Lava Jato

Luiz Carlos Azedo: Depois do julgamento

Alguém já disse que os extremos se encontram. O problema é quando eles se juntam para desestabilizar o processo democrático. A história está cheia de exemplos dessa ordem

Nunca o Supremo Tribunal Federal (STF) motivou tantas manifestações populares e atos de protesto; normalmente, os alvos das mobilizações são o Congresso, em votações importantes, e o Executivo, em razão de medidas impopulares. É o julgamento de um polêmico pedido de habeas corpus preventivo, interrompido ao meio numa manobra prosaica — dois ministros alegaram que não poderiam perder o avião —, que provoca a radicalização do cenário político nacional, com manifestações em todo o país. Estão até sendo tomadas medidas para impedir o acesso de manifestantes à Praça dos Três Poderes.

O STF abriu exceção ao julgar o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal das 4ª Região (TRF-4), com execução imediata da pena. É uma situação inédita na República, cuja tradição de não julgar integrantes da elite política em exercício de mandato, protelando os julgamentos até prescreverem, é secular. Esse histórico de impunidade começou a ser contrariado no julgamento do Mensalão. E estava sendo erradicado pela Operação Lava-Jato.

Ocorre que a delação premiada dos executivos da Odebrecht teve os efeitos da “Teoria do Caos”: uma pequena mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. A amplitude da delação levou à formação de uma ampla coalizão de lideres políticos do governo e da oposição que operam nos bastidores, diretamente ou através de seus advogados, para interromper “a sangria” da Lava-Jato. A expressão é do líder do governo, Romero Jucá, em conversa gravada pelo ex-senador Sérgio Machado, que também fez delação premiada, e está causando a maior celeuma por que foi citada por certo personagem da série O mecanismo, de José Padilha, sucesso do canal de cinema a cabo Netflix. Lula meteu a carapuça e os petistas resolveram boicotar a série.

Mas voltemos ao tema do título. Não importa o poder de mobilização de um lado ou outro hoje e amanhã, o que interessa é o julgamento do habeas corpus, que colide com decisão anterior do Tribunal Superior de Justiça e a própria jurisprudência do Supremo, favorável à execução da pena após julgamento em segunda instância. Lula dispõe de um salvo-conduto que impede sua prisão, porque o julgamento foi interrompido.

Há três possibilidades. A primeira é um ministro pedir vista, o julgamento ser interrompido novamente, e Lula continuar solto, fazendo caravanas pelo país para protestar contra as decisões judiciais e forçar a barra para ser candidato a presidente da República. É quase uma chicana, mas é do jogo regimental. Lula está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, uma emenda constitucional que não pode ser alterada pelo Supremo. Entretanto, a jurisprudência pode.

Segunda possibilidade: vamos supor que o habeas corpus seja negado. Acredita-se que essa decisão depende da ministra Rosa Weber, que discorda da jurisprudência mas tem tomado decisões respeitando o entendimento consagrado na Corte, até agora, quanto à execução da perna em segunda instância. Lula iria para a cadeia, o PT faria um grande esperneio, mas teria que arranjar outro candidato a presidente da República. Jair Bolsonaro (PSL-RJ) assumiria a liderança da disputa eleitoral, mas sem a polarização anterior, o que possibilita o surgimento de uma candidatura ao centro.

O terceiro cenário é a concessão do habeas corpus, o que implicaria na revisão da jurisprudência. O passo seguinte de Lula seria tentar o registro de sua candidatura em caráter provisório, enquanto aguarda a revisão da condenação criminal pelos tribunais superiores, ou seja, uma candidatura sub judice. Nesse caso, dificilmente surgirá uma alternativa ao centro, a polarização Lula versus Bolsonaro se consolidará.

Poder moderador

Alguém já disse que os extremos se encontram. O problema é quando eles se juntam para desestabilizar o processo democrático. A história está cheia de exemplos dessa ordem, na Europa e na América Latina. Aqui no Brasil já passamos por momentos dessa natureza. O STF foi inexoravelmente arrastado para o olho do furacão da crise ética. Bem ou mal, os políticos deram uma resposta à crise do governo Dilma Rousseff, que perdeu o controle da economia e sustentação do Congresso. Mesmo no caso das denúncias contra o presidente Michel Temer, que foram rejeitadas pela Câmara, a solução política não desestabilizou as instituições do país.

Agora, a situação é mais grave. Dependendo da decisão que tomar, o Supremo agravará o cenário de radicalização política. Há todo um debate sobre o princípio da presunção da inocência e o transitado em julgado, mas a verdade é que o julgamento em curso é casuístico demais. A Corte até aqui atuou como poder moderador e moralizador na crise. Agora, corre o risco de perder essa condição.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-depois-do-julgamento/


Luiz Carlos Azedo: Sábado de Aleluia

A Operação Skala segue o padrão da Operação Lava-Jato, que se baseou na experiência do caso Banestado. Um velho inquérito da PF no Porto de Santos serve de fio da meada para a investigação

Antigamente, os católicos romanos praticavam um jejum limitado durante o Sábado de Aleluia, com abstinência de carne vermelha, que era substituída por peixes. No mesmo dia, também se fazia a tradicional “Malhação de Judas”, representando a morte de Judas Iscariotes, discípulo que teria traído Jesus Cristo. É um costume de origem medieval, que remonta aos tempos da Inquisição na Península Ibérica, na qual bruxas, hereges, judeus e ciganos eram apedrejados e queimados vivos. Ainda hoje, aqui no Brasil, bonecos de pano, palha e outros materiais simbolizam a figura de Judas. Populares se reúnem e “torturam” o boneco, simulando a sua morte das mais diferentes formas, seja enforcado em árvores ou queimado numa grande fogueira. A malhação de Judas costuma ser um suplício para os políticos impopulares, principalmente às vésperas das eleições, pois seus adversários se aproveitam da insatisfação para execrá-los em praça pública. É do jogo.

