Lava Jato

Luiz Carlos Azedo: Arma-se o jogo do PT

Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”

Depois da aliança em torno do tucano Geraldo Alckmin, na qual DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS, a movimentação mais importante até agora no tabuleiro eleitoral foi feita pelo PT, que conseguiu costurar por baixo uma aliança com o PSB em 11 estados e anular qualquer possibilidade de a legenda fechar com o candidato do PDT, Ciro Gomes, no plano nacional. Hegemonizado pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, o PSB também abriu mão da candidatura de Márcio França, em Minas Gerais, em troca da retirada do nome de Marília Arraes, candidata petista em Pernambuco. Sem candidato a presidente da República, a legenda optou por liberar seus caciques regionais.

Com isso, a movimentação do PT para viabilizar os candidatos do partido nos estados começa a predominar em relação à manutenção da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba. Tudo indica que a legenda vai mesmo lançá-lo à Presidência na convenção de sábado, em São Paulo, e forçar a barra junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registrar seu nome, mas está difícil encontrar um aliado coadjuvante para a manobra, até porque a tendência do PT é indicar o “poste” que irá substituí-lo como vice já na convenção. Ontem, Manuela D’Ávila teve o nome confirmado pelo PCdoB, que sonha com a vice na chapa petista tão logo Lula seja substituído. Por ora, não há outros pretendentes.

Marqueteiros fazem as contas da capacidade de transferência de votos de Lula, que lidera as pesquisas de opinião quando seu nome é consultado, com 30% de intenções de votos. Imagina-se que o petista alavancará de 17% a 22% dos votos para o “poste” que vier a apoiar, garantindo-lhe um lugar no segundo turno. O problema é que os mais cotados para substituir Lula, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, largam bem atrás dos demais candidatos, na faixa dos 2% de intenções de voto.

Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”, o “apagão” moral de artistas, intelectuais e sindicalistas em relação ao propinoduto da Petrobras e outros escândalos, a campanha ensandecida de seus advogados e parlamentares contra a Operação Lava-Jato, sem falar nas afrontas da cúpula partidária ao Judiciário. Com a faca nos dentes, a legenda quer revanche. Esqueçam Jair Bolsonaro (PSL), em segundo lugar nas pesquisas e favorito no pleito sem Lula na disputa. O inimigo principal do PT é o tucano Geraldo Alckmin. Caciques do PMDB, como Renan Calheiros e Eunício de Oliveira, que votaram a favor do impeachment, já foram perdoados.

Indicação

A narrativa de vitimização do ex-presidente uniu e mobilizou a militância petista, que acredita na rápida transferência de voto para o nome ungido pelo líder. É aí que surgem os problemas. Há três candidatos que disputam o espólio lulista no eleitorado. O primeiro é Ciro Gomes, principalmente no Nordeste, não foi à toa o esforço realizado para impedir sua aliança com o PSB; o segundo, Marina Silva (Rede); e o terceiro, Guilherme Boulos (PSOL). Álvaro Dias (Podemos) atrapalha mais o tucano Geraldo Alkmin, principalmente no Sul do país.

A propósito, fora de São Paulo não será fácil a transferência de votos para Haddad, apesar dos modos mais refinados e perfil acadêmico do ex-ministro da Educação de Lula. Teria apoio da militância sindical e nas universidades federais, mas isso não basta para alavancar uma candidatura majoritária nacionalmente. A outra opção é Jaques Wagner, carioca abduzido pela Bahia, que teria mais trânsito no Nordeste e não teria tantas dificuldades no Sudeste. O problema é que a seção paulista do PT não quererá abrir mão das vantagens que a candidatura do ex-prefeito oferece para a sobrevivência de seus parlamentares.

A grande contradição da estratégia petista é a confrontação com o Judiciário, ao radicalizar o discurso contra a Lava-Jato em defesa de Lula. A manutenção de uma candidatura que todos sabem inelegível, aproveitando-se dos prazos do calendário eleitoral e dos ritos de registro de chapas, perturba o processo eleitoral. Quando mais bem-sucedida a estratégia no plano eleitoral, mais desestabilizadora será institucionalmente, pois coloca em xeque o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o PT, a preservação da democracia e suas instituições é uma responsabilidade dos demais atores políticos. Ou seja, a legenda regrediu à época em que se recusou a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral para derrotar Paulo Maluf, não por acaso um aliado do governo Lula e do ex-prefeito Haddad.

