Lava Jato

João Domingos: Operador de Lula 

O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro arruinou o PT. Muito mais do que os petistas admitem. Não só porque teve Lula como alvo principal, e a presidente cassada Dilma Rousseff como alvo secundário. Mas também porque ofereceu informações que podem servir para o juízo de culpabilidade do ex-presidente quando o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) julgar o recurso de Lula contra a pena de nove anos e seis meses a que foi condenado pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Confirmada a pena, Lula vira ficha-suja e fica impedido de concorrer à Presidência da República no ano que vem.

Por causa do depoimento, que alguns mais íntimos de Palocci dizem se tratar também de um desabafo, o ex-ministro pode ter mudado o curso das eleições presidenciais do ano que vem. Tanto na parte jurídica, por comprometer Lula com o esquema de corrupção na Petrobrás e revelar relações promíscuas com empreiteiras, quanto na política, porque o que ele disse aparecerá na campanha caso o ex-presidente passe ileso pelo TRF. Logo Palocci, que foi um dos principais responsáveis pela vitória de Lula em 2002, ao defender a “Carta aos Brasileiros”, na qual o PT se comprometeu a não se meter em aventuras econômicas.

Além de arrasados e perplexos, os petistas perguntam o que teria levado Palocci a contar ao juiz Moro até mais do que lhe foi perguntado sobre Lula e a enfiar Dilma em respostas que aparentemente não diziam respeito a ela. E mais: observe-se no depoimento-desabafo que Palocci se apresenta como um executor das ordens de Lula. Recebia um comunicado sobre o que Lula tinha feito e operava o feito dele. Recebia outra ordem, procurava Lula e dizia que tinha se sentado com fulano e resolvido tal assunto. Em resumo, é como se Palocci tivesse dito a Moro: “Posso ser acusado de ser o operador, não o autor”.

É claro que essa situação, péssima para o PT e para Lula, gerou um grande debate entre os pensadores petistas e entre integrantes de correntes adversárias. A ala stalinista tem aproveitado o momento para bater forte na ala trotskista, da qual se originou Palocci, lembrando-a de que o também ex-ministro José Dirceu (stalinista) passou anos na cadeia, sofreu todo tipo de pressão e jamais abriu a boca. O ex-tesoureiro João Vaccari também é lembrado como alguém que não baixa a cabeça. Outra ala, a dos amigos de Dilma Rousseff, acusa Palocci de ter se transformado num “cachorro”, o nome que se dava a militantes de esquerda que, presos pelos órgãos de repressão da ditadura militar, delatavam companheiros depois das sessões de tortura a que eram submetidos. Dilma costuma se gabar de que ficou presa durante quase três anos, foi submetida à mais horrenda tortura e nunca delatou alguém.

Embaçada no tempo, e desconhecida de quem não é do meio, a briga entre stalinistas e trotskistas jamais vai parar. Há quase um século cada lado acusa o outro das maiores barbaridades.

Uma questão, no entanto, é preciso ser levantada nesse debate. Palocci está preso e condenado a doze anos, dois meses e vinte dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Não é um preso político, não está sendo torturado para fazer revelações que envolvam companheiros de armas e de revolução nem fala em nome de Trotski.

Quem conhece Palocci até arrisca um palpite sobre o comportamento dele: a convivência na prisão com o empresário Marcelo Odebrecht o teria convencido de que proteger Lula não vai resultar, no futuro, nem num gesto de gratidão por parte do ex-presidente. Melhor tentar sair agora, falando o que sabe.

 


Merval Pereira: Todos no mesmo saco 

Temer está seguro sobre JBS, mas em perigo com denúncias contra PMDB. A situação patológica da política brasileira faz com que o presidente Michel Temer sinta-se seguro em relação à confusão instalada sobre os áudios de sua conversa com Joesley Batista e, ao mesmo tempo, esteja em perigo com as denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra a cúpula do PMDB, classificada como “organização criminosa”.

À denúncia contra a cúpula do Senado feita ontem se seguirá a contra a da Câmara, em que estão envolvidos o próprio Temer e seus principais assessores, sejam os que já estão presos, como Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha, sejam os ainda exercendo cargos no governo, até mesmo ministeriais, como Eliseu Padilha e Moreira Franco.

Ontem o presidente ganhou tempo com a decisão do ministro Luiz Edson Fachin, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), de levar ao plenário o pedido de sua defesa de suspender uma provável segunda denúncia contra Temer até que as investigações sobre a delação premiada dos donos da J&F terminem.

O segundo passo será pedir que o Supremo anule todas as provas baseadas na gravação feita por Joesley no Palácio do Jaburu. Com isso, o governo pretende inviabilizar uma segunda denúncia, que seria baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, que já foi homologada. Funaro, que era o operador clandestino do PMDB, confirmou que recebia dinheiro de Joesley Batista para ficar calado sobre os crimes do PMDB, fato que foi relatado ao presidente Temer pelo próprio Joesley na fatídica noite do Jaburu e recebeu seu apoio com a frase emblemática “tem que manter isso, viu?”.

Funaro delatou todos os principais líderes do partido que hoje está no governo e foi a base da denúncia contra a cúpula do PMDB, lastreada em outras delações premiadas, inclusive a do ex-senador Sérgio Machado, que, como presidente da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, indicado por Renan Calheiros, desviou recursos para o grupo e depois gravou vários deles.

A PGR os acusa de “receberem propina de R$ 864 milhões e gerarem prejuízo de R$ 5,5 bilhões aos cofres da Petrobras e de R$ 113 milhões aos da Transpetro”. O grupo controlava as nomeações da diretoria de Abastecimento e da diretoria Internacional da Petrobras, bem como para cargos da Transpetro.

Na semana passada, Janot já denunciara ao Supremo Tribunal Federal por integrarem organizações criminosas políticos do PP e do PT. Uma das peculiaridades da geleia geral em que se transformou nossa política partidária é que o fato de todos os principais partidos, no governo e na oposição, estarem denunciados pelos mesmos crimes faz com que todos se sintam mais próximos e protegidos, pois os pedidos de processos se acumulam no Supremo Tribunal Federal e levarão presumivelmente mais tempo para serem analisados do que eles terão para tentar novos mandatos e garantirem o foro privilegiado novamente.