O Sábado de Aleluia do presidente Michel Temer foi uma espécie de malhação de Judas na mídia, em razão da prisão do advogado José Yunes, seu ex-assessor na Presidência, do coronel da reserva João Baptista Lima Filho e do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, seus amigos de longa data. Foram decretadas a pedido da Procuradoria-Geral da República, no inquérito que investiga pagamento de propina para edição do decreto dos Portos que prorrogou concessões de empresas que operam no setor por mais de 30 anos. Temer também é alvo da investigação e já tinha o sigilo bancário quebrado por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso.

O Palácio do Planalto ficou assombrado com a possibilidade de Temer sofrer uma terceira denúncia do Ministério Público Federal, em razão da Operação Skala. A situação está tão tensa que os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral), Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional) e Gustavo Rocha (Direitos Humanos e Subchefia de Assuntos Jurídicos) foram chamados ao Palácio da Alvorada, na tarde de ontem, para examinar a situação. Mais cedo, Temer esteve com o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, seu advogado no caso, para traçar sua estratégia de defesa. As duas denúncias anteriores tinham relação com a delação premiada dos donos da JBS e foram barradas na Câmara dos Deputados pela base governista. Na ocasião, Temer denunciou a existência de um complô para derrubá-lo da Presidência e foi para cima do então procurador-geral da República Rodrigo Janot. A investigação sobre o porto de Santos, porém, havia sido desmembrada do caso e, por isso, prosseguiu, tendo como relator o ministro Barroso. Ontem, no Palácio do Planalto, voltou a se falar de complô.

Um dos focos da investigação é Argeplan, empresa do coronel reformado da PM paulista João Baptista de Lima Filho, amigo próximo de Temer, preso na operação, que há mais de seis meses se recusa a prestar depoimento. Alega falta de condições de saúde. Ontem, mais uma vez, o ex-militar permaneceu em silêncio. Segundo Barroso, “a Argeplan, agora oficialmente com o investigado João Baptista Lima Filho como sócio, tem se capitalizado por meio do recebimento de recursos provenientes de outras empresas – as interessadas na edição do denominado decreto dos portos – e distribuído tais recursos para os demais investigados”.

Delações

A Operação Skala segue o mesmo padrão da Operação Lava-Jato, que se baseou na experiência do caso Banestado. Um velho inquérito da Polícia Federal no Porto de Santos serve de fio da meada para investigar o que seria um bilionário esquema de favorecimento de empresas de comércio exterior e distribuição de propinas para políticos, envolvendo empresas do setor e amigos do presidente da República. Foram presos os empresários Antônio Celso Grecco, dono da Rodrimar, empresa que opera no porto há mais de 30 anos; Celina Torrealba, uma das donas do Grupo Libra; Eduardo Luiz de Brito Neves, proprietário da MHA Engenharia; Maria Eloisa Adensohn Brito Neves, sócia nas empresas MHA Engenharia e Argeplan; Carlos Alberto Costa, sócio-fundador da Argeplan e ex-sócio da AF Consult Brasil; e Carlos Alberto Costa Filho, sócio da AF Consult Brasil.

Como em outras investigações do gênero, a aposta do Ministério Público Federal é de que haverá alguém entre os empresários dispostos a fazer acordo de delação premiada e entregar todo o esquema. Barroso destaca o “crescimento exponencial” da empresa Argeplan nos últimos 20 anos, inclusive no setor nuclear, em parceria com a AF Consult do Brasil, com quem tem um contrato no valor de R$ 160 milhões de reais com a Eletronuclear para as obras da Usina Angra 3. Na avaliação dos investigadores, tal contrato seria resultado de tráfico de influência.


1º de Abril no #ProgramaDiferente: É Domingo de Páscoa e Dia da Mentira no País da Propinocracia

Tem gente que acredita em Coelhinho da Páscoa, Papai Noel, duende, saci... Tem até quem acredita em políticos corruptos, denunciados na Lava Jato. A seis meses das eleições, neste #ProgramaDiferente de 1º de abril que reúne por coincidência a Páscoa e o Dia da Mentira, com a prisão dos amigos mais próximos do presidente Michel Temer e às vésperas de uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão do ex-presidente Lula, vamos tratar dessas histórias, lendas, crenças, fraudes, embustes, trapaças, balelas... É o Brasil da Propinocracia. Assista.


Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite

Depois da revelação de que a família do ministro do STF Edson Fachin,sofreu ameaças, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula  fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais

 

O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.

Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.

Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.

“Estava imóvel — os olhos amarelos acinzentados sonhadores —, quando ouviu o grito. Era um grito de mulher, agudo e estridente de terror. Spade estava atravessando a porta quando ouviu o tiro. Era um tiro de revólver, amplificado, reverberando pelas paredes e pelos tetos”, seus contos inspiram cenas recorrentes no cinema, como no clássico Um tiro na noite, de Brian de Palma, de 1981.