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Luiz Carlos Azedo: Agosto no Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma os trabalhos hoje com uma pauta importante, mas politicamente lateral: os julgamentos de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2139, 2160 e 2237) que questionam dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e duas ações que discutem a validade de imposição de idade mínima para a matrícula de alunos no ensino infantil e fundamental, uma Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e outra de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292. A agenda principal, porém, foi anunciada por 11 militantes do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), que ontem iniciaram uma greve de fome pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob as marquises do Supremo. Foram removidos do local por ordem da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

O Supremo está na iminência de dar um basta a essas tentativas do ex-presidente de desmoralizar o Judiciário. Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF contra o agravo regimental em que o ex-presidente Lula questiona decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, no caso do tríplex do Guarujá (SP). No documento, a PGR afirma que a decisão do TRF4 – que condenou Lula a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – deve ser mantida, e que o pedido da defesa é inadmissível e não possui plausibilidade jurídica.

Lula pleiteia efeito suspensivo ao recurso extraordinário apresentado contra o acórdão do TRF4. Para Raquel Dodge, isso não é possível, pois o recurso já foi negado pelo tribunal de origem. Em razão disso, e pela perda do objeto do pedido, o STF não deveria sequer apreciar a questão. Entretanto, caso os ministros aceitem julgar o caso, a procuradora-geral requer o não provimento do agravo regimental. Além de não preencher condições mínimas de admissibilidade e plausibilidade jurídica, o recurso de Lula se baseia em supostas violações a normas infraconstitucionais que o Ministério Público Federal rechaça.

A manifestação da procuradora-geral da República desconstrói a narrativa de que Lula foi condenado sem provas. Raquel Dodge rechaça o inconformismo do petista e destaca que os magistrados do TRF-4, “nas duas decisões, a última inclusive por unanimidade”, tiveram a seu dispor uma gama de material probatório e entenderam haver “provas robustas de que Lula praticou os crimes”. A defesa do ex-presidente Lula apresentou dois embargos de declaração contra a decisão do TRF-4 que aumentou a pena para 12 anos e um mês de reclusão. A um foi dado provimento em parte e o outro não foi conhecido. Em seguida, foi interposto recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário no STF. Ao mesmo tempo, foi apresentada Medida Cautelar perante o presidente do TRF-4 pedindo que os recursos Especial e Extraordinário fossem recebidos com efeito suspensivo.

O nome desta cascata de recursos é chicana. Após o pedido ser indeferido, a defesa de Lula ajuizou nova medida cautelar no STF pedindo que o recurso extraordinário fosse recebido com efeito suspensivo. O recurso extraordinário não foi admitido pela vice-presidente do TRF-4 e, em função dessa decisão, o ministro Edson Fachin considerou prejudicada a medida cautelar. Outro agravo regimental foi interposto, pedindo que fosse reconsiderada a decisão do ministro do STF. Mas isso não ocorreu, e o agravo regimental será submetido ao julgamento do plenário. Na manifestação enviada ao Supremo, a PGR rebate todas as alegações da defesa do ex-presidente.

Para Raquel Dodge, o recurso extremo de Lula não apresenta relevância capaz de transcender seus interesses subjetivos e afetar outras pessoas em situação semelhante. “Tampouco traz questões cuja resolução dependa da análise do direito em tese e não de fatos estritamente relacionados à causa concreta ora posta à apreciação judicial. Trata-se de recurso que versa sobre questões afetas unicamente à situação processual do requerente.”