Um novo alento estimula a base aliada do presidente Temer, reagrupada pela esperança de que o procurador-geral da República sairá desgastado de seu mandato. Com sinais de melhora da economia, já estão dispostos novamente a encarar a reforma da Previdência, na esperança de que a economia se recupere até o próximo ano, fortalecendo o grupo nas eleições gerais.

A probabilidade, cada vez mais alta, de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não possa concorrer, e o desgaste do PT, faz com que imaginem novamente o presidente Michel Temer como alternativa viável à reeleição. Essas reviravoltas cíclicas fazem parte da patológica situação em que nos encontramos, em que num dia descobre-se que os mocinhos são ladrões e, no seguinte, os ladrões sonham parecer mocinhos novamente aos olhos atônitos dos cidadãos, que já não sabem em quem confiar e, por via das dúvidas, cravam em todos os possíveis presidenciáveis altas taxas de rejeição.

 

 


Arnaldo Jordy: A Pátria em crise

A passagem do dia 7 de setembro este ano foi marcada pelo grave momento de crise econômica e política vivida pelo Brasil. O país precisa urgentemente resgatar o sentimento de soberania duramente conquistada com o sangue derramado de milhões de brasileiros que lutaram pela Independência. No Pará, os cabanos se levantaram contra o opressor na defesa de um Brasil para os brasileiros. Hoje, a luta pela dignidade continua no urgente combate à corrupção, essa chaga que envergonha a maioria dos brasileiros, e pela construção de um projeto de país mais justo, desenvolvido, soberano e sustentável.

Felizmente, os fatos conspiraram para que um bandido que já deveria estar preso, Joesley Batista, entregasse inadvertidamente à Justiça as provas de sua própria corrupção para tentar manipular o Judiciário a seu favor, cooptando também um procurador federal, Marcelo Miller, e oferecendo provas importantes e válidas, sim, mas em troca de implodir o Supremo Tribunal Federal e a própria Lava Jato, tudo para escapar incólume de graves acusações e ainda, como ele mesmo disse, “fechar o caixão” da política brasileira, jogando a todos na vala comum da corrupção, enquanto ele se radicaria em outro país com suas empresas abastecidas com dinheiro público, certamente rindo da cara de todos nós.

Seu intento de botar os três poderes da República no chão, entretanto, não vingou, ainda que estejam sob graves suspeitas, como disse a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia. Felizmente, ficou claro que o que houve foram insinuações e tentativas de chegar ao procurador-geral via Marcelo Miller, e aos ministros do Supremo via o advogado e ex-ministro José Eduardo Cardozo. Mas nenhuma acusação grave pesa contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem contra qualquer ministro do Supremo. Joesley Batista, ao contrário do que pretendia, deverá perder os benefícios da delação premiada que fez e provavelmente pagará na cadeia pelos seus crimes, que começaram pelo uso do dinheiro público, via BNDES, nos governos petistas. Rodrigo Janot, aliás, com equilíbrio e firmeza mandou investigar a participação do ex-procurador federal Marcelo Miller no acordo fechado com Joesley Batista, medida indispensável para preservar o bom andamento da Lava Jato.

Na semana passada, a Procuradoria Geral da República fez a denúncia de todos os envolvidos do PP no Petrolão. Esta semana, foi a vez do chamado “quadrilhão” do PT, também envolvidos em desvios bilionários das Petrobras. Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff estão entre os denunciados pela PGR. Ambos são suspeitos de participar de organização criminosa que recebeu R$ 1,485 bilhão em propina para políticos do PT. Lula é apontado por Janot como líder e “grande idealizador” da organização criminosa. Somente Lula teria recebido R$ 230,8 milhões de propina entre 2004 e 2012 da Odebrecht, OAS e Schahin, com recursos desviados de contratos firmados com a Petrobras.

A situação de Lula e Dilma se agrava ainda mais com as denúncias feitas pelo ex-ministro Antônio Palocci, que deu depoimento contundente, detalhado e preciso à Lava Jato. Palocci foi um dos cinco quadros de maior peso nas estruturas de poder dos governos petistas, juntamente com Lula, Dilma, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari. Não se trata, portanto, de um depoimento qualquer.

Assim como o PT não deve escapar ileso dos graves atos que cometeu durante seus 13 anos de governo, outros grandes partidos, PMDB, PP e figuras do PSDB, também devem responder pelos crimes que escandalizam a nação, como a cobrança direta de propina em dinheiro vivo entregue em malas. Os mais de R$ 51 milhões encontrados em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima e os pagamentos feitos por Joesley Batista ao ex-deputado Rocha Loures e ao primo do senador Aécio Neves são provas de que de que ainda há muito para ser investigado. Geddel, segundo o áudio gravado por Joesley Batista com Temer, era seu homem de confiança, assim como da confiança do ex-deputado Eduardo Cunha. É difícil de acreditar que os R$ 51 milhões encontrados no apartamento eram apenas dele.

O que cabe agora é cobrar para que os criminosos e denunciados não tirem partido das tentativas de desmoralizar a Lava Jato para escapar incólumes. Afinal, é o que está ajudando a passar o Brasil a limpo. Essa deve ser a cobrança da sociedade brasileira em defesa da Pátria, que precisa da continuidade da operação.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA e líder do partido na Câmara dos Deputados

 


Marco Aurélio Nogueira: Um depoimento para a história que um dia se contará

Antes que os engulhos da indignação te sufoquem, você fica tentando descobrir o que está a passar pela cabeça de Antonio Palocci durante as tratativas para conseguir uma delação premiada e no depoimento a Moro, em que fulminou Lula, Dilma e o PT com vários megatons de flechas envenenadas.

Por que fez o que fez, falou o que falou e do jeito que falou? A pergunta ressoa em vários ambientes e análises, Por certo comporta muitas explicações.

Foi um depoimento sereno e calculado. O ex-ministro falou com calma, tentando ser preciso, relatou detalhes e conversas sórdidas, contou de sítios, apartamentos, propinas e vantagens ilícitas como se estivesse conversando com amigos numa mesa de bar. Só faltou sacar do bolso uma agenda com tudo anotado. Insinuou que poderá fazer isso, caso o juiz assim o deseje.

