Lava Jato
Carlos Alberto Di Franco: Políticos “se lixam” para a sociedade
“Enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário”
O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer.
Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem nenhum idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento.
A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.
É isso que precisa mudar. Mas o Congresso, por óbvio, não quer. Ao contrário.
Como disse Eliane Cantanhêde com sua habitual lucidez, “enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário.”
Diante da imensa repercussão negativa, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar a previsão de que o fundo eleitoral com recursos públicos receba o aporte bilionário
Políticos, à esquerda e à direita, não estão dispostos a soltar o osso.
O infortúnio do cárcere e a perspectiva do ostracismo uniu adversários históricos para combater o inimigo comum: a Lava Jato e o aparato da Justiça. Mas o Judiciário também oferece seus temperos para o preparo da pizza da impunidade.
O STF, ao que tudo indica, vai revogar a saneadora decisão de que o cumprimento da pena deve ter início após condenação em segunda instância. A conhecida morosidade da Justiça vai provocar uma cascata de crimes prescritos. Resumo da ópera: os ladrões do dinheiro público vão sair por cima. Os políticos se lixam para a sociedade.
A Operação Lava Jato estará cada vez mais no olho do furacão. Não obstante excessos pontuais da Força Tarefa, a Lava Jato é o resultado direto da solidez institucional da nossa jovem democracia. É o lado bom da história.
Enquanto isso, Lula percorre o Brasil vestindo a máscara de perseguido político. E trata de puxar todos para o pântano da política anticidadã. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalização." Eis uma pérola do pragmatismo lulista. O ex-presidente não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, aprofundou e radicalizou.
O Brasil depende - e muito- da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.
*Carlos Alberto Di Franca é jornalista
Demétrio Magnoli: O stalinismo limpava a História de inimigos; no Brasil, ensaia-se eliminar os amigos, para protegê-los
The Commissar Vanishes (1997), de David King, é uma fascinante história da falsificação de fotografias e imagens artísticas na URSS. "A erradicação física dos oponentes de Stalin, pelas mãos da polícia secreta", escreveu King, referindo-se aos grandes expurgos dos anos 30, "foi celeramente seguida pela sua obliteração de todas as formas de existência pictórica". A ditadura stalinista limpava a História de seus inimigos.
No Brasil, hoje, inversamente, ensaia-se eliminar os amigos, a fim de protegê-los. É o que faz Mathias Alencastro, ao contar as aventuras da Odebrecht em Angola sem mencionar nenhuma vez o nome próprio Lula (Folha, 21/8).
Alencastro apoia-se na delação de Emilio Odebrecht para recordar a longevidade da parceria entre a Odebrecht e o cleptocrático ditador angolano José Eduardo dos Santos, iniciada nos anos 80, mas esquece-se do que confessou o mesmo delator sobre a singularidade do período iniciado em 2003. A diferença crucial pode ser sintetizada numa sigla de cinco letras que também foi suprimida de sua pintura: BNDES.
Angola representa 28% do total de financiamentos do BNDES para obras no exterior, ocupando o primeiro lugar, à frente da Venezuela (22%), da República Dominicana e da Argentina (16% cada). Dos R$ 14 bilhões destinados a Angola, a Odebrecht abocanhou 79%. Antes de 2003, porém, eram quase insignificantes os financiamentos públicos brasileiros para Angola –e, em geral, para obras no exterior.
A exclusão de Lula e do BNDES da obra do articulista é o pilar estrutural de uma tese, não um deslize informativo. A tese: a Odebrecht "era a ponte através da qual os governos brasileiros entravam em Angola, e não o contrário".
Se assim fosse, Angola deveria ganhar a distinção de mosca branca: Lula funcionou como "ponte" através da qual a Odebrecht expandiu seu império por terras da Venezuela, da República Dominicana, da Argentina, do Panamá, do Peru e de Cuba (em todos casos, à óbvia exceção de Cuba, onde dispensam-se marqueteiros, com auxílio do inefável João Santana). Mas Angola é só outra mosca preta, como atesta a confissão de Emilio Odebrecht.
Segundo seu depoimento, Emilio solicitou os bons ofícios de Lula para que a Odebrecht fosse favorecida em Angola. O patriarca também disse que, após a crise financeira de 2008/2009, quando desabaram as receitas petrolíferas angolanas, o BNDES tornou-se a única fonte significativa de recursos para a empresa no país africano.
De fato, em meados de 2010, o BNDES abriu nova linha de crédito destinada a obras em Angola, no valor de US$ 1 bilhão. As relações especiais entre Lula e José Eduardo dos Santos prosseguiram durante o governo Dilma. Em 7 de maio de 2014, os dois se reuniram no palácio presidencial, em Luanda.
O encontro realizou-se durante seminário organizado pelo Instituto Lula e pela Fundação José Eduardo dos Santos, a engrenagem montada para converter rendas petrolíferas angolanas em bens patrimoniais da família Santos.
A conexão angolana não beneficiou apenas a Odebrecht (e, provavelmente, a quadrilha Santos). Lula proferiu palestras em Angola em julho de 2011, um ano após a liberação dos créditos do BNDES, e maio de 2014, na véspera do encontro com Santos. As duas foram patrocinadas pela Odebrecht e, de acordo com Alexandrino Alencar, elo operacional entre Emilio e Lula, renderam um total direto de US$ 400 mil ao palestrante. Nas palavras de Alencar, "construímos juntos o programa de palestras como uma forma de remuneração do ex-presidente".
A erradicação narrativa de Lula serve, tanto quanto a obliteração pictórica dos inimigos de Stalin, a um exercício de revisionismo histórico. "Uma foto pode parecer esquisita, como resultado de retoques brutais", esclarece David King. A observação não vale exclusivamente para as pinceladas dos aerógrafos soviéticos.
Luiz Carlos Azedo: A memética da Lava-Jato
Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato são tão surpreendentes que parecem fugir à lógica do instinto de sobrevivência dos políticos. É como se uma epidemia tivesse tomado conta dos partidos
Para quem gosta de analogias para explicar o que está acontecendo no mundo da política, o livro Sapiens, uma breve história da humanidade, do israelense Yuval Noah Harari (L&PM), é um prato cheio. Uma das pérolas do livro é a referência à tese neodarwiniana de que, além dos genes replicadores das espécies responsáveis pela evolução orgânica da Terra, existiria um replicador responsável pela transmissão de informações culturais de uma geração para a outra: os “memes”.
Com base nela, alguns estudiosos já tratam a cultura como uma espécie de epidemia infecciosa, provocada por um parasita mental, sendo os homens seus hospedeiros voluntários. Harari entra nessa seara para explicar o que poderíamos classificar de “pós-fim da história”. Explico: quando acabou a União Soviética e o Leste europeu derivou de volta ao capitalismo, graças a um artigo de Francis Fukuyama (célebre economista e filósofo americano de origem japonesa, que foi um dos ideólogos de Ronald Reagan), que depois virou livro, a velha tese do “fim da História” de Hegel ressurgiu das cinzas. Harari vai além: defende que a História não é feita pelos e para os humanos.
Segundo ele, não há provas disso. O fio condutor do seu livro é a saga de uma das seis espécies de humanos que habitavam a Terra há 100 mil anos, os sapiens, que exterminaram os neandertais. Mas, entretanto, a História não atuaria em prol dos humanos. Ela não seria fruto de decisões de seus governantes e líderes, mas dos tais “memes”: “Os parasitas orgânicos, como os vírus, vivem dentro do corpo de seus hospedeiros. Eles se multiplicam e se espalham de um hospedeiro a outro, alimentando-se deles, enfraquecendo-os e, às vezes, até os matando. Contanto que os hospedeiros vivam o bastante para transmitir o parasita, este pouco se importa com a condição em que o seu hospedeiro se encontra”. Da mesma forma, as ideias culturais viveriam dentro da mente dos humanos. “Elas se multiplicam e se disseminam de um hospedeiro a outro, às vezes enfraquecendo os hospedeiros e até mesmo os matando.”
A tese exposta por Harari é perturbadora e nos remete aos conflitos religiosos e raciais e à crise humanitária do Mediterrâneo, berço da nossa civilização. Desde o fatídico 11 de setembro de 2001, dia do atentado às Torres Gêmeas de Nova York, as cidades mais cosmopolitas do mundo deixaram de ser lugares seguros para morar, trabalhar e visitar. “Uma ideia cultural — tal como a crença no paraíso cristão nos céus ou no paraíso comunista aqui na Terra — pode forçar um ser humano a dedicar sua vida a espalhá-la, às vezes tendo a morte como preço. O humano morre, mas a ideia se espalha.”
Narrativas
A memética é uma polêmica abordagem antropológica: “Culturas bem-sucedidas são aquelas que se sobressaem ao reproduzir seus memes, independentemente dos custos e benefícios aos hospedeiros humanos. Essa forma de abordagem é tratada como um amadorismo pela academia, que considera essa analogia muito tacanha. Mas, com a mais fina ironia, Harari situa o pós-modernismo acadêmico como uma espécie de irmão gêmeo da memética, pois seus defensores falam que os discursos, como os blocos construtores de cultura, também se propagam sozinhos. O nacionalismo e a guerra seriam frutos desse fenômeno. A pós-verdade estaria ainda mais associada aos “memes” com suas “narrativas”.