O sonoplasta Jack Terry (John Travolta) prepara a trilha sonora de um filme B sobre assassinatos em uma universidade. Na gravação de um áudio, em local ermo, salva a mocinha (Nancy Allen) de um acidente automobilístico. Ao resgatá-la, Jack descobre que ela estava em companhia do governador George McRyan (John Hoffmeister), um dos candidatos à Presidência dos EUA. Depois do incidente, na conferência do material sonoro, constata que o acidente pode ter sido um crime encomendado; percebe que o som do estouro do pneu, na verdade, era de um tiro de revólver.

Lava-Jato
Depois da revelação de que a família do ministro relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, sofreu ameaças, os tiros disparados contra o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais. Só foram descobertos por causa dos buracos de bala. Os tiros precisam ser investigados, tal qual nas histórias noir.

Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, Lula desafia a Justiça e força a barra para manter a candidatura a presidente da República, com uma retórica de radicalização política no gogó e um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal nas mãos, enquanto aguarda a conclusão do julgamento de seu polêmico pedido de habeas corpus pela Corte, suspenso porque dois ministros não poderiam perder o avião. Seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), como já reiteramos, com discurso truculento e reacionário, retroalimenta a radicalização. É um ambiente que começa a sair do controle, como a segurança pública no Rio de Janeiro.

No Brasil, até agora, não houve atentados ou mortes na Operação Lava-Jato. Aparentemente, todos os envolvidos são pessoas de índole pacífica. Nem um pouco parecida com a dos responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol), há duas semanas, executada com quatro tiros na cabeça, logo após sair de uma reunião de mulheres negras, supostamente uma resposta à intervenção federal na segurança pública daquele estado.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas, deflagrada em fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio), em dois anos, resultou em 2.993 mandados de prisão e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mas houve 12 suicídios e os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram assassinados pela máfia.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tiros-na-noite/


Luiz Carlos Azedo: O regresso

O ministro Dias Toffoli liberou para julgamento a ação que discute restrição ao foro privilegiado no STF, o que pode jogar para a primeira instância os políticos envolvidos na Lava-jato

Uma das características negativas do processo eleitoral em curso — sim, porque as pré-campanhas já começaram — é o caráter regressivo da polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), cujos discursos parecem sair das páginas dos jornais dos anos 1960. Se fosse apenas nostalgia, como alguns imaginam, não haveria nenhum risco para a sociedade. Mas acontece que são projetos de poder que se contrapõem radicalmente, ambos de vieses nacionalista e populista, um à direita e outro à esquerda. Ambos anacrônicos em relação às necessidades de integração do Brasil ao mundo globalizado, cosmopolita e democrático, principalmente à revolução digital em curso, mas perfeitamente factíveis se olharmos para o que está acontecendo na política mundial.

Numa cena típica dos anos de Guerra Fria, um ex-espião da antiga KGB (que pode ter sido agente duplo do MI6, o serviço secreto britânico) e sua filha sofreram um atentado com o gás nervoso novichok na cidade de Salisbury, na Inglaterra, o que provocou a mais séria crise diplomática entre Rússia e Ocidente desde a anexação da Crimeia, em 2014. Em solidariedade ao governo britânico, que expulsou 22 diplomatas russos, EUA, Canadá, Austrália, 23 países europeus e a Otan (aliança militar ocidental) também determinaram a saída de diplomatas russos de suas dependências.

A reação do governo britânico levou a que esses países expulsassem mais de 140 diplomatas russos em 48 horas. Às vésperas da Copa do Mundo, a Rússia corre o risco de reviver a crise das Olimpíadas de Moscou, que foram boicotadas pelos Estados Unidos e mais 59 países aliados, por causa da invasão do Afeganistão pela antiga União Soviética (hoje, são os americanos e seus aliados que andam por lá). Ainda bem que o histriônico presidente norte-americano Donald Trump e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Un resolveram conversar. E o recém-eleito Vladimir Putin, o novo czar russo, resolveu tirar por menos a crise diplomática. Recentemente, arreganhou os dentes ao anunciar novos misseis balísticos intercontinentais inteligentes, capazes de despistar as defesas da Otan. É o preço a pagar.

O cenário reflete uma disputa pelo controle do comércio mundial, cujo eixo deslocou-se do Atlântico para o Pacífico. No esforço de reformas que possibilitem a modernização da economia, os regimes autoritários da Ásia, liderados pela China e Cingapura, levam enorme vantagem em relação às potências tradicionais do Ocidente, onde a democracia representativa está em crise. A Rússia segue a mesma receita, enquanto França, Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha sofrem as consequências políticas do agravamento das desigualdades pela globalização. Em todos esse países, uma reação xenófoba alimenta a reação conservadora ao desemprego estrutural e à chegada de imigrantes do Norte da África e do Oriente Médio. O regresso não é um fenômeno isolado. Sua maior conquista foi a eleição de Trump. No Brasil, as eleições parecem não estar nem aí para esses problemas, como se nada tivessem a ver com o nosso futuro. Mas têm.

Judicialização

A judicialização da política também impressiona. Vejam as notícias de ontem: a família do relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, está ameaçada; a Segunda Turma do STF autorizou a prisão domiciliar do ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro Jorge Picciani; o ministro Dias Toffoli autorizou o ex-senador Demóstenes Torres a disputar as eleições para o Senado, suspendendo sua inelegibilidade; e. também liberou para julgamento a ação que discute restrição ao foro privilegiado na Corte, o que pode jogar para a primeira instância os políticos envolvidos na Lava-jato. O foro por prerrogativa de função garante presidente, ministros, senadores e deputados federais serem julgados somente pelo Supremo. O julgamento depende de a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pôr a ação na pauta da plenária. Essas decisões são música aos ouvidos dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato.