Mas Palocci não jogou conversa fora, como se faz em um papo de bar. Concatenou e amarrou tudo direitinho, para justificar o prêmio que almeja com a delação. Mostrou saber perfeitamente o que fazia e quem pretendia atingir. Não apresentou provas, mas pôs na mesa uma narrativa difícil de ser contestada. No centro dela, não pareceu haver o desejo de prejudicar quem quer que seja. Falou mais alto a voz do interesse próprio.

Em suma, coisa de profissional, de quem sabe o passo a ser dado e tem uma estratégia, com as devidas rotas de fuga. Foram postos na mesa os dotes que o fizeram ser escolhido articulador de Lula, homem forte no início governo Dilma e elo de ligação com o empresariado. Ao revelar o “pacto de sangue” entre Odebrecht e Lula – que incluiu sítio, terreno, apartamento, as famosas palestras a 200 mil reais e uma “reserva de 300 milhões” –, Palocci cruzou o Rubicão: tornou-se um acusador. É assim que está tentando assinar seu próprio pacto com Moro. Sendo Palocci quem é, com certeza ele sabe que precisará derramar muito sangue para obter algum tipo de benefício expressivo. Ou seja, terá de entregar mais coisas, valorizar o próprio passe.

Aí você se dá conta de que Palocci está sendo humano, demasiadamente humano. Revela-se igual àquelas pessoas que são como camaleões, que assumem várias personas conflitantes e se sentem à vontade em cada uma delas. Indivíduos que prezam a própria pele mais que qualquer outra coisa: que fazem da pele, a causa. Que querem sair sempre bem na foto, ter sucesso em tudo que fazem. E que têm medo, muito medo, de perder o que conseguiram. Além disso, Palocci parece ter enorme predisposição para sobrepujar os que com ele tramaram e nele confiaram: por que somente eu é que pagarei o pato?

Não se deveria crucificar Palocci. Os que o conhecem juram que ideologia ou firmeza ideológica nunca foram seu traço forte. Ele sempre esteve alinhado com a ala mais “pragmática” do PT, desde os tempos já remotos da universidade e de Ribeirão Preto.

Os petistas mais ardorosos talvez o convertam em Judas, agitando a pecha infamante de “traidor”. Outros talvez o vejam como vítima, um coitado que não aguentou a pressão e entregou dedos e anéis para se livrar de 12 anos de cadeia. Falarão que não há “provas materiais”, mesmo que a concatenação dos fatos e relatos faça sentido. O Diretório Nacional do partido emitiu nota, por exemplo, dizendo que Palocci foi “pressionado a fazer acusações sem provas”. Dilma bateu duro, como de costume: o ex-ministro mentiu, seu depoimento “é uma ficção”. Comparações com Dirceu, o último “guerreiro do povo brasileiro”, são cabíveis, mas não explicam nada.

É recomendável, nesse caso, que se dê o devido relevo às nuances da psique humana, ao lado diabólico que integra a natureza dos homens e mulheres, os assusta e transfigura. Todos, afinal, podem se deixar levar por seus demônios internos ou fazer escolhas em nome da luta para manter a liberdade pessoal — luta essa que pode perfeitamente passar por cima de lealdades e ideologias.

Seja como for, o depoimento de Palocci caiu como uma bomba no colo de Lula, que terá uma explicação a mais para dar, ainda que se finja de morto. Pode ter sido parte da estratégia, pode ter sido um jeito de dar o troco e socializar o prejuízo, pode ter sido um artifício para proteger a psique fragilizada. A resposta só é importante para quem deseja entender a biografia do ex-ministro. O fato é que o depoimento entrará para a história e ajudará a que se compreenda melhor quão fundo se chegou na corrupção da nossa frágil República.

Se isso, porém, mudará alguma coisa no destino imediato dos personagens envolvidos e na dinâmica política nacional, aí são outros quinhentos.


Luiz Carlos Azedo: Coalizão contra a Lava-Jato

Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu

A ampla coalizão formada contra a Operação Lava-Jato passou à ofensiva para sepultar as investigações e liquidar com o instituto das delações premiadas, em um momento crucial para a faxina ética que a política brasileira merece e a sociedade deseja. O ponto de inflexão é a conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, com diálogos escabrosos, na qual fica evidente o jogo duplo do ex-procurador Marcelo Miller e a intenção de se chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio da frustrada contratação do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que não se prestou a tal papel.

Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu, que serviu de base para a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente, rejeitada pela Câmara. Deduz-se que Joesley foi instruído por Miller quando ainda era procurador federal, o que seria motivo para anulação da prova, como pleiteia a defesa de Temer. Esse questionamento sempre houve, até quanto ao fato de o processo ter ido parar nas mãos do ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin. Mas agora tornou-se mais robusto e Temer, que não bate prego sem estopa, quer anular a denúncia.

A primeira reação do procurador-geral, que corre o risco de encerrar o mandato como um grande trapalhão, foi de absoluta perplexidade. Mas o fato de ter dado amplo conhecimento à gravação e encaminhado o assunto imediatamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) fez com que o caso passasse a ser tratado com base no devido processo legal. Como se sabe, o grande questionamento a Janot vem dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato e seus advogados, que denunciam excessos do Ministério Público Federal e chamam de vazias as denúncias. Entretanto, pau que dá em Chico dá em Francisco, o devido processo legal é o leito mais seguro para a continuidade da Lava-Jato e não para a sua transformação numa pizza à napolitana. O STF não é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer foi rejeitado pela maioria da Corte, apesar do “excesso de provas”, para não atrapalhar a economia.

Narrativas

Em tempos de narrativas e pós-verdade, as provas são teimosas. Nesta semana, por exemplo, assistimos à apreensão de uma montanha de dinheiro — mais de R$ 51 milhões — em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, que cumpria prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica em Salvador e acaba de voltar pra cadeia. De onde veio tanto dinheiro, qual seria sua destinação? O político baiano fazia parte do núcleo duro do governo Temer, ao lado dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Não dá para acreditar que aquela dinheirama toda tenha a ver apenas com sua passagem pelos governos Lula e Dilma.

Assim como a apreensão das malas de Geddel, o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci foi devastador. Homem de confiança do ex-presidente Lula, um dos artífices da vitória de Dilma Rousseff em 2010, Palocci foi o primeiro integrante da elite petista a entregar o ouro. José Dirceu e João Vaccari Neto aguentaram o tranco. O ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma fez revelações que corroboram a delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. Segundo ele, Lula não só sabia do esquema de propina, como também a recebeu. A diferença de Palocci para Joesley é que negocia com os procuradores de Curitiba, sob a égide do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que vem sendo mais cauteloso do que Janot na condução do processo da Lava-Jato.