Mas o que isso tem a ver com a crise ética, política e econômica que estamos vivendo? Ora, muita coisa. Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato são tão surpreendentes que parecem fugir à lógica do instinto de sobrevivência dos políticos. É como se uma epidemia tivesse tomado conta dos partidos. Além da reprodução biológica facilmente constatável pelos velhos sobrenomes de batismo das oligarquias — a genealogia começa no Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre —, a cultura do desvio de dinheiro público e do caixa dois tornou-se tão dominante na política que os investigados na Operação Lava-Jato, mesmo sabendo das quebras de sigilo bancário, das escutas telefônicas, das buscas e apreensões e prisões, não conseguem viver sem maços de dinheiro vivo guardados nos armários, caixas de joias, viagens de jatinho e contas bancárias milionárias.
A Operação Lava-Jato desencadeou uma espécie de guerra de “memes” entre políticos, magistrados, promotores, delegados, auditores e advogados, no qual duas grandes correntes se digladiam, uma quer nos livrar dos “memes” da corrupção, outra tenta nos salvar dos “memes” do autoritarismo. E bilhões de reais deixam de ser gastos em saúde e educação. Outra vez, a tese do Harari: a História não leva em conta a vida dos indivíduos. Bom domingo!
Luiz Carlos Azedo: Descida da ladeira
Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado, a sucessão de 2018 vai para a rua.
É bom o Palácio do Planalto verificar os freios, porque começou a descida de uma sinuosa ladeira, que pode ser suave se o trem não descarrilar numa das curvas que nos levam às eleições de 2018. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo não tem os votos mínimos para aprovar a reforma da Previdência no plenário. Defende a reforma, mas a prioridade dos integrantes da base do governo, depois de salvarem o presidente Michel Temer do afastamento, é cuidar da própria eleição. “Hoje, nós não temos voto para aprová-la, e eu estou deixando bem claro isso entre os líderes”, disse.
A reforma precisa de 308 votos dos 513 deputados para ser aprovada no plenário da Câmara. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), apesar de amplamente negociado e com consistência técnica, nunca teve apoio suficiente para ser aprovado. Estava chegando perto disso quando foi anunciada a delação premiada do empresário Joesley Batista, que gravou Temer numa conversa no Palácio do Jaburu e descarrilou, para usar a linguagem ferroviária. A prioridade do governo mudou, passou a ser salvar o presidente da República à custa da negociação de cargos no governo e distribuição de verbas para a banda mais fisiológica do Congresso.
Passado o sufoco, o Palácio do Planalto deparou-se com uma nova realidade. A eleição de 2018 está logo ali para os deputados. Eles voltaram do recesso assustados com o desgaste político causado pela votação que rejeitou a denúncia do Ministério Público contra Michel Temer e mudaram de prioridade: em vez de reformas necessárias, que consideram impopulares, mudanças nas regras do jogo das eleições para garantir seus mandatos. Como? Com o “distritão”, que dispensa o voto de legenda e maiores composições partidárias, e o “fundão” de R$ 3,6 bilhões, com o qual poderão formar seus exércitos eleitorais, já que os partidos estão cada vez mais desgastados e com lideranças queimadas. Não é à toa que muitos senadores acompanham com lupa a reforma, pois concorrerão à Câmara e não ao Senado, por falta de apoio para disputar eleições majoritárias.
Maia registrou a insatisfação da base do governo após uma reunião com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, além de deputados líderes de bancada na Câmara. A pauta foi o desajuste fiscal do governo, que havia hasteado a bandeira da austeridade e aprovado a Lei de Teto de Gastos, sobre a qual ainda repousa a credibilidade da equipe econômica. Politicamente correto, o presidente da Câmara destacou a importância da reforma: “A mais estruturante, a mais definitiva, aliás, a única definitiva”.
Não será fácil garantir os votos porque a maioria dos deputados está de olho mesmo na reforma política, com seu “fundão” de R$ 3,6 bilhões para gastar nas eleições. A comissão especial da Câmara que analisou a reforma política concluiu ontem a votação do relatório, que agora seguirá para análise do plenário. Emenda à Constituição, a proposta também deve passar por dois turnos e obter em cada um o apoio mínimo de 308 dos 513 deputados. Se for aprovada, seguirá para o Senado. Essa é a prioridade, que promete ainda algum barulho, porque a repulsa da sociedade aos políticos só aumentou. É que as mudanças para valerem nas eleições de 2018 precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado até 7 de outubro. E esse trem tem preferência de tráfego.
Sucessão
Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado (Meirelles anunciou ontem a necessidade de o Congresso aumentar a meta de deficit para R$ 159 bilhões neste ano e no próximo), a sucessão de 2018 vai para a rua. Tucanos se bicam no ninho com dois candidatos paulistas, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria. Ambos estão em campanha aberta para atrair o PMDB e o DEM como aliados. As chances de alguém voar do ninho para outra legenda não é pequena.
Lula já pôs a caravana na rua faz tempo, mas sua campanha é híbrida: trata-se de uma blindagem contra a Operação Lava-Jato e, ao mesmo tempo, uma alternativa de poder. À sombra de Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad se movimenta para ser o “regra três” ou virar vice de Ciro Gomes (PDT), o que parece ser o plano B do ex-presidente da República se for impedido de disputar as eleições pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Hoje, quem polariza com Lula é Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ocupa o espaço do chamado “partido da ordem” com um discurso de extrema-direita. À esquerda, Marina Silva tenta domar a Rede e recuperar o espaço que ocupava há duas eleições. Álvaro Dias, do Podemos, já está em campanha, e outra estrela do Senado, o senador Cristovam Buarque (DF), colocou o seu nome à disposição do PPS para disputar a Presidência.
Luiz Carlos Azedo: A revoada dos perus
O “distritão” seria um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”
A aprovação do chamado “distritão” (depois explico) e do fundo de financiamento eleitoral de R$ 3,6 bilhões pela comissão especial que discute a reforma política na Câmara pode despertar forças que estavam adormecidas desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a começar pelo movimento Vem Pra Rua, que convocou manifestação de protesto para 27 de agosto intitulada “Marcha Contra a Impunidade”, em todo o país. A reação às duas propostas é tão forte que alguns políticos já estão se descolando da reforma, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que criticou os dois projetos.
Na Câmara, a reação de grande número de deputados parece uma revoada de perus às vésperas da ceia de Natal, para voltar à analogia avícola. Todos os deputados que se sentiram ameaçados pelo “distritão” (sistema no qual são eleitos os deputados mais votados, independentemente da votação de sua legenda) estão contra a mudança. São em número suficiente para barrar a emenda constitucional que viabilizaria a medida. O “distritão” é um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”, digamos assim.
O novo sistema está sendo criado para viabilizar a reeleição dos atuais deputados e blindar os políticos enrolados na Operação Lava-Jato. Não é o caso aqui, mas seria um bom exercício checar a lista de votação das eleições passadas e verificar quem hoje manteria o mandato e quem o perderia. No caso de São Paulo, por exemplo, seriam beneficiados os 70 mais votados; de Minas, os primeiros 53; do Distrito Federal, oito. Os votos nos demais candidatos da legenda seriam desprezados, o que mudaria completamente as características da Câmara, que bem ou mal representa hoje 100% do nosso eleitorado.
Deve-se ao diplomata e jurista Assis Brasil a criação do atual sistema proporcional, idealizado em 1932, mas somente sacramentado na Constituinte de 1945. Fundador do Partido Libertador, com Raul Pilla, só apoiou a Revolução de 1930 porque Getúlio Vargas havia se comprometido a aceitar o voto secreto. “Menino, todo homem tem seu preço. O venal se deixa comprar por dinheiro. O meu preço é o Código Eleitoral. E como vale mais a pena ladrar dentro de casa do que fora dela, aceito o ministério”, disse, ao justificar sua breve passagem pelo Ministério da Agricultura no Governo Provisório, ao qual renunciou em protesto pelo empastelamento do Diário Carioca.
Na sua obra Democracia representativa: do voto e do modo de votar, Assis Brasil antevia uma “máquina de votar”, o que seria hoje a nossa urna eletrônica. No sistema proporcional, cada estado (ou distrito eleitoral) elege um determinado número de representantes de acordo com sua população. O objetivo do sistema proporcional é garantir um grau de correspondência entre votos e cadeiras recebidas pelos partidos em uma eleição. Por exemplo, um partido que tenha recebido 15% dos votos teria direito a cerca de 15% das cadeiras. Nesse sistema, o partido apresenta uma lista de candidatos para as eleições; a distribuição das cadeiras é feita de acordo com os votos dados em cada lista.
