada.
A débâcle
Ontem, três delatores da Odebrecht prestaram depoimentos sigilosos no Tribunal Superior Eleitoral: os ex-executivos Cláudio Melo Filho, Hilberto Mascarenhas e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, que ocupou a diretoria de Relações Institucionais da Odebrecht; na semana passada, depuseram Marcelo Odebrecht, ex-presidente da companhia; Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura; e Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental. Cláudio Melo Filho era responsável pelo contato da cúpula da empresa com políticos no Congresso. Revelou que a doação de R$ 10 milhões para o PMDB em 2014 foi feita a pedido do presidente Temer, então vice de Dilma Rousseff.
Vem muito mais por aí. Alexandrino de Alencar era o companheiro de viagens internacionais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, patrocinadas pela Odebrecht, na prospecção, digamos, assim, de negócios no exterior, principalmente grandes obras de engenharia. Hilberto Mascarenhas era um dos executivos do “Setor de Operações Estruturadas”, uma engrenagem complexa, com empresas que lavavam dinheiro, como cervejarias, e até mesmo uma transportadora de valores. A conexão entre as investigações da Operação Lava-Jato e o julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer são dois lados de um triângulo de fogo. A incógnita é a temperatura de ignição, ou seja, o clima político no país.
A decisão estratégica de promover uma ampla, geral e irrestrita delação do esquema de propina da Odebrecht, que era considerado inexpugnável até a secretária entregar o ouro, depois de 10 dias de prisão, foi tomada por Emílio Odebrecht, que reassumiu o comando da empresa para tentar salvá-la do colapso total. O acordo de delação premiada deslocou o eixo das investigações do modus operandi das grandes empreiteiras e do nosso capitalismo de laços para o financiamento eleitoral dos partidos e dos políticos, que se confunde com os desvios de recursos públicos, o enriquecimento ilícito e a lavagem de dinheiro. Engenheiros conhecem muito bem a teoria do caos e parece ter sido essa a grande aposta para escapar de longas penas de prisão, como a de Katia Rabelo, do banco Rural, no julgamento do mensalão.
Há uma contradição entre a sensível melhora do ambiente econômico e a deterioração crescente do ambiente político, em razão da degenerescência dos partidos. Para que o país possa reencontrar o rumo do desenvolvimento, terá que fazer escolhas difíceis. O grande problema é que os políticos acreditam que têm o monopólio da política. Temos, porém, uma Constituição democrática, um calendário eleitoral e uma democracia de massas, com 145 milhões de eleitores. Se a Constituição for respeitada, sempre haverá uma saída democrática, mesmo se houver uma implosão do sistema partidário por causa da Lava-Jato.
Luiz Werneck Vianna: A retomada das atividades reflexivas
Publicado no O Estado de S. Paulo em 05/03/2017
Nessa loucura que nos assola deve haver um método. Mas qual?
Se observadas as coisas pela sua superfície, há quem procure remédio para nossos males atuais na remoção imediata do governo Temer, que estaria identificado com ações que visariam a criar obstáculos ao andamento da chamada Operação Lava Jato, em sua intervenção saneadora sobre nosso sistema político. Removê-lo dependeria de uma decisão congressual ou de um ato de força, mas como essas alternativas estão bloqueadas tanto pela larga coalizão parlamentar que o sustenta como pela recusa das Forças Armadas a admitir caminhos de aventura, parece aos interessados na empreitada que não lhes resta outra via que não a de um levante das ruas.
De modo explícito ou em surdina, o argumento ecoa nos meios de comunicação, e não só nas redes sociais, em artigos que não hesitam em cogitar de um colapso iminente de nossas instituições. Importa pouco se em meio a essas fabulações os blocos carnavalescos, até na outrora mais recolhida São Paulo, tenham comemorado as festas de Momo como se não houvesse amanhã. Se a saída não se encontra na política nem nas armas, é deixar o carnaval passar que ela viria pela convulsão social, em embrião nas revoltas do sistema penitenciário e nos motins da Polícia Militar do Espírito Santo.
A convulsão social teria o condão de fazer o que seria inacessível à Lava Jato: zerar a vida institucional – a Carta de 88 incluída – e, bem mais que isso, zerar nossa História e dar a ela um novo começo, com qual programa se veria mais à frente. Para alguns, nestes tempos de Trump, bem poderia ser o da direita, que está aí à espreita e criando musculatura.
O inconformismo com o impeachment era esperado, afinal a presidente Dilma Rousseff fora eleita pelo PT, partido com fortes vínculos com o sindicalismo e movimentos sociais, além de encontrar apoio em círculos significativos da vida cultural. Mas como ele se tem alimentado apenas do espírito de vendeta e do ressentimento, sua marca tem sido a da esterilidade política.
A lenda urbana do golpe, em que pese o processo do impeachment ter transitado sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mais do que enervar a vida política e social do País, vem servindo como um álibi perfeito para que não se reflita sobre as circunstâncias que levaram ao amargo desenlace do governo Dilma e se mantenha a política na expectativa de soluções salvacionistas, mesmo as que ameacem abrir as portas do inferno.
Os idos do regime militar têm lições que merecem ser lembradas, talvez principalmente pela militância petista e seu amplo círculo de simpatizantes entre os intelectuais. Nos primeiros tempos daquele regime, esquerda e setores democráticos se fixaram no diagnóstico equívoco de que sua derrota se explicaria por uma conspiração do imperialismo em conluio com setores internos a fim de barrar o processo de desenvolvimento do País. Na compreensão da época, o desenvolvimento estaria animado por uma lógica interna tendente a nos levar a um governo nacional-popular sob hegemonia da esquerda.
O trancamento desse processo pela via da violência política foi então interpretado por uma parcela da esquerda como se não lhe restasse outra solução senão a da luta armada, desertando do campo da política. Esse caminho se sustentou numa narrativa escorada numa teoria, a do foco, inspirada no modelo cubano e nos escritos de Régis Debray. A recusa a esse caminho exigia a desconstrução do que suportava essa alternativa, que, longe de abalar o regime ditatorial, o reforçava.
Em 1971 dois economistas brasileiros, Maria da Conceição Tavares e José Serra, produzem no Chile, onde viviam – ela como pesquisadora de um instituto internacional, ele como exilado político –, um pequeno texto seminal, Além da estagnação – uma discussão sobre o desenvolvimento recente do Brasil, de intensa repercussão na época. Nesse texto, seus autores argumentavam que a economia brasileira sob o regime militar, ao contrário de estagnar, crescia a olhos vistos, ampliando a sua sustentação social. O ensaio de Conceição e Serra, recusando o determinismo esquerdista, sinalizava para uma direção oposta da que ele preconizava – a resistência ao regime militar encontraria seu melhor terreno no campo da política. Como se sabe, essa inflexão está na raiz das lutas que nos devolveram à democracia.