E a coalizão? As forças interessadas em sufocar as investigações e manter o status quo da política brasileira, infelizmente, são dominantes no Congresso, tanto no campo governista como na oposição. São lideradas pelos políticos enrolados na Lava-Jato, que passaram à ofensiva na medida em que Janot tropeçou nas próprias pernas. Mas são forças minoritárias na sociedade, que aguarda as eleições de 2018. É nelas que haverá um grande ajuste de contas. É ilusão achar que a recuperação da economia os absolverá da crise ética, assim como o milagre econômico não absolveu a ditadura militar nas eleições de 1974, 1978 e 1982.

Ontem, o dia da pátria, foi emblemático quanto a isso. No desfile de 7 de Setembro, blindado pelo esquema de segurança do Palácio do Planalto e para uma plateia de funcionários públicos e familiares dos militares, o presidente Temer assistiu ao desfile sem ser vaiado, mas também não foi aplaudido. As palmas foram destinadas à Polícia Federal, à tropa de choque da Polícia Militar e aos ex-pracinhas e veteranos das Forças Armadas. Não deixa de ser um recado. Durante o feriado, Joesley, Saud e o executivo Francisco de Assis foram interrogados no Ministério Público Federal para prestar esclarecimentos sobre os diálogos da gravação; hoje é a vez de Miller. Não será surpresa se Janot pedir a anulação dos benefícios da delação premiada da JBS e a prisão preventiva dos quatro ao Supremo, que cobra do MPF explicações cabais sobre a atuação de cada um dos envolvidos no caso.


Merval Pereira: Realismo mágico 

As próximas cenas do drama político brasileiro em curso terão o Supremo Tribunal Federal como protagonista, seja na definição de punições rigorosas aos irmãos Batista e seus delatores, um bando de caipiras metidos a espertos que tentaram desfazer do sistema jurídico brasileiro, seja na decisão sobre o prosseguimento de processos contra o presidente Michel Temer baseados nas delações da JBS.

A defesa do presidente já entrou com um pedido, mesmo antes que a segunda denúncia se materialize, para que ela não seja aceita enquanto não houver uma definição sobre a validade como prova do primeiro áudio. Tudo indica que há uma tendência majoritária no STF a favor da manutenção das provas, o que não quer dizer que uma eventual segunda denúncia venha a ser aceita pelo Congresso.

Já era muito difícil que isso acontecesse mesmo sem esse novo áudio que reproduz “uma conversa de bêbados”, na definição do próprio Joesley. A Operação Lava-Jato, por sinal, está servindo, entre outras coisas, para revelar as entranhas de nossas elites dirigentes em linguagem crua e vulgar.

Já tínhamos ouvido diálogos inacreditáveis envolvendo Lula e seus petistas prediletos, com o mesmo tipo de machismo presente na “conversa de bêbados”. Ouvimos também trocas de palavrões e impropérios em conversas entre políticos, entre políticos e empresários, com uma falta de educação apartidária comum a todos.

E vimos, estarrecidos, como os personagens desse dramalhão que mais parece saído das páginas de realismo mágico de Gabriel García Márquez podem chorar de um falso arrependimento, podem se rebaixar diante de um juiz,podem mentir para se safar, podem omitir informações para proteger seus protetores e a si mesmos. Nada mais devastador do que as malas e caixas com dinheiro vivo encontradas no apartamento de Geddel Vieira Lima, o mesmo que dias antes chorara feito criança para sair da cadeia.

Nada mais patético do que ouvir aquela “conversa de bêbados” e saber que ela se dá entre o proprietário e executivos de uma das maiores empresas brasileiras, fundada em valores como os revelados, guiada por espertezas como as bravateadas entre o ruído de gelo nos copos.

O sucesso desse tipo de empresário é fruto direto do capitalismo selvagem à custa da proteção estatal que vigora há muitos anos no país, aprofundada, e por isso mesmo desmoralizada, nos governos petistas.

O depoimento do extodo-poderoso Antonio Palocci, desnudando conversas de bastidores entre Lula e empresários como Emílio Odebrecht (que também já dera mostra de uma insensibilidade notável em depoimento anterior), em que a sorte do país estava sendo jogada, é exemplar do momento decisivo em que o delinquente escolhe entre contar tudo ou mofar na cadeia.

Um militante político como José Dirceu, ou João Vaccari num plano hierárquico inferior, jamais abrirá o jogo. Vaccari, provavelmente por equívocos ideológicos próprios; Dirceu, na doce ilusão de manter para a posteridade uma lenda em torno de sua atuação, a única esperança que lhe resta de não passar para a História como um relés ladrão, de sonhos e de pecúnia.

Palocci, um ex-trotkista tomado pela ganância que o tirou duas vezes de governos e encerrou a possibilidade de vir a ser presidente da República, foi bastante sincero em seu depoimento. Estava ali para se aproveitar dos benefícios que a lei outorga aos colaboradores.

Uma passagem digna de registro é quando ele se desculpa com Moro por não chamar propina de propina. Ele diz que está acostumado a esconder na linguagem essas ações transgressoras e resolve chamar as coisas pelos nomes. “Lula recebia propina da Odebrecht”, falou a certa altura, escandindo as palavras como se as vomitasse.

Se, como tudo indica, o império petista ruir, estará a salvo com sua delação premiada. Se porventura Lula voltar ao poder, o que a cada dia está mais difícil, bastará que Palocci confirme o que os petistas mais renitentes estão alegando. Que sofreu tortura psicológica na prisão e inventou tudo para se livrar das garras de Moro.

Como sua história coincide com dezenas de outras e é corroborada por fatos e provas abundantes, é mais provável que um político arguto como Palocci já tenha notado que a brincadeira chegou ao fim.

 


Ricardo Noblat: Fim de jogo  

O dia 6 de setembro de 2017 tem tudo para passar à História como o que selou o destino do mais popular líder político brasileiro desde Getúlio Vargas, o presidente da República que em agosto de 1954 matou-se com um tiro no peito para não ser derrubado por um golpe militar.