Mas há outros métodos, como o voto distrital clássico, no qual o estado seria dividido em vários distritos, e cada distrito elegeria um deputado por maioria simples, isto é, 50% dos votos mais um. Assim, o candidato mais votado é eleito. E o distrital misto, uma combinação do voto proporcional e do voto majoritário. Neste caso, os eleitores têm dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas (partidos). Os votos em legenda (sistema proporcional) são computados em todo estado ou município, conforme o quociente eleitoral (total de cadeiras divididas pelo total de votos válidos). Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.
“Fulanização”
O sistema proporcional teve como objetivo viabilizar a existência dos partidos, num país que emergia do Estado Novo e cuja tradição de “fulanizar” a política é tão velha como o costume de comer castanhas e perus na ceia de Natal. Essa cultura vem das primeiras câmaras municipais, que surgiram a partir de 1532. Eram compostas por 3 ou 4 vereadores, denominados “homens-bons”, geralmente grandes proprietários de terras. Escravos, judeus, estrangeiros, mulheres e degredados não podiam se tornar vereadores.
Essa “fulanização” era mais do que presente na época da Constituinte de 1945, na qual um mito político deixava o poder, Vargas, e outro era libertado da prisão, o líder comunista Luiz Carlos Prestes, de mãos dadas pelo “queremismo” (Constituinte com Getúlio), que fracassou. No século passado, ambos foram “reencarnações” do nosso velho sebastianismo, movimento místico secular que surgiu após a morte do rei português D. Sebastião, durante a batalha de Alcácer-Quibir, no ano de 1578. Como não possuía herdeiros, o trono de Portugal ficou sob o controle do rei Filipe II, da Espanha.
Como o corpo de D. Sebastião nunca foi encontrado, o sebastianismo se traduziu na esperança da vinda de um salvador, em meio à inconformidade e ao sentimento de insatisfação com a situação política da época, mesmo que para isso acontecer fosse necessário um verdadeiro milagre, como a ressurreição do rei morto. No Brasil, o sebastianismo influenciou movimentos populares desde o Rio Grande do Sul até o Norte do país, sendo representado como alegoria nas folias de reis, principalmente no Nordeste. Não é exagero dizer que o “distritão” leva água para esse moinho.
Luiz Carlos Azedo: A crise dos partidos
Três grandes partidos derivaram para o patrimonialismo e o clientelismo. Com seu transformismo, ameaçam garrotear a democracia brasileira
A crise de representação dos partidos políticos não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Ocorre em todo o mundo, em consequência de vários fenômenos, alguns mais antigos, como o surgimento dos meios de comunicação de massas, outros mais recentes, como o crescente papel das redes sociais na formação de opinião. Mas, no caso brasileiro, tem ingredientes que são bem característicos da nossa formação política.
Os partidos políticos, tal como os conhecemos, surgiram após a Revolução Francesa e na sociedade industrial estruturada em classes mais ou menos definidas. Sua transformação em partidos de massa, com características ideológicas definidas, a partir do final do século XIX, decorreu de projetos programáticos e do surgimento de democracias de massa, mas não se pode dizer que estivessem intrinsecamente comprometidos com elas. Os partidos comunista e fascista, por exemplo, foram vocacionados para assaltar e manter o poder pela força, não para exercê-lo no âmbito da democracia representativa.
No Brasil, onde as ideias políticas acabam sempre mitigadas, os partidos já nasceram dissociados de seus objetivos programáticos. No Império, por exemplo, a luta de liberais (luzias) e conservadores (saquaremas) gravitava em torno do tema centralização/descentralização, ou seja, do exercício e controle do poder nas províncias; do ponto de vista programático, porém, ambos eram monarquistas e intransigentes defensores da escravidão. O movimento abolicionista desenvolveu-se à margem dos partidos; assim como o movimento republicano, era mais bem representado pela Escola Militar da Praia Vermelha do que pelo minúsculo partido ao qual emprestava o nome.
De certa maneira, o mesmo fenômeno se repete na crise da República Velha, na qual as elites regionais se digladiaram na luta pelo poder, até que as sucessivas crises da economia do café e o grande debate “agrarismo e/ou industralização” implodiram o pacto perverso das elites oligárquicas e seu sistema excludente e elitista de partidos regionais que se revezavam no poder a partir do eixo Rio-São Paulo.
A opção da elite cafeeira paulista pela industrialização gerou uma disjuntiva na qual o eixo da modernização se deslocou da República Velha para o Estado Novo, depois da Revolução de 1930, da fracassada Revolta Constitucionalista de 1932 e do incipiente levante comunista de 1935. A tentativa de constituir um sistema de representação corporativista na Constituinte de 1937, claramente de inspiração fascista, com a entrada do Brasil na guerra contra o nazifascismo, morreu no nascedouro.
Com a redemocratização, em 1945, a Guerra Fria se encarregou de fraudar o sistema representativo da Segunda República. O Partido Comunista (PCB), que ressurge no pós-guerra como um partido de massas, foi posto na ilegalidade, o que reforçou sua vertente golpista; e a antiga União Democrática Nacional (UDN), que nasceu da resistência à ditadura de Vargas, derivou de forma irreversível para o golpismo. Os três partidos de vocação verdadeiramente democrática eram o Partido Social-Democrata (PSD), conservador, elitista e ligado às oligarquias; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um partido de massas, nacionalista e populista; e o pequeno Partido Socialista Brasileiro (PSB), uma pequena agremiação de intelectuais progressistas.
Depois do golpe
Esses partidos protagonizaram os melhores e piores momentos da vida nacional, até o golpe de 1964, após o qual foram todos expurgados da vida política, com a reforma partidária imposta pelos militares, uma tentativa frustrada de implantar o bipartidarismo no Brasil. O projeto de institucionalização do regime autoritário, que havia derivado para o fascismo após o Ato Institucional no. 5, era uma espécie de “mexicanização” do país, no qual a hegemonia absoluta da Arena seria a via de transferência do poder para os civis.
Esse projeto sofreu sucessivas derrotas eleitorais — 1974 e 1978 — e foi sepultado com a anistia e a volta do pluripartidarismo, em 1979. Nova derrota do regime nas eleições de 1982, nas quais a oposição conquistou os principais governos estaduais, e a campanha das Diretas, Já!, apesar de frustrada, resultaram na derrota definitiva do regime, com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, que não assumiu, mas cujo vice, José Sarney, convocou uma Constituinte e completou a transição.
O regime partidário que resultou da Constituição de 1988, cuja marca é a ampla liberdade para formação de partidos, já surgiu, porém, em meio às mudanças no mundo descritas no começo desse artigo, embora com a aparência de que algo novo estava nascendo. O PMDB emergiu da ditadura como o grande partido político liberal democrático. Com o colapso do socialismo real no Leste Europeu, o surgimento do PT como partido de massas, ligado aos sindicatos e aos movimentos sociais, sinalizava, porém, uma ruptura com o comunismo e o populismo. Fundado por políticos e intelectuais progressistas, o PSDB oferecia à sociedade brasileira um programa social-democrata moderno, em sintonia com as necessidades de modernização do país.
Esses três grandes partidos, mas não somente, derivaram para o patrimonialismo e o clientelismo. Com seu transformismo, ameaçam garrotear a democracia brasileira, como principais artífices de uma reforma política cujo objetivo principal é salvar seus quadros enrolados na Operação Lava-Jato de uma degola eleitoral, em vez de renovar os costumes políticos do país.
Luiz Carlos Azedo: A gaiola dos perus
O que mais assusta os deputados é a proposta de “distritão”, uma velha tese do presidente Michel Temer, ressuscitada pelo relator da reforma, deputado Vicente Cândido (PT-SP)
Por causa da reforma política, o clima na Câmara ontem era de gaiolas de perus às vésperas da ceia de Natal. A algazarra era grande porque a proposta de mudança das regras do jogo nas eleições — do atual sistema proporcional uninominal para não se sabe ainda qual o modelo — pôs em risco a sobrevivência de muitos, principalmente os que conquistaram seus mandatos graças aos votos da respectiva legenda. O que mais assusta os deputados é a proposta de “distritão”, uma velha tese do presidente Michel Temer, ressuscitada pelo relator da reforma, deputado Vicente Cândido (PT-SP), que virou uma espécie de magarefe dos colegas. O “distritão” consiste na eleição dos deputados mais votados de cada estado, não importa a votação dada aos demais candidatos de cada partido. Foi aprovado na comissão especial por 17 a 15 e agora vai a debate em plenário.
O sistema só existe em quatro países: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn. Teoricamente, beneficiaria os campeões de votos e acabaria com o que é considerado por muitos como a uma grande distorção, a eleição de deputados graças à proporcionalidade da distribuição de cadeiras entre as legendas, de acordo com a ordem de votação em cada partido. Isso faz com que campeões de votos, em alguns estados, não consigam uma cadeira porque seu partido não alcançou a votação necessária, enquanto outros deputados são eleitos com votação irrisória beneficiados pelo voto de legenda. Isso faz com “puxadores” de legenda, como Tiririca (PR-SP), por exemplo, carreguem com a sua votação deputados menos votados do que os que não passaram a linha de corte da proporcionalidade entre as legendas.