Esse fenômeno da judicialização da política não é uma jabuticaba. Existe em razão da construção do Estado de bem-estar social após a II Guerra Mundial, que consagrou os direitos sociais com uma centralidade que rivaliza com os chamados direitos civis e a democracia representativa. As soluções políticas, no âmbito do Executivo ou do Legislativo, por essa razão, acabam gerando demandas na Justiça. No Brasil, os partidos de oposição são contumazes nesse tipo de recurso, dando ainda mais protagonismo ao Ministério Público e ao Judiciário. Agora, porém, a agenda é a crise ética, por causa da corrupção na política. Mudou-se a natureza da judicialização, que passou a ser um vetor decisivo nas eleições deste ano.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-regresso/


Luiz Carlos Azedo: O “imprendível” Lula

O Supremo, mesmo aos trancos e barrancos, perante a sociedade, vinha exercendo um papel moderador na crise ética. Entretanto, o julgamento de Lula pode subverter tudo isso

O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF) é uma síntese das incertezas que o Brasil vive às vésperas das eleições deste ano, marcadas para outubro. Condenado, em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula é inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa (que somente pode ser alterada por emenda constitucional), mas trava uma batalha política para se livrar da execução imediata da pena no Supremo, que suspendeu o julgamento e lhe concedeu salvo-conduto que impede a prisão.

Para usar um neologismo inspirado na frase famosa do também sindicalista Antônio Rogério Magri, que foi ministro do Trabalho no governo Collor de Mello (“o salário do trabalhador é imexível”), o líder petista é o primeiro político condenado pela Operação Lava-Jato “imprendível” até que todo o processo transite em julgado nas quatro instâncias do Judiciário, revogando, na prática, a jurisprudência do próprio Supremo. A consequência imediata é que o ex-ministro da Fazenda de seu governo Antônio Palocci, que está preso, já entrou com pedido de habeas corpus com o mesmo teor no Supremo. Deverão seguir o mesmo caminho os ex-deputados André Vargas (PT-PR) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e provavelmente o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), entre outros condenados da Lava-Jato.

Na quinta-feira passada, Lula obteve uma inequívoca vitória no Supremo ao conseguir, por 7 a 4, que os ministros levassem a julgamento, contra o voto do relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, o pedido de habeas corpus preventivo para Lula, atropelando decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como já havia transcorrido mais de quatro horas de sessão e alguns ministros estavam com viagem marcada, o julgamento foi suspenso, como se interrompê-lo fosse a coisa mais trivial. A seguir, por 6 a 5, de afogadilho, os ministros decidiram conceder salvo-conduto para Lula não ser preso enquanto o julgamento não acaba. Agora, basta um ministro pedir vista para o julgamento permanecer inconcluso por longo período e Lula se safar da prisão, jogando por terra toda a jurisprudência da própria Corte.

Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se. Essa é a regra de ouro da democracia, sem a qual vai embora seu principal pilar de sustentação, o poder moderador do Supremo. Entretanto, são favas contadas a rejeição do embargo de declaração dos advogados de Lula contra sua condenação pelos desembargadores federais de Porto Alegre; o ato contínuo seria o juiz federal Sérgio Moro determinar a execução imediata da pena. Já que o habeas corpus não foi ainda julgado, o mais sensato será Moro aguardar a decisão do Supremo. Mas vamos supor que não faça isso, que decida pela execução imediata da pena, como manda o rito da jurisprudência vigente, já que salvo-conduto não é habeas corpus? Estará criado um fato político com alto poder de corrosão da imagem do Supremo.

Incertezas

Há muito que a política deixou de ser o monopólio dos políticos, magistrados, diplomatas e militares. Também existe a política dos cidadãos, potencializada pelas redes sociais, um grande teatro virtual, muito mais agitado, movimentado e enganador do que o teatro da política tradicional, cujo palco principal é o Congresso, fórum principal da democracia representativa. A crise ética que o país enfrenta aprofundou o fosso entre a sociedade, que se articula pelas redes, e os partidos políticos, que operam no âmbito do Congresso. Pode ser que isso seja irreversível e, no futuro próximo, se consolide uma natural divisão de trabalho entre a formação da opinião pública, no âmbito das mídias e das redes sociais, e a sua tradução política e institucional pelos partidos no Congresso. Mas é um futuro ideal para a democracia representativa, não é o que acontece.