Candidatura

O uso ilimitado de recursos pela defesa de Lula não tem nada a ver com a boa advocacia, é apenas uma estratégia política para manter sua candidatura e embaralhar o jogo eleitoral. De certa forma, Lula está conseguindo iludir seus eleitores. Ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, deu um chega pra lá nas intenções petistas, ao anunciar que Lula está inelegível e não há a menor hipótese de registrar sua candidatura. Ou seja, mesmo que a convenção do PT venha a promover a provocação de confirmar a candidatura de Lula, ela não será aceita pela Corte, na avaliação de seu presidente. Na verdade, a regra vale para todos os pretendentes que estiverem condenados em segunda instância, em razão da Lei da Ficha Limpa e não apenas para Lula.

» Visto, lido e ouvido – Os leitores do Correio e o jornalismo brasileiro perderam, ontem, seu mais longevo colunista, o jornalista Ari Cunha, pioneiro de Brasília. Um dos responsáveis pela circulação deste jornal desde o dia da inauguração da nova capital, durante mais de 50 anos, foi um dos principais repórteres políticos do país. RIP!

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Luiz Carlos Azedo: Medo do imprevisto

“Não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições”

“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.

Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”

Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.

Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.

O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.

Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.

O futuro

O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.

O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.

O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.

 

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Luiz Carlos Azedo: Ainda não foi desta vez

Foram sepultadas as expectativas petistas de que o ministro Dias Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar

O vice-presidente do STF, ministro Dias Toffoli, rejeitou ontem um novo habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pedido não foi feito pela defesa do petista, mas por um advogado simpatizante de sua causa. O presidente interino do Supremo (a ministra Cármen Lúcia substitui Michel Temer na Presidência) entendeu que o pedido de liberdade não tem urgência para ser apreciado durante o plantão de recesso da Corte.

Toffoli encaminhou o pedido ao ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no tribunal, para ser examinado no momento devido. Em reação, um grupo de militantes pichou o prédio do STF, na Praça dos Três Poderes, um monumento considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, como todo o conjunto arquitetônico da Esplanada.

Para Toffoli, o pedido não se enquadra no Regimento Interno do Supremo: “É inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente”, despachou.

Assim, foram sepultadas as expectativas petistas de que Toffoli pudesse, na interinidade, libertar Lula, o que deixaria o quadro político de pernas para o ar. Condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá (SP), Lula está preso na superintendência da PF, em Curitiba. Entretanto, mantém a candidatura a presidente da República e pressiona de todas as formas os tribunais, o que aprofunda as divergências entre os integrantes de sua equipe de defesa.

A narrativa petista de que Lula é um preso político, vítima de perseguição do Judiciário, somente complica a sua defesa. Os ataques petistas contra magistrados, liderados pela presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffman (PR), corroboram as críticas de que esses protestos têm caráter autoritário. Ontem, a Secretaria de Segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que está adotando providências para apurar os atos contra o edifício-sede da Corte. Imagens e informações dos envolvidos, bem como números de placas de veículos foram coletados pela segurança do tribunal e contribuirão para as investigações.

Atos de repercussão protagonizados pela defesa de Lula têm funcionado como instrumentos de campanha eleitoral, na medida em que mantêm o ex-presidente da República em evidência na mídia e corroboram a narrativa de vitimização. Eleitoralmente, porém, há sinais de que a estratégia está se esgotando, levando a legenda ao isolamento. Os sintomas vêm de todo o espectro político.

Descolamento

Por exemplo, Manuela D´Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL), que endossam esse discurso, mantêm suas respectivas candidaturas a presidente da República. Miram o espólio eleitoral de Lula. Ainda é possível que venham a se coligar com o candidato petista indicado para substituí-lo, mas dependerá de sua densidade eleitoral na largada. PCdoB e PSoL apostam na candidatura própria para alcançarem o quociente eleitoral exigido pela nova legislação partidária.

Outro sintoma desse isolamento é a indefinição do PSB, cuja liderança principal, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, negociava um acordo eleitoral com o PT. Como Lula é inelegível e permanece preso, essa possibilidade está cada vez mais remota, e o partido tende a apoiar Ciro Gomes, candidato do PDT. Mesmo assim, dividido, porque outros setores do PSB defendem a candidatura própria.