Em menos de duas horas, ficou-se sabendo que o ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos Lula e Dilma, Antonio Palocci, “o Italiano”, entregou o “pacto de sangue” firmado pelo PT e pela construtora Odebrecht. E que Lula e Dilma foram denunciados outra vez, desta vez por obstrução de Justiça.

A Lula, segundo Palocci, a Odebrecht pagou propinas num valor de R$ 300 milhões — parte para financiar suas atividades, parte para a compra de uma nova sede do Instituto Lula, e o resto para satisfazer qualquer outro desejo dele. O pacote incluía o pagamento de R$ 200 mil por palestra.

Depois de disparar uma flecha no próprio pé com o caso da polêmica delação do Grupo JBS, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, disparou outra em Lula e Dilma — essa por conta da manobra de 2015 que tornaria Lula ministro-chefe da Casa Civil do segundo governo Dilma

A manobra tinha como objetivo proteger Lula, que corria o risco de ser preso a qualquer momento por ordem do juiz Sergio Moro. Como ministro, Lula só poderia ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Escaparia assim da órbita de Curitiba, pavor dos acusados por corrupção.

Preso há um ano, Palocci finalmente cedeu às pressões dos seus advogados e contou o que sabe em depoimento a Moro. Se não contou tudo, contou o suficiente para enterrar Lula, que em breve deverá ser condenado pela segunda vez. É réu em mais quatro ações penais.

Revelou, por exemplo, que Lula acompanhou cada passo do andamento das operações de repasses ilícitos da Odebrecht. E que, na véspera de deixar o governo no final de 2010, apresentou Dilma a Emílio Odebrecht para comprometê-la com o acerto que ele tinha com a empresa.

O depoimento de Palocci a Moro não fez parte de nenhuma delação premiada, porque delação ainda não há. Certamente Palocci guardou revelações inéditas para oferecer mais tarde em troca de melhor prêmio por delatar. Moro ouvirá Lula na próxima semana.

O que Palocci disse ontem a Moro, porém, já é suficiente para que seja apontado no futuro como o maior algoz de Lula, aquele que rompeu o pacto de silêncio dos líderes do PT empenhados em impedir que o demiurgo da esquerda acabe punido. Algoz de Lula, mas também de Dilma, cuja fantasia de vestal rasgou.

A Lula e aos seus advogados só resta esgrimir com o falso argumento de que Palocci mentiu para livrar-se da cadeia. Ao PT, procurar outro candidato para disputar a vaga de Temer. Game over. Fim de jogo.

 


Luiz Carlos Azedo: Mudança de foco

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot — que amarga os últimos dias no cargo tendo que se explicar sobre a dupla militância do ex-procurador Marcelo Miller no caso da JBS —, mudou o foco das denúncias do presidente Michel Temer para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, denunciados ontem pelo Ministério Público Federal por obstrução da Justiça. Na véspera, Janot havia denunciado os petistas por formação de organização criminosa no escândalo da Petrobras. A nova denúncia se refere à nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil do governo, antes de seu afastamento da Presidência. À época, a decisão foi suspensa por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Também foi denunciado o ex-ministro Aloizio Mercadante, que telefonou para o senador cassado Delcídio do Amaral, supostamente para evitar a delação premiada de Delcídio.

Mas o tempo fechou mesmo para o ex-presidente Lula foi em Curitiba. O ex-ministro Antônio Palocci, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, disse que o Instituto Lula recebeu R$ 4 milhões da Odebrecht e que havia uma espécie de “pacto de sangue” entre o PT e os donos da empreiteira, que previa o pagamento de R$ 300 milhões ao partido. “O Paulo Okamotto me pediu para que eu ajudasse ele a cobrir o final de ano do instituto, que faltava recurso. Acho que foi meio para o final de 2013, começo de 2014. Ele tinha um buraco nas contas, me pediu para arrumar recursos. Eu fui ao Marcelo Odebrecht. Eu ia viajar para o exterior, ele disse que precisava com muita urgência. A ideia dele era que eu procurasse várias empresas. Eu disse: ‘Não posso, vou procurar só o Marcelo’. Pedi R$ 4 milhões”, revelou Palocci. Ele disse que os R$ 4 milhões foram dados a Lula em espécie.

Segundo Palocci, Lula sabia da compra de um terreno para o Instituto Lula e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo: “Eu voltei a falar com ele sobre o prédio do instituto. Falei da minha conversa com o Bumlai e falei: ‘Eu não gostaria que fizesse desse jeito. Se o senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer sua atividade, não sei por que procurar agora um terreno. Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou que, pelo menos, seja revestida de formalidade’”.

A defesa de Lula apontou contradições no depoimento e disse que Palocci fez “acusações falsas e sem provas” porque está preso e sob pressão, enquanto negocia acordo de delação premiada com o MPF. O Instituto Lula também rechaçou as acusações: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma que jamais cometeu qualquer ilícito nem antes, nem durante, nem depois de exercer dois mandatos de presidente da República eleito pela população brasileira”.

Berlinda

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller, que era um de seus homens de confiança e havia se exonerado do MPF para ingressar como sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi, Watanabe, responsável pela assistência jurídica ao Grupo JBS. A comunicação de seu afastamento, entretanto, somente se tornou pública às vésperas do vazamento da gravação mantida entre Joesley Batista e o opresidente Michel Temer. Na época, a OAB-RJ chegou a abrir um processo de avaliação de conduta, mas foi acusada de haver instaurado o procedimento disciplinar para tumultuar o trabalho da Operação Lava-Jato. A Emenda Constitucional Nº 45/2004 estendeu aos membros do Ministério Público os mesmos três anos de quarentena impostos a ex-magistrados para que voltassem a advogar.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação da conversa do empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, causaram indignação. Os ministros Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, porém, defenderam a validade das provas que os executivos entregaram na delação, mesmo que os benefícios obtidos por eles venham a ser anulados com uma eventual rescisão do acordo de colaboração, cuja revisão foi pedida por Janot. Fux chegou a pedir a prisão dos dois delatores. “Acho que eles ludibriaram a Procuradoria, degradaram a imagem do Brasil no plano internacional, atentaram contra a dignidade da Justiça, mostraram a arrogância dos criminosos de colarinho branco. Então, eu acho que a primeira providência que tem de ser tomada é prender eles”, disse.