O divórcio entre a sociedade e o Congresso, por causa das redes sociais, pode se radicalizar ainda mais e se tornar uma ameaça à democracia, como estamos observando no mundo inteiro. Em princípio, não é ainda o nosso caso, já que nossos cidadãos e os partidos têm um encontro marcado nas próximas eleições. E porque o Supremo, mesmo aos trancos e barrancos perante a sociedade, vinha exercendo um papel moderador na crise ética. Entretanto, o julgamento de Lula pode subverter tudo isso, não por causa do habeas corpus, mas por causa de sua desafiadora candidatura a presidente da República, que sustenta nas ruas, como demonstrou com seu périplo pelo Rio Grande do Sul, iniciado no dia de seu julgamento. Lula não se coloca acima da lei, se coloca acima das instituições. Quem mais ganha com isso, porém, é Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-imprendivel-lula/

 


Luiz Carlos Azedo: Mudanças de paradigmas

O desprezo da sociedade e o sectarismo ideológico agressivo e virulento nas redes sociais ameaçam as instituições da democracia representativa

Uma das características do mundo em que vivemos é a mudança de paradigmas, ou seja, de modelo ou padrão. Há diferentes tipos de paradigmas — cartesiano, holístico, etc. —, ainda mais quando são abordados temas complexos. Na política, a maior mudança de paradigma em curso é a equiparação do fascismo ao comunismo como paradigmas autoritários e violentos, o que criou condições para a supremacia inequívoca das instituições liberal-democráticas nas sociedades ocidentais.

O problema é que esse tipo de ruptura não se resolve apenas no âmbito das elites pensantes, ou das instituições da democracia, passa também pela consciência dos cidadãos. Até a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, havia uma diferenciação clara entre os regimes fascistas e comunistas, que havia sido sedimentado pelo desfecho da II Guerra Mundial. Agora não há mais, em razão das revelações históricas sobre crimes cometidos por esses regimes e, também, pelo do fato de que os cidadãos do leste europeu fizeram uma opção pela democracia liberal.

É aí que se estabelece um novo paradoxo. Nas democracias do Ocidente, em que pese essa clara hegemonia das ideias liberais, existe um mal-estar generalizado da sociedade em relação às instituições políticas da democracia representativa. E uma espécie de recidiva de ideias autoritárias, não apenas na periferia, mas também em nações que foram protagonistas do status político alcançado após a II Guerra Mundial, entre as quais Alemanha, França e Estados Unidos. Esse fenômeno também ocorre nos países periféricos, com o agravante de que esses sofrem ainda mais as consequências do aumento das desigualdades com a globalização.

Entretanto, é erro imaginar que a universalização da democracia está dada. Na verdade, ao contrário, vem sendo ameaçada, seja pelo desprezo de parcela considerável da sociedade às instituições da democracia representativa, seja pelo sectarismo ideológico agressivo e virulento nas redes sociais. Sem falar no terrorismo fundamentalista de inspiração religiosa, que não deve nunca ser subestimado.

Habeas corpus

É nesse contexto que o Brasil enfrenta as próprias contradições e mudanças de paradigmas. No momento, o palco dessa mudança no plano político é o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo protagonismo em relação aos demais poderes em razão da Constituição de 1988 tornou-se inequívoco após a Operação Lava-Jato. Esse protagonismo, entretanto, parece que bateu no teto. Profundas divergências se instalaram na Corte, agravadas por um comportamento errático se considerarmos a sequência de suas decisões.

Uma dessas mudanças de paradigma na política brasileira é a questão da execução das penas para condenados em segunda instância, jurisprudência do Supremo que adotou um procedimento comum na maioria das democracias ocidentais, mas que contraria o princípio jurídica brasileiro de garantir o “transitado em julgado”, ou seja, a conclusão do julgamento em quatro instâncias, principalmente para crimes de colarinho branco. Num país de fortes tradições patrimonialistas de suas elites política e empresarial, essa jurisprudência é uma mudança de paradigma em relação ao histórico de impunidade dos poderosos.

Ontem, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram adiar para 4 de abril a conclusão do julgamento do habeas corpus preventivo de Luiz Inácio Lula da Silva, impetrado pela defesa com o objetivo de evitar a prisão do ex-presidente. Os ministros decidiram uma “questão preliminar” sobre a pertinência do julgamento. Por 7 votos a 4, admitiram julgar o habeas corpus. Mas, quando essa decisão foi tomada, havia transcorrido mais de quatro horas de sessão e o julgamento foi suspenso. Por isso, por 6 a 5, os ministros decidiram conceder salvo-conduto para Lula não ser preso enquanto não se conclui o julgamento no Supremo, mesmo que o embargo de declaração impetrado pela defesa do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região seja negado na próxima segunda-feira. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, com execução imediata da pena.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mudancas-de-paradigmas/


Luiz Carlos Azedo: À sombra da Lava-Jato

É impressionante a presença da Operação Lava-Jato como vetor do processo político, a oito meses das eleições. Toda movimentação em curso, seja no Executivo seja no Legislativo, e até mesmo no Judiciário, tem como pano de fundo as investigações sobre os elos escusos entre políticos e empreiteiras para desvio de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) escapa do redemoinho, por causa da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem mesmo, a Corte foi palco de uma batalha de Itararé, aquela que foi muito anunciada e não ocorreu, nas proximidades da divisa entre São Paulo e Paraná, durante a revolução de 1930.

No começo da próxima semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deverá julgar o embargo de declaração da defesa de Lula contra a condenação de 12 anos e 1 mês de prisão, com execução imediata da pena. A confirmação da sentença pelos desembargadores federais de Porto Alegre resultará na decretação da prisão do ex-presidente da República por determinação do juiz federal Sérgio Moro, em razão de jurisprudência do Supremo que determina a execução da pena após condenação em segunda instância. É assunto de repercussão internacional.