Não foi à toa também que os partidos do chamado centrão (DEM, PTB, PR e Solidariedade) se aproximaram de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Ontem, Paulinho da Força, líder do Solidariedade, lançou o ex-ministro Aldo Rebelo, aliado de Lula desde as eleições de 1989, à vaga de vice na chapa do tucano, diante das vacilações de outro aliado histórico de Lula que se descolou do PT, o empresário Josué Gomes, filho do falecido vice-presidente José Alencar, filiado ao PR de Valdemar Costa Neto.

É um paradoxo, Lula se mantém líder nas pesquisas de intenção de voto quando nome aparece na cartela, mas seus possíveis substitutos não têm o mesmo peso eleitoral. A estratégia petista é levar a candidatura até o dia de sua impugnação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que significa homologá-la em convenção nacional até o próximo dia 5 de agosto. A chave é a indicação do vice, que seria catapultado ao substituir Lula.

Como toda estratégia tem fricção, ou seja, nunca acontece como foi planejada, a grande indagação é saber se os eleitores vão engolir gato por lebre na eleição. É aí que outras candidaturas passam a ser uma ameaça aos petistas. A maior delas é a de Marina Silva (Rede), em terceiro lugar nas pesquisas, que hoje é a principal herdeira dos votos de Lula, mesmo defendendo propostas que estão a léguas de distância do discurso petista. Até mesmo o candidato Jair Bolsonaro (PSL), que está na extrema-direita do universo eleitoral, abocanha votos que seriam de Lula, caso o líder petista fosse realmente candidato.

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Luiz Carlos Azedo: Quando o sol nasce quadrado

O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou ontem 100 dias numa cela improvisada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, mantém sua candidatura a presidente da República, apesar de considerado inelegível. A Lei da Ficha Limpa proíbe condenados em segunda instância de concorrerem às eleições. Com essa estratégia, porém, o nome do petista permanece nas pesquisas de intenção de votos e na mídia.

Os advogados de Lula fazem uma guerrilha no Judiciário para tentar livrar o ex-presidente da cadeia. O lance mais audacioso de Lula para manter seu protagonismo foi o pedido de habeas corpus feito por deputados petistas e aceito pelo desembargador Rogério Favreto, plantonista no Tribunal Regional Federal da Região (TRF-4), que tentou soltá-lo, mas foi impedido por determinação do presidente da Corte, desembargador Thompson Flores. Os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, no qual o petista foi condenado, são o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso no TRF-4. A decisão de Favreto foi considerada “teratológica” pela presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz.

O próximo lance de Lula será antecipar a convenção do PT e lançar sua candidatura, para criar um fato consumado e tentar concorrer à Presidência sub judice. É um lance ousado, porque afronta ainda mais o Judiciário, mas que leva em conta o rito do processo eleitoral. Nesse caso, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad seria indicado como vice, para vincular seu nome a Lula e substituí-lo como candidato no caso de impugnação do registro da candidatura. Lula tem a seu favor o fato de liderar as pesquisas de opinião, apesar da alta taxa de rejeição. Com isso, reforça o discurso de que está sendo vítima de uma perseguição para impedir no tapetão a sua volta ao poder.

Apesar de condenado por crime comum (receber vantagens indevidas durante o exercício do cargo), Lula se considera um prisioneiro político e organiza uma campanha internacional de solidariedade. O Brasil vive em regime de ampla liberdade, tem um governo constituído legalmente (Michel Temer era vice eleito de Dilma Rousseff) e um calendário eleitoral “imexível”. Como a narrativa do “golpe”, a versão “Lula, preso político” também é falsa.

Hoje, devido às viagens de Michel Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, a ministra Cármen Lúcia assumirá a Presidência da República pela terceira vez. Temer participará de uma cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Cabo Verde e deve retornar ao Brasil amanhã. O ministro decano, Celso de Mello, assumirá a Corte. Ainda não será dessa vez que o vice-presidente do STF, Dias Toffoli, que está no exterior, assumirá a comando do Supremo. Há muita expectativa de que soltará Lula na primeira oportunidade em uma decisão monocrática. Como se sabe, Toffoli concedeu de ofício o habeas corpus que livrou da prisão o ex-ministro José Dirceu.