Hoje, o imobilismo imperante na reflexão sobre a política entre os quadros dirigentes do PT, boa parte deles prisioneiros do slogan vazio do “fora Temer”, começa a ser contestado, tal como na importante entrevista do senador petista Humberto Costa publicada nas páginas amarelas da revista Veja (edição de 22/2). Diz ele: “O PT foi fragorosamente derrotado. O resultado das eleições obriga a gente a virar essa página. A população não quer isso que está aí, mas também não queria o que estava lá com a Dilma”. E vai fundo ao negar que estaríamos sob a vigência de um estado de exceção, visando, ao que parece, a devolver a seu partido liberdade de movimentos na arena política a fim de tentar recuperar a influência perdida.
A reanimação do campo reflexivo entre os intelectuais e políticos é também animadora na comunidade dos economistas, envolvida na controvérsia suscitada por um dos seus notáveis, André Lara Resende, sobre as complexas relações entre políticas fiscais e inflação, em que um dos temas de fundo versa sobre o papel maior ou menor do Estado na economia, uma questão ainda em aberto não apenas entre os especialistas. Mas, tudo contado, ainda é lento o movimento reflexivo, tal como na economia a retomada de um ciclo expansivo. Enquanto esses movimentos não ganham maior vigor, o que importa é manter os antagonismos em equilíbrio, tema maior de Ricardo Benzaquen de Araújo, notável intérprete da obra de Gilberto Freire, que há pouco, infelizmente, nos deixou.
Sociólogo, PUC-Rio
Luiz Carlos Azedo: A vez dos garantistas
A decisão de Celso de Mello tranquiliza Temer quanto à permanência no governo ministros citados na Lava-Jato
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello que manteve no cargo o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, com direito a foro especial, sinalizou a linha de atuação da Segunda Turma da Corte nos casos dos demais ministros citados na Operação Lava-Jato. Todos serão julgados pelo STF, enquanto permanecem no cargo. A decisão revela uma hegemonia “garantista” nos julgamentos da Lava-Jato, ainda que o ministro-relator, Luiz Edson Fachin, venha a ter a mão mais pesada. Os demais integrantes da turma, Gilmar Mendes, seu presidente, e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli têm a mesma orientação.
Em sua decisão, Celso de Mello afirma que a nomeação para o cargo de ministro não leva à obstrução ou paralisação de eventuais investigações: “A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em mencionado cargo, o ministro de Estado, ainda que dispondo da prerrogativa de foro ‘ratione muneris’, nas infrações penais comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular.”
É o ponto final de uma guerra de liminares na Justiça Federal em torno da indicação de Moreira Franco, na qual juízes e tribunais regionais faziam diferentes interpretações. A decisão de Celso de Mello tranquiliza o presidente Michel Temer quanto à permanência no governo de outros ministros importantes citados na Operação Lava-Jato, como José Serra (Relações Exteriores), Gilberto Kassab (Cidades) e o fiel escudeiro Eliseu Padilha (Casa Civil). Ou seja, o governo ganhou fôlego para lidar com as delações premiadas da Odebrecht.
Na verdade, Temer dá tempo ao tempo e toca para a frente. A sabatina do ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, estava marcada para ontem, mas o pau quebrou entre governo e a oposição. O presidente da Comissão de Constituição de Justiça, Edison Lobão (PMDB-MA), mergulhou e tudo ficou para a próxima terça-feira. A aprovação de seu nome, porém, não subiu no telhado. Moraes peregrina pelos gabinetes dos senadores. Foi simbólico o “beija-mão” do líder do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-RJ), que havia chamado o titular da Justiça de “chefete de polícia” ao protestar contra a operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal nas dependências do Senado, no ano passado. Alguém já disse que “fulanizar” a política tem esses inconvenientes.
Visitar os gabinetes dos senadores é um ritual mais importante do que a sabatina propriamente dita, desde que o indicado não atravesse a rua para escorregar nas cascas de banana da oposição nem assombre os meios jurídicos, principalmente os ministros do Supremo. Ontem, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) leu seu relatório na comissão, no qual enalteceu as qualificações de Moraes para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), aberta com o trágico falecimento do ministro Teori Zavascki: “Demonstra ter experiência profissional, formação técnica adequada e afinidade intelectual e moral para o exercício da atividade.”
A próxima cartada de Temer é a indicação do novo ministro da Justiça, uma construção que passa pela bancada de Minas Gerais, que se considera sub-representada na Esplanada. O sinal de insatisfação veio na eleição do vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), que derrotou de lavada o candidato oficial do governo, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Temer pisa em ovos para indicar um ministro da Justiça que não seja identificado como um adversário da Operação Lava-Jato. Uma conversa com o ex-ministro do Supremo Carlos Velloso dobrou as apostas de que o jurista mineiro seria o nome certo, para o lugar certo, na hora certa. Faz sentido.
Dominó
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou ontem que 9 mil homens do Exército e da Marinha vão atuar no policiamento ostensivo no Rio de Janeiro, na capital, Niterói e São Gonçalo, a pedido do governador Luiz Fernando Pezão, que está agindo rápido para evitar que se repita no seu estado falido o que aconteceu no Espírito Santo na segurança pública. “Não existe nenhum descontrole, nenhuma insuficiência ou indisponibilidade dos recursos dos órgãos de segurança para garantia de lei de ordem. Não há descontrole e não há desordem. O efetivo da polícia é de 95%, 97% nas ruas (…) De fato, temos protestos aqui, mas isso não tem impedido que as forças policias trabalhem. Têm sido essas as informações do nosso setor de inteligência. É muito diferente a situação do Espírito Santo”, minimiza Jungmann. O fato é que falta policiamento nas ruas por causa do bloqueio dos quartéis pelas mulheres dos policiais militares.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: Sob a pinguela
O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis
A nomeação de Alexandre de Moraes para a vaga do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe garantirá o papel de revisor da Lava-Jato no plenário da Corte, provocou uma tempestade em copo d’água. A verdadeira tormenta, porém, é a delação premiada da Odebrecht, homologada pela presidente da Corte, ministra Cármem Lúcia, cujo relator é o ministro Luiz Edson Fachin, recém-sorteado na Segunda Turma. Moraes somente será revisor dos processos nos quais forem eventualmente julgados os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); nos demais casos, o revisor é o decano da Corte, ministro Celso de Mello.
