Lava Jato

Luiz Carlos Azedo: Oitenta votos

Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora

Enquanto o PSDB não sabe ainda o rumo que pretende tomar na reforma da Previdência, os deputados governistas fazem as contas dos votos que a proposta teria em plenário. “Hoje o governo tem 80 votos”, afirma categórico o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG). “Todo mundo é a favor das reformas, mas ninguém quer votar antes das eleições”, explica. O desfecho da reunião da Executiva do PSDB em Brasília, ontem, corrobora a avaliação. Os caciques do partido resolveram empurrar o assunto com a barriga. “Nós somos a favor da reforma, mas primeiro precisamos discutir qual reforma”, justificou o presidente interino, Alberto Goldman.

A posição da bancada do PSDB, que tem 49 deputados, é uma espécie de termômetro do comportamento dos aliados. Programaticamente, é um partido alinhado com a reforma da Previdência, e até considera uma “reforminha” a proposta do relator Arthur Maia (PPS-BA), que reflete a posição do governo, mas a bancada está hiperdividida e seu líder, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), considera impraticável o fechamento da questão. “Em todas as bancadas, a maioria dos deputados está contra a votação neste ano”, justifica Trípoli, que participou da reunião da Executiva, que também contou com os deputados Sílvio Torres (SP), Eduardo Cury (SP), Giuseppe Vecci (GO) e os senadores Dalírio Beber (SC) e Flexa Ribeiro (PA).

O PSDB se prepara para a convenção da legenda, marcada para o próximo dia 9, na qual o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deverá ser eleito presidente do partido. Nesta semana, sinalizou que defenderá a saída dos ministros tucanos do governo, o que foi confirmado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Na saída da reunião, ontem, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, deu a entender que o assunto não é assim tão pacífico. Categórico, disse que o partido “não rompeu com o governo”. Mostrou-se mais alinhado com Temer do que com Alckmin: “O PSDB não rompeu com o governo. O PSDB apoia o programa do governo. A participação ou não do PSDB no governo cabe ao presidente”.

Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), Luislinda Valois (Direitos Humanos) e o próprio Aloysio Nunes (Relações Exteriores) defendem a permanência no governo. Não são poucos os aliados de Alckmin que consideram um acordo com Temer uma espécie de abraço de afogados. Por isso mesmo, a reunião dos dois é cercada de expectativas. Ao anunciar que não pretende se candidatar à reeleição, esvaziando assim articulações palacianas, Temer preparou o terreno para um eventual acordo com o tucano. É muito contraditória a posição do PSDB na questão da Previdência. Ao defender propostas mais arrojadas para combater o deficit previdenciário, fica sem uma boa justificativa para não votar numa proposta de reforma muito mais branda como a de Temer.

Preço a pagar
A polêmica sobre a reforma da Previdência faz um corte político que tem por pano de fundo as eleições de 2018. A maioria dos deputados acha que o desgaste da aprovação junto à opinião pública não valeria a pena, ainda mais para defender um governo que se enfraquece na medida em que o calendário eleitoral se aproxima. O presidente Temer não consegue reverter a impopularidade. Estão nesse balaio de gatos os deputados do PT e outras legendas de oposição e os parlamentares governistas mais sensíveis ao voto de opinião. Tudo porque o governo não conseguiu consolidar uma narrativa em relação à reforma que consolide a ideia de que serão eliminados os privilégios do setor público e não somente os benefícios dos trabalhadores assalariados que se tornaram insustentáveis.

Os políticos também estão com medo da opinião pública, de um modo geral. O envolvimento dos caciques dos grandes partidos na Operação Lava-Jato e a rejeição de duas denúncias contra Temer estão cobrando agora um preço alto. Ontem, a Bovespa despencou por causa da avaliação de que a Previdência não será aprovada. Entre os parlamentares, o assunto mais comentado era os vídeos do senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do PMDB, batendo boca com uma passageira dentro de um avião. Quando parlamentares ficam com medo de andar de avião, a coisa desanda no Congresso.

 


Merval Pereira: Lava-Jato acelera

Todos os indícios levam a crer que o ano eleitoral de 2018 será também o ano em que a Operação Lava-Jato terá mais agilidade nas investigações e, sobretudo, nas decisões sobre novos processos contra políticos. Além do anúncio de que os procuradores de Curitiba, Rio e São Paulo trabalharão em conjunto a partir do próximo ano, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, colocou à disposição dos ministros da Corte mais 36 funcionários e dez juízes, para acelerar o andamento dos processos decorrentes da Lava-Jato.

Cada um dos dez integrantes da Corte (exceção da presidente, que não recebe processos) deve receber a ajuda de ao menos mais três funcionários, entre servidores concursados e pessoas de livre nomeação. Cada gabinete também poderá receber mais um magistrado para integrar a equipe.

Como são muitos os processos criminais contra parlamentares, seria impossível fazer o que foi feito no mensalão, parar o Supremo por cerca de 5 meses para tratar apenas daquele processo criminal. Nele havia 40 denunciados pela Procuradoria-Geral da República, que foram julgados todos em conjunto.

Desta vez, todos os casos ligados à Lava-Jato que não dizem respeito diretamente à Petrobras foram distribuídos por sorteio para outros ministros do Supremo, e praticamente todos estão com vários processos acrescentados ao acervo que já acumulavam.

Em levantamento recente, O GLOBO mostrou que o Supremo Tribunal Federal começou 2016 com menos processos do que no ano anterior: 53.931 ações estão aguardando julgamento, quando em 2015 eram 56.230, devido ao aumento de produtividade dos ministros. Em 2015, os dez integrantes do STF deram 75.112 decisões, sendo 68.870 em caráter final — média de 20 decisões diárias por ministro, contando férias, feriados e fins de semana. O aumento da produtividade deve-se também à atuação das duas Turmas em que o plenário foi dividido.