Enquanto o sol nasce quadrado para Lula, o horizonte político continua encoberto pelo nevoeiro de uma disputa eleitoral que se avizinha. As incertezas começam a repercutir no ambiente econômico, que ainda sente os efeitos da greve dos caminhoneiros e precifica a irresponsabilidade fiscal do Congresso, bem como a falta de popularidade do governo. Após a Copa do Mundo, as articulações para formação das coligações eleitorais foram intensificadas, e o PT opera para manter sob sua influência os velhos aliados, mas não há garantia de que os votos de Lula serão transferidos para Haddad.

Saúde

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, suspendeu as novas regras dos planos de saúde, que poderiam levar o consumidor a pagar até 40% do valor de consultas e exames, na forma de coparticipação. O reajuste é considerado “abusivo” em relação à média atual de 30% cobrada pelos planos de saúde. A ministra acolheu pedido de liminar da OAB contra a Agência Nacional de Saúde (Anvisa). “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados”, escreveu na decisão.

Para Cármen Lúcia, a “tutela do direito fundamental à saúde do cidadão é urgente”, assim como “a segurança e a previsão dos usuários de planos de saúde”. Segundo a ministra, como o direito à saúde está previsto em lei, alterações em sua prestação devem ser objeto de ampla discussão na sociedade. Da forma como foi aprovada, a resolução poderia trazer instabilidade jurídica e incremento na judicialização no setor.

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Luiz carlos Azedo: Ciro, ofensiva e controle

Na terceira tentativa de disputar a Presidência, o ex-ministro já se convenceu de que não terá o apoio do PT no primeiro turno. Avalia, porém, que o Nordeste fortalece sua relação com o PSB

Candidato do PDT, Ciro Gomes disputa com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) o apoio do DEM e com o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), o do PSB. No momento, está em vantagem por causa da forte alavancagem do eleitorado nordestino, das contradições da política paulista e do fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará fora da disputa, em razão da Lei da Ficha Limpa. O apoio do PSB pode ser anunciado já na próxima semana, em razão da política de Pernambuco. O PT local dá todos os sinais de que não pretende apoiar a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB), mantendo a candidatura da vereadora do Recife Marília Arraes, dissidente do clã Arraes, que controla o PSB.

Ontem, Paulo Câmara se encontrou com a presidente do PT, Gleisi Hoffman, e anunciou publicamente que gostaria de apoiar a candidatura do ex-presidente Lula. “Isso é o que nós estamos defendendo internamente dentro do partido, vamos continuar a defender e vamos fazer todos os esforços para que essa aliança se concretize.” A declaração foi um aceno para a cúpula petista, mas a aliança sem Lula candidato não está garantida. Além disso, Gleisi não deu garantias de que removerá a candidatura de Marília. Por essa razão, na próxima reunião da Executiva da legenda, marcada para quarta-feira, é possível que a aliança com Ciro seja sacramentada. Para ganhar tempo, Câmara pediu ao presidente da legenda, Carlos Siqueira, para adiar a reunião.

Em outra frente, Ciro investe para obter o apoio do DEM. Já conta com a simpatia do presidente da legenda, o prefeito de Salvador, ACM Neto, e do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ). Tem o apoio garantido do senador Agripino Maia, por causa da aliança com o PDT no Rio Grande do Norte, e de senador Ronaldo Caiado (GO), adversário figadal do governador tucano Marconi Perillo. A ala ligada a Geraldo Alckmin, encabeçada pelo líder da bancada na Câmara, Rodrigo Garcia (SP), está sendo fragilizada em razão da deriva à direita do grupo do deputado Ônix Lorenzoni (RS), um dos principais articuladores da candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) a presidente da República.