Moraes não participará do julgamento da maioria dos políticos, pois integrará a Primeira Turma do STF. A Segunda Turma do STF é presidida pelo ministro Gilmar Mendes e formada também pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin. Ontem, por unanimidade, a turma negou um pedido de liberdade apresentado pelo ex-tesoureiro do PP João Cláudio de Carvalho Genu, por recomendação de Fachin. Preso em maio do ano passado por determinação do juiz Sérgio Moro, Genu está condenado a oito anos e oito meses de prisão por corrupção passiva e associação criminosa. Segundo a denúncia, recebeu ao menos R$ 3,1 milhões de propina da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, que era controlada pelo PP.
Gilmar Mendes votou com o relator, mas criticou as prisões da Operação Lava-Jato: “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que vêm de Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que em grande estilo discorda e conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo dos anos”, advertiu. O quer isso tem a ver com a indicação de Moraes? Nada vezes nada. Esse é um embate que já ocorria nos bastidores da Corte, na qual a Segunda Turma já tem uma maioria garantista muito bem delineada quanto à Lava-Jato e que só espera a apresentação do voto do relator nos processos para decidir se o acompanha ou não. Há dezenas de recursos dos acusados que aguardam decisão do STF. Fachin já disse que dará prioridade a eles. O caso Genu foi somente um cartão de visitas.
Por mais que se critique o presidente Michel Temer, a indicação de Alexandre de Moraes é jogo jogado. Certamente enfrentará oposição na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça, que deverá se realizar no prazo de três semanas, como anunciou ontem o presidente do Senado. Mas seu nome será aprovado na sabatina e no plenário. As restrições ao ex-ministro da Justiça são políticas e ideológicas, não são de natureza objetiva, a não ser que surja algum fato desabonador de sua probidade. Com sua indicação, a Corte estará completa para julgar a Lava-Jato. Esta, sim, é um rio caudaloso, que vai tragar os que caírem da pinguela, para usar a expressão irônica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao se referir ao governo Michel Temer.
A missão de Fachin é espinhosa. Está balizada, porém, pela composição da Segunda Turma, na qual há ministros indicados pelos ex-presidentes Sarney, Fernando Henrique, Lula e Dilma. É bom lembrar os padrinhos para mitigar a gritaria em relação à indicação de Temer. O leito do rio é o chamado “devido processo legal”. O mais importante é o STF romper a letargia e começar os julgamentos da Lava-Jato. A morosidade da Corte aumenta o estoque de políticos enrolados, sem que seus casos sejam julgados; com isso, a desmoralização do Congresso aumenta. É preciso romper a inércia.
Turbulências
O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis. No plano internacional, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seus aliados na Europa e Oriente Médio ampliam as incertezas. Na economia, os sinais de recuperação econômica não significam a elevação imediata dos níveis de emprego, até porque a modernização da economia implica mais automação e informatização, o que impacta negativamente a geração de postos de trabalho. As reformas trabalhista e da Previdência, necessárias para aumentar os níveis de emprego e de investimentos, como sempre, esbarrarão na resistência de sindicatos e das corporações e acabarão mitigadas pelos políticos.
O mais grave, entretanto, são os sinais de que o “contrato social” que regula a relação entre o Estado e a sociedade está muito esgarçado. Norberto Bobbio, ao analisar a crise italiana dos anos 1980, dizia que até o pior governo seria capaz de manter suas atribuições essenciais: arrecadar, normatizar e coagir. A crise no Espírito Santo, cujo governo era apontado como exemplo de equilíbrio fiscal e eficiência, é uma um sinal de alerta: o aparelho de segurança pública entrou em colapso e os bandidos tomaram as ruas; populares se aproveitam da situação para saquear o comércio e dezenas de mortos estão amontoados no necrotério.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Werneck Vianna: O caminho difícil para 2018
Publicado no Estado de S. Paulo em 05/02/2016
Nesse ano temos um encontro com o destino e não se deve chegar a ele de mãos vazias
No ano de 2018, ainda tão distante de nós, temos um encontro marcado com o destino, e não se deve chegar a ele de mãos vazias. O tempo não para, advertia o bardo, e se o futuro a Deus pertence, a ação da providência não nos subtrai a liberdade, na primorosa argumentação de Giorgio Agamben no capítulo final deO Reino e a Glória. Como o autor procura demonstrar, “liberdade ( livre-arbítrio) e servidão ( necessidade) se esfumam uma na outra”, tal como na metáfora famosa de Adam Smith sobre a ação de uma mão invisível que atuaria sobre o mercado de modo benfazejo, mas se suportaria na livre atividade dos homens. Tocqueville, por sua vez, tratou do avanço dos valores e instituições da igualdade como um movimento irresistível guiado providencialmente, cabendo aos contemporâneos, pela ação consciente, torná-la compatível com os valores da liberdade, que somente poderiam subsistir se ancorados em instituições que os defendam.
Naquele ano deveremos comemorar 30 anos da Carta de 1988 – a mais longeva da nossa História republicana, o que não é pouco para um país com nossas tradições – e a agenda política do País prevê a abertura do processo de sucessão presidencial, para não falar da Copa do Mundo na Rússia, quando teremos a oportunidade de um acerto de contas com o fiasco da Copa que sediamos. Tirante esta última, até aqui bem encaminhada, sobre as outras, vitais para a democracia brasileira, sobram dúvidas, como se estivéssemos sendo arrastados por processos irrefreáveis para uma convulsão política e social que nos levaria à interrupção da ordem constitucional com que nos desprendemos, nos idos dos anos 1980, a partir das ações de movimentos sociais e de uma ampla coalizão política, da cultura e das instituições autoritárias então dominantes.
Com efeito, temos vivido sob o império da necessidade, entregues ao protagonismo dos fatos. Entre nós, o ator como que se retirou da cena e, sem partidos e lideranças políticas que se façam ouvir, os debates migraram para balbúrdia das redes sociais, que se têm mostrado impermeáveis ao diálogo, empenhadas em lutas de guerrilha estéreis em que a expressão de opiniões mais se apresenta como manifestações narcísicas do que tentativas de busca da persuasão.