O ministro Celso de Mello, apesar de ser o decano, isto é, o ministro com mais tempo de Corte, é o que tem menos processos, “apenas” 3.110. Já o ministro Marco Aurélio, o segundo mais antigo, é o que tem mais: 7.345.

O balanço das sentenças colegiadas, porém, registrou queda: foram 1.063 decisões tomadas em julgamentos no plenário, ano passado, contra 1.572 em 2014, e 1.500 em 2015. O fato de o tribunal decidir mais de forma individual do que em colegiado é uma anomalia que provoca muitas críticas.

Os ministros decidiriam monocraticamente, transformando um órgão colegiado em individualizado. Mas há uma explicação mais técnica: chegam ao Supremo mais recursos do que a capacidade de julgamento do colegiado, que se reúne duas vezes por semana.

É provável que, com mais auxiliares, os ministros possam acelerar a análise dos processos contra parlamentares, e esse procedimento vai também interferir na campanha eleitoral, podendo inviabilizar candidaturas.

Já os procuradores da Lava-Jato, que anunciaram que a eleição de 2018 será fundamental para o futuro da Operação, pretendem com o trabalho conjunto de Curitiba, Rio e São Paulo aprofundar as investigações numa clara mensagem de que não pouparão esforços para impedir, ou pelo menos atrapalhar, as candidaturas de pessoas envolvidas em denúncias de corrupção.

Essa atitude de confrontação recebeu muitas críticas dos políticos, que viram nas declarações a prova de que o trabalho dos procuradores é politizado. Os procuradores consideram que a renovação do Congresso em 2018 será fundamental para garantir a continuidade da Operação Lava-Jato.

Ao mesmo tempo, surgem movimentos na sociedade civil para denunciar os parlamentares que não deveriam ser reconduzidos pelos eleitores, e outros que se propõem a financiar cursos para potenciais novos candidatos que representem uma nova postura de fazer política.

São movimentos que vão de encontro às máquinas partidárias tradicionais, que se preparam para as eleições sabendo que a disputa desta vez será também contra a desilusão dos eleitores, que pode produzir uma avalanche de votos em branco, nulos e abstenções.

 


Míriam Leitão: Além da Lava-Jato

Estamos há três anos e oito meses vivendo diariamente os efeitos da Lava-Jato. Ela tem números impressionantes e uma coleção de fatos inéditos, mas o país foi se acostumando com as operações frequentes, as revelações e as prisões. Esta semana, os procuradores federais em três estados alertaram que será preciso mais do que o trabalho que eles estão fazendo para o país ter sucesso no combate à corrupção.

Do encontro das forças-tarefas da Lava-Jato de Curitiba, Rio e São Paulo surgiu uma carta e manifestações públicas dos procuradores com vários recados. Um deles é que nenhum integrante da Lava-Jato pensa em se candidatar a cargo algum. Isso não foi escrito, mas foi dito e serve para tirar a sombra que de vez em quando é levantada contra eles.

O recado mais importante é que não basta tudo o que aconteceu para que o país vença o crime que contamina a política brasileira. Não basta que 416 pessoas tenham sido acusadas pelo crime de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa e que 144 réus tenham sido condenados a penas que, se forem somadas, dão 2.130 anos. Não basta a investigação ter atingido pessoas icônicas, ou ter colocado na cadeia líderes empresariais e políticos. Não basta terem sido deflagradas 64 fases da Operação. É preciso mudar as leis para prevenir a continuidade do crime.

Em todos os países onde houve avanço no combate à corrupção, leis foram mudadas. As investigações mostraram as brechas e as maneiras pelas quais o sistema se corrompia, os culpados foram punidos, e a legislação foi alterada para se impedir a repetição. No Brasil, por mais eloquentes que sejam os números, a proposta assinada por dois milhões e trezentas mil pessoas foi rejeitada pelo Congresso e são frequentes as tentativas de piorar as leis, em vez de aperfeiçoá-las.

Na entrevista conjunta dada no Rio, as forças-tarefas do Ministério Público Federal no Rio, São Paulo e Curitiba avisaram que estão unidas e farão operações conjuntas em 2018. A notícia é auspiciosa. No ano que vem haverá a “batalha final”, nas palavras do procurador Deltan Dallagnol. Ele se referia às eleições, porque “lideranças corruptas são incapazes de fazer reformas anticorrupção”. Mas contra esse inimigo não existe uma batalha final.

O Rio conhece o resultado dessa união. Foi exatamente da colaboração entre o MPF em Curitiba e o MPF no Rio que saiu a Operação Calicute, depois deixada por conta da equipe fluminense. No dia 17 de novembro do ano passado, a Polícia Federal bateu na porta do ex-governador Sérgio Cabral com dois mandados de prisão, cada um assinado por um juiz: Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Foi exatamente porque os procuradores souberam superar o jogo de vaidades, ou de disputa territorial que às vezes dividem as forças do Estado, que tudo deu tão certo. A Calicute nasceu da Lava-Jato e se tornou uma força em si. Se tudo dependesse apenas de um grupo do MP, no caso o de Curitiba, o país não iria muito longe, porque o crime está disseminado e com focos importantes em alguns estados, como o Rio.

Essa demonstração de união é importante diante da sequência de tentativas de enfraquecer a operação. Os procuradores lembraram que apesar de tudo o que aconteceu, de todas as revelações e denúncias, os partidos não afastaram os políticos envolvidos. “Pelo contrário, a perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande parte da classe política contra as investigações e os investigadores", diz a Carta. Aliás, esse é o único tema capaz de unir políticos da oposição e do governo.