A situação política de Janot, porém, se fragilizou. Está sendo frontalmente atacado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e sofre um bombardeio severo no Congresso, onde foi pedida a abertura de uma CPI para investigar a delação premiada da JBS. O presidente Michel Temer, que chegou de viagem pela manhã, trabalhou o dia inteiro e comandou a reação governista. Ontem mesmo, a defesa do Temer pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma eventual nova denúncia contra ele seja suspensa até que as investigações sobre a primeira denúncia sejam concluídas. “Parte dos fatos ora noticiados denota a completa invalidade da prova produzida no bojo das delações, seja porque foi ratificada a arguição de suspeição do procurador-geral da República para atuar à frente dos casos que envolvam o chefe da nação”, diz o pedido, que acusa Janot de parcialidade e questiona o envolvimento de Miller nas negociações do acordo.

 

 


Míriam Leitão: Conversa sórdida revelou quem é o empresário que se sente acima da lei

Nojo. É o que se sente ao ouvir o empresário Joesley Batista discorrer na intimidade e em conversa regada a bebida sobre o Brasil, o MP e o STF, e até sobre a própria advogada. É uma conversa sórdida. Mas, para além da repulsa, há ainda o fato de que ele se sente inatingível. Joesley é o delator a quem foi dada a imunidade penal. Ele se sente inimputável e por isso garante que não será preso e salvará a empresa.

O que vazou é uma conversa desqualificada sobre ministros e ministras do Supremo, comentários machistas até sobre a própria advogada que os defende. O que existe de mais sólido envolve o procurador Marcelo Miller. O resto é o lixo de um homem sem limites e sem parâmetros que fala com deboche até sobre pessoas de sua intimidade.

É o momento mais delicado da Lava-Jato porque a tentativa dos adversários do combate à corrupção será a de aproveitar a situação, desmoralizar o processo de investigação e de delação premiada. A situação toda é tão irregular que os áudios já estavam circulando, e o ministro Edson Fachin ainda não os havia recebido. O protocolo do STF abriu às 11h30m, depois os áudios foram oficialmente encaminhados ao STF.

Mas, na verdade, essa é a grande chance de a PGR se livrar do peso de ter concedido o inaceitável aos irmãos Joesley e Wesley e aos executivos da JBS. A certeza da impunidade que Joesley e Ricardo Saud demonstram não convive bem com os pilares da democracia. A concessão de tão grande benefício foi o momento mais fraco do procurador-geral. Ele poderia ter aproveitado o medo que os empresários e executivos tinham da chegada dos “capa preta”, como Joesley diz, e obter todas as informações que teve oferecendo em troca uma punição branda porém aceitável.

Ficou claro durante todo o processo da Lava-Jato que a delação premiada tem a vantagem de trazer as informações que revelaram o que o Brasil sabe hoje sobre o poder político e as empresas. Agora ficou claro também que ela tem mecanismos contra os erros eventualmente cometidos. As cláusulas do acordo cobriam a possibilidade que acabou se confirmando, de que Joesley tinha escondido parte das informações. Mas qual parte? A parte que se volta contra o próprio Janot. Ele trabalhou três anos ao lado de pessoa que acabou virando um agente duplo. Marcelo Miller colaborava com os delatores estando ainda no Ministério Público e ninguém percebeu.

O mercado financeiro, que tem uma forma muito torta de pensar, comemorou pela manhã. A bolsa subiu e o dólar caiu porque os investidores concluíram que tudo isso mantém o presidente Michel Temer no cargo e, portanto, o cronograma das reformas. Na verdade, ninguém se fortalece com situação tão confusa, esse emaranhado institucional. À noite, o Ibovespa devolveu os ganhos e fechou estável. Ontem foi um dia particularmente horroroso. Malas de dinheiro encontradas na Bahia, operação internacional para apurar se houve corrupção na escolha do Rio como sede das Olimpíadas, os áudios dessa conversa repulsiva e denúncia contra o PT, incluindo, pela primeira vez, a ex-presidente Dilma. O Brasil nas edições online era o retrato de um país devastado.

O procurador-geral tem o poder de decidir o destino dessa delação. Ele abriu o procedimento para reavaliar o acordo de colaboração. Pode anular, rescindir ou apenas rever os termos do acordo retirando benefícios concedidos. Depois que tomar a decisão, ela será levada ao ministro relator.

O ministro decidiu ontem que não caberia atender ao pedido do procurador-geral de manter em sigilo as fitas que levaram ao procedimento de reabertura do acordo. Pode ter tomado a decisão apenas pela constatação de que não adiantava decretar o sigilo de algo que já estava na rua. Mas Fachin foi além e argumentou em favor da publicidade do processo, informando que ele deve ter precedência até sobre o direito da intimidade. Portanto, o episódio confirma a tendência de adotar o sigilo apenas em raros casos, porque deve prevalecer o interesse público.

O curioso desse lance inesperado é que ele revela que Joesley passara a grampear tanto que chegou até a se gravar inadvertidamente. E mais, entregou o material à PGR sem sequer ouvir as fitas. Seu afã era de arrebanhar provas e indícios contra seus interlocutores para ser aquele que dá o último tiro e um dia poder dizer à mulher: “querida, sabe aqueles nossos amigos...”

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Luiz Carlos Azedo: Fim da Lava-Jato?

A imagem do dia foi a apreensão de malas de dinheiro num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador

Quem imagina que a Operação Lava-Jato vai acabar no dia 18, quando tomar posse a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pode tirar o burrinho da sombra. A operação continuará, como um rio que forma um grande estuário, para usar uma imagem geográfica. Como o Delta do Parnaíba, por exemplo, que se abre em cinco braços, com 73 ilhas fluviais, dunas e mangues, no Maranhão e Piauí. O procurador-geral Rodrigo Janot, fragilizado pelo escândalo envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller, contratado pelo escritório Watanabe e Associados supostamente antes de deixar o Ministério Público Federal, afunda como uma velha canhoneira alvejada abaixo da linha d’água: atirando.

Ontem, Janot denunciou ao Supremo Tribunal Federal os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antônio Palocci Filho, Guido Mantega, Edinho Silva e Paulo Bernardo, a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pelo crime de organização criminosa. São acusados de formação de quadrilha no âmbito da Petrobras pela Operação Lava-Jato. Caberá ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato, levar o caso à Segunda Turma do STF, que decidirá se eles viram réus ou não.