Na terceira tentativa de disputar a Presidência, Ciro Gomes já se convenceu de que não terá o apoio do PT no primeiro turno. Avalia, porém, que o apoio do Nordeste fortalece sua relação com o PSB e fragiliza Haddad. Também acredita que pode vir a ser a alternativa para os partidos de centro que ainda não se convenceram de que Alckmin tem viabilidade eleitoral. É o caso também do PP, de Ciro Nogueira (PI), uma vez que as pesquisas eleitorais mostram que Ciro dispõe de forte apoio no Piauí. Do outro lado do balcão, Alckmin não desistiu do DEM, porque o discurso político de Ciro está muito longe do perfil liberal que a legenda construiu com sua política. O mesmo já não acontece com Haddad, uma vez que Ciro manteve forte ligação com Lula, de quem foi ministro, e com Dilma Rousseff.

Absolvição

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros seis réus foram absolvidos no processo em que eram acusados de crime de obstrução de Justiça, pelo juiz da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Ricardo Leite. É a primeira absolvição nos processos aos quais responde. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, ao comentar a decisão, disse que o mesmo entendimento deveria ter sido usado no caso do tríplex de Guarujá, no qual Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão. Também foram absolvidos o ex-senador Delcídio do Amaral, seu ex-chefe de gabinete Delcídio Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual), o advogado Édson Ribeiro e o pecuarista José Carlos Bumlai.

Lula era acusado pelo Ministério Público de ter atrapalhado as investigações da Lava-Jato, ao supostamente se envolver em uma tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Operação Lava-Jato. O juiz considerou insuficientes as provas contra os réus. Entendeu que a acusação de obstrução de Justiça estava baseada somente em afirmações de delatores e desconsiderou a gravação da conversa entre Bernardo Cerveró, filho de Cerveró, e o ex-senador Delcídio do Amaral, que prometia ajuda financeira de R$ 50 mil mensais para a família do ex-executivo da Petrobras e honorários de R$ 4 milhões para o advogado Édson Ribeiro.

Em contrapartida, Cerveró silenciaria em sua delação premiada em relação a Delcídio, então líder do governo no Senado, a Lula, ao pecuarista José Carlos Bumlai, ao banqueiro André Esteves e aos demais acusados. “O áudio captado não constitui prova válida para ensejar qualquer decreto condenatório. Há suspeitas também da ocultação de fatos por Bernardo e Cerveró”, afirmou o juiz.

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Luiz Carlos Azedo: A maré é brava

A maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos

Considerado um excelente gestor público e exemplo de político com responsabilidade fiscal, o governador Paulo Hartung (PMDB) anunciou que não pretende concorrer à reeleição, surpreendendo o mundo político. Aparentemente, cansou da política e do esforço de Síssifo que é equilibrar as contas públicas e atender às demandas populares. Os adversários dizem que jogou a toalha porque, nas pesquisas eleitorais, perde para o ex-governador Renato Casagrande, que derrotou em 2014 mas agora lidera a corrida pelo Palácio Anchieta.

O político capixaba é um dos mais bem-sucedidos da geração de jovens que reorganizaram a UNE e se tornaram políticos profissionais na transição à democracia. Caiu nas graças dos economistas da Casa das Garças (PUC-RIO) ao enfrentar uma greve de policiais militares sem fazer concessões, o que exigiu uma intervenção federal no estado. O desgaste político provocado pelo ajuste fiscal não foi apenas o descontentamento da corporação, as obras paradas de responsabilidade do estado, inclusive na capital, também pesam na balança, além do rompimento com antigos aliados, como o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o ex-prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas, que deixou o PSDB e se filiou ao PPS.

O desgaste de Paulo Hartung, porém, não é um fenômeno local. Um balanço da situação eleitoral nos estados revela que a maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos. A vida não está fácil para quem tem mandato e exerce o poder, essa é a realidade às vésperas da campanha eleitoral. Como não se desincompatibilizou do cargo, Hartung não pode concorrer ao Senado ou ser candidato a vice-presidente da República. Vai concluir o mandato e fazer um sabático. Mas, quem quiser que se iluda, se não voltar atrás, tentará fazer o sucessor.