A proposta caiu como uma bomba na comissão especial da reforma, que se reuniu ontem. É resultado de um acordo entre os caciques do PMDB, PSDB e DEM, que tentam blindar as legendas do desgaste da Operação Lava-Jato, mas o PT roeu a corda e, de olho nas alianças de 2018, resolveu liderar a reação contrária à proposta, que inviabilizaria os pequenos partidos de esquerda e outras legendas menores. “Nós já contamos com 200 deputados e vamos chegar a 250”, anunciou o líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE).
Na base do governo, a reação negativa também é grande. O líder do PPS, Arnaldo Jordy, também anunciou que a bancada é contra o “distritão”. Até mesmo dentro do PMDB, PSDB e DEM, há deputados que veem a proposta como uma ameaça eleitoral. Com isso, cresce a possibilidade de permanência do sistema atual, que tem sobrevivido a todas as tentativas de reformá-lo, com o fim das coligações e a cláusula de barreira. Outra possibilidade é a adoção do sistema distrital misto, no qual uma parte dos deputados é eleita pelos critérios atuais e a outra, pelo distrito eleitoral.
Passando do habitat das aves para o dos mamíferos, a alegria dos deputados tem o pomposo nome de Fundo Especial de Financiamento da Democracia, com ampla aceitação. O aumento do fundo partidário para 0,5% da receita corrente líquida da União, o que corresponderia hoje a cerca de R$ 3,6 bilhões, é como perguntar a macaco se quer banana. Com o fim do financiamento privado, a cobiça dos deputados em relação a esses recursos gerou uma espécie de leilão na Câmara, pois a divisão do fundo partidário é feita entre os partidos de acordo com o número de integrantes de cada bancada. Com isso, cada deputado valeria R$ 7,01 milhões. A conversa de bastidor na reforma política, por causa da janela para troca de partido que será aberta, na maioria dos casos, é na base de quanto cada um vai levar do botim ao entrar ou mesmo ficar em cada legenda. A orientação programática das siglas vale muito pouco nesse tipo de conversa.
Imunidades
Atualmente, a Constituição define que o presidente da República não pode ser preso por crimes comuns enquanto não houver sentença condenatória, nem pode ser investigado por fatos anteriores ao exercício do mandato. Em caso de indício delituoso, se for denunciado, o processo no Supremo Tribunal Federal (STF) depende de prévia aprovação da Câmara. Essa regra, pelo relatório de Vicente Cândido, seria ampliada para toda a linha sucessória da Presidência da República: vice-presidente da República e presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta faz parte do conjunto de medidas que visam blindar a cúpula do Congresso contra a Lava-Jato.
A propósito, pegou mal o encontro da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com o presidente Michel Temer na noite de terça-feira, fora da agenda oficial, para tratar da sua cerimônia de posse. Cogita-se que seja no Palácio do Planalto e não na sede do Ministério Público Federal. Até aí nada demais, pois uma das posses do atual procurador-geral, Rodrigo Janot, também foi lá, durante o governo Dilma Rousseff. O problema é que o encontro não constava da agenda da Presidência e a conversa derivou para a queda de braços entre Temer e Janot, o que desgastou a nova procuradora-geral da República entre seus colegas de MPF.
Cezar Vasquez: A Lava-Jato e o neolítico moral
A questão moral tem comandado o debate público brasileiro. A corrupção, que envolve políticos de todos os níveis e esferas de poder, paira como a causa de todos os males nacionais. Crise na saúde, falência dos Estados, desemprego, violência, quase tudo direta ou indiretamente parece estar relacionado com a decadência moral da classe política.
Desconfiança e baixa credibilidade da “classe política” não são fenômenos nacionais e muito menos novidades. Se tomarmos como referência o Índice de Confiança Social do Ibope, desde 2009 que o Congresso Nacional e os partidos políticos aparecem como as instituições com os menores índices de confiança entre as avaliadas. Há uma mudança no patamar da avaliação em 2013, anos das manifestações que, para muitos analistas políticos, são consideradas um marco de inflexão do modelo político brasileiro.
A baixa credibilidade por si só não explica a ascensão da questão moral como um dos elementos primordiais do debate público, muito embora tenha facilitado a utilização política do tema e servido como solo fértil para esse tipo de pregação. Certo mal-estar já havia se consolidado na percepção da opinião pública sobre as relações envolvendo classe política e recursos provenientes de corrupção. Poucos anos antes ocorrera a crise do mensalão, que revelou de forma clara certos meandros das relações entre financiamento de campanhas, agências de publicidade, partidos políticos e grandes empresas. Ao longo do processo de reconstrução democrática foram inúmeras as crises políticas com fortes bases de natureza moral. Impeachment do Presidente Collor, Anões do Orçamento, Crise do Painel do Senado e várias outras.
O novo e decisivo elemento no atual contexto foi a Lava-Jato. A operação começou em 2009 numa investigação sobre o crime de lavagem de recursos envolvendo o ex-deputado José Janene e doleiros. A partir de 2013, por meio de interceptações de conversas telefônicas é identificado um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo diretores da Petrobras. Em março de 2014 é deflagrada a primeira grande operação com prisões, ações de busca e apreensão e conduções coercitivas para tomada de depoimentos. É nesse momento, em função do uso de uma rede de postos de gasolina e lava jatos para movimentar recursos ilícitos por parte dos investigados que a operação é batizada com esse nome.
A discussão aqui não tem relação com os meandros técnicos da operação, com seus erros e acertos, ou com a culpa dos investigados e condenados. A ideia é discutir e avaliar discurso e estratégia política armada pelos próprios procuradores e o juiz Sérgio Moro em defesa da operação. Desta forma, estimar consequências para o futuro das instituições políticas e a vinculação de certas afirmações com determinadas visões de reformadores morais.
É impossível determinar se, no início das investigações, tinha-se noção do impacto que as mesmas teriam sobre a atividade política do país. A narrativa oficial é de que a partir de uma pista, a venda de um automóvel feita por um doleiro para um diretor da Petrobras, se puxou um fio, que trouxe um novelo. No entanto, a inspiração na Operação Mãos Limpas, da Itália, reiterada pelo próprio juiz Sérgio Moro, bem como a própria experiência pregressa do mesmo no processo do Banestado e do Mensalão, indicam que o alvo inicial das investigações não era apenas a lavagem de dinheiro por um grupo de doleiros.
Em entrevista, em 20 de dezembro de 2016, ao jornalista Wilson Tosta, do jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Vianna atacou a cultura das corporações do ministério público e de certos setores do judiciário, classificando-os como sendo uma espécie de “Tenentismo Togado”.
Perguntado sobre a extensão da crise política após a revelação das delações premiadas da Odebrecht, ele respondeu: “Essas coisas não estão acontecendo naturalmente. Não são processos espontâneos. A essa altura, a meu ver, não há dúvida de que há uma inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia”.
Mas para além da denúncia da luta dessas corporações para aumentar seus poderes e privilégios, o que realmente interessa é o sentido autoatribuído de certos personagens nesse processo. Perguntado se faltam controles, na Constituição, sobre essas instituições, Werneck Vianna oferece a seguinte resposta: “Em princípio, não. O problema é que as instituições tem que ser “vestidas” pelos personagens. E, a partir de certo momento, os personagens começaram a ter comportamentos bizarros. E que têm essa visão iluminada que os tenentes tiveram, nos anos 20. Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o país. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral”.
As perguntas seguintes do jornalista levam o cientista político para o tema que nos interessa aqui: 1) “Mas o combate a corrupção não é importante?” 2) “E a atuação dessas corporações fortalece a negação da política?” E as respostas de Werneck Vianna abrem o caminho para a segunda parte desse artigo: 1) “Sem dúvida. Agora, política é política. Esse judiciário que está aí ignora a existência de Maquiavel. Ele se comporta apenas com um ímpeto virtuoso. Com um ímpeto de missão.” 2) “Sim. Elas só existem desse jeito destravado, sem freios, porque as instituições republicanas recuaram. E o presidencialismo de coalizão teve responsabilidade nisso. Porque rebaixou os partidos. Fez dos partidos balcões de negócios.”
O Neolítico moral
A referência a Maquiavel nos remete à discussão sobre a tese do Neolítico Moral, exposta no capítulo um do livro “Vícios Privados e Benefícios Públicos”. É interessante como a referência cifrada de Werneck Vianna coincide com uma passagem do texto de Eduardo Giannetti sobre a posição de Maquiavel. “Ao contrário de Lucrécio e Platão, tanto Hobbes como Maquiavel não embarcam num projeto de realçar com tintas fortes a realidade de um suposto hiato moral entre o que é e o que deve ser. Eles não se apresentam como portadores de valores puros e superiores aos do homem comum, ou como reformadores morais da sociedade”. (1)
A tese do Neolítico Moral baseia-se no conceito de que há um hiato entre o progresso material da sociedade humana, do conhecimento e da ciência e o progresso moral da humanidade. Há a ideia de que o progresso moral não acompanha o progresso material e as visões que colocam no próprio avanço da civilização a causa da degeneração moral. No texto de Giannetti o ponto de partida é a desilusão que a Primeira Guerra Mundial trouxe na crença quanto a certa infalibilidade do progresso humano. Entre a segunda metade do século XIX e o início da guerra, a civilização europeia vivia sob certa crença na inevitabilidade e infalibilidade do progresso. Em 1919, o filósofo inglês L.P.Jacks formula a ideia de que apesar de todo o avanço material conquistado “do ponto de vista moral, nós vivemos ainda na era neolítica...”