No Supremo, a chapa também esquentou. Por causa das gravações entregues pela defesa de Joesley Batista ao procurador Rodrigo Janot, aparentemente sem saber da existência de quatro horas de conversas comprometedoras do empresário com Ricardo Saud, o operador do caixa dois eleitoral da JBS, nas quais foram citados ministros da Corte. Em resposta, a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, pediu à Polícia Federal a “investigação imediata” das menções. “Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”, disse.

Joesley e Saud falam sobre as negociações para fechar o acordo de colaboração. Seus comentários causaram euforia no Palácio do Planalto e na base governista no Congresso, porque poderiam supostamente servir de base para anular as denúncias contra o presidente Michel Temer e desmoralizar Janot. Ontem, o ministro Luiz Edson Fachin levantou o sigilo das gravações. As quatro horas de áudio, que ainda vão dar muito pano pra manga, acirraram o choque entre o procurador-geral e o ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma da Corte, para quem o STF errou ao não conter “os delírios de Janot”. Nos áudios, Joesley afirma que Janot seria contratado pelo mesmo escritório no qual Miller trabalhava após deixar o cargo.

Dinheiro vivo
Em mais um indício de que a Lava-Jato seguirá em frente, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do operador financeiro Lúcio Funaro, cujo conteúdo supostamente serviria de base para a segunda denúncia contra Temer. Funaro é apontado pelos investigadores da Lava-Jato como operador de propinas do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A homologação valida a abertura de novas investigações com base nos fatos narrados pelo delator.

O acordo dá validade jurídica à delação e permite a abertura de novas investigações. No caso de Temer, porém, a investigação precisa ser aprovada pela Câmara. Funaro confirmou a cobrança de propina de empresas que buscavam empréstimos na Caixa Econômica Federal. Em um dos casos, por exemplo, o ex-deputado Eduardo Cunha é acusado de cobrar e receber R$ 52 milhões de construtoras, entre 2011 e 2014, para viabilizar o financiamento da revitalização do porto do Rio de Janeiro.

Mas a imagem do dia foi a apreensão de grande quantidade de dinheiro em malas guardadas num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador, operação batizada de Tesouro Perdido. O ex-ministro da Secretaria de Governo de governo Temer foi vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco entre 2011 e 2013, durante o governo de Dilma Rousseff. As caixas e malas de dinheiro encontradas pela PF estavam em um imóvel em área nobre da capital baiana. Em vídeo divulgado à tarde, durante a contagem do dinheiro, já haviam sido contabilizados mais de R$ 40 milhões.

No Rio, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, foi obrigado a depor na Polícia Federal do Rio para prestar esclarecimentos sobre a suposta compra de jurados na eleição da cidade-sede da Olimpíada de 2016. A ação é mais uma etapa da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Nuzman se reservou o direito de não falar durante o interrogatório.

 


Luiz Carlos Azedo: A defesa prévia

A probabilidade de a nova denúncia contra Temer ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que terá para o ajuste fiscal

O presidente Michel Temer desistiu da volta antecipada da China. A versão oficial de que seria para aprovar a mudança da meta de deficit fiscal de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões estava sendo interpretada como decorrente da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Devolvida ao Ministério Público Federal, na última quarta-feira, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, para que sofresse retificações, foi reenviada em menos de 48 horas ao relator da Operação Lava-Jato no STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas mais duas semanas de mandato.

A reação inicial do Palácio do Planalto alimentou as especulações. Lembrou Crime e Castigo, o clássico da literatura universal do escritor russo Fiodor Dostoievski. O romance narra a história de Raskólnikov, um estudante muito neurótico e introspectivo, para quem homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Raskólnikov se questiona: “Se Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele também não seria se matasse a velha proprietária do imóvel que alugava e que vivia de juros? Não estaria ele fazendo um bem à humanidade?”

Ninguém sabia que ele havia matado a usurária, pois cometera um “crime perfeito”. Mas aí surge o sentimento de culpa. Raskólnikov não é o primeiro suspeito, porém, durante o interrogatório, o juiz parecia desconfiar de que ele era o autor do crime. À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov perde o controle da situação e acaba confessando.

Na expectativa de que Janot apresentará nova denúncia contra Temer nesta semana, o Palácio do Planalto divulgou uma nota na qual afirma que a delação de Funaro possui “inconsistências e incoerências” e que o procurador-geral tem “vontade inexorável de perseguir o presidente da República”. O texto afirma que o próprio Ministério Público Federal descreveu Funaro como uma “pessoa que tem o crime como modus vivendi” e que já havia sido beneficiado com colaboração premiada, mas “prosseguiu delinquindo”. O problema é que a delação ainda está em sigilo, não se sabe o verdadeiro teor das denúncias.

“Quem garante que, ao falar ao Ministério Público, instituição que já traiu uma vez, não o esteja fazendo novamente? Se era capaz de ameaçar a vida de alguém para escapar da Justiça, não poderia ele mentir para ter a pena reduzida? Isso seria, diante de sua ficha corrida, até um crime menor”, afirma a nota da Presidência, que acusa Janot de perseguição a Temer. “Qual mágica teria feito essa pessoa, que traiu a confiança da Justiça e do Ministério Público, ganhar agora credibilidade?”, dispara o Planalto.

Essa defesa prévia pode ter sido um tiro no pé. Nos depoimentos, o doleiro afirma que recebeu R$ 400 mil da JBS, do empresário Joesley Batista, para se manter em silêncio. Ninguém sabe, porém, se Funaro atribui a ordem do pagamento a Temer ou implica o presidente em qualquer outro crime. Antes de fechar o acordo com os investigadores, Funaro havia dito à Polícia Federal que os pagamentos foram feitos para quitar uma dívida antiga com a JBS, visto que intermediou negócios da empresa.

A versão de Joesley, porém, é de que pagava para que o doleiro e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) permanecessem calados e que relatou isso a Temer, em conversa à noite, no Palácio do Jaburu. A primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, barrada pela Câmara no início de agosto, se baseava na delação de Joesley Batista. A probabilidade de a nova denúncia também ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que isso terá para o governo.