O procurador Carlos Fernando falou em “macro” corrupção. Na hiperinflação aprendemos que ela não era só uma inflação mais alta, era outro fenômeno. A escala muda a natureza e a resistência do problema. Por isso faz todo o sentido o chamado do Ministério Público na Carta do Rio. Eles quiseram dizer que, por mais unidas que estejam as forças-tarefas, a renovação da política será feita pelo voto e não pelos próprios políticos ou partidos, que é preciso com normas legais fechar algumas brechas pelas quais o problema se reproduz, e é fundamental a sociedade estar atenta a cada movimento que tenta paralisar o processo de combate à corrupção. A Lava-Jato já fez muito, mas o país terá que fazer ainda mais se quiser avançar. Esse foi o recado dos procuradores.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Americanismo ou iberismo

A redemocratização do país não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as suas principais mazelas

A política brasileira tem três características dominantes: o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Autores que estudaram o fenômeno, como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, as atribuem ao colonialismo ibérico, que organizou o Estado brasileiro muito antes da formação da nação. Essas características antecedem a formação dos partidos políticos brasileiros, que surgiram com ideias mitigadas para que o atraso pudesse pegar carona no moderno e manter-se.

Para dar um exemplo, voltemos à Independência, que está às vésperas do bicentenário. O Brasil tornou-se um Império em 1822, e não uma República, em razão do projeto de reunificação da Coroa portuguesa e dos interesses dos senhores de escravos em manter o tráfico negreiro, só não anexando Angola porque a Inglaterra não deixou. Mas Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, ou seja, de cima para baixo, com um viés liberal. A introdução no texto constitucional do princípio da propriedade privada — uma conquista das revoluções burguesas — foi feita com o objetivo de proteger o regime escravocrata. Conseguiu: a escravidão somente foi abolida em 1888. Um ano depois, as oligarquias regionais que haviam se amalgamado à política do Gabinete de Conciliação do Marquês de Paraná, contendo revoltas e revoluções separatistas e/ou republicanas, derivaram para o regime republicano sob influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha. O povo assistiu à proclamação da República “bestificado”.

Mas o velho iberismo domou a República agrarista com seu atavismo, por meio das fraudes eleitorais dos “coronéis” para se manter no poder, contra a emergência das camadas médias e trabalhadores urbanos. Acabou levando o regime café com leite ao colapso. A revolução burguesa se completou pela via das armas, com a Revolução de 1930 e, depois, em 1937, com o Estado Novo. O ditador que representava a política castilhista do Brasil meridional, Getúlio Vargas, manteve-se no poder e derrotou as elites paulistas graças à aliança com as oligarquias do Norte e Nordeste, que novamente emergiram como a força política decisiva na Segunda República. O velho iberismo manteve-se firme e forte, ou seja: o clientelismo eleitoral, o fisiologismo político e o patrimonialismo como via de enriquecimento e preservação do poder. O populismo de Vargas, a força política e eleitoral dominante nos grandes centros urbanos, também assimilou as mesmas práticas, levando-as para os meios urbanos.

A lanterna
Até que a crise de financiamento do Estado e a necessidade de avançar no processo de modernização, em plena guerra fria, levaram à radicalização política. Entre dois projetos de desenvolvimento distintos, a democracia brasileira também se foi de roldão. Os militares protagonizaram novo projeto de modernização; para legitimá-lo e se manter no poder, reconstituíram o velho pacto com as oligarquias conservadoras. O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo sobreviveram num regime bipartidário cujo objetivo era institucionalizar o regime autoritário via “mexicanização” do país.

A redemocratização não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as principais mazelas, como aconteceu com o nepotismo nas carreiras de estado, de órgãos e de empresas públicas. O colapso do modelo de financiamento da política e dos partidos, via desvio de recursos públicos e caixa dois, com a Operação Lava-Jato, é resultante disso, num contexto de novo ciclo de modernização da sociedade brasileira com características hegemonicamente exógenas, decorrentes da globalização e de aceleradas mudanças tecnológicas.

É nesse cenário que nos deparamos com um novo projeto de “fuga para frente”, em contraposição às “utopias regressivas” à direita e à esquerda, do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda apostam no Estado como via de modernização no país. Sob a égide da ética na política, essa tendência busca um canal de expressão na política tradicional para participar da sucessão de 2018 e romper as muralhas do iberismo. Com ideias liberais pós-modernas, o novo americanismo se expressa pelas redes sociais, busca um candidato competitivo e um partido para chamar de seu. Lembra um pouco o aristocrático Carlos Maia e histriônico João da Ega, personagens de Eça de Queiroz, que seguem apressadamente, e sôfregos, a luz vermelha da lanterna do americano na escuridão da noite de Lisboa: “Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos!”.

 


Luiz Carlos Azedo: A pedra cantada

Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento

Já era esperado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli para estudar o processo e, com isso, paralisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance do foro privilegiado em crimes cometidos por deputados e senadores. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, até fez a proclamação provisória do resultado: 8 dos 11 ministros votaram pela restrição do foro privilegiado de parlamentares federais — 7 acompanharam o relator e um, Alexandre de Moraes, divergiu em relação ao alcance da restrição). Mas ainda faltam os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que teoricamente ainda podem convencer os demais a mudar de ideia. O julgamento não foi concluído e pode ficar para as calendas gregas. Se tivesse acabado, a maioria dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato seria julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.

Doze homens e uma sentença, um clássico norte-americano produzido por Sidney Lumet e dirigido e escrito por Reginald Rose, ilustra bem as razões de as coisas funcionarem assim nos tribunais. Lançado em 1957, o filme tem como atores principais Henry Fonda, Jee L. Cobb, Jack Warden e Martin Balsam. Doze homens julgam um garoto acusado de matar próprio pai com uma faca. O juiz orienta os jurados a ter cautela na decisão, pois trata-se da vida de um jovem que está nas mãos deles. Pede que decidam por unanimidade. Existem testemunhas e provas, que supostamente comprovam a culpa do garoto acusado, porém, ainda deixam uma grande margem de dúvidas.

