Lava Jato
Ricardo Noblat: Retrato de um corrupto
“Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. Ditado que SERGIO MORO usou em sentença para condenar Lula. Lula é corrupto. É o que ele é até sentença em contrário. Continuará a ser caso a Justiça em segunda instância confirme a decisão do juiz Sergio Moro que o condenou a nove anos e seis meses de prisão. Então ficará impedido de assumir cargos públicos por sete anos. No caso do tríplex do Guarujá, Lula incorreu em dois crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É réu em mais quatro processos.
LULA INSISTE EM DIZER
que somente o povo tem o direito de julgá-lo. Como se o exercício do voto em uma democracia dispensasse a existência da Justiça. Prega o desrespeito às leis uma vez chancelado pelo povo. Se não reconhece que o mensalão existiu, por que admitir os crimes de que o acusam? Mente sem pejo. Na política, a verdade é tudo aquilo que os políticos querem vender como tal.
GETÚLIO VARGAS CHAMOU
de “Estado Novo” o regime autoritário que comandou entre 1937 e 1946. Jânio Quadros morreu repetindo que renunciara à presidência devido à ação de “forças terríveis”. Fê-lo para voltar com poderes ilimitados. Ao golpe militar de 1964, responsável pela morte e o desaparecimento de 434 pessoas, os militares deram o nome de “revolução” e ainda hoje o festejam assim.
PARA TENTAR SOBREVIVER,
Lula jamais abdicará do papel de vítima. Foi vítima do destino ao nascer de mãe analfabeta e de pai mulherengo que a deixou com oito filhos; da seca do Nordeste que o fez embarcar em um pau de arara com destino ao sul do país; da miséria na periferia da capital de São Paulo; do torno mecânico que lhe amputou um dedo; da ditadura que o perseguiu; e por fim do preconceito das elites.
É INOCENTE DOS SEUS ATOS.
De não ter estudado por alegada falta de tempo; de não ter se preparado para entrar na vida pública confiando na própria intuição; do seu primeiro governo ter pagado propinas a deputados; de seu segundo governo ter parido o maior escândalo de corrupção da história do país; de ter elegido um poste que acabou no chão; e de ter construído uma fortuna à base de obséquios.
VALEU-SE DA ESQUERDA
para alcançar o poder. Governou com a direita, os 300 picaretas que identificou no Congresso, e outros tantos que ajudou a criar. Emparedado pela Justiça, tirou a fantasia de Lulinha Paz e Amor, autor da Carta aos Brasileiros, para vestir a da jararaca venenosa, de volta ao regaço da esquerda. Se ele ensaiava refletir sobre seus erros, o ensaio foi adiado. É refém dele. Seguirá refém
A CONDENAÇÃO DE LULA
por Moro imobiliza o PT e seus parceiros e unifica os políticos alvejados pela Lava-Jato. Todos torcem para que Lula seja bem-sucedido porque isso lhes abriria as portas para que também escapem da punição da Justiça e dos eleitores. A próxima eleição presidencial se dará mais uma vez à sombra de Lula, como a primeira depois de 21 anos de ditadura e como as posteriores.
SE ELE NÃO PUDER DISPUTÁ-LA,
seu apoio ainda valerá ouro para políticos carentes de votos (alô, alô, Renan Calheiros!). Se ele um dia defendeu José Sarney como “um homem incomum”, a merecer reverências, o mínimo que espera é ser tratado como o mais incomum dos homens, seja pela Justiça ou pelos crentes nas urdiduras do destino. Há que reconhecermos: Lula é de fato um homem especial.
PODERIA TER ENTRADO
para a História com a maior aprovação popular conferida a um governante. Preferiu entrar como o primeiro ex-presidente da República do Brasil condenado por corrupção.
Roberto Freire: O novo pede passagem
É preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos
Em meio à descrença generalizada que se espraia pela sociedade em relação à política partidária e aos políticos, especialmente em função da degradação moral que envergonha o país, parece consensual a tese de que é necessária a aprovação de novas regras válidas já a partir das próximas eleições de 2018. A grande questão é se haverá disposição e coragem para que se leve adiante uma reforma que modifique profundamente as estruturas estabelecidas e, sobretudo, crie condições para o surgimento de mecanismos que libertem a cidadania e possibilitem uma outra política.