Luz no túnel

A volta de Temer e a nota da presidência são sintomas de que teremos uma semana tensa, na qual o governo tentará aprovar a mudança da meta fiscal e capitalizar o crescimento de 0,2% da economia brasileira no segundo trimestre em relação ao período imediatamente anterior. É uma luz no fim do túnel da recessão, pois mostra que a expectativa de recuperação gradual da economia deve se manter nos próximos meses. É um alento para a sociedade e os agentes econômicos, mas isso não significará reverter o desgaste do governo por causa do envolvimento de seus integrantes na Lava-Jato.

Os dados divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreenderam positivamente o mercado devido ao aumento do consumo, que subiu 1,4% na comparação com o período imediatamente anterior. É resultado da liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a queda dos juros, do desemprego e da inflação. Esses fatores continuarão estimulando o consumo e a atividade nos próximos meses, prevê a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com exceção dos saques do FGTS.

O problema é que os investimentos continuam caindo. Com a queda de 0,7% no segundo trimestre, representaram apenas 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da crise, eram 20% do PIB. Essa variável da economia é fortemente influenciada pela situação política. Isto é, pelo desgaste causado ao governo pelas denúncias da Operação Lava-Jato e as dificuldades para aprovar as reformas, principalmente a da Previdência.


Luiz Carlos Azedo: Caixeiro viajante

A China, hoje, é o maior parceiro comercial do Brasil e trava uma disputa pelo controle do comércio mundial com os Estados Unidos, o nosso principal aliado na política internacional

O presidente Michel Temer viajou à China, onde participa de uma visita de Estado ao presidente Xi Jinping e do encontro da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como um caixeiro-viajante, o popular “mascate”, levando nas malas um pacote de 57 projetos de privatizações para oferecer a chineses, russos, indianos e sul-africanos. No Brasil, o vocábulo está associado à imigração árabe, devido ao grande contingente de libaneses e sírios que migraram para nosso país do antigo Império Otomano. A origem do termo “mascate” vem do árabe El-Matrac, usado para designar os portugueses que, auxiliados pelos libaneses cristãos, tomaram a cidade de Mascate (Omã), em 1507. Na escala em Lisboa, Temer se reuniu com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

Fazem parte do pacote 14 aeroportos, 15 terminais portuários, 11 linhas de transmissão de energia elétrica e 2 rodovias, que podem alavancar investimentos privados da ordem de R$ 44 bilhões. Além da Eletrobras e da Casa da Moeda, estão no programa de privatizações Congonhas e outros 13 aeroportos, a serem leiloados até setembro de 2018, no valor estimado de R$ 19,4 bilhões. Do valor total, R$ 6,4 bilhões serão pagos à vista. Congonhas será licitado separadamente e deve responder por R$ 5,6 bilhões, pagos no ato de compra. Os demais foram agrupados em três grupos: Nordeste (Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Campina Grande e Juazeiro do Norte), Mato Grosso (Cuiabá, Alta Floresta, Sinop, Barra dos Garças e Rondonópolis) e Sudeste (Vitória e Macaé). Além disso, a Infraero venderá 49% de participação em Guarulhos (SP) Galeão (RJ), Brasília e Confins (MG). A estatal está quebrada, com um rombo no orçamento de R$ 3 bilhões.

Também estão no pacote as rodovias BR-153 (GO/TO) e BR-364 (RO/MT), os terminais de GLP de Miramar e de granéis líquidos do Porto de Belém; os terminais de granéis líquidos em Vila Conde, no Pará; os três terminais de grãos de Paranaguá (PR), os terminais de granéis líquidos de Vitória; a Codesa; a hidrelétrica de Jaguará, em Minas; 11 lotes de instalações de linhas de transmissão; a 3ª rodada sob regime de partilha de produção do pré-sal; a 15ª rodada de blocos para exploração e produção de petróleo; a 5ª rodada de licitações de campos terrestres maduros; a 4ª rodada de blocos sob regime de partilha de produção; a Casem, a Ceasa Minas, a PP da rede de Comunicações Integradas do Comaer; e a Lotex. A dúvida é a Cemig, que os políticos de Minas não querem privatizar. E a polêmica Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), leia-se também: de ferro, manganês, nióbio, níquel, ouro e petróleo.

Rota do Pacífico
Não custa nada reiterar que a modelagem dessas privatizações ainda é uma incógnita para os investidores e a sociedade brasileira, mas esse problema pode ser bem resolvido tecnicamente se houver disposição política. A grande questão subjacente à viagem de Temer é geopolítica. A China, hoje, é o maior parceiro comercial do Brasil e trava uma disputa pelo controle do comércio mundial com os Estados Unidos, o nosso principal aliado na política internacional. Nossa infraestrutura foi toda montada para o comércio no Atlântico, mas o eixo do comércio mundial se deslocou para o Pacífico, o que contribuiu para tornar nossa infraestrutura ainda mais obsoleta, sob forte impacto da necessidade de novos corredores de exportação para o agronegócio, principalmente no Centro-Oeste e no Norte do país.

No século passado, a disputa entre uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, a Inglaterra, pelo controle do comércio no Atlântico resultou em duas guerras mundiais. Agora, a disputa se instalou no Pacífico, novamente entre uma potência marítima (os EUA) e uma continental (a China), numa escala ainda maior, porém, num ambiente de cooperação mundial e regras de jogo definidas, embora existam elementos de instabilidade na península da Coreia, cuja divisão em dois países é uma herança da guerra fria.

É ingenuidade acreditar que a entrada maciça de capitais chineses no programa de privatizações de Temer seja uma miragem. Existe a possibilidade real de que isso aconteça. A vocação natural da economia brasileira na nova divisão internacional do trabalho é a de grande produtor de commodities, de alimentos e minérios. Nosso problema é a situação da indústria, que sofre as consequências de uma política equivocada de adensamento da cadeia produtiva nacional, quando a estratégia deveria ter sido a sua transnacionalização. Nada disso, porém, está sendo discutido mais profundamente. O programa de privatizações está sendo lançado sob a lógica de vender ativos para cobrir o deficit fiscal, sem reinventar o Estado brasileiro nem a nossa economia.

Calma aí
O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro para a Procuradoria-Geral da República (PGR) por causa de uma cláusula do acordo que blindava o operador de ações de improbidade. Seguiu a jurisprudência da Corte, que decidiu recentemente que acordos firmados pelo MPF só podem ter efeito na esfera penal, não nas esferas cível e administrativa. A segunda denúncia do procurador Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, que seria baseada na delação de Funaro, subiu no telhado.