Parte dos jurados toma por base o senso comum dos fatos: se a diz mulher que viu o garoto cometer o crime, então o garoto de fato é culpado; se o garoto é pobre e vive no meio de bandidos, também é um bandido etc. Os doze jurados seguiram o procedimento padrão, quando fizeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados, de todos eles, no seu conjunto. Um dos juradores, porém, revela que não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.

Coincidentemente, o oitavo jurado do filme, como Alexandre de Moraes, diverge da maioria. Há resistência de quase todos os outros 11 jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir inseguros quanto ao seu posicionamento inicial. A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a contagem dos votos de “inocente”, cada um dos jurados a enxerga de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, a mesma prova. O veredicto passa a ser lentamente transformado de culpado a inocente. O filme é um libelo em defesa da chamada “presunção de inocência”.

Prescrição

Antes que imaginem que estou defendendo a manutenção do foro privilegiado para os políticos que cometeram crimes comum, registro: estou apenas explicando a razão de um tribunal não concluir o julgamento enquanto o último magistrado presente não se manifestar. Teoricamente, ele pode mudar o entendimento da Corte. Isso faz parte do “devido processo legal”, das prerrogativas dos jurados e dos direitos e garantias dos réus. Se a regra é usada para uma manobra política ou “chicana”, não importa, a criança não pode ser jogada fora com a água da bacia. O julgamento de ontem começou em maio, em razão de uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), devido à suposta compra de votos em campanha eleitoral no município. Tramitou por diversas instâncias desde 2008, uma vez que o político mudou de cargo e, consequentemente, de foro. Hoje, é deputado federal e integra a bancada do PMDB.

No Supremo, há duas propostas em votação; a do ministro Luís Roberto Barroso já conta com seis votos, deixa no Supremo somente os processos sobre delitos cometidos durante o mandato e necessariamente relacionados ao cargo. Com isso, sairiam do STF e iriam para a primeira instância acusações contra parlamentares por crimes como homicídio, violência doméstica e estupro, por exemplo, desde que não ligados ao cargo. Alexandre de Moraes, voto vencido até agora, deixa no Supremo todas as ações sobre crimes cometidos durante o mandato, mesmo aqueles não ligados ao exercício da função de parlamentar. Votaram com Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.

Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento, porque cada vez que um político muda de cargo, o processo migra de tribunal, atrasando a conclusão. Toffoli argumentou que o Congresso também discute outras formas de restringir o foro privilegiado. A proposta em tramitação na Câmara, por exemplo, restringe o foro privilegiado às autoridades máximas do país: os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. Pretende esperar o Congresso decidir.


Luiz Carlos Azedo: Para onde vai a Lava-Jato?

A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF

A Operação Lava-Jato vive um momento crucial, que balizará o futuro das investigações e dos políticos nela envolvidos. Os fatos estão se sucedendo muito rapidamente quanto a isso. Ontem, os desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) votaram por um novo pedido de prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB. A Justiça Federal também determinou o afastamento deles da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Os três já se entregaram e vão recorrer. Haviam sido presos na Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato no Rio, mas foram soltos após votação na Alerj na sexta-feira passada, sem que houvesse notificação judicial. São suspeitos de receber propina para defender interesses de empresários dentro da Alerj e de lavar o dinheiro usando empresas e compra e venda de gado. Para deixarem a cadeia, agora, só com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há um lusco-fusco jurídico nessa questão. Um deputado federal cumpre pena em Brasília e não foi afastado das funções, ou seja, acorda parlamentar e dorme presidiário. Recentemente, o Senado revogou decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastava do exercício do mandato o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, com base em decisão do plenário da Corte, por 6 a 5, no sentido de que cabe ao Congresso aceitar ou não a prisão de senadores e deputados.

Essa jurisprudência está sendo replicada nos estados pelas câmaras municiais e pelas assembleias legislativas, que estão soltando vereadores e deputados cujas prisões foram decretadas por juízes e tribunais, respectivamente. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com mais retumbância do que em outros lugares, porque um dos três parlamentares é o político mais poderoso do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e a decisão foi tomada pela Justiça Federal.

Para onde vai a Lava-Jato? A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF. As condenações de ex-parlamentares são outra história, porque estão correndo em primeira e segunda instâncias, graças à atuação de delegados, procuradores e juízes federais. Argumenta-se que o STF não está aparelhado para acompanhar investigações criminais, daí o atraso. Mas não é só isso.

Tiro no pé

Há muitas divergências na Corte quanto às delações premiadas, aos acordos de leniência, às prisões prolongadas e até mesmo às prisões após julgamento em segunda instância, que arranhariam o “transitado em julgado” e o chamado “devido processo legal”, mas têm jurisprudência do próprio Supremo. São frequentes as polêmicas públicas entre os ministros quanto a isso. O caso dos três deputados fluminenses certamente será julgado na instância máxima do Judiciário, o STF. Ontem, por exemplo, o ministro Luiz Fux classificou de promíscua a decisão da Assembleia Legislativa fluminense que havia revogado a prisão dos três deputados e disse que o dispositivo aprovado em relação ao Congresso não se aplica aos parlamentos estaduais e municipais. Não é pacífica essa interpretação na Corte.

Em 24 horas, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que assumiu oficialmente nessa segunda-feira, armou um banzé na Polícia Federal e na relação da instituição com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em entrevista, pôs em dúvida se “uma única mala” era suficiente para apontar se houve corrupção passiva, numa alusão aos R$ 500 mil, transportados pelo ex-deputado Rocha Loures, que supostamente seriam destinados ao presidente Michel Temer. Resultado: houve forte reação da sua própria instituição e, para acalmar a corporação, manteve o coordenador da Operação Lava-Jato na Polícia Federal, delegado Josélio Azevedo de Souza.