A noção de um descompasso entre o progresso da civilização e o progresso moral está presente, segundo Giannetti, desde o próprio surgimento da filosofia moral, no Iluminismo grego, no século V a.C. “O início da reflexão crítica sobre a conduta humana marcou também o início de expectativas mais elevadas sobre as capacidades e o potencial humano”. Se em Sócrates isso é um projeto de filosofia moral, em Platão ele se transforma em um projeto social, de construção de instituições capazes de reformar a conduta humana. Em Platão surge, segundo Giannetti, pela primeira vez a noção de degeneração moral em decorrência do progresso material.
Essa ideia teve em Lucrécio, expoente da filosofia epicurista, o grande defensor no mundo latino. A diferença para Platão é que ele não propunha um programa institucional, tampouco acreditava que o progresso fosse ruim em si. Mas apostava na moderação como elemento para uma mudança no modo de vida como o melhor caminho para o homem conviver com as “tentações” advindas do progresso.
Os temas da crítica moral da antiguidade são retomados pela filosofia moderna. Hobbes e Maquiavel têm uma visão pouco otimista sobre o comportamento humano. A diferença é que, como foi ressaltado acima, não se propõem a estabelecer um padrão ideal, mas passam a admitir “o comportamento irrefletido e inconstante da maioria dos cidadãos na sua relação com as leis e o poder público ” como um dado da realidade.
Mas o relativismo de Hobbes e Maquiavel não foi a atitude representativa da filosofia moderna. A postura normativa foi a tônica predominante e, a partir de meados do século XVIII, a tese do Neolítico Moral passa a ser um lugar comum. O melhor e mais influente representante desta posição seria Rousseau.
“Mais do que qualquer outro, Rousseau defendeu de maneira intransigente a ideia de que a civilização provocou o atraso moral do homem”. “Com a mesma intensidade com que denigre a situação existente Rousseau vai enaltecer o futuro sonhado e afirmar o potencial de mudança. Parte da receita é o estabelecimento de um novo (e genuínuo) “contrato social”, que, por meio de um drástico rearranjo jurídico e institucional, transforme a ordem opressiva e injusta como ela é na ordem democrática e igualitária como ela deve ser.” “Mas o principal ingrediente da mudança viria não de fora, mas de dentro do próprio homem. É a crença na “perfectibilidade humana” que vai alimentar a visão rousseauniana da possibilidade de uma completa regeneração da ordem política e social, isto é, da criação de uma sociedade justa na qual o homem – remodelado e apaziguado – deixou de ser o vaidoso e insaciável para se tornar o cidadão virtuoso e dedicado de uma democracia igualitária.”
No texto de Giannetti é apresentada uma resenha bastante completa sobre a evolução histórica das ideias. Evolui até a utilização do Neolítico Moral na discussão ambiental o seu uso por neurocientistas. A tese é contestável. Não é possível propor uma métrica de evolução histórica. E muito menos para a moral. No entanto, o descontentamento moral é positivo em si. O problema é quando a tentação à normatização descamba para o messianismo. E aqui retornamos à Lava-Jato.
Certos aspectos complexos da estratégia e do discurso
Quando analisamos as palestras e entrevistas do juiz Sérgio Moro, é possível notar que boa parte das explicações oferecidas é ancorada na posição institucional do poder judiciário. Uma profunda convicção, ou um discurso muito elaborado, retira qualquer possibilidade de atribuir intenção ou caráter político à operação Lava-Jato. É tudo dever de ofício. Ao mesmo tempo, no desenvolvimento do discurso, alguns conceitos começam a ser apresentados. Eles surgem como resultados ocasionais, descobertas das investigações. O primeiro deles é o conceito de corrupção sistêmica.
No evento “Vamos conversar sobre ética”, da Universidade Positivo, em 18 de agosto de 2016, o juiz Sérgio Moro falou por pouco mais de uma hora. Partindo do que teria sido uma impressão colhida numa confissão, em que o réu assumia com naturalidade a prática de corrupção e alegava ser isso uma praxe de mercado, parte para a conclusão de que mais do que um delito haviam se deparado com uma realidade de “corrupção sistêmica.” Na segunda parte da palestra, o juiz enaltece os aspectos positivos da operação para o país. E, além das punições, do desbaratamento das quadrilhas e da recuperação de recursos ele aponta para um benefício futuro. Historiando importantes conquistas da democracia brasileira, ele ressalta o fim da hiperinflação e a redução das desigualdades, de certa forma fazendo uma alusão indireta aos governos FHC, Plano Real e governo do PT. Em seguida, propõe que o fim da corrupção sistêmica poderia ocupar o mesmo papel na construção da democracia brasileira. Em outro momento chega a sugerir que a agenda anticorrupção era o único elemento de unidade nas grandes manifestações de massas de 2013.
Interessante também é analisar certos aspectos da estratégia de comunicação. O jovem procurador Daltan Dallagnol é considerado uma das estrelas desse processo e assim tem se comportado. Transcrevo abaixo dois trechos de artigos seus, publicados na mídia e postados no site da própria Lava-Jato do MPF.
“Além disso, a gravidade do tráfico não supera a da corrupção. Os desvios bilionários da corrupção corroem a saúde pela ausência de saneamento básico. Matam pela ausência de hospitais, aparelhos e medicamentos para atendimento. Fortalecem organizações criminosas pela educação e segurança deficientes, propiciando o aumento da violência e da marginalização. Geram um Estado paralelo, que governa para interesses privados. Para além do tráfico, a corrupção mina perigosamente a confiança da população nas instituições e no regime democrático”. (2)
“As características da corrupção, que pode ser praticada por meio de mensagens de telefone ou internet, impedem solução diversa. Não por outra razão, as custódias foram e são mantidas por três tribunais totalmente independentes em mais de trinta decisões. Solução dura e excepcional semelhante é aplicada no caso de traficantes de drogas que praticam reiteradamente o crime, ainda que o tráfico, como a corrupção, cause violência e milhões de mortes apenas indiretamente. Não há razão para distinguir, nessas circunstâncias, corrupção e tráfico”. (3)
A insistência em comparar a corrupção com o tráfico de drogas parece mais uma estratégia de comunicação política do que uma defesa jurídica. Primeiro pelo tráfico ser uma atividade ilícita fortemente controversa do ponto de vista moral. Segundo, por tentar reforçar a desigualdade entre “delinquentes pobres” e “delinquentes ricos”. Por fim, por articular a ideia de que ambas as atividades matam indiretamente, em suas consequências. Ora, o tráfico é letal na sua operação, não no consumo. Nesse caso o problema é o vício, um problema de saúde. A corrupção não é obrigatoriamente letal na operação (embora possa ocorrer ajustes de contas) e a letalidade como consequência é uma ilação tão descabida como atribuir aos privilégios dos procuradores da República a falta de remédios nas farmácias populares.
Ainda associado a esse último aspecto existe uma tentativa de responsabilizar, perante a opinião pública, a corrupção pela crise fiscal do país e dos estados. Como se a crise fiscal não tivesse relação com a própria crise econômica e fosse resultado exclusivo de um processo moral. É interessante notar que durante muitos anos houve resistência corporativa contra a reforma do Estado e da Previdência baseada num discurso semelhante. A ideia de que, se fossem fechados os ralos da corrupção, sobrariam recursos.
O problema é que o país está convivendo com duas agendas. Uma imposta pela crise econômica, de ajustes macroeconômicos e de reformas do estado e política. E outra pautada no combate à corrupção sistêmica, que está sendo imposta pelos “tenentes de toga”. Baseada no arcabouço legal, não resta dúvidas. Com ações justificadas. Especialmente pela transformação da política nacional em um grande balcão de negócios nas últimas décadas. Mas que se move sem um projeto para o país e se baseia exclusivamente numa perspectiva de reforma moral.
A suspeita de que por trás da Lava-Jato haja de fato um projeto corporativo e moral para o país pode ter consequências funestas. Talvez nem tanto pelo “empoderamento” dos paladinos da justiça da Lava-Jato, mas pelo imponderável que possa seguir. Nesse sentido, cabe uma última citação de Giannetti a título de encerramento.
“Para o bem ou para o mal, a rica experiência política e econômica do século XX, com suas guerras, ondas de fanatismo e o espantoso débâcle do comunismo soviético mostrou de forma contundente que a psicologia moral dos homens está longe de ser tão plástica ou maleável quanto os iluministas exaltados e seus seguidores fariam crer”.
“A mente humana é ainda pouco conhecida, mas seguramente ela não é uma “página em branco” da qual se pode erradicar, por qualquer método conhecido, as paixões não-racionais que os filósofos morais condenam há mais de dois mil anos. O que é certo, contudo, é que, quanto mais os moralistas e reformadores sociais bem-intencionados ignoram as realidades recalcitrantes da natureza humana, mais a natureza humana, por sua vez, os ignora.”