O clima de balbúrdia instalou-se também na vida institucional, pondo em risco o equilíbrio entre os Poderes republicanos, evidente nas sucessivas intervenções do Poder Judicial de todas as instâncias em matérias afetas aos demais Poderes – casos mais recentes, a decisão de um juiz, felizmente já revogada, de uma vara federal de Brasília sobre o processo sucessório da presidência da Câmara dos Deputados, lugar de manifestação da soberania popular, e a pretensão de uma entidade da vida corporativa de magistrados de submeter uma lista tríplice à Presidência da República para ocupar a vaga aberta com o trágico falecimento do ministro Teori Zavascki, cuja indicação é prerrogativa constitucional do chefe do Executivo.
Se é verdade, como sustenta Mauro Cappelletti, autor de obra justamente cultuada não apenas por juristas, que o Poder Judiciário se elevou em nosso tempo à posição de Terceiro Gigante na ordem republicana, tal processo veio na esteira de contínuos avanços democráticos a fim de garantir princípios e valores da cidadania respaldados pela ação do Poder Legislativo. Disso são exemplares, entre outros casos, a Carta de 1988 e toda a criação de direitos que se seguiu a ela, inclusive essa figura inédita de um Ministério Público autônomo, dotado da capacidade de provocar o Judiciário em defesa dos direitos por ela criados.
Dessa forma, não responde à verdade efetiva das coisas supor que a crescente presença dos juízes na esfera política se deva unicamente a seu ativismo. Aqui e alhures, tal como Dieter Grimm, ex-presidente da Corte Federal da Alemanha, pontuou em seminário de notáveis especialistas sobre o tema das relações entre o Judiciário e a política no Ocidente. Segundo esse reputado jurista, “na origem, a decisão de autorizar o Poder Judiciário a resolver conflitos” – de natureza política – “não foi devida ao juiz, mas ao poder político. Sem a vontade do político de delegar a resolução de tais conflitos ao juiz, o ativismo judiciário se encontraria destituído de fundamento institucional” (em Les Entretiens de Provence, R. Badinter e S. Breyer, orgs., Fayard, 2003, pag. 24; há versão em inglês).
Os direitos que hoje amparam os brasileiros, principalmente os mais vulneráveis, são obra do Poder Legislativo, ora exposto a injusta execração pública. Decerto que muitos dos seus membros, em cumplicidade com autoridades do Executivo, se deixaram enlaçar por interesses espúrios e praticaram delitos. Tais delitos, contudo, envolvem pessoas singulares e estão sendo objeto de apuração na chamada Operação Lava Jato e julgados pelos tribunais. Mais do que a revelação da prática de crimes, o processo que a desencadeou pôs a nu a má arquitetura de nossas instituições políticas, que somente, aliás, a ação do Legislador pode vir a corrigir.
A balbúrdia de tempos recentes, que já nos acenava para a convulsão social e política, foi dramatizada pela infausta morte do relator do processo da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, que detinha em si a confiança generalizada de que esse caso tormentoso encontraria em sua decisão uma solução justa. Tragédia que nos acontece em meio à revelação da barbárie imperante no nosso sistema penitenciário. Estaria aí o momento da agonia final da democracia do regime de 88?
A estridência dos sinais de alarme trouxe de volta a presença do ator. Os vértices do Executivo e do Judiciário passaram a agir de modo a convergir em busca de soluções – caso forte, a recente substituição do relator da Lava Jato –, evitando impasses institucionais.
Ainda não é o caminho de Damasco para 2018, mas já se tem a convicção de que há quem o procure.
* Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-caminho-dificil-para-2018,70001653359
Luiz Carlos Azedo: O andar da Lava-Jato
O programa de algoritmo do STF foi elaborado de tal forma que os ministros com menos processos têm mais chances de serem sorteados
O Andar do Bêbado (Zahar), do físico americano Leonard Mlodinow, é uma boa leitura para começar a semana na qual o novo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin, iniciará o trabalho. O sorteio de seu nome ensejou uma série de teorias conspiratórias porque era o preferido da presidente da Corte, Cármem Lúcia, para substituir o ministro Teori Zavasvki, que morreu em um trágico acidente de avião. Denise Rothenburg, aqui no Correio, antecipou a manobra regimental feita no STF para que Fachin pudesse ser o relator.
Mlodinow explica por que as pessoas custam a aceitar o acaso e a compreendê-lo. E como muitas pessoas, por não compreendê-lo, acabam tomando as decisões erradas. O livro trata da aleatoriedade, da sorte e da probabilidade. Nos ajuda a compreender certas coisas que parecem acaso, mas são previsíveis como o próximo passo de um bêbado depois de uma noitada. Obra de divulgação científica, O andar do bêbado associa a matemática à física, à sociologia, à psicologia e à economia e analisa vários casos de sucesso pessoal nos esportes, no cinema e na ciência.
Um dos mais emblemáticos é o do ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2002, o psicólogo Daniel Kahneman, autor do livro Duas formas de pensar; rápido e devagar (Objetiva), no qual o psicólogo analisa a relação entre o pensamento rápido, intuitivo e automático (Sistema 1) e a reflexão, a racionalização e a solução de problemas complexos (Sistema 2, mais lento e um preguiçoso nato). Muitas vezes, as respostas automáticas são certeiras, mesmo que fujam à lógica.
Durante o treinamento de um grupo de instrutores de voo, Kahneman disse aos alunos que deveriam ser elogiados quando conseguissem um resultado positivo. A plateia reagiu dizendo que, sempre que isso acontecia, os alunos pioravam de desempenho. Kahneman concluiu que estava havendo uma “regressão à média”: os alunos têm momentos bons e ruins, mas a média de desempenho era constante. Quando o desempenho é particularmente bom, é natural que os resultados seguintes não sejam tão bons. Os elogios não têm nada a ver com isso. Essa aleatoriedade era despercebida e rendeu o Prêmio Nobel a Kahneman.
A intuição falha quando trata das probabilidades. Mlodinow foi diagnosticado com HIV, mas o médico havia cometido um erro clássico da Teoria de Bayes: confundiu a probabilidade condicionada de o exame dar positivo se o paciente não for HIV positivo (que é muito baixa) com a probabilidade de ele não ser HIV positivo mesmo se o exame der positivo (que não é tão baixa assim). É preciso levar em conta as outras variáveis, como a probabilidade de uma pessoa do mesmo grupo do autor (hábitos, uso de drogas, comportamento sexual) ter HIV. Isso muda o cálculo.