 


Míriam Leitão: No Rio é pior

O Rio é o estado onde tudo aconteceu da pior forma. A crise econômica é mais profunda e prolongada, o assalto aos cofres públicos foi mais violento e disseminado, a crise da Petrobras o atingiu mais fortemente do que a qualquer outro estado. A deterioração fiscal tem sido mais aguda, com a aflição interminável do servidor público e seus salários atrasados.

Ontem foi mais um dia histórico no Rio, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, depois da decisão unânime dos desembargadores do TRF. Eles votaram pela prisão do deputado, do líder do governo Edson Albertassi e de Paulo Melo, outro parlamentar.

Há uma semana Albertassi estava com um pé no Tribunal de Contas do Estado, apesar de todas as dúvidas que pesavam sobre ele. Tanto tempo depois de iniciado o mais sério combate à corrupção no Brasil e no Rio, o governador Luiz Fernando Pezão se considerou no direito de o indicar para a vaga e demitir o procurador- geral Leonardo Espíndola, que se recusou a defender a nomeação. As instituições tiveram que travar uma luta, a começar da ação popular do PSOL, para evitar que o deputado fosse para o TCE. Ontem, Picciani, Albertassi e Melo foram detidos.

O PMDB é o maior partido do Estado e há anos governa o Rio. As dúvidas sobre o enriquecimento rápido de deputados estaduais é assunto antigo. A memorável reportagem “Os homens de bens da Alerj", que ganhou prêmios no Brasil e no exterior, foi publicada há 13 anos.

Houve um dia em que o Rio tinha, ao mesmo tempo, dois ex- governadores presos. Garotinho foi solto, mas o conselheiro que ele indicou para o TCE, Jonas Lopes, que havia virado um dos líderes do esquema de corrupção, se tornou o grande delator. Confessou seus crimes e contou o que acontecia no TCE. Cinco conselheiros foram presos. Tiveram o mesmo destino do ex-governador Sérgio Cabral e alguns ex- secretários, como Sérgio Côrtes.

Cabral foi condenado em três dos 16 processos a que responde a penas somadas de 72 anos de prisão. As descobertas de como ele se apropriava do dinheiro público são de embrulhar o estômago, com aquelas extravagantes compras de joias, ouro, mansões e viagens internacionais.

Tudo tem sido mais escancarado no Rio. Empresas que lavavam dinheiro do esquema recebiam — e ainda recebem — benefícios fiscais milionários. E não há um fim nesse sofrimento estadual. Há uma continuidade delitiva, tanto que foi a tentativa de nomear o conselheiro do TCE que precipitou a operação “Cadeia Velha".

A dimensão da crise do Rio precisa ser entendida pela cúpula do Judiciário. Empresários do setor de transportes envolvidos em desvios foram soltos por decisão do ministro Gilmar Mendes. Agora alguns voltam à prisão por novas denúncias. Inclusive, há o temor de que o precedente do caso do senador Aécio Neves seja invocado em sessão marcada para hoje na Assembleia, e os deputados sejam liberados pelos seus pares.

No Rio, os crimes foram constantes, sérios. Endêmicos. Não foram casos isolados. Por muito tempo ele foi saqueado. É preciso enfrentar a crise com a certeza de que estamos diante da necessidade de reconstrução. O estado não pode mais viver situações como a que acaba de acontecer: numa semana Albertassi estava com um pé no tribunal que julga as contas dos órgãos públicos, e na outra semana ele está preso. Até a semana passada Picciani era um dos maiores centros de poder do Rio, ontem estava na cadeia. No Rio, as investigações não são sobre fatos passados apenas, mas também sobre o presente. Um presente contínuo.

Não por outra razão, o Rio tem sofrido mais na crise econômica. É o único estado do Sudeste que continua perdendo empregos de carteira assinada este ano. Foram fechadas 81 mil vagas até setembro, enquanto São Paulo criou 111 mil. No desemprego geral, o Brasil está em 13% e o Rio, 15%. Nos anos anteriores à crise, o estado teve a enorme vantagem dos royalties do petróleo em tempo de preços em alta. Esses recursos foram mal geridos e hoje a crise fiscal é maior e mais difícil de tratar do que a da maioria dos estados brasileiros. A esperança é de que tudo o que tem acontecido ajude o estado a fazer a travessia para uma outra estrutura de poder no Executivo e Legislativo. O Rio precisa recomeçar.

 

 


Merval Pereira: Um tapa na sociedade

Toda a cúpula do PMDB do Rio está neste momento na cadeia, com exceção do governador Pezão, que continua no posto apesar de todas as acusações, e do ex- prefeito Eduardo Paes, que está no exterior, também envolvido em várias denúncias. É um fato político relevante, essa prisão em massa de um grupo político inteiro, e a revelação de que todas as campanhas eleitorais dos últimos anos foram realizadas com o suporte de dinheiro desviado de obras públicas as mais diversas. A delação premiada do marqueteiro Renato Pereira é das peças mais devastadoras politicamente já surgidas nesses tempos de Lava Jato.

Não houve praticamente um setor da administração que não tivesse sido acionado para alimentar essa máquina partidária que domina o Estado há décadas. Nos votos dos juízes do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região ( TRF- 2), a crise econômica do Estado foi atribuída à corrupção desenfreada desse grupo político, e a prisão foi apontada como a única maneira de estancar a prática de atos ilegais, que continuaram mesmo depois da prisão do ex- governador Sérgio Cabral.

É alta a probabilidade de que a Assembleia Legislativa do Rio decida ainda hoje não permitir a prisão de seu presidente, Jorge Picciani, e de outros dois deputados estaduais do grupo, que passaram a noite no mesmo complexo penitenciário onde está preso o ex- governador Sérgio Cabral, o chefe da organização criminosa que ainda controla a política estadual. O presídio de Benfica abriga todos os envolvidos nos processos da Operação Lava- Jato no Rio.