No bojo desse inadiável debate, é preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos que buscam criar “cortinas de fumaça” para confundir a opinião pública, oferecendo respostas simples para problemas complexos, de modo que nada significativo venha a ser de fato alterado. Em nome dos grandes partidos — justamente os protagonistas das malfeitorias reveladas pela Operação Lava-Jato —, o que tem se buscado é “mudar algo para que tudo continue como está”, para citarmos a frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo”, imortalizada no cinema por Luchino Visconti.
A legislação que regula a atividade partidária no Brasil impõe uma série de restrições que impedem a oxigenação do ambiente político e praticamente afastam a possibilidade do surgimento de novas forças representativas da cidadania. Tudo o que se discute no Congresso são meros remendos que continuam a beneficiar a velha ordem. Pouco importa se serão fechadas ou abertas as listas de candidatos ou, em especial, o grande achado das cláusulas de barreira, pois todas essas alterações asseguram a manutenção e a primazia dos atuais grandes partidos. Tais reformas impedem que novos atores de representação da cidadania surjam e se afirmem nos processos eleitorais.
Entre as inúmeras distorções do sistema atual, talvez a mais grave seja o acesso indiscriminado e irrestrito aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Diante das facilidades para que todas as legendas recebam o dinheiro do Fundo, foi criado um balcão de negócios à custa do dinheiro público. Isso tem de acabar. Entretanto, ao invés da restrição arbitrária e antidemocrática à criação de novas agremiações, o que se deve limitar é o acesso ao Fundo Partidário apenas às legendas que alcançarem, pelo voto, uma representação mínima na Câmara.
É preciso construir novas regras que, ao romperem com o monopólio dos atuais grandes partidos, garantam o mínimo de visibilidade aos novos entes partidários ou movimentos políticos, inclusive às candidaturas avulsas. A democracia brasileira só avançará se levarmos a cabo uma reforma política que preze a liberdade total e uma maior participação da cidadania, sem nenhum tipo de tutela ou restrição. Que tenhamos coragem de defender e aprovar uma reforma que seja digna do nome e que, efetivamente, mude regras, práticas e costumes que a sociedade brasileira não tolera mais. O novo pede passagem.
* Roberto Freire é deputado federal (PPS-SP) e presidente nacional do PPS
Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema
Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.
O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.
Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.
Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.
Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.
Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.
#FicaaDica
O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.
O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.
Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.
A ampla frente
A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.
Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.
Falta um detalhe
O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
O Globo: Um cenário de perigos para Temer
Temer e seu grupo conseguem contornar resistências na CCJ, mas a demora para que o pedido de licença seja votado no plenário funciona contra o presidente
Editorial O Globo
Sem conseguirem colocar em plenário o mínimo regimental de 342 deputados para votar o relatório aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobre o pedido de licença da Procuradoria-Geral da República para que o presidente seja processado no Supremo por corrupção, restaram a Temer e a seu grupo aceitar o calendário fixado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a apreciação da matéria no dia 2 de agosto, uma quarta-feira, na volta do recesso.
Frustrou-se, assim, a ideia do Planalto de votá-lo a toque de caixa. E, para justificar a derrota, forjou-se a “narrativa” de que quem precisa obter o quórum é a oposição. Mas esta avisa que no dia 2 ficará à espera da bancada da situação.
Na verdade, estava — e continua a estar — correta a avaliação do governo de que, quanto mais o tempo passa, maior o risco de desgaste do presidente.
Há munição de razoável poder destrutivo na PGR. Considera-se, por exemplo, a possibilidade de Rodrigo Janot, procurador-geral até setembro, ainda desfechar pelo menos mais uma denúncia contra Temer. Poderá ser por obstrução da Justiça, comprovada por gestões junto a Josley Batista, do grupo JBS, para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, inquilinos da Lava-Jato, nas carceragens de Curitiba.
O assunto é tratado de forma dissimulada na conversa com Temer que o empresário gravou, em horas avançadas de uma noite de março, no porão do Palácio do Jaburu, no qual Batista entrou dando nome falso e sem mostrar documento de identificação.
Os fatos tendem a andar de forma mais lenta na Câmara, na tramitação desta denúncia, a de corrupção. E deve vir por aí a delação premiada de Lúcio Funaro, uma testemunha com potencial de ser tão perigosa quanto Rodrigo Rocha Loures, deputado suplente pelo PMDB do Paraná.