Não faltaram candidatos para ocupar o espaço!
* Cezar Vasquez é engenheiro.
Lúcio Flávio Pinto: Corrupção, buraco sem limite?
A revista Época considerou Aldemir Bendine o 32º brasileiro mais influente em 2009. Ele acabara de assumir a presidência do Banco do Brasil, onde trabalhava há 31 anos. O presidente Lula (no cargo havia seis anos) lhe deu a missão de recuperar a mais antiga instituição financeira do país. Na época, ainda o maior banco brasileiro (perdeu a posição a seguir para o Itaú).
Bendine se saiu tão bem que, quatro anos depois, o portal iG o elevou para a 11ª posição entre os mais poderosos. Já a revista Istoé Dinheiro lhe deu o título de empreendedor do ano nas finanças nacionais. Dois anos depois, a presidente Dilma Rousseff o designou para a maior empresa do Brasil, a Petrobrás.
Na época, ele teria que fechar o balanço do segundo semestre de 2014, que a PriceWaterhouse se recusara a avalizar sem a inclusão do prejuízo de 6,2 bilhões de reais causado pela corrupção dentro da companhia, que resultara no início da Operação Lava-Jato, em março de 2014. Bendine fechou as contas, com o maior prejuízo da história, de R$ 21 bilhões.
Fez um emocionado e emocionante discurso saudando a nova fase, que voltava a dar dignidade à empresa e aos seus funcionários. A fase negra passara, assegurou ele, do alto dos seus 50 anos e 37 vida pública como técnico, formado em administração pela PUC do Rio.
Teria continuado à frente da Petrobrás se a presidente Dilma Rousseff não tivesse sido derrubada pelo processo de impeachment. Saiu da Petrobrás quando Michel Temer assumiu a presidência da república. Ainda assim, Bendine podia ter se aposentado com uma biografia brilhante e digna.
Ao invés disso, ele foi preso pela Polícia Federal. Ficará em prisão temporária por cinco dias, por ordem do juiz Sérgio Moro, no 42º capítulo da Lava-Jato. Uma versão inteiramente oposta à da história oficial de Bendine circulava pela força-tarefa da LJ havia mais de dois anos.
A história se baseava nos depoimentos de Marcelo Odebrecht e de um importante executivo da sua empresa, Fernando Reis. Em delação premiada, eles admitiram que pagaram propina a Bendine, depois de tentarem resistir a investidas que ele vinha fazendo para receber dinheiro ilícito.
Primeiro, se oferecendo para facilitar o refinanciamento de dívida de subsidiária da empreiteira. Depois, no golpe mortal, ameaçando prejudicar a empresa junto à Petrobrás, com quem ela mantinha alguns dos seus maiores contratos.
Bendine começou a receber o pagamento parcelado (de 15 em 15 dias) dos três milhões que a Odebrecht finalmente aceitou lhe fazer um mês depois de assumir a presidência da estatal do petróleo e antes da cena armada para demarcar a volta da Petrobrás a um padrão de decência. Nessa época, o nome dele já estava na agenda das investigações. Era certo que a polícia chegaria a ele.
Chegou pelo receio de que ele fugisse para o exterior, aproveitando-se da condição de filho de italianos (como outro integrante do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato). Bendine estava com passagem marcada para Portugal hoje.
Será que um cidadão com a trajetória do ex-presidente de duas instituições tão poderosas como a Petrobrás e o Banco do Brasil, que decide sobre centenas de milhões ou mesmo bilhões de reais, é capaz de se sujar por fração desse volume de dinheiro e pôr a perder o conceito (mesmo que falso, mas com aceitação pública) criado ao longo de quase quatro décadas de vida?
Impressionante e assustadora se tornou a corrupção no Brasil. Espantosa, se a versão que levou Bendine à cadeia for mesmo a verdadeira. Uma corrupção cujo fundo não tem fim. Quanto mais se cava, mais fundo surge. Nesse ritmo, até onde irá o Brasil para identificá-la e colocá-la sob um padrão de dignidade autêntico, não a simulação de Bendine & Cia?
Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).
Folha de S. Paulo: Novas delações podem atingir inquéritos sobre Temer, diz Janot
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, 59, diz que "colaborações em curso" podem ajudar nas investigações contra o presidente Michel Temer por suspeita de obstrução de Justiça e organização criminosa.Os inquéritos servem para embasar novas denúncias contra o peemedebista.
LEANDRO COLON, DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
REYNALDO TUROLLO JR., DE BRASÍLIA
A PGR negocia, segundo a Folha apurou, as delações do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador financeiro Lúcio Funaro, ambos presos pela Lava Jato.
Janot diz que não pode confirmar as tratativas, mas questionado sobre o que um político como o ex-presidente da Câmara tem de entregar para fechar um acordo, ele respondeu: "O cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa".
O procurador-geral recebeu a Folha em sua casa no sábado (5), em Brasília, para uma entrevista. Indicou que prepara nova denúncia contra Temer, revelou que pedirá a anulação de uma delação e afirmou que a saída para o país não é "considerar bandido como político".
Janot, cujo mandato na PGR termina em 17 de setembro, contou que pretende tirar férias acumuladas até abril e projeta se aposentar no meio do ano que vem.
Folha - Os bambus acabaram? Ainda restam flechas?
Rodrigo Janot - Restam flechas. A gente não faz uma investigação querendo prazo e pessoas. As investigações vão ficando maduras até que se possa chegar ao final. E várias estão bem no finalzinho. Eu diria que tem flecha.
Quais são?
A surpresa você vai deixar para mim, né?
Não foi um pouco de soberba ter falado em flecha (em um evento recente)?
Isso é brincadeira que a gente faz internamente desde a época do Cláudio Fonteles [2003-2005]. A gente dizia que temos que trabalhar, e a expressão dizia isso, enquanto houver bambu, lá vai flecha. Não é soberba nenhuma.
A Câmara barrou a denúncia por corrupção contra Temer. É frustrante ver o trabalho ser enterrado?
A Câmara não barrou a denúncia. A Câmara faz um julgamento político de conveniência sobre a época do processamento penal do presidente. Fiz meu papel, cada instituição tem que fazer o seu. A Câmara entendeu que não era convenientemente o momento para o processamento do presidente. Que a Câmara agora arque com as consequências. Agora, a denúncia continua íntegra, em suspenso esperando o final do mandato. Acabou o mandato, a denúncia volta e ele (Temer) será processado por esses fatos que estão ali imputados, que são gravíssimos.
Como fica a situação do ex-deputado Rocha Loures?
Vou pedir a cisão do processo, sim, e ele vai responder esses fatos.
A denúncia descreve roteiro plausível de crime de corrupção, mas não aponta que a mala de R$ 500 mil recebida por Loures da JBS foi para Temer. O sr. acha que a falta dessa ligação ajudou a segurar a denúncia?
Temos de entender que o crime de corrupção não precisa de você receber o dinheiro, é aceitar ou designar a proposta. Receber o dinheiro é a chapada do crime de corrupção. Se a gente não vive um país de carochinha, uma pessoa que designa um laranja para acertar acordo ilícito, que acerta a propina e recebe a mala, vou exigir que a pessoa que designou o laranja receba pessoalmente o dinheiro? Jamais alguém vai comprovar.
Mas existe a possibilidade de o Loures ter feito o acordo sem que o presidente soubesse, não?
É admitido como possibilidade, vamos ouvir o Loures. Ele é designado como o meu (Temer) homem de confiança para tratar por mim todos os assuntos, trata a corrupção e depois a recebe. Se isso acontecesse com qualquer pessoa, acho muito difícil qualquer um de nós ter um outro juízo que não fosse "esse sujeito que foi designado como laranja recebeu o dinheiro para aquela pessoa". Como é que eu, de antemão, vou separar isso? Não tem como. Nesse caso específico, tínhamos réu preso. Em se tratando disso, o inquérito tem que ser concluído em dez dias e a denúncia tem que ser oferecida em cinco.
Mas é consequência de a PGR ter pedido a prisão. Se não pedisse, haveria mais tempo para investigar.
E deixo que o crime continue sendo praticado? Na esperança de que esse dinheiro vá chegar às mãos do presidente? Não somos ingênuos. Vocês acreditam que essa mala chegaria às mãos do presidente? Que o Loures entregaria a mala? "Olha, presidente, vim trazer a sua malinha." O dinheiro seria repassado de outra forma. Todas as investigações que fizemos mostram que uma organização criminosa atua de maneira profissional, não infantil.
Como então o dinheiro chegaria ao Temer?
Ou para pagamento de alguma campanha, ou para uma conta, ou para pagamento de despesas em 'cash'. Como se apura despesas em 'cash'? Não apura.
A segunda denúncia contra Temer será só por obstrução da Justiça?Não sei. Nós temos duas investigações: obstrução e organização criminosa.
Qual a chance de não sair outra denúncia?