Cada um de nós é um ser complexo e independente, mas em sociedade, porém, nosso comportamento é matematicamente previsível. O número de acidentes de trânsito pode ser previsto pela estatística, assim como as taxas de natalidade e mortalidade e até mesmo o nível de infestação das epidemias de dengue e chicungunha. A probabilidade condicionada aumenta essa previsibilidade. Por exemplo, um baralho tem 52 cartas. Ao retirar uma carta, a probabilidade de sair um rei é de 4/52, ou 1/13. No entanto, se alguém retira uma carta e nos diz que é uma figura, a probabilidade de ser um rei é de 4/12, ou seja, 1/3.
Como Bruce Willis
No velório de Teori Zavascki, em Porto Alegre, a conversa entre ministros do Supremo, advogados e políticos era sobre o novo relator da Lava-Jato, como nos revelou Denise Rothenburg. Havia um consenso de que o nome de perfil mais suave para substituí-lo era do ministro Fachin, mas para isso era preciso que ele trocasse de Turma. Para passar da Primeira para a Segunda Turma, Fachin precisou apenas da concordância dos colegas mais antigos, que tinham precedência caso desejassem fazê-lo. A presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, ajudou Fachin ao fazer o sorteio da relatoria da Lava-Jato entre os integrantes da Segunda Turma e não do pleno do Supremo. Nenhum deles, a rigor, se consideraria impedido; mas, com isso, a probabilidade de Fachin ser sorteado mudou de 1/11 para 1/5.
Deu Fachin. Muitos acham que houve “armação”, mas não é o caso. Três assessores da presidência da Corte acompanharam o sorteio, que será auditado em junho. O que aconteceu? O programa de algoritmo do STF foi elaborado de tal forma que os ministros com menos processos têm mais chances de serem sorteados. Fachin foi beneficiado pela lei da probabilidade condicionada, quase de 1/1, pois Teori estava sem receber processos por causa da relatoria da Lava-Jato. A decisão estratégica foi a troca de Turma. Fachin era o cara certo, na hora certa, no lugar certo. Como Bruce Willis longe Broadway, ao fazer o teste para substituir o ator coadjuvante da série norte-americana de televisão A gata e o rato (Moonlighting), numa cidadezinha da California. Dos 17 aos 30 anos, o ator venceu a gagueira como ator de teatro. Seu sonho era brilhar em Hollywood.
Luiz Carlos Azedo: Rito de passagem
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento
A reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a Presidência da Câmara dos Deputados, em primeiro turno, muito mais do que uma vitória do presidente Michel Temer, foi um sinal de que o país recuperou a estabilidade política, mesmo diante da crise ética. Uma espécie de rito de passagem para as eleições de 2018, para o qual colaboraram o Palácio do Planalto, ao isolar e derrotar os dissidentes de sua própria base, adversários declarados da Operação Lava-Jato, e o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo decano, ministro Celso de Mello, rechaçou a tentativa de judicializar a disputa. Nada disso, entretanto, ofusca o brilho da vitória pessoal de Maia. À frente da Casa, em poucos meses, conquistou a confiança da maioria de seus pares. Maia obteve 293 votos. Esta é a segunda vitória expressiva do governo: na véspera, o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi eleito para a presidência do Senado, também com grande votação.
O segundo colocado, Jovair Arantes (PTB-GO), obteve105 votos. É uma votação significativa, que possibilita ao líder dissidente negociar as condições de sua permanência na base do governo ou liderar a oposição, que acabou isolada e dividida: André Figueiredo (PDT-CE), apoiado oficialmente pelo PT, obteve 59 votos, ou seja, foi traído; Júlio Delgado (PSB-MG) obteve 28 votos; e Luíza Erundina (PSOL-SP), 10 votos. Registra-se o isolamento de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que obteve apenas quatro votos. PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB formaram uma ampla coalizão de apoio ao governo, que incorporou, inclusive, quatro partidos do antigo Centrão (PP, PR, PSD e PRB).
Mas há sinais de turbulência nos dois principais partidos da base, PMDB e PSDB. A eleição do primeiro vice-presidente foi uma zebra. O candidato oficial do PMDB, indicado pelo Palácio do Planalto, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), obteve 133 votos e ficou em terceiro lugar. Irmão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, um dos principais aliados de Temer, foi atropelado facilmente pelo deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que depois derrotou o segundo colocado, o veterano Osmar Serraglio (PMDB-PR), ao obter 265 votos. No PSDB, houve uma disputa surda na bancada, na qual a deputada Mariana Carvalho (RO) deslocou da segunda secretaria um dos caciques da legenda, o deputado Carlos Sampaio (SP). Surpresa também no PSB, onde o candidato do clã Arraes, João Fernando Coutinho (IPE), perdeu a terceira secretaria para seu companheiro de bancada JHC (AL), também no segundo turno.
Reformas
O resultado das eleições no Congresso é favorável à aprovação das reformas da Previdência e trabalhista, que estão no eixo do ajuste fiscal e da retomada do crescimento. A primeira tem por objetivo restabelecer o equilíbrio das contas públicas, não somente em nível federal, mas também nos estados e municípios, alguns dos quais com a previdência em colapso; a segunda, visa estancar a onda de desemprego e flexibilizar a legislação trabalhista, pois o problema não é só consequência da crise econômica, mas também da informatização dos serviços e da robotização das indústrias.
Alguns analistas que estudam as votações do Congresso acreditam que a derrota e fragmentação do antigo Centrão facilitará a vida do Palácio do Planalto, mas há que se considerar o fato de que essas reformas enfrentarão forte oposição das corporações encasteladas no Estado, inclusive no Judiciário, como é caso da previdenciária, e também do movimento sindical, que tradicionalmente resiste a todas as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), originária do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. Convém ao governo aprovar as reformas o mais rápido possível, pois a aproximação das eleições de 2018 tende a exercer força centrífuga sobre a sua base e fazer recrudescer o fisiologismo.
No embalo das vitórias no Congresso, o presidente Temer blindou um de seus principais colaboradores: medida provisória recriou a Secretaria-Geral da Presidência da República, para o qual foi nomeado Moreira Franco, atual secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que ganha status de ministro. Temer também deu novas atribuições ao ministro Alexandre de Moraes, cuja pasta passa a se chamar Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Transformou em Ministério a Secretaria de Direitos Humanos, cuja titular é a desembargadora Luislinda Valois. Finalmente, nomeou o deputado tucano Antônio Imbassahy para a Secretaria de Governo. Na contramão do ajuste fiscal, passou de 26 para 28 o número de ministérios.