Fora da disputa eleitoral de 2018, por causa da Lei da Ficha Limpa, que somente pode ser revogada por emenda constitucional, Lula concentra os esforços no sentido de evitar a própria prisão. Seus advogados pleiteiam no Supremo que o ex-presidente não seja encarcerado antes de o processo transitar em julgado em todas as instâncias da Justiça. Para isso, precisa modificar a jurisprudência, forçando um novo julgamento que coloque em xeque o entendimento de que a pena comece a ser cumprida após decisão em segunda instância.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, em entrevistas quase diárias, tem afirmado que não colocará em votação no plenário da Corte a revisão da jurisprudência. Mesmo assim, não é levada a sério por alguns de seus pares, que começaram a acolher pleitos de advogados que podem servir de paralelo para revisão do entendimento também em relação a Lula. Nas conversas de bastidor, a aparência frágil da presidente do Supremo alimenta especulações de que acabaria por ceder às pressões.

Políticos enrolados na Lava-Jato, de todos os matizes, intensificaram as articulações junto a ministros do Supremo de suas relações para pôr a mudança em votação. Todos querem Lula fora da disputa eleitoral, mas não desejam que o petista seja preso, pois todos correrão o mesmo risco quando forem julgados. É o chamado efeito Orloff, aquele da propaganda de vodca: “Eu sou você amanhã!” Urdiu-se a manobra perfeita: acabar também com o foro privilegiado para crimes cometidos antes do mandato. Assim, ao mesmo tempo em que Lula não seria preso, com a mudança de jurisprudência, os que aguardam julgamento no Supremo ganhariam logo fôlego para prescrição de pena, voltando a ser julgados a partir da primeira instância.

Fora de pauta

Não se falava outra coisa em Brasília na manhã de ontem, com a expectativa de que o ministro Celso de Mello, decano da Corte, convencesse Cármen Lúcia a pôr o assunto em pauta, depois de uma reunião reservada com seus pares. A reunião foi anunciada aos quatro ventos, mas não aconteceu. Supostamente, a ministra é tão mineira quanto os políticos de sua terra. Consultada pelo decano da Corte sobre uma reunião informal para tratar do assunto, aquiesceu, mas não chamou ninguém pra conversar. Noticiado nos jornais, o encontro não aconteceu porque ninguém foi convidado.

Sabe-se, porém, que toda sorte de manobra já foi pensada para pôr a matéria em pauta no Supremo contra a vontade de Cármen, que não recua. Ministros contrários à mudança da jurisprudência também ameaçam fazer retaliações. À sombra da Lava-Jato, o Supremo vive dias de muito estresse, às vésperas da prisão do ex-presidente Lula. Quem já foi rei não perde a majestade, diz um velho ditado popular. Na contramão das expectativas, porém, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ontem rejeitou embargo de declaração contra decisão de 2016 na qual a Corte decidiu pelo cumprimento da pena de prisão após uma condenação em segunda instância. Fachin considerou que uma mudança nesse sentido só será possível em um novo julgamento da ação, de “mérito”, a ser marcado por Cármen Lúcia. Também rejeitou o pedido para que levasse o recurso a julgamento no plenário, diretamente, sem passar pela presidente do Supremo.  


Luiz Carlos Azedo: O caso Lula

Os advogados do petista querem que uma eventual ordem de prisão do TFR-4 seja suspensa até o Supremo julgar duas ações que tratam da execução da pena após segunda instância

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou um novo pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a prisão do líder petista, cuja apreciação está a cargo do ministro relator da Operação Lava Jato, Luiz Edson Fachin. A Oitava Turma Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) está na iminência de julgar o embargo de declaração sobre a condenação de Lula a 12 anos e 1 mês, em regime inicialmente fechado, pena que deverá ser executada quando não couber mais recurso àquela própria Corte.

Agora, sob comando do ex-presidente do Supremo Sepúlveda Pertence, a defesa de Lula pretende forçar a mudança da jurisprudência e evitar a prisão de Lula. Pediu ao STF que a prisão só seja decretada após o processo transitar em julgado, ou seja, quando não couber recurso a mais nenhuma instância da Justiça. O passo seguinte, se Lula for mantido em liberdade pelo Supremo, será tentar evitar a aplicação automática da Lei da Ficha Limpa, forçando a aceitação do registro de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até que o caso transite em julgado no Supremo. Nesse caso, o petista disputaria a eleição sub judice. Ocorre que se trata de uma norma constitucional, que somente pode ser alterada pelo Congresso. Não existe absolvição de condenação judicial pelas urnas. Lula está inelegível devido à condenação criminal.

O pedido de Lula já foi negado pelo ministro Édson Fachin, que remeteu o caso ao plenário do Supremo. A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, porém, também avalia que a execução da pena após condenação em segunda instância é um assunto resolvido, que já foi debatido três vezes e a maioria dos ministros manteve esse entendimento. Por isso, não pretende aceitar pressões para pôr a matéria em discussão novamente.

Entretanto, os advogados de Lula querem que uma eventual ordem de prisão do TFR-4 seja suspensa até o Supremo julgar duas ações que tratam da execução da pena após condenação em segunda instância, que voltaram para a Segunda Turma por proposta do relator das ações, ministro Ricardo Lewandowski, na terça-feira passada. Caso Fachin rejeite o novo pedido, os advogados pleiteiam que a mesma Turma trate do caso Lula. Ou seja, colocaram um pé na porta para que a jurisprudência seja revista.