Loures foi indicado pelo próprio Temer a Joesley Bastista, para tratar de “tudo” com ele, representante seu de extrema confiança. Logo depois, Loures foi filmado, em ruas de São Paulo, puxando às pressas a tal maleta com R$ 500 mil. Os indícios são de que seriam para o presidente.
Já Funaro, operador financeiro das sombras de Eduardo Cunha e de outros do PMDB — Temer? — já antecipou em conversas antes da delação propriamente dita que entregava malas de dinheiro a Geddel Vieira, ex-ministro de Temer, outro muito próximo do presidente.
Por sinal, na conversa que Joesley gravou com o presidente, ele reclama que, com Geddel fora do governo e investigado pela Lava-Jato, perdera um intermediário privilegiado para comunicar-se com Temer. O presidente, então, indicou Loures.
O tempo não corre mesmo em favor do Planalto. Um indicador pouco risonho para o governo foi a rodada de pressões e de fisiologismo para trocar 13 deputados na CCJ, e conseguir derrubar o relatório anti-Temer.
A oposição também não deverá conseguir colocar 342 deputados em plenário, em 2 de agosto. Diz, inclusive, que não deseja. Há, então, o perigo de Temer continuar exposto às intempéries.
Fernando Gabeira: Luzes e trevas
É o momento de avaliar não só um governo, mas todo o processo de redemocratização. A notícia da condenação de Lula chegou num momento especial. Acabara de escrever um artigo sobre o apagão no Senado. E comparava aquilo aos apagões nos estádios de futebol: a luz volta aos poucos. E concluía que, no universo político, as luzes só voltarão completamente em 2018. A condenação de Lula é uma pequena lanterna para enxergar parcialmente o cenário das eleições presidenciais.
A estratégia de lançar a candidatura para escapar da Justiça, de politizar o processo, sofreu um golpe. Talvez por falta de alternativa, a esquerda pode insistir nela. Mas é um equívoco fixar-se no destino de uma só pessoa e esquecer o país. O Tribunal Regional em Porto Alegre pode levar até nove meses para julgar um recurso, uma condenação fundada em provas testemunhais, documentais e periciais. Pode até levar mais. Legalmente é possível ser candidato. Mas será preciso levar um guarda-roupas de candidato e uma malinha com as coisas indispensáveis na cadeia.
O candidato vai se mover sempre com essa espada na cabeça, e supor que isso não influa na sua viabilidade só é possível aos que o seguem com um fervor religioso. Ao mesmo tempo em que Lula era condenado por Sergio Moro, a Câmara discutia se aceitava ou não a denúncia contra Temer.
Embora esses fatos apareçam de forma isolada, fazem parte de um mesmo processo histórico. O governo petista caiu, em seu lugar ficaram os cúmplices da aventura que arruinou o país. Agora, a coisa chegou a eles.
Um ex-presidente condenado, um presidente denunciado, dois presidentes impedidos. É o momento de avaliar, não só um governo mas todo o processo de redemocratização.
É possível começar de novo? As diretas eram uma bandeira clara. A luta contra a corrupção, também. Mas o principal cenário dessa luta acontece na Justiça, onde os processos correm.
Resta o caminho eleitoral. Em alguns países da Europa, como a Dinamarca, num determinado momento, e a França agora, eleições costumam ser um sopro de vida ao sacudir um sistema envelhecido. Aqui no Brasil, o sistema não apenas envelheceu mas também se corrompeu. Muito possivelmente a renovação será orientada por valores que estiveram soterrados nesse período. No entanto isso não basta. Estamos vivendo problemas diante dos quais apenas a honestidade não resolve. As questões emergenciais estão aí, muitas delas decorrentes do colapso dos governos corrompidos.
Segurança, por exemplo. Meu projeto era escrever sobre isso até apagarem as luzes do Senado e ver aquelas mulheres comendo quentinhas. Isso me fez refletir sobre luzes e trevas.
Mas quando pensava em segurança, minha ideia era mostrar alguns reflexos psicológicos de quem mora numa cidade como Rio. Um deles é o perigo de se acostumar com a violência. Começava por mim mesmo. Vivo na base de um morro onde sempre houve tiroteio. Numa visita a Porto Príncipe, no Haiti, hospedado na casa de um diplomata brasileiro, ouvi tiros ao longe. Virei para o canto e dormi como se estivesse em casa.