Dona Marisa
Um gesto de afetividade, solidariedade e tolerância política: o abraço de condolências do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após declarada a morte cerebral da ex-primeira-dama Marisa Letícia ontem à tarde.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo
Luiz Carlos Azedo: A “morte” da Lava-Jato
Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados
O bimotor turbo-hélice King Air C-90 é uma aeronave pressurizada, de pequeno porte e alta performance para uso em viagens domésticas, com capacidade para quatro ou cinco passageiros. Ganhou fama porque sua certificação autorizava transportar o presidente dos Estados Unidos. Começou a ser fabricado na década de 1970, nos EUA, pela Beechcraf Corporation. É um avião robusto, com amortecedores no trem de pouso, capaz de voar a 470 km/h, em altitudes de até 9,1 mil metros. Era desse modelo o avião que caiu no mar em Paraty com o relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, o que inicialmente alimentou suspeitas de que possa ter sido um atentado.
Não faltam interessados na morte do ministro, que já foi seguido por arapongas e ameaçado de morte, como o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Segundo relatos de testemunhas, porém, o mais provável é que o acidente tenha sido provocado pelo mau tempo na área. Quem conhece a região de Parati e Angra dos Reis, muito montanhosa, sabe que a chegada das frentes frias costuma provocar muita chuva e intenso nevoeiro, o que dificulta a visibilidade até mesmo ao nível do mar. É preciso aguardar as investigações para saber exatamente o que provocou o acidente.
Independentemente das causas, porém, a morte de Teori Zavascki terá grande impacto na Operação Lava-Jato, seja nas investigações dos políticos envolvidos com direito a foro especial, seja quanto ao julgamento dos envolvidos, devido ao seu papel de relator do caso. Teori conduzia-se à frente das investigações com muita discrição e firmeza, tendo atuado em momentos decisivos de maneira inédita para os padrões do STF, como foram os casos do afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e da prisão do ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma Rousseff.
Morosidade
Embora tivesse mais de 7 mil processos sob sua responsabilidade no STF, pretendia acelerar ao máximo o andamento do processo, cuja morosidade no Supremo já era objeto de críticas. Para isso, formou uma equipe de juízes e promotores para examinar os autos do processo e trabalhou durante o atual recesso do Judiciário para dar início às oitivas das “delações premiadas” da Odebrecht. Logo após assumir a relatoria da Lava-Jato, em conversas com colegas, revelou seu espanto com as ramificações do escândalo da Petrobras: “você puxa uma pena, aparece uma galinha”.
As delações premiadas da Operação Lava-Jato ameaçam todo o establishment político do país, por causa do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, nas quais a Odebrecht e outras empreiteiras eram grandes doadores. Depois do vazamento da delação do executivo Cláudio Melo Júnior, que citou dezenas de políticos, entre os quais ministros do atual governo e até o presidente Michel Temer, ganharam força no Congresso as articulações para barrar a Operação Lava-Jato. Entre os setores não envolvidos no escândalo da Petrobras, porém, havia esperança de que Teori conduzisse o caso com equilíbrio e serenidade e apartasse os casos de doações legais do caixa dois eleitoral.
Em alguns momentos, Teori atuou para conter excessos de procuradores e até mesmo do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável pelo caso, que chegou a ser advertido por Teori, quando da divulgação da conversa por telefone da ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados. Era grande a expectativa sobre o momento em que quebraria o sigilo da Operação Lava-Jato em relação aos políticos, o que estava previsto para acontecer agora em fevereiro, quando da oitiva dos executivos da Odebrecht. Caberia a Teori homologar ou não acordo de delação premiada dos executivos da empresa, entre eles Emílio e Marcelo Odebrecht. Sua morte, sem dúvida alguma, deixa no ar uma grande interrogação quanto ao futuro da Lava-Jato.
Perfil
Teori fazia parte da Segunda Turma do STF, ao lado dos ministros Gilmar Mendes (presidente), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Sua saída altera o perfil político e jurídico do colegiado, que tem papel importante a desempenhar durante as investigações e na apreciação de recursos. O ministro com perfil mais próximo ao seu é Celso de Mello, decano do tribunal. Os demais ministros têm atuação polêmica em relação à Lava-Jato. Não é à toa que juízes de primeira instância já se mobilizam para defender a continuidade da operação, temendo que o falecimento de Teori represente também a “morte” da Operação Lava-Jato.
A escolha do novo relator poderá ser por sorteio. Pelo regimento do STF, seria o ministro mais antigo ou o revisor em caso de licença do relator. No caso de morte, o regimento é omisso. Pode ser que a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, avoque a decisão para o pleno da Corte. Não há dúvida de que o novo relator, seja quem for, imprimirá sua marca pessoal ao processo. Gilmar Mendes, por exemplo, publicamente tem criticado a condução da Lava-Jato e, nos bastidores, é apontado como um dos articuladores da aprovação da anistia ao caixa dois pelo Congresso.
Fonte:
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-morte-da-lava-jato/
Sérgio C. Buarque: A impopularidade do Presidente
Se sobreviver à onda de denúncias da Lava Jato e aos desmantelos e impropriedades de alguns dos seus auxiliares diretos, Michel Temer deve terminar o seu mandato como o presidente mais impopular da história do Brasil. Será péssimo para sua imagem e para sua biografia política. Mas pode ser muito bom para o Brasil. Por que? Porque parte da sua impopularidade decorre de decisões e iniciativas políticas que desagradam à população no curto prazo, embora sejam indispensáveis para tirar a economia brasileira do atoleiro, preparando condições melhores no futuro. A definição de um teto para os gastos primários – Emenda Constitucional aprovada nesta semana – e a proposta de reforma da previdência são medidas drásticas que, no entanto, enfrentam as causas fundamentais da dramática crise fiscal brasileira, que inviabiliza a execução de uma estratégia de desenvolvimento.
Claro que a impopularidade do seu governo é anterior e mais geral, tem a ver com a sua ascensão através do impeachment, com os seus próprios erros e suas fragilidades, e pelo envolvimento em corrupção de parcela não desprezível da sua base política (sem esquecer que os principais políticos acusados de corrupção teriam cometido os supostos crimes ao longo da gestão do PT-Partido dos Trabalhadores, do qual eram aliados próximos). O presidente Michel Temer não tem a menor chance de ser popular num curto mandato, tão tumultuado e com forte recessão e desemprego, e com a desestruturação dos serviços públicos, mesmo que estes problemas tenham sido herdados do governo anterior. Mas ele poderia ter escolhido o caminho mais simples e fácil, no seu limitado e incerto mandato: ignoraria as restrições fiscais, deixaria crescer as despesas primárias e evitaria as reformas mais controversas. Conseguiria assim moderar a sua impopularidade, mas levaria o Brasil a afundar de vez na crise fiscal, esperando as eleições e entregando um Estado falido ao novo governo que assumirá em 2019.