Constelação

Nos bastidores da batalha jurídica, há uma coalizão de políticos enrolados na Operação Lava Jato. Todos querem Lula fora da eleição presidencial, embora não o digam, mas nenhum deles deseja que Lula seja preso, por motivos óbvios. O mesmo pode acontecer com eles, se perderem as eleições e forem julgados em primeira e segunda instâncias. Até hoje, o Supremo Tribunal Federal condenou pouquíssimos políticos com mandato; dezenas de processos acabam prescrevendo porque não foram julgados em tempo hábil.

O julgamento de Lula, porém, é um nervo exposto. É o ápice da Operação Lava-Jato. Se um ex-presidente da República, que ainda é o político mais popular do país, for preso, ninguém mais estará a salvo. Esse é o raciocínio dos políticos enrolados nos escândalos de corrupção. Não se pode, porém, responsabilizar a Lava-jato e o Ministério Público Federal pela judicialização da política.

Na verdade, o protagonismo do judiciário brasileiro ao interagir com o sistema político é fruto da Constituição de 1988, que desatou um processo complexo, do qual participam os tribunais, sobretudo o STF; os governos e os partidos políticos; além das corporações de procuradores e magistrados, sem falar da opinião pública. Ministros do STF trocaram a discrição por declarações bombásticas. Partidos recorrem ao Supremo quando são derrotados no Congresso. O Supremo, com frequência indesejável , não hesita em derrubar decisões do Executivo e do Legislativo por influência da opinião pública.

A atuação do STF resultante do uso de garantias constitucionais, como o mandado de injunção (MI) e a ação direta de inconstitucionalidade (Adin), não se coaduna com a interação institucional estável. Entretanto, é parcimonioso o uso de garantias constitucionais de amplo alcance, limitando as medidas de impacto político mais visível a decisões liminares. A análise dos acórdãos do tribunal revela também que a produção rotineira do STF tem foco na proteção de interesses privados e impacto negativo nas políticas públicas, sobretudo na área tributária.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-caso-lula/


Merval Pereira: Novos paradigmas

Há uma disputa aberta no meio jurídico para a definição dos parâmetros legais que devem ser seguidos nesse novo mundo que se abriu depois da Operação Lava-Jato, onde não há mais blindagem de autoridades ou corruptores do colarinho branco. Diversas associações de classe de advogados se mobilizam para pressionar o Supremo a mudar sua jurisprudência sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Coincidentemente, quando se aproxima do ex-presidente Lula a decretação do início do cumprimento da pena a que foi condenado pelo TRF-4.

Apesar de todas as evidências em contrário, a esquerda quer vender a narrativa de que as punições são direcionadas aos seus líderes, e cada vez que um político como o presidente do PMDB, Romero Jucá, vira réu no Supremo Tribunal Federal (STF), mais fraca fica essa versão.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, depois de autorizar a investigação contra o presidente Michel Temer, recorreu da decisão do ministro Gilmar Mendes que proibiu em liminar concedida em dezembro do ano passado, a pedido do PT, a condução coercitiva de investigados para interrogatório em todo o país.

O partido alegou que a condução coercitiva afronta a liberdade individual e a garantia de não autoincriminação, asseguradas na Constituição. Para a procuradoria-geral da República, a condução coercitiva não fere os direitos constitucionais fundamentais e insere-se no “devido processo legal constitucional, ao garantir ao Estado o cumprimento do seu dever de prestar a atividade de investigação e instrução processual penal de forma efetiva e no tempo razoável”.

Há uma clara divergência sobre o que seja estado de direito, e é dentro dessa perspectiva que se discute também a autorização da prisão após condenação em segunda instância, que deverá levar à cadeia nos próximos dias o ex-presidente Lula. Os “garantistas” como Gilmar Mendes se batem contra medidas que chamam de “populistas”.

Mas os ministros que seguem direção oposta, como Luís Roberto Barroso, procuram avançar em decisões que reforcem a tendência de combate à corrupção em progresso nas diversas instâncias da Justiça. Como a intervenção de Barroso no indulto de fim de ano, tradicionalmente concedido pelos presidentes da República.

A presidente do STF, Cármen Lúcia, já havia suspendido parte do indulto, a pedido da procuradora-geral, por considerar que houve abuso de poder da Presidência da República ao abrandar as condições para indultar presos, e agora o ministro Barroso, atendendo ao reclamo da Justiça do Rio, liberou o indulto excluindo os crimes de corrupção. Para o ex-presidente do STF Ayres Brito, o indulto nos termos originais era um incentivo à prática do crime.

Os embates persistem em diversas frentes. As pressões são diversas, mas dificilmente o STF colocará o tema da segunda instância em julgamento antes da definição do TRF-4 sobre os recursos da defesa de Lula contra sua condenação. A presidente Carmén Lúcia, que disse ontem com todas as letras que não se curva a pressões, não colocou o caso nas pautas de março e abril.

O ministro Ricardo Lewandowski, um dos que defende a mudança da jurisprudência, não só não pretende levar o tema à mesa, forçando uma nova definição da pauta, como pediu ontem que fossem retirados dois habeas corpus de sua relatoria, que poderiam ser utilizados para forçar uma nova decisão do plenário.

Muitos veem nessa mudança de comportamento de Lewandowski — ele chegou a anunciar que os habeas corpus pendentes deveriam ir juntos à pauta para unificar a jurisprudência — a certeza de que não há mais nada a fazer para impedir a prisão de Lula. Os dois casos de sua relatoria seriam fracos e poderiam, ao contrário, reafirmar a maioria a favor da prisão depois da condenação em segunda instância.