Não sei que impacto teria a morte de inocentes em outros lugares. Mas a morte de crianças e adolescentes no Rio é recebida com uma certa resignação.
O terrorismo não é o melhor parâmetro. Mas suas vítimas são cultuadas e as próprias autoridades aparecem para visitar as famílias. Absortos em suas manobras defensivas, os políticos não têm sensibilidade para isso. Nem espero que tenham nesta encarnação.
No entanto, não importa que governo fique de pé, é essencial conseguir dele alguma resposta à violência urbana. Na verdade, seria necessário que tivesse uma visão clara de como gerir os colapsos que explodem em vários pontos da máquina.
A sucessão de crimes nas cidades e sucessão de escândalos no poder produziram uma certa anestesia. Suspeito que muita gente vai se perguntar se ainda vale a pena gastar alguma energia em mudanças. Creio que uma resposta negativa tende a perpetuar essa etapa constrangedora da história moderna brasileira.
Não porque goste de eleições e tenha muita paciência com o festival de demagogia que gravita em torno delas. É que não vejo outra saída. Ainda assim uma saída estreita, precária. Esta é sociedade mais extensamente informada de nossa história moderna. Talvez consiga um Congresso renovado que, apesar de modesto, pelo menos não atrapalhe.
A política tornou-se um tema central porque a corrupção e suas consequências roubaram a cena. Sem esses fatores dispersivos, é possível concentrar mais energia em campos que, realmente, nos empurram para a frente: trabalho, inovação, conhecimento.
A política terá o seu papel, que certamente vai se desenhando pelo caminho. Mas não pode mais ser essa pesada mala nas costas do país. Mala cheia de malinhas: dinheiro, joias, obras de arte, cartões de crédito, contas no exterior.
Mas o grande peso mesmo não é monetário. É a perda de esperança num futuro comum, o eclipse de um sentimento de país.
* Fernando Gabeira é jornalista
Luiz Carlos Azedo: A ordem intersubjetiva
Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso
A democracia é uma ordem intersubjetiva. Além dos aspectos físicos e materiais que caracterizam as instituições, como a espetacular arquitetura da Praça dos Três Poderes, e da consciência individual de cada eleitor, ela só existe porque uma vasta rede de comunicação tece os elos entre o caráter objetivo das decisões políticas e a crença de cada indivíduo quanto à importância dessas decisões para suas vidas. Ou seja, a crença de que a democracia é um valor a ser preservado pela sociedade.
Uma das características da crise ética que estamos vivendo é uma espécie de desconexão dessa rede. As instituições políticas como sistema de poder começam a reagir à crise, tendo como prioridade a própria sobrevivência, sem considerar o fato de que, ao fazê-lo, não podem romper os elos subjetivos com a sociedade que fazem da democracia a tal ordem intersubjetiva.
No livro Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, mostra que leis, dinheiro, deuses e nações são forças intersubjetivas, cuja existência é assegurada porque muitos indivíduos nelas acreditam e contra as quais a desconfiança ou descrença de alguns nada representam. Chegamos ao ponto que nos interessa aqui.
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, e a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, estão na esfera desses fenômenos intersubjetivos. Por mais carismático que seja o primeiro ou por mais poderoso que seja o segundo, as declarações de ambos contra a sentença do magistrado e a peça de acusação do procurador nada representam do ponto de vista da ordem jurídica. São apenas o jus esperneandi. Mas tudo pode mudar de figura se essa interpretação rompe a rede compartilhada por milhões de cidadãos.
Sustentação
Nem Lula nem Temer têm condições de atingir esse objetivo sozinhos: seria preciso mudar a consciência de milhões de pessoas. Isso somente seria possível se a ordem imaginada pelas pessoas — nesse caso, a Operação Lava-Jato — fosse desmoralizada. Houve muitas tentativas até agora nesse sentido, nenhuma das quais teve êxito. Em tese, isso seria possível com a ajuda de uma organização complexa, como são os partidos políticos e os movimentos ideológicos.
Tanto o PMDB de Temer, quanto o PT de Lula não estão em condições de exercer esse papel, uma vez que perderam em muito a força que tinham como organizações, digamos, intersubjetivas. Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso. Quem quiser, que pague para ver. Para salvar o mandato de Temer, basta blindá-lo com o apoio de 172 deputados no plenário da Câmara; o mesmo apoio que a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu reunir para barrar o impeachment.
Para evitar a prisão de Lula, porém, é preciso mais do que isso: domar a Polícia Federal, refrear o ímpeto dos procuradores, conter Moro e outros juízes de primeira instância, ter a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lava-Jato.
Em ambos os casos, o grande problema é a disjuntiva entre as instituições da ordem democrática e a rede intersubjetiva que lhes dá sustentação na sociedade.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ordem-intersubjetiva/
O Estado de S. Paulo: A eterna vítima
A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada pela vitimização. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinada pelas adversidades que afligem tantos milhões de brasileiros como ele. Só mais tarde, quando a malandragem já estava suficientemente desenvolvida para capturar o potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a eterna vítima.
Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito, que se reescrevam os fatos.
No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.
Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.
O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.
A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.
A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de ouro.
Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
Luiz Carlos Azedo: Os quarenta e um
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer
O presidente Michel Temer pode ter salvo o mandato ontem, graças à tropa de choque que rejeitou o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e aprovou, por 41 votos a 24, um novo parecer, de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), recomendando a rejeição da denúncia contra o primeiro presidente da República a ser denunciado criminalmente pelo Ministério Público. O relatório de Abi-Ackel (PSDB-MG) já estava pronto quando o governo conseguiu derrotar Zveiter, por 40 votos a 24 e uma abstenção; e foi imediatamente referendado.
A próxima batalha será em plenário, mas a votação da CCJ aumentou as expectativas quanto à capacidade de Temer permanecer no poder, ainda que a correlação de forças na comissão tenha sido alterada a fórceps, com a substituição de nove deputados da base considerados infiéis. Novo relator, Abi-Ackel afirma que as acusações contra Temer foram resultado de ação “suspeitíssima” do empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, e que a denúncia “peca por omissão” ao não demonstrar “o nexo causal entre o presidente da República e o ilícito que menciona”.
Com a decisão de ontem, a incerteza migrou da situação para a oposição. O novo parecer somente será aprovado se tiver o apoio de dois terços do total de 513 deputados, ou seja, 342 votos. Somente assim será autorizada a instauração do processo no Poder Judiciário. No caso de rejeição da denúncia pelo plenário, o Supremo ficará impedido de dar andamento à ação, que será suspensa. O processo será retomado após o fim do mandato do presidente. Esse é agora o cenário mais provável, com Temer na condição de “pato manco” até 2018.
O outro cenário depende de um fato novo que abale o Palácio do Planalto e mude novamente o ambiente na Câmara. Caso a denúncia seja aceita, será analisada pelos 11 ministros do STF e Temer pode se tornar réu, sendo afastado por 180 dias. Só perderá o cargo definitivamente se for condenado pelo Supremo. O comando do país ficaria a cargo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No caso de condenação, Maia teria de convocar eleições indiretas no prazo de um mês. Segundo a Constituição, o novo presidente da República seria escolhido pelo voto de deputados e senadores.
Consequências
Esses dois cenários estão balizando a movimentação do Palácio do Planalto no Congresso. Na hipótese de rejeição, Temer será blindado contra a Lava-Jato, mas a base governista estará dividida irremediavelmente, porque o PSDB está à beira da implosão. Na última reunião de seus caciques, o presidente interino Tasso Jereissati queria anunciar o desembarque do governo, como deseja a maioria da bancada na Câmara, mas foi impedido pelo governador Geraldo Alckmin e pela maioria dos senadores, liderados por Aécio Neves (MG). Na CCJ, ontem, quatro deputados tucanos votaram a favor do acolhimento da denúncia e dois contra, sendo um escolhido relator da rejeição, o mineiro Abi-Ackel.
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação, mesmo com o governo fragilizado pela Lava-Jato, funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer. O próximo passo é a aprovação da reforma da Previdência, após a rejeição da denúncia. Seria a prova de que o “pato manco” nada como um cisne em águas turvas. Outra consequência será o fortalecimento dos parlamentares que rejeitaram a denúncia, principalmente aqueles que foram os primeiros a pôr a cara a tapa na Comissão de Constituição e Justiça. Com certeza, quererão tomar os espaços ocupados pelos partidos cujas bancadas, majoritariamente, votaram contra Temer.
Mais uma consequência diz respeito ao segundo cenário. Antes da votação na CCJ, a expectativa de poder em relação a Rodrigo Maia era ascendente. O parlamentar era o Plano B de muitos palacianos e dos parlamentares da base que defendiam a aprovação da denúncia. De certa maneira, a possibilidade de afastar Temer e continuar no governo com Maia já havia saído do campo das especulações para as articulações políticas. Quem foi flagrado fazendo jogo duplo será tratado como traidor e perderá os cargos após a votação em plenário. É a guerra.
Finalmente, a Lava-Jato. A rejeição da denúncia não absolve Temer. O processo será retomado quando encerrar seu mandato. Isso levará o governo a avançar na tentativa de conter o Ministério Público, a partir de setembro, quando acaba o mandato do procurador-geral Rodrigo Janot. De certa forma, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, a nove anos e seis meses de prisão, e a denúncia contra Temer tecem um amplo espectro de adversários da Operação Lava-Jato, que estão em quase todos os partidos e poderes da República.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quarenta-e-um/
Roberto Freire: Sem surpresas, com preocupações
O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), disse nesta quarta-feira (12) que não houve surpresa na condenação, pelo juiz Sérgio Moro, do ex-presidente Lula, do PT. “Já era esperado. Todo esse processo que a Lava-Jato vem desenvolvendo no País chegaria a esse desiderato”, afirmou.
Segundo observou Freire, as revelações da Lava Jato “mostravam que havia um centro, que dirigia todo esse processo de desmantelamento, de roubalheira, que ocorreu com nossas estatais, com nosso governo no período Lula/Dilma”.
Freire alertou para as preocupações que, segundo ele, a condenação traz. Basicamente, o receio do presidente do PPS se justifica pela a decisão de Moro ter saído no momento que o País passa por um governo de transição e superação e tenta superar seus problemas. “Preocupação em fazer valer o que determina a Constituição – dentro dela, tudo; fora dela, nada. E isso tem que ser uma preocupação de todos os democratas brasileiros e de todos aqueles que defendem a transição constitucional e democrática até 2018”.
Na avaliação de Roberto Freire, a condenação de Lula é um episódio marcante, pois é a primeira vez que um ex-presidente da República é condenado por corrupção. “Isso por um lado é saudável, por outro, causa constrangimento”. De qualquer forma, continua o deputado, “é mais um passo que o Brasil dá para o aprofundamento da democracia e consolidação das plenas liberdades e da República brasileira”.
Ricardo Noblat: O desmanche de um mito
Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).
Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.
A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.
Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.
Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.
A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Afinal, em desrespeito à Constituição, seus direitos políticos foram preservados, embora ela tenha sido deposta.
Se escapar da Lava Jato sem maiores sequelas, pela direita o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é o nome que terá mais a lucrar lucrar com a condenação de Lula. O prefeito João Dória não será páreo para ele na coligação de partidos a ser encabeçada pelo PSDB. A Dória restará a candidatura ao governo de São Paulo que atrai também o senador José Serra.
Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.
No Senado, Dodge defende lei de abuso de autoridade e admite rever provas
A CCJ do Senado realiza sabatina com a subprocuradora Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer ao cargo de Procuradora Geral da República
REYNALDO TUROLLO JR.
TALITA FERNANDES
DE BRASÍLIA
No início da sabatina no Senado que analisa nesta quarta (12) sua indicação para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), a subprocuradora-geral Raquel Dodge respondeu sobre temas espinhosos como delações, concessão de imunidade a delatores e supostos abusos da Lava Jato.
Ela se comprometeu com o combate à corrupção e defendeu, genericamente, a edição de uma lei que coíba abusos de autoridade. "A lei de abuso de autoridade vem no socorro da ideia de que, no regime democrático, freios e contrapesos são necessários, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça", afirmou.
"Ninguém está imune a excessos, nenhuma instituição é imune a erros. E nessa perspectiva de que seja dada ampla autonomia para o exercício da função jurisdicional por juízes e membros do Ministério Público, mas contidos os excessos, é que vejo a importância de se aprovar uma lei que controle o abuso de autoridade", disse.
Um projeto de lei sobre o tema tramita no Senado e já foi duramente criticado pelo atual procurador-geral, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em 17 de setembro. Para Janot, o projeto em curso visa intimidar membros do Ministério Público e do Judiciário.
Dodge, que faz oposição a Janot dentro da instituição, não comentou o projeto específico, mas sua fala pôde ser vista como um aceno aos parlamentares e uma abertura ao diálogo maior que a de Janot.
Questionada sobre um suposto "Estado policial", também afirmou que é comum que o Ministério Público revise as provas que ele próprio obteve caso detecte, no curso das ações penais, alguma ilegalidade.
"O grande compromisso do Ministério Público é agir sempre pautado na prova colhida de forma idônea e é preciso que zelemos sempre por esses princípios que são muito caros ao Estado democrático", disse.
"Devo dizer que não é incomum que um órgão do Ministério Público aponte a uma certa altura da ação penal que a prova é inidônea, que a prova é inválida. Esse é um dever que o Ministério Público tem, que é apresentar em juízo uma acusação sempre amparada na prova. Se há excessos, é o que deve ser sempre controlado, e o principal órgão de controle é o Judiciário."
COMBATE À CORRUPÇÃO
Ao responder às perguntas do senador Roberto Rocha (PSB-MA), relator de sua indicação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Dodge repetiu o principal mote de sua campanha para a PGR: "Ningúem acima da lei, e ninguém abaixo da lei", e comprometeu-se com o combate à corrupção.
"Manteremos esse trabalho de enfrentamento à corrupção aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo", disse. "Ao zelar pelo bom gasto do dinheiro público, o Ministério Público cumpre seu dever constitucional", afirmou.
Como vem dizendo publicamente, Dodge disse considerar a corrupção um mal em si que deve ser combatido para que os recursos sejam corretamente aplicados em saúde, educação, saneamento e outros serviços essenciais à população.
Dodge defendeu o instituto das delações premiadas para combater organizações criminosas. Questionada por Rocha sobre a concessão de imunidade penal a delatores, ela disse que há previsão legal. Porém, que é necessário que os criminosos reparem os prejuízos causados na esfera civil.
"Eu vejo a lei 12.850 [que regulamentou as delações, em 2013] como instrumento poderoso que facilita a investigação sobre organização criminosa. No entanto, o Congresso, na lei 12.850, impôs limites, vedações, seja no tocante àquilo que pode ser oferecido, seja no tocante à separação de jurisdição criminal e jurisdição civil", disse, referindo-se à necessidade de devolver o que foi desviado.
Tema polêmico, a imunidade penal foi concedida por Janot aos irmãos Batista, da JBS, em troca de informações que levaram a investigações sobre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre centenas de outros políticos citados. O acordo de delação é duramente criticado por vários políticos, incluindo o presidente.
Sobre o foro privilegiado para autoridades, Dodge disse que o assunto cabe ao Congresso e ao Supremo, e que ao Ministério Público só compete opinar.
"Encontra de minha parte muita simpatia a ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos ao mesmo tipo de jurisdição. Compreendo que estamos caminhando dentro de um regime democrático para o amadurecimento das instituições e sempre verificando a pertinência de um instituto diante da realidade brasileira", disse.
A respeito de ter sido indicada por Temer apesar de ter ficado em segundo lugar na lista tríplice para o cargo, Dodge ponderou que a lista não é obrigatória e é uma "sugestão" dos membros da carreira ao presidente da República.
"Qualquer um dos três que figure na lista passou por rigoroso e severo critério dos procuradores da República", afirmou, e, por isso, tem legitimidade.
Acompanham a sabatina, na CCJ, os ex-procuradores-gerais da República Roberto Gurgel e Aristides Junqueira.
Roberto Freire: 'A base governista está mais aguerrida'
Amanda Almeida | O Globo
Michel Temer fica ou cai?
– O termômetro está muito mais difícil de ser aferido do que no processo do impeachment. Porque, naquele caso, havia um componente: povo na rua. Hoje, pode haver rejeição alta, mas não há manifestação. Além disso, a base governista está muito mais aguerrida.
A saída do presidente vai gerar instabilidade?
– Não. Se for vitorioso o afastamento, a transição continua. Até porque Rodrigo Maia é base do processo do impeachment e da transição, homem de confiança da base governista.
E qual a sua posição e a do PPS?
– A maioria da bancada é favorável à aceitação da denúncia. Respeitaremos todo e qualquer voto diferente. Não quero falar ainda minha posição. Qualquer que seja a decisão, o PPS continuará a apoiar a transição até 2018 nos termos da Constituição e a favor da reforma.