O Brasil precisa fazer reformas profundas para reequilibrar as finanças públicas, e nenhum presidente pode avançar neste terreno, se estiver preocupado com os índices de popularidade, e se não tiver um mínimo de competência política para negociar a adesão do Congresso. Se não avançarmos neste governo transitório de Michel Temer, a responsabilidade ficará para o próximo presidente. E teremos perdido dois anos dramáticos de desequilíbrio fiscal. O presidente parece ter feito uma escolha política, discutível, mas até agora eficaz: ignorar a enorme impopularidade e montar um governo com base parlamentar, para realizar reformas antipáticas. O governo tem sido totalmente incompetente para dialogar com a sociedade (ou simplesmente considera perdida a “guerra” da comunicação em torno das reformas), mas tem demonstrado grande habilidade na construção do apoio no Congresso.
A popularidade de um governo tem uma relação direta com os gastos públicos. Quem gasta mais, mesmo acima da capacidade financeira, costuma ser popular no imediato, mesmo quando desencadeia processos negativos na economia. Por outro lado, a contenção dos gastos no presente é sempre impopular, mesmo que seja necessária para recuperar a capacidade de gestão e investimento público no futuro. As consequências das duas escolhas – aumentar os gastos ou conter as despesas (resistindo à tentação do prestígio imediato e à pressão dos grupos de interesse) – são perceptíveis apenas algum tempo depois, quase sempre após concluído o mandato governamental. Quem gasta colhe os frutos imediatos, deixando o ônus para o futuro; quem aperta as despesas provoca a revolta da sociedade, mesmo que entregue as finanças públicas equilibradas. Essa é a escolha politicamente difícil, num momento de crise fiscal como vive hoje o Brasil.
Felizmente, até agora o presidente Temer escolheu o caminho da impopularidade. O seu governo será tão impopular quanto mais demonstre sua disposição e capacidade política para aprovar medidas de enfrentamento da gravíssima crise fiscal do país, que, no entanto, podem gerar resultados no médio prazo. Contudo, se tiver sucesso nas reformas e, como se espera, em alguns anos mais, a economia brasileira voltar a crescer com estabilidade, o impopular ex-presidente Temer poderá ter reconhecida, mais tarde, a sua contribuição para a recuperação das finanças públicas. Terá preparado o caminho para o novo governo que assumirá em 2019, e que terá capacidade financeira para a implementação de ações prioritárias que promovam o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida da população.
Fonte: gilvanmelo.blogspot.com.br
Luiz Carlos Azedo: A herança maldita
Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça
O governo Temer herdou de Dilma Rousseff uma herança pesada, a começar pelo desgaste político dele próprio, que não goza de popularidade e enfrenta uma oposição encarniçada, que não prima pela honestidade no discurso e, em alguns casos, pela propriamente dita. É uma herança maldita, para usar uma expressão cunhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para maldizer seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Primeiramente, como diria o Odorico Paraguaçu — o impagável personagem criado por Dias Gomes e personificado por Paulo Gracindo —, Temer herdou a Operação Lava-Jato, que pode levar o ex-presidente Lula para a cadeia, como outros petistas e seus aliados, mas agora ronda o miolo do atual governo e ameaça boa parte da elite política do país. Essa é a variável mais imponderável.
Segundo (vamos deixar o Odorico de lado), enfrenta a maior recessão da história do país, resultado, de um lado, da roubalheira na Petrobras e seu “capitalismo de laços”; de outro, do experimentalismo irresponsável da “nova matriz econômica” (eufemismo de um projeto de capitalismo de estado nacional-desenvolvimentista) da ex-presidente Dilma Rousseff. Estamos com uma brutal taxa de desemprego e somente agora a inflação cedeu. A curto prazo não teremos reversão desse quadro.
Terceiro, uma base política muito heterogênea, da qual fazem parte as forças de centro-direita que apoiavam o governo anterior, a começar pelo PMDB, e as de centro-esquerda que protagonizaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essa base é ampla para garantir a estabilidade do governo, mas rasa demais para aprovar reformas profundas. Além disso, em parte, padece dos velhos males do fisiologismo e do patrimonialismo que caracterizam a política tradicional brasileira, o que dificulta o ajuste fiscal.
Resumidamente, essa é a herança maldita com a qual teremos que conviver até 2018, quando haverá eleições gerais, conforme o calendário estabelecido pela Constituição brasileira. O tempo é curto para enfrentar os desafios do presente, e o futuro, incerto, principalmente por causa do julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer.
A tutela
Um dos fatores de instabilidade do processo político, muito maior do que a impopularidade do presidente Temer, é a morosidade da Justiça. Tudo bem que decorre do acúmulo de processos, mas é um problema político grave. O devagar-quase-parando do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga parlamentares e ministros; do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os governadores; e do TSE, que aprecia as contas de campanha, na medida em que aumenta o estoque de políticos enrolados na Justiça, tutela os demais Poderes e desequilibra as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Essa questão tende a agravar a instabilidade política no decorrer do ano, no qual os desdobramentos das delações premiadas de Emílio e Marcelo Odebrecht prometem fortes emoções políticas. Os tribunais não julgam, não separam o joio do trigo, não põem na cadeia quem merece, não livram a cara de quem não tem culpa no cartório. Com isso, o bloco dos que querem mudar as regras do jogo para garantir a impunidade no Congresso só aumenta. É inevitável, a não ser que os julgamentos ocorram.
Deixemos de lado a Lava-Jato. Vejamos o caso das contas de campanha de Dilma Rousseff. Até o flanelinha do estacionamento que separa a Câmara do STF sabe que já estão comprovados o uso de caixa dois da Odebrecht e a lavagem de dinheiro na campanha da petista. O que não sabe é se Michel Temer será condenado também ou se suas contas serão apartadas e aprovadas.