Quem falou isso? Eu continuo minha investigação dizendo que enquanto houver bambu, lá vai flecha. Meu mandato vai até 17 de setembro. Até lá não vou deixar de praticar ato de ofício porque isso se chama prevaricação.
Na semana passada, o sr. pediu deslocamento da investigação de organização criminosa, envolvendo Temer, do inquérito da JBS para o do "quadrilhão" do PMDB da Câmara. Por que isso foi feito agora?
O presidente só pode ser investigado por atos praticados durante o exercício do mandato. O crime de integrar organização criminosa é permanente, então essa investigação tem que ficar permanentemente atenta para saber se a organização existe ou não, está em atividade ou não. Com esses últimos fatos [da JBS], a gente viu que a organização criminosa continua em plena e total atividade.
A investigação de obstrução já foi concluída pela PF.
Uma coisa é a polícia relatar. Outra coisa é eu, como titular da ação, entender que é o suficiente. Se entender que não, vou pedir diligências. Estamos com colaborações em curso que podem e muito nos auxiliar em uma e outra investigação.
O sr. está falando de Cunha e Funaro?
Não posso dizer quem são. As colaborações são sigilosas.
Falamos de ambos porque Cunha e Funaro estão ligados ao diálogo do Jaburu [gravado por Joesley Batista] e são personagens do inquérito do "quadrilhão".
Sobre colaborações em curso não posso falar. Não posso nem reconhecer que esse cidadão está em colaboração com a Procuradoria, a lei me impõe sigilo sobre o assunto.
O sr. não fala sobre negociações em sigilo, mas o que uma figura como Cunha teria que entregar para conseguir fazer um acordo com vocês?
Um dos critérios é o seguinte: o cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa.
A questão da imunidade dada aos delatores não pode ter sido o principal erro do acordo com a JBS?
Se houve erro, foi de comunicação. Vamos lembrar. Recebo comunicado de que empresários relatariam com provas a prática de crime em curso do presidente, de um senador (Aécio Neves) que teve 50 milhões de votos na última eleição e seria virtualmente o novo presidente, de um deputado e de um colega [procurador] infiltrado na nossa instituição. Eles dizem: "A gente negocia tudo, menos a imunidade". A opção que tinha era: sabendo desse fato e não podendo investigar sem que colaborassem, teria que deixar que isso continuasse acontecendo ou conceder a imunidade. E mais: essas pessoas não só nos levaram áudios lícitos e válidos que comprovavam o que diziam. Elas se comprometeram a fazer ações controladas. Assumiram risco de fazer ações sem ter o acordo, e produziram prova judicial -a da mala do presidente, a da mala do senador, a da conversa do meu colega infiltrado-, e eu [ia] dizer assim: "Isso é muito pouco, eu quero que vocês tenham prisão domiciliar com tornozeleira."
Mas isso (prisão domiciliar com tornozeleira) era o mínimo, não?
Como o mínimo? O cara está entregando o presidente cometendo um crime em exercício. Você, como jornalista, tem conhecimento três meses depois de que isso me foi oferecido e eu recusei. Você acha que seu jornal, e você, como jornalista, iriam elogiar a minha atuação? Iam dizer "agiu certinho, tinha que continuar praticando crime, sim". Se houve erro, foi erro de comunicação nossa, porque a contraparte foi esperta em usar versões do fato para tentar mudá-lo.
Outro erro que a PGR pode ter cometido é não ter pedido perícia no áudio antes do inquérito.
Isso não existe. Como é que você faz uma perícia fora do inquérito? Prova ilícita, debaixo do tapete? Então eu recebo o áudio e digo que vou primeiro chamar o Mr. Bean [o comediante] para dar uma analisada para ver se vou instaurar inquérito. Isso é feito no inquérito. E qual foi o resultado da perícia? Nenhuma interferência no áudio.
Vocês não correram risco?Risco algum. A gente faz uma avaliação de risco antes, é claro, a gente tem técnico. Nós pegamos esse áudio, passou pelo nosso lado técnico. Um jornal, que não vou dizer qual foi, me publica um negócio dizendo que aquilo era uma perícia.
O sr. pode falar, foi a Folha (o jornal publicou uma perícia apontando edições na gravação).
E depois esse jornal envergonhadamente volta atrás e diz "erramos".
O jornal em nenhum momento admitiu que errou, a gente fez uma segunda perícia apontando que não houve edições.
A primeira perícia era de uma pessoa que escrevia [em seu laudo] que ouviu o áudio e, da oitiva, tirou as seguintes conclusões.
Mas nem vocês tinham feito a perícia.
A gente fez uma análise técnica, de viabilidade. Meu lado técnico disse que a probabilidade de ter alteração é 99,9 negativa.
A Folha abriu o debate sobre algo que deveria ter sido feito antes.
Mas foi feito [uma análise]. Perícia não se faz antes, você quer uma perícia no subterfúgio? Olha o que vocês estão sugerindo, que a gente faça uma investigação fora de um procedimento [formal]. Eu recebo [o áudio] e no escuro digo "vamos olhar aqui". Tem que ser tudo aberto. E onde é que a gente investiga? No inquérito.
O sr. continua achando que, na gravação, dá para interpretar aval do Temer para a compra do silêncio do Cunha?
"Tem que manter isso" o que é? Uma compra de carne? É uma feitura de suco? É fazer lanche? Qual era o fato que se discutia? "Eu estou segurando a boca de duas pessoas, Cunha e Funaro". "Muito bom, muito bom, tem que manter isso." Esse diálogo não foi negado pelo presidente, mas ele diz assim: "A interpretação que eu faço desse diálogo é outra". Se a gente não vive o país da carochinha, vamos interpretar o que está dito, gravado.
O sr. disse que soube da gravação de Joesley no Jaburu depois que ela ocorreu. É difícil acreditar nisso...
Eu não sou mentiroso, vamos começar por aí.
Por que ele faria isso da cabeça dele sem saber se vocês aceitariam? Ele não correu um risco?
Vocês acreditariam se alguém dissesse "peguei o presidente da República com a boca na botija"? Aí você diz assim: "E qual a prova que você tem?" "Nenhuma, eu ouvi o cara falar." Você acha que eu assumiria o risco de induzir uma prova ilícita que eu não pudesse usar depois? É maluquice completa. Eu nunca conversei com ele antes disso.
Há uma bala de prata contra o presidente?
Não, existem flechas [risos]. Eu sou ecológico.
O presidente fala que o sr. tem atuado de forma política e pessoal contra ele.
Sempre trato os investigados e réus com respeito. Quando é que me dirigi ao presidente de maneira desrespeitosa? Não posso tergiversar com a pessoa que praticou ilícito. Isto é uma República, a lei é igual para todos.
A defesa de Temer diz que seus atos desestabilizam o país econômica, política e socialmente. O sr. acha que o Ministério Público leva em conta esses fatores ou deve levar?
Não deve levar. A partir do momento em que começo a contabilizar fatores econômicos, políticos, sociais, antropológicos, aristocráticos, como é que tenho critério objetivo para dizer que uma investigação vai desse jeito e a outra não? A solução para esse imbróglio só tem uma saída e é política. Agora, saída política não é você considerar bandido como político. O bandido que se esconde atrás do manto político não é político, é bandido.
O presidente Temer é um bandido?
Não, não estou falando isso. O bandido que se esconde atrás do manto de empresário não é empresário, é bandido. O bandido que se esconde atrás do Ministério Público não é membro, é bandido. Tem que ser tratado como bandido.
Há quem diga que sua sucessora, Raquel Dodge, é reservada e o sr. mais expansivo, com estilo midiático. Isso pode ter criado imagem de que o o sr. age para enfrentar, para retaliar, com o 'fígado'?
As pessoas fazem suas interpretações dependendo do que lhes é conveniente. Dizer que tenho um perfil midiático, quantas vezes eu falei com a imprensa? Falo muito pouco. Isso é tudo construção para favorecer os investigados.
Alguns críticos falam que a PGR trabalha com calendário político, mede passos em cima de episódios.
De jeito nenhum. Na minha cabeça, depois da Odebrecht, que era dita a "delação do fim do mundo", surge a JBS, que foi a colaboração Armagedom. Essa Armagedom não estava na nossa cogitação. Esse calendário não é meu.
A PF pediu a revogação da delação do Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro), falando que não avançou. Tanto a delação dele como a do Delcídio do Amaral não ocorreram sem provas?
Tudo o que foi colhido em áudio pelo Machado, de que é "preciso dar um basta", "nós temos que controlar essa história", não está acontecendo? O colaborador pode perder a colaboração se não auxiliou na obtenção da prova. Antes de sair estarei -não vou dizer de quem- inaugurando um incidente de revogação de um acordo por falta de protagonismo do colaborador.
O sr. costuma falar em divergência de procedimentos com a dra. Dodge. Quais são essas divergências?
Eu tenho facilidade para delegar, porque se não conseguir, não consigo marchar para a frente. E, pelo que conheço dela, não tem essa facilidade de delegar, é uma pessoa que concentra mais. Isso não é erro. Tenho uma maneira de trabalhar, ela tem outra. Não me preocupo de ela mexer ou alterar (investigações em curso). De ela engavetar me preocupo, sim. Se pretender engavetar, é lógico que vou me preocupar. Não acredito nisso.