A maré é brava. A imagem náutica é perfeita para a situação dos políticos com mandato: a maioria está na arrebentação, furando as ondas para não morrer afogado. Pode tentar um “jacaré” e correr o risco de levar um caixote para chegar na praia. Poucos políticos são capazes de surfar a onda do voto raivoso dos eleitores. A situação somente não é mais dramática para os parlamentares federais porque a nova legislação eleitoral e o financiamento público de campanha deixaram os políticos com mandato em situação de vantagem estratégica em relação aos demais candidatos, inclusive nos grandes partidos. Entretanto, ninguém sabe direito qual será a eficácia das novas mídias e redes sociais na campanha, em comparação com a tevê, o rádio e os acordos eleitorais tradicionais.

Levantamento realizado pela consultoria Arko Advice mostra que, dos 20 candidatos à reeleição, somente largam com índices de intenção de voto acima de 40% os governadores Renan Filho (MDB), em Alagoas; Rui Costa (PT), na Bahia); Camilo Santana (PT), no Ceará; Flávio Dino (PCdoB), no Maranhão; e Wellington Dias (PT), no Piauí. Na sequência, quem estava em melhor situação, era Hartung, com 28%. É óbvio que esse cenário pode ser alterado, para isso existe a campanha eleitoral, na qual os atuais governadores têm a vantagem de poder exibir os serviços prestados e as obras realizadas. Foi assim, por exemplo, que o governador fluminense Luiz Fernando Pezão (MDB), que tinha apenas 15% de intenções de votos nessa época de 2014, conseguiu se reeleger. É o mesmo índice, por exemplo, do governador Fernando Pimentel (PT), em Minas. Rodrigo Rollemberg (PSB0, com 9%, tem o precedente de José Melo (PROS-AM), que se reelegeu em 2014 com o mesmo percentual.

Coligações

Os partidos estão empurrando suas convenções para o começo de agosto, em função da indefinição do quadro nacional. Normalmente, a armação da chapa de candidatos ao Senado e à Câmara passa pelas coligações eleitorais no plano nacional e local. É uma engenharia que os políticos com mandato conhecem bem, principalmente os deputados federais. A coligação errada pode custar o mandato de um parlamentar bem votado e catapultar para o Congresso um político estreante com menor votação. Cabe aos candidatos a governador liderar a formação de sua coligação. Para isso, geralmente, eles esperam a definição dos candidatos a presidente da República, pressionando a cúpula de seus partidos na direção que lhes parece mais conveniente.

Como a disputa pela Presidência da República está muito estranha, essas definições estão atrasadas. Exemplos de partidos embananados com isso são o PSB, que deriva para a candidatura de Ciro Gomes (PDT), e o DEM, que não sabe se apoia o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDDB). Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) correm por fora, sem conseguir uma grande coligação, embora liderem as pesquisas com Lula fora do baralho. Apesar de o ex-presidente se dizer candidato, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad já é considerado seu substituto, até com chances de chegar ao segundo turno. Quando essas definições ocorrerem, o cenário eleitoral estará armado e a campanha eleitoral começará para valer.

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Luiz Carlos Azedo: A politização da Justiça

O caso Lula pôs a crise ética no colo do Supremo Tribunal Federal, que está como homem da caverna de Platão

As fortes ligações dos membros das cortes superiores e tribunais de justiça com políticos não são nenhuma novidade, o fato novo é a punição dos políticos pelos juízes e tribunais, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. É o primeiro caso de um presidente da República levado à prisão no Brasil. Isso não aconteceu na Revolução de 1930 nem no golpe militar de 1964. Os ex-presidentes Washington Luiz e João Goulart, depostos, foram para o exílio. Poderiam ter sido presos, se Getúlio Vargas e Castelo Branco quisessem fazê-lo.

Após a redemocratização, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao sofrer um processo de impeachment, não foi preso. Respondeu a processo em liberdade e acabou absolvido, sem passar pelas instâncias de primeiro e segundo grau. A ex-presidente Dilma Rousseff, deposta no impeachment, nem os direitos políticos perdeu. Todos os ex-presidentes vivos têm alguma influência nos tribunais. Não tem fundamento constitucional a narrativa do PT de que Lula é um preso político, de que sua prisão é uma perseguição dos “jacobinos de toga”. Lula está preso porque recebeu vantagens indevidas no exercício do cargo e isso é crime comum. Foi condenado em duas instâncias e estará fora da disputa eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa. Os fatos jurídico-políticos são esses, o resto é discurso eleitoral e muita luta pelo poder.