Caso o julgamento tivesse ocorrido, Temer estaria menos vulnerável ou já estaríamos com um novo presidente eleito pelo voto direto. Como não ocorreu (é a tal história, se vovó tivesse barba, era vovô), caso seja condenado como Dilma, teremos uma inédita eleição indireta no Congresso e muita “balbúrdia”, como diria o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Quem tira partido dessa situação? O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em cinco processos, a maioria em Curitiba. Jararaca criada, o petista agora prega abertamente a antecipação das eleições gerais, com o argumento de que Temer não tem legitimidade para governar nem o Congresso para fazer reformas. Lula finge que a herança maldita não é sua também, só de Dilma. Quer ser absolvido da Lava-Jato pelas urnas.
Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/
Luiz Werneck Vianna: O dilúvio e a arca de Noé
Aos pescadores de águas turvas a mídia empresta vocalização e amplifica a balbúrdia
Rituais estão aí para serem observados, e mesmo os céticos os reverenciam pelo sentimento imemorial de que crenças coletivas, mesmo que não se acredite nelas, não devem ser desafiadas. Neste primeiro dia de 2017 acabamos de celebrar o nascimento de um ano novo, em que se renovam as esperanças de uma vida melhor, recém-saídos de uma balbúrdia que nos aturdiu, em meio a vociferações, ódios desabridos e o alastrar da cultura do ressentimento como se vivêssemos na cena das revoluções. Ainda bafejados pela confraternização das festas natalinas, ganhamos a graça de uma trégua que nos abre espaço para a reflexão e nos distancia das agitações estéreis que têm mantido o País em constante sobressalto. Mas sem ilusões, porque alguns eixos saíram do lugar e não é tarefa fácil devolvê-los às suas operações originais.
Impeachments são processos dolorosos. Em particular se o seu objeto tiver sido o de afastar da Presidência da República uma mandatária eleita por um partido socialmente identificado como de esquerda, com expressiva representação congressual e em movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores. Quadro que se agrava pelo fato de sua principal liderança, Luiz Inácio da Silva, e outras importantes personalidades partidárias se encontrarem na situação de réus em processos criminais, alguns deles presos. Sob essa pressão, o PT e seus aliados se movem nas ruas, nas escolas e no Parlamento em encarniçada oposição às políticas com que o governo Temer – notoriamente sem poder de influir na condução da Operação Lava Jato – intenta enfrentar a pesada crise econômica que paralisa o País.
Nessa loucura há um método: trata-se de atalhar, por fás ou nefas, o mandato do governo Temer, escolher um sucessor anódino por alguns meses, convocando-se eleições gerais para outubro, em que Lula, tido como imbatível nas urnas, seria apresentado como candidato à Presidência, voltando-se a tudo como dantes no quartel de Abrantes. Com pachorra, tal plano foi explicado linha por linha por João Pedro Stédile, dirigente do MST, em programa de entrevista do canal de TV CBN, esquivando-se o jornalista da pergunta clássica, hoje incorporada à nossa fala comum, formulada por Garrincha a seu treinador: se ele havia combinado seu desenho tático com os russos, nosso adversário em jogo decisivo na Copa de 1958. Os “russos”, no caso, os parlamentares e os ministros da Suprema Corte.
Planos mirabolantes fora, é um dado incontornável da realidade a forte intervenção da chamada Operação Lava Jato, que, a esta altura tendo em mãos as delações premiadas de altos executivos envolvidos em práticas de corrupção com parlamentares e agentes públicos, promete sanear por via judicial a vida política do País. O espaço público se torna um imenso tribunal, com seus membros desfrutando o protagonismo que em tempos não tão remotos era exercido pelos generais. Egos inflados de alguns ministros, cada qual brandindo um texto da Constituição, que juram venerar, trabalham sem o saber para conduzi-la à sepultura, invadindo os demais Poderes, dos quais os mais afoitos usurpam competências sem maiores cerimônias.
O egocentrismo, essa nova peste que assola o País, se assenhoreou também da classe política, que, mesmo tendo a seus pés o precipício, flerta animadamente com o perigo, não havendo um dia em que não saia das sombras o nome de um novo candidato à Presidência, na expectativa de que o governo Temer não prospere. A mídia, ao invés de ignorar esses pescadores de águas turvas, empresta-lhes vocalização e amplifica a balbúrdia.
Marx, em texto justamente célebre sobre os processos que levaram à ruína a República francesa de 1848, O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, narra com sarcasmo as peripécias do sobrinho do grande Napoleão em busca do poder absoluto, o qual construiu seu caminho em meio a uma política em frangalhos e de cisões insanáveis nas forças que se lhe opunham. No caos reinante, sequiosa de tranquilidade para seus negócios, a burguesia francesa teria abdicado de bom grado do poder político, confiando-se a um patrão que zelasse pelo destino de todos. No lugar da República, Marx anota com ironia, a Infantaria, a Cavalaria e a Artilharia.
Também nisso seria preciso combinar com os “russos”, que, escaldados em experiência recente, parecem ter tamponado os ouvidos para não se deixarem enlear pelos cantos das sereias que gostam de rondar os quartéis. Mas logo que vier a inundação de fim do mundo, com as homologações das delações feitas na Operação Lava Jato, contaremos ou não com uma arca de Noé a fim de recomeçarmos a vida quando cessar o dilúvio? Ou estaremos confiados a um governo de juízes, para desgraça deles e nossa?
Os operadores da Lava Jato não devem desconhecer as lições de Weber em sua clássica distinção entre as éticas de convicção e as de responsabilidade, que podem, longe de se confrontar, ser complementares, como nos ensina, em Paradoxos da Modernidade, Wolfgang Schluchter, notável intérprete desse autor. Certamente boa parte deles conhece e cultua Ronald Dworkin, que erigiu o modelo do juiz Hércules como seu ideal de julgador em páginas magistrais do seu Império do Direito. Hércules, para ele, é um engenheiro social que, aberto à história da sua sociedade com suas vicissitudes, preserva a integridade do Direito ao tempo em que o renova na resolução de conflitos difíceis que lhe são submetidos.
Mas tréguas devem ser respeitadas e na paz destes dias de começo de ano convém notar que temos um governo que governa, desses que sabem, como dizia Ulysses Guimarães, que a cada dia cabe sua agonia, e que se deve ter paciência, esperança e mão firme no leme, porque o tempo de bonança talvez não tarde, porque não é pouco o que se tem de salvar dessa barafunda. A começar pela Carta de 88, já na mira dos que sempre desdenharam dela.
*sociólogo da PUC-Rio
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-diluvio-e-a-arca-de-noe,10000097474