Tanto que o ex-governador continua tendo, dentro da prisão, regalias que presos comuns não têm, sempre se utilizando de métodos escusos como usar um pastor próximo a seu grupo para instalar um home theater na cadeia. O relato de que comandou uma salva de palmas para receber na prisão o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro Carlos Arthur Nuzman revela o nível de cinismo do ex- governador e confirma que não se arrependeu de nada do que fez, mantendo ainda uma liderança dentro da cadeia, como os chefões da bandidagem carioca que fingia combater.

As denúncias contra Sérgio Cabral mostram que ele começou a participar do esquema corrupto da política do Rio de Janeiro quando ainda era deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa, mesma função que hoje exerce o presidiário Picciani.

A longevidade do esquema, e sua força política no estado, demonstram como está arraigada na política estadual a corrupção. O PMDB é o único partido político do Rio com esquema eleitoral espalhado pelo estado, não havendo concorrência possível, pois PT e PSDB, os dois partidos mais fortes a nível nacional, têm estruturas muito fracas no Rio.

A legenda, no entanto, tornou- se tóxica no estado, diante da revelação dos esquemas de corrupção, e já na disputa pela Prefeitura do Rio o partido perdeu a condição de eleger seu candidato, que além do mais tinha problemas pessoais que o inviabilizaram.

A decisão por unanimidade do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região de mandar prender os deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, e sobretudo os comentários dos juízes sobre a necessidade de afastá-los do convívio da sociedade para que cessem de praticar crimes, revela que a provável decisão da Assembleia de liberá-los será considerada uma afronta não apenas ao Tribunal Federal, mas à opinião pública, que está sendo convocada para protestos em frente à Assembleia para pressionar os deputados.

 

 


Rogério Furquim Werneck: Instinto de sobrevivência

‘Atingidos’ compartilham da urgência de ‘ estancar a sangria’, procuram ficar sob a estrita proteção do foro privilegiado

A configuração da disputa presidencial tem sido fonte de grande apreensão. Entre a perspectiva de desmantelamento da política econômica em vigor, como vem sendo prometido por Lula, e a possibilidade de que o país fique ao sabor do primitivismo inconsequente de Jair Bolsonaro, cresce o clamor por uma união das forças políticas de centro.

Não falta quem pondere que, até por simples instinto de sobrevivência, os partidos de centro teriam de se aglutinar em torno de uma mesma candidatura. A verdade, contudo, é que as articulações nesse sentido vêm enfrentando dificuldades de toda ordem. E acumulam- se evidências de que, por mais forte que sejam seus instintos de sobrevivência, os partidos de centro podem perfeitamente não conseguir se acertar, em 2018, para dar apoio conjunto a um candidato a presidente que tenha boa chance de ser eleito.

Quando a resultante de um sistema de forças parece surpreendente, há que se indagar se não há outras forças importantes em jogo que não estão sendo consideradas. No caso, as forças que talvez não estejam sendo levadas em conta, devidamente, são as provenientes de uma aliança tácita, cada vez mais poderosa, fundada num mesmo temor que hoje perpassa, da esquerda à direita, as cúpulas de todos os partidos políticos de maior expressão: a preocupação com os desdobramentos da Lava- Jato e operações similares.

Desse temor, compartilham correligionários e adversários: Temer e Lula, grande parcela dos governadores e parte substancial dos membros do Congresso Nacional. Mais de 20% dos congressistas hoje enfrentam dificuldades com tais operações. E, é bom que se diga, não se trata do baixo clero. Estão aí incluídos boa parte dos parlamentares mais proeminentes do Congresso. Não há, portanto, como ter dúvidas sobre quão poderosa pode ser essa numerosa Confraria dos Atingidos pela Lava- Jato e Operações Similares, designação que talvez possa ser encurtada para Calajato.

A análise baseada no instinto de sobrevivência faz sentido. Mas é importante ter em conta a real natureza do instinto de sobrevivência que, de fato, vem pautando o comportamento de boa parte dos principais atores políticos envolvidos. O que os move não é a preocupação com a sobrevivência das forças políticas de centro e, sim, com sua própria sobrevivência, num sentido muito mais estrito e elementar: salvar a própria pele e escapar da Lava- Jato.

Veladamente, os “atingidos” compartilham da urgência de “estancar a sangria”, procuram permanecer sob a estrita proteção do foro privilegiado e acalentam a possibilidade de, quem sabe, conseguir se beneficiar de algum tipo de anistia ou de mudanças providenciais da legislação, na linha do que se mostrou possível na Itália, na esteira da efêmera Operação Mãos Limpas.

Ter a importância dessa confraria em conta ajuda a entender com mais clareza as atribuladas articulações políticas que vêm sendo ensejadas pela disputa eleitoral de 2018. Torna mais compreensível, por exemplo, a determinação com que Aécio Neves deu por findo seu curto período de resguardo para se desincumbir, com espantosa truculência, da missão de enterrar de vez o discurso constrangedor que vinha sendo ensaiado no PSDB, por Tasso Jereissati. Deixa também mais clara a real natureza das pressões “suprapartidárias” a que vêm sendo submetidos os tribunais superiores.

Com tantos atores políticos influentes primordialmente preocupados com a salvação da própria pele, o esforço para consolidação da uma coalizão ampla de centro, na disputa presidencial de 2018, promete ser bem mais difícil do que já seria. Inclusive porque, entre os mais gravemente atingidos pela Lava- Jato, vem ganhando força a convicção de que, a esta altura, o mais seguro, para salvar o próprio pescoço, parece ser apostar na vitória de Lula em 2018. É o que ajuda a explicar a revoada de caciques do PMDB para o campo lulista.

* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC- Rio

 


Luiz Carlos Azedo: A fortuna do príncipe

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994

Um dos últimos capítulos do clássico O príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra seminal da teoria política, parece escrito sob medida para as movimentações de bastidor dos líderes principais do PSDB na tentativa de construção de candidatura capaz de unificar forças de centro e derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que hoje polarizam as pesquisas eleitorais. Intitulado “De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir” (Quantum foruna in rebus humanis possit, et quomodo illis sit occurren dum), trata da relação entre as virtudes dos governantes e a sua fortuna (que tem mais a ver com as contingências do que propriamente com a sorte ou o acaso).

Para Maquiavel, o governante prudente se prepara para as adversidades. “Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma (…) Esta opinião se tornou mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independentemente de qualquer conjectura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece não seguir essa receita e não se cansa de dizer que a política é destino. De certa forma, as três eleições que perdeu — duas para a prefeitura de São Paulo (2000 e 2008) e uma à Presidência da República (2006) —parecem corroborar esse ponto de vista, pois as derrotas não o impediram de governar São Paulo por quatro mandatos, a primeira vez em razão da morte do governador Mario Covas (era o vice), e as outras três, porque foi eleito para o cargo (2002, 2010 e 2014).

Alckmin é o candidato do PSDB por ocupar a posição estrategicamente mais importante nas esferas de poder da legenda na administração do estado mais populoso e desenvolvido do país. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, está entre os líderes tucanos menos afetados pela Operação Lava-Jato, o que parecia transformá-lo em mono-opção partidária às eleições presidenciais de 2018. O candidato natural seria o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do partido (obteve 51 milhões de votos em 2014, na disputa de segundo turno contra a então presidente Dilma Rousseff), mas acabou fora da disputa, em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista. Entretanto, o destino prega mais uma peça ao governador paulista. Alckmin parece aquele príncipe retratado por Maquiavel que estava em franco e feliz progresso, mas corre o risco de ser arruinado.

Discordância
Maquiavel nos ensina que, variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, “serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância”. É mais ou menos o que está acontecendo com Alckmin, com o PSDB à beira da implosão em razão da disputa pelo controle da legenda com Aécio Neves, que apoia a candidatura do governador goiano Marconi Perillo, a presidente do PSDB, contra o senador Tasso Jereissati, candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador paulista.

Alckmin corre o risco de ser “cristianizado” nas eleições, porque outros caciques do PSDB paulista estão aliados a Aécio, principalmente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o senador José Serra (SP), que já se articula para a sucessão paulista. Há um plano B em curso para as eleições: o apresentador de tevê Luciano Hulk, que negocia sua filiação ao PPS, com forte apoio de grupos empresariais liderados por jovens investidores formados nos Estados Unidos.

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994, quando provou do mesmo veneno que usou contra Ulysses Guimarães, em 1989. Como dizia o bruxo florentino, “a sorte sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam”. Com Hulk, a grande novidade desse processo, porém, pode ser o surgimento de um certo “americanismo” na política brasileira, tradicionalmente prisioneira do velho iberismo fisiológico e patrimonialista.

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/fortuna-do-principe/


Merval Pereira: Força externa

No momento em que vários movimentos contrários à Operação Lava-Jato, no Legislativo e no Judiciário, tentam conter as investigações contra a corrupção, vem do exterior o reconhecimento dos que fizeram dela um dos mais importantes trabalhos contra a corrupção já realizados.

A força-tarefa coordenada pelos procuradores da República em Curitiba foi reconhecida ontem, mais uma vez, como o órgão de investigação criminal do ano pelo prêmio da Global Investigations Review, o mesmo que já havia vencido em 2015.

E o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos de primeira instância da Operação Lava-Jato, será, em maio de 2018, o orador convidado da 173ª turma de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, papel que já foi desempenhado em outras ocasiões pelo ex-presidente americano Barack Obama e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan.

Sergio Moro havia sido homenageado em outubro com o Prêmio Notre Dame, o mesmo já concedido, entre outros, à Madre Teresa de Calcutá e ao ex-presidente americano Jimmy Carter e sua mulher, Rosalynn. O prêmio é “entregue periodicamente para homens e mulheres cuja vida e obra demonstram dedicação exemplar aos ideais pela qual a Universidade preza”. (...) “Os homenageados previamente com o Prêmio Notre Dame, cada um à sua maneira, atuaram como pilares de consciência e integridade, suas ações beneficiando seus compatriotas e, através de seus exemplos, o mundo inteiro, quando se comprometeram com a fé, a justiça, a paz, a verdade e a solidariedade com os mais vulneráveis”, informa a Universidade.

Ao receber o prêmio, o juiz Sergio Moro fez uma afirmação que já se tornou emblemática: “(...) há razões para acreditar que a era dos barões da corrupção está chegando ao fim no Brasil.”

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ao anunciar a premiação da força-tarefa de Curitiba no Facebook, disse que o maior prêmio seria “resgatar o país das mãos de um sistema político criminógeno. (...) mais que prêmios, precisamos de mudanças. De outra forma, daqui a alguns anos, estaremos diante do mesmo descalabro que vemos hoje na política brasileira”.

O presidente da Universidade Notre Dame, reverendo John I. Jenkins, diz que o juiz Sergio Moro tem os valores para inspirar os estudantes. “Foi um privilégio encontrar e conversar com o juiz Sergio Moro no início de outubro. Ele serve como um claro exemplo de alguém que vivencia os valores que buscamos inspirar nos nossos estudantes. Estou grato que ele tenha aceitado nosso convite e estou certo de que ele aportará observações valiosas para nossos formandos da classe de 2018. Sua mensagem sobre integridade e o estado de direito e o seu exemplo de corajosa busca pela justiça são enormemente necessárias em nossos tempos. Nossos estudantes, suas famílias e convidados serão inspirados ao ouvir o juiz Moro”, comentou ao anunciar o convite.

“Mais do que um reconhecimento internacional, existe o crescimento de um movimento anticorrupção no mundo inteiro e, em especial, na América Latina. Neste caso, em parte, influenciado pela Lava-Jato (vide Argentina, Peru e Colômbia). Seria no contexto em que o Brasil aparece como exemplo no mundo que sofremos aqui retrocessos,” avaliou Moro.