É nesse contexto que os fatos de domingo passado, envolvendo o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que mandou soltar Lula, e os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, desembargador Trompson Flores, que mantiveram a prisão, precisam ser analisados.

A luta política chegou à Lava-Jato em todas as instâncias. Num país de dimensões continentais, que somente veio a completar sua revolução burguesa na década de 1930, mesmo considerando-se o importante papel do Exército brasileiro e da diplomacia na preservação da integridade territorial e consolidação de nossas fronteiras, seria inimaginável a construção do Estado nacional sem a existência de uma Justiça capaz de se fazer presente em todas as cidades. No período colonial, a Justiça local era exercida por cidadãos designados pelas Câmaras Municipais eleitas; com a chegada da Corte portuguesa, essa estrutura não mudou muito; depois da Independência, o sistema passou a ser híbrido, com a nomeação dos juízes pelo imperador e a criação de juris formados por eleitores, que anualmente eram alistados para julgarem devassas e querelas em processo público e oral. Impossível não haver politização.

Caverna
A centralização e profissionalização da magistratura só veio em 1850, quando o impedor D. Pedro II, por decreto, estabeleceu que os juízes seriam nomeados por ele, entre bacharéis, após servirem como juiz municipal, de órfãos, ou promotor público. Os habilitados deveriam ser matriculados com base nas informações prestadas pelos presidentes de Província e pela documentação apresentada pelo requerente, o que garantiu o controle do Judiciário pelo Partido Conservador. Após a proclamação da República, com a Constituição de 1891, a grande mudança foi a realização de concursos: “A nomeação de juízes de direito será precedida de noviciado e concurso, e a dos substitutos, de noviciado”. Mesmo assim, somente no final do regime militar, em 14 de março de 1979, foi editada a Lei Complementar nº 35, instituindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Entre outras disposições, essa lei criou o Conselho Nacional da Magistratura, que foi extinto em 1998 por simples despacho de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Renasceu das cinzas, porém, com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004., recebendo a denominação de Conselho Nacional de Justiça. Antes mesmo de sua publicação, a emenda foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, mas o Supremo decidiu por maioria julgar improcedente a ação.

Há uma tensão permanente entre os magistrados de carreira e os desembargadores e ministros do chamado quinto constitucional, exacerbada pelo fato de que a composição do Judiciário, mesmo com os concursos, manteve características de casta privilegiada e corporativista. Para o cidadão comum, a Justiça gasta muito, produz pouco e fala uma língua que não se entende. Para os poderosos, os ritos do processo são mais importantes do que os fatos; com os miseráveis, ocorre exatamente o contrário. Com a Operação Lava-Jato, esse modus operandi estolou. O caso Lula pôs a crise ética no colo da Justiça brasileira, que está como homem da caverna de Platão: não sabe se permanece à luz do dia ou volta para a escuridão. Quem vai decidir é o Supremo Tribunal Federal (STF).

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El País: Quando empresas estrangeiras são pegas patrocinando corrupção no Brasil

Cartel de empresas internacionais operou esquemas fraudulentos entre 1996 e 2017, diz Lava Jato. 'Modus operandi' se assemelha ao de grandes construtoras brasileiras

Por Felipe Betim, do El País

Operação Lava Jato desvendou todo um modus operandide como tradicionais construtoras brasileiras pagavam propinas ou patrocinavam campanhas para políticos e partidos a partir de contratos superfaturados com empresas públicas como a Petrobras. Agora, entram em cena grandes companhias multinacionais que, fora de seus países sede, vêm atuando em cartéis e mantendo esquemas fraudulentos há décadas para ganhar licitações. Essa é a conclusão dos investigadores do braço da Lava Jato no Rio de Janeiro, que