Também o presidente Temer se vê às voltas com decisões que quebram antigos paradigmas que protegiam os mandatários. A investigação autorizada pela Procuradoria-Geral da República, e consequente quebra de sigilos do presidente e de seus assessores como Rodrigo Rocha Loures, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, levou a investigação para dentro do Palácio do Planalto.

Nada de anormal se verificarmos que nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, o presidente Trump está sendo investigado por possíveis interferências da Rússia a seu favor durante a campanha eleitoral, assim como o foram os ex-presidentes Bill Clinton e Richard Nixon.

 


Luiz Carlos Azedo: Supremas decisões

Depois de ferir de morte caciques de todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo

O vetor da crise ética continua sendo uma força dominante no processo político, com reflexos eleitorais de ordem objetiva. A Lei da Ficha Limpa promove um expurgo de milhares de políticos impedidos de disputar as eleições de 2018, em todo o país, a começar pelo mais popular, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião para a Presidência. Não há um só dia em que o noticiário não seja impactado pela Operação Lava-Jato, seja em razão de novas operações, como a de ontem, que defenestrou e prendeu um dos delegados da Polícia Civil mais poderosos do Rio de Janeiro e desmantelou um esquema de desvio de recursos do sistema prisional fluminense, seja em decorrência dos processos em curso no Judiciário, com a iminente prisão de Lula em decorrência de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a 12 anos e 1 mês de prisão.

Depois de ferir de morte caciques de praticamente todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, enquanto a Primeira Turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réu o senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a Segunda Turma do STF decidiu que duas ações que tratavam da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância não serão mais julgadas pelo plenário do tribunal. Voltarão a ser julgadas na própria Turma.

Foi uma resposta da maioria de seus integrantes à decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que se recusa a levar o assunto à rediscussão do plenário. Se compararmos o Supremo a uma embarcação em meio à tempestade, diríamos que se trata de um motim a bordo, que pode causar um grande naufrágio à Lava-Jato. A Turma é formada por Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Edson Fachin. A decisão foi tomada por 3 a 1 (Lewandovski, Gilmar e Toffoli contra Fachin), em reposta à presidente do Supremo, que ontem, em São Paulo, voltou a dizer que não se submete à pressão de políticos que querem que a Corte revise o entendimento sobre cumprimento da pena após condenação em segunda instância. “Eu não lido, eu simplesmente não me submeto à pressão”, declarou Cármen Lúcia.

Estupro

Uma das ações em análise no STF sobre prisão após condenação em segunda instância é relacionada diretamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os advogados do ex-presidente Lula questionam a prisão, com o argumento de que, segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O ministro Fachin havia negado o pedido e decidido que a palavra final sobre o caso caberá ao plenário do STF, no qual já aguardavam julgamento um habeas corpus e outras duas ações que poderão reverter o atual entendimento do STF.

Ontem, Ricardo Lewandowski, sugeriu a retirada de dois casos dos quais é relator. A recomendação foi aceita pela maioria dos demais colegas. No primeiro caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidira soltar o condenado, substituindo a pena de prisão por prestação de serviços à comunidade, o que provocou a perda de objeto da ação. No segundo habeas corpus, o ministro considerou que a situação era diferente: a decisão de primeira instância permitia que o condenado recorresse em liberdade até o trânsito em julgado, isto é, até a última e quarta instância. Lewandowski alegou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), de segunda instância, havia contrariado a sentença do juiz e mandou prender o réu sem que houvesse pedido por parte da acusação.

Nesse caso, seria uma situação diferente e, por isso, deveria ser analisada pela própria Segunda Turma. O ministro adiantou que votará pela libertação do preso, condenado por estupro. Fachin votou contra por causa da semelhança com as outras ações sobre prisão após segunda instância, principalmente a de Lula, mas foi vencido. A decisão acirra ainda mais os ânimos na Corte. Porque força a rediscussão da jurisprudência sobre execução imediata da pena por presos condenados em segunda instância, caso do ex-presidente da República. É tudo o que Fachin e Cármen Lúcia não querem.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremas-decisoes/


Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos

Os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum

O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:

— Para onde cavalga, senhor?
— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.
— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.

É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.
Comecemos, pois, pelo extraordinário.

Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.

Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.

O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.

O rumo
De volta ao cavaleiro kafkiano, os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum. A saída pode ser um não caminho, um precipício. O ambiente facilita a vida dos demagogos e dos populistas, que oferecem soluções fáceis para uma situação difícil e complexa. Na eleição, todos são tentados a isso. Mas há os que acreditam nesse tipo de narrativa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que deu com os burros n’água, e os que sabem que não é por aí. O caminho a percorrer é pedregoso, difícil, e não dará vida fácil para ninguém.

O Brasil precisa da estabilidade da moeda, de taxas de juros baixas, de crédito acessível e de investimentos maciços em infraestrutura. Mas não pode garantir um cenário dessa ordem com o governo gastando mais do que arrecada e sem a reforma da Previdência. O país precisa crescer e gerar empregos, mas não tem como fazer isso sem aumentar a produtividade. Para isso, precisa melhorar a qualidade da educação, de saúde da população e de segurança dos cidadãos. O rol de necessidades de um ciclo virtuoso de desenvolvimento não se resolve com mágica. Entretanto, é difícil vencer as eleições com esse discurso, depois de uma recessão que gerou 14 milhões de desempregados. Esse é o problema dos bons políticos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-drama-dos-bons-politicos/