Correção
A reunião de Lula com Joesley Batista sobre o impeachment de Dilma não se realizou em um hotel em Brasília, como escrevi na coluna de sábado, mas na casa do empresário em São Paulo, segundo denúncia do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Em carta redigida de próprio punho na cadeia em Curitiba, Cunha citou um encontro entre ele, Joesley e o ex-presidente no ano passado. “Ele apenas se esqueceu que promoveu um encontro que durou horas no dia 26 de março de 2016, Sábado de Aleluia (anterior à Páscoa), na sua residência, entre mim, ele e Lula, a pedido de Lula, para discutir o processo de impeachment (de Dilma Rousseff )”.

Cunha afirmou que, no encontro, pôde “constatar a relação entre eles e os constantes encontros que mantinham.” Segundo o ex-presidente da Câmara, sua versão pode ser comprovada com o testemunho dos agentes de segurança da Casa, que o acompanharam, além da locação de veículos em São Paulo, que o teriam levado até lá.

 

 


Luiz Carlos Azedo: O fogo amigo

Não é de agora que as articulações para substituir o diretor da Polícia Federal estão sendo feitas. O litígio entre o ministro da Justiça e os caciques do PMDB fluminense é grande oportunidade

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, pode pôr as barbas de molho porque o fogo amigo só aumenta. De um dia para o outro, o eixo do problema da segurança pública no Rio de Janeiro, onde a pirotecnia não está dando conta do recado, deixou de ser a infiltração do crime organizado no sistema de segurança e no mundo político para ser a inabilidade do ministro, que disse o que todos os cariocas sabem, embora nem todos gostem de ouvir. O pior ainda está por vir: avançam as articulações do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, pelo delegado Fernando Segóvia, ligado ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.

Não é de agora que as articulações para substituir o diretor da Polícia Federal estão sendo feitas. O litígio entre o ministro da Justiça e os caciques do PMDB fluminense, principalmente o governador Luiz Fernando Pezão, e o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, é grande oportunidade a ser aproveitada. A autonomia da Polícia Federal sob comando de Daiello é uma ameaça para o Palácio do Planalto por causa da Operação Lava-Jato. A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot não resolveu o problema; apenas blindou constitucionalmente o presidente da República, assim como aos demais envolvidos, entre os quais Padilha, até dezembro de 2018. Quando o mandato de Temer acabar, a denúncia seguirá seu curso inexorável.

Outras investigações que estão sendo feitas pela Polícia Federal chegam muito perto do Palácio do Planalto, ainda mais porque os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves e o ex-deputado Rocha Loures, bolas da vez da Operação Lava-Jato, não têm foro privilegiado. Há também uma conexão com a situação do Rio de Janeiro, onde o que seria a “banda boa” da Polícia Militar, para fazer a ressalva que muitos cobram do ministro Torquato, tem profundas ligações com o establishment político fluminense, que está sendo investigado. A grande dificuldade que a força-tarefa comandada pela nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encontrará pela frente será ter a colaboração do governo fluminense para encontrar essas conexões.

O assassinato de um comandante de batalhão no Méier é suspeito até que tudo seja esclarecido, mas o ministro foi politicamente incorreto ao citar o caso em meio à comoção dos familiares dos policiais militares cariocas mortos, que estão sofrendo com a violência, a maioria homicídios com características de execução. Um dos fios da meada é a própria Lava-Jato, pois o doleiro Lúcio Funaro, que fez delação premiada, era o operador de propina do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso em Brasília.

Como se sabe, todo crime tem uma motivação e deixa um rastro. Procuradores federais da área criminal estarão carecas de saber que o padrão de queima de arquivo adotado pela banda podre da polícia é a simulação de latrocínio, de preferência com um “bode” para levar a culpa se um dos sicários for preso. Mas, a esta altura do campeonato, a lavagem de dinheiro de propina, no caso dos políticos fluminenses envolvidos na Lava-Jato, talvez seja um caminho muito mais fácil para se chegar à “banda podre” da polícia fluminense, porque o rastro da propina geralmente tem pegadas de policiais ou ex-policiais envolvidos.

Lava-Jato
Ninguém deve se enganar. Os adversários da Lava-Jato estão na ofensiva. O ex-ministro Geddel Vieira Lima, por meio de seus advogados, embora preso, vive dias de caçador: quer que a Polícia Federal informe como ficou sabendo e quem denunciou a existência das malas e caixas com R$ 51 milhões no apartamento de Salvador, com o nítido propósito de anular a investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), como aconteceu com a Operação Castelo de Areia. Os deputados petistas Paulo Pimenta (SP) e Wadih Damous (RJ), que são advogados experientes, recentemente, divulgaram entrevista do ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán, com propósito de anular a delação premiada de Marcelo Odebrecht.

As grandes bancas de advocacia do país saíram do estado de torpor em que se encontravam desde a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, o primeiro êxito da Operação Lava-Jato. Articulam-se para anular os acordos de delação premiada de Marcelo Odebrecht, homologados em janeiro, a “delação do fim do mundo”. Seu efeito pode ser comparado à “teoria do caos”, pois motivou a abertura de investigações contra nove ministros de Temer, 42 deputados e 28 senadores, além de arranhar ou mesmo manchar a reputação de centenas de políticos citados no caixa dois da empresa. A delação de Joesley Batista, que seguiu a mesma receita, atingiu o presidente Michel Temer (PMDB) e serviu de base para a primeira denúncia de Janot contra o presidente Temer, que agora está pessoalmente empenhado em conseguir sua anulação. As delações abriram tanto o leque de acusações que levaram Janot ao isolamento político; entretanto, a delação de Funaro é focada na relação entre Eduardo Cunha e o presidente Temer.