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Raio-X
Formação
Graduado e mestre em direito pela UFMG, especializou-se em meio ambiente e consumidor na Scuola Superiore Sant'Anna, em Pisa (Itália)
Cargos
Ingressou no Ministério Público Federal em 1984. Foi promovido a procurador regional da República em 1993 e a subprocurador-geral em 2003. Foi secretário-geral do MPF de 2003 a 2005
-Cronologia
17.mai.2017
É revelada a delação da JBS, que ameaça o mandato de Temer. Janot é criticado por conceder benefícios aos irmãos Joesley e Wesley Batista
26.jun.2017
Janot denuncia o presidente ao Supremo sob acusação de corrupção passiva. Temer reage e acusa Janot de buscar "revanche, destruição e vingança"
1.jul.2017
Procurador-geral diz que "enquanto houver bambu, lá vai flecha" em referência a seu trabalho nos meses que restam de mandato
2.ago.2017
Denúncia é barrada na Câmara e Temer diz que peça de Janot é uma "ficção" baseada em um ato criminoso patrocinado por um "cafajeste" e "bandido"
3.ago.2017
Temer volta a criticar procurador-geral, que define estratégia para apresentar ao STF nova denúncia, desta vez sobre obstrução da Justiça
17.set.2017
Data em que Janot encerrará o mandato. Equipe dele e advogados dos envolvidos trabalham para tentar fechar antes mais acordos de delação
Ricardo Noblat: Delenda Lava Jato
Temer ficou porque era melhor para todo mundo. Melhor para o Congresso acuado pela Lava Jato e interessado em extrair vantagens de um presidente fraco. Melhor para a oposição que imagina crescer batendo nele.
Melhor para os reais donos do poder satisfeitos com a sua agenda de reformas. Melhor até para a maioria dos brasileiros que o rejeita. Trocá-lo por quem? E a 15 meses de uma nova eleição?
As ruas não roncaram contra Temer porque não são tão bobas. Em junho de 2013, o ronco repentino e espontâneo surpreendeu governantes e partidos de todas as cores. Foi só um susto, contido pela ação violenta da polícia e dos black blocs.
Movimentos como aquele, sem líderes para conduzi-lo, sem pauta definida, esgotam-se como simples ventanias. Por vezes funcionam como aviso. Foi o caso.
A partir de 2015, as ruas roncaram forte contra Dilma pelas razões conhecidas – estelionato eleitoral, governo desastroso, recessão econômica com o desemprego de mais de 15 milhões de pessoas e a corrupção revelada pela Lava Jato.
O gatilho do impeachment foram os gastos não autorizados pelo Congresso e a maquiagem das contas públicas, uma clara violação da lei. De fato, Dilma caiu pelo conjunto da sua obra.
Temer foi acusado de corrupção. Seria o verdadeiro destinatário da mala com R$ 500 mil entregues pelo Grupo JBS ao então deputado Rocha Loures.
De fato, ele foi salvo por falta de alternativa e pelo conjunto da sua obra – a lenta recuperação da economia, a inflação quase negativa, a redução da taxa de juros, a compra de votos de deputados e a promessa de reformas que se forem feitas já virão tarde e pela metade.
Raros os deputados – Miro Teixeira (REDE-RJ) foi um deles – que discutiram a fundo e votaram com seriedade o pedido de licença para que a Justiça examinasse a denúncia de corrupção contra Temer.
Não será diferente se ele for de novo denunciado. É improvável que Rodrigo Janot tenha guardada alguma flecha de prata. Mas de prata ou de chumbo, se disparada ela paralisará o Congresso outra vez.
Neste país, corrupção não derruba presidente. Getúlio Vargas matou-se ao concluir que perdera apoio político para governar. Jânio Quadros renunciou para voltar depois como ditador. João Goulart foi deposto por um golpe militar.
A morte impediu a posse de Tancredo Neves. Fernando Collor governou de costas para os partidos. Se não fosse por isso teria completado o mandato. Dilma, também. Temer foi mais sabido.
A oposição ao governo havia anunciado que negaria quórum à sessão da Câmara. Só entraria no plenário se o governo tivesse conseguido reunir ali 342 deputados, o mínimo exigido para dar início à votação. Não foi assim.
Entrou o líder do PT a pretexto de participar da discussão da denúncia. Em seguida, mais três deputados do PT. A porteira havia sido aberta. O governo celebrou. Só contava com 263 deputados para votar.
Lula e Temer têm mais coisas em comum do que parece. Juntos comandam a Operação Delenda Lava Jato, um rol de iniciativas que visam a frear os avanços no combate à corrupção e, se possível, revertê-los.
Contam para isso com a ajuda de ilustres portadores de becas e de representantes das elites corruptoras e corrompidas. O Brasil velho de guerra estrebucha e resiste a ser passado a limpo. Continua de pé apesar das avarias.
A crise política ficou do mesmo tamanho. Poderá crescer com o que ainda está por vir.
Temer passa à ofensiva
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para mobilizar o apoio dos agentes econômicos, anunciou que o governo pretende aprovar a reforma da Previdência até outubro
Livre da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até o fim de seu mandato, o presidente Michel Temer pretende passar à ofensiva no Congresso, com objetivo de aprovar uma extensa pauta legislativa, cujo nó górdio é a reforma da Previdência. O Palácio do Planalto conseguiu mobilizar o apoio de 263 deputados para congelar a investigação, mas precisará de pelo menos 308 votos para aprovar essa reforma, considerada crucial para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. Para isso, acena para os dissidentes da base do governo com a promessa de perdão por terem votado a favor de seu afastamento.
Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para mobilizar o apoio dos agentes econômicos, anunciou que o governo pretende aprovar a reforma da Previdência até outubro. Meirelles minimizou a diferença de votos a ser alcançada. “São decisões diferentes. Acreditamos sim na viabilidade de aprovação”, disse. Na prática, são 45 deputados que precisam ser conquistados se não houver nenhuma defecção na base hoje existente. Mas anunciou também que o governo pretende aprovar a reforma tributária ainda este ano, o que não é fácil.
O maior aliado de Temer para aprovação das reformas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não compartilha o mesmo otimismo, embora esteja engajado plenamente nessa agenda. Maia comemorou a rejeição da denúncia, mas disse que o resultado não era bom para as reformas pelo fato de que a manifestação a favor de Temer não alcançou o quórum equivalente ao de aprovação de emendas constitucionais. De certa forma, revelou certa surpresa com o número de votos contra Temer.
O PSDB rachou na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer: dos 47 deputados da bancada, 22 votaram a favor do presidente e 21, contrários. Quatro estavam ausentes. Esse resultado fragilizou a posição do PSDB na Esplanada, sendo que a pasta das Cidades, ocupada pelo deputado Bruno Araújo (PE), é o objeto de desejo do chamado Centrão (PP, PR, PSD e PTB), que reúne 142 deputados. Mas o grupo também não votou monoliticamente: houve 32 deputados dissidentes, sendo 14 do PSD, cuja bancada tem 38 deputados. No PMDB, somente sete dos 63 deputados votaram contra Temer, mesmo com o partido fechando questão. Temendo punição, já procuram outras legendas.
No caso dos tucanos, a tensão na legenda é grande. O presidente interino, Tasso Jereissati (CE), ontem, disse que a permanência dos ministros tucanos no governo é um problema do presidente da República e não da legenda, que não precisa de cargos para aprovar as reformas. O senador Aécio Neves (MG), licenciado da presidência da legenda por causa da Lava-Jato, foi um dos artífices da vitória de Temer. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, passou a defender publicamente o desembarque do governo. Segundo ele, a permanência do PSDB na administração federal perderá o sentido depois da reforma da Previdência.
Reforma política
Uma extensa agenda legislativa já está definida para o Congresso, mas a intenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-EJ), é pôr em votação na próxima semana a reforma política. As principais propostas em discussão são a instituição do financiamento público de campanhas; o sistema de listas partidárias preordenadas para as eleições proporcionais; o fim das coligações; a perda de mandatos majoritários por infidelidade partidária; e cláusula de barreira. A proposta mais polêmica em discussão, porém, é a criação do chamado “distritão”, uma jabuticaba plantada pelo presidente Michel Temer quando ainda era vice da presidente Dilma Rousseff.
O “distritão” acaba com a eleição proporcional, em vigor desde as eleições de 1945, e absolutiza o voto uninominal. Serão eleitos os deputados mais votados em cada estado, independentemente da votação de seus respectivos partidos. Não é fácil a aprovação dessa proposta no plenário da Câmara, porém, porque a mudança altera profundamente as condições para a reeleição dos atuais parlamentares, acostumados com as regras atuais. Outra discussão aberta com a reforma política é a adoção do parlamentarismo. O impeachment de Dilma Rousseff e as agruras de Michel Temer, que assumiu seu lugar, para muitos parlamentares, são a demonstração de que o chamado presidencialismo de coalizão é um sistema falido, que joga o país em longas crises quando o governo perde sua base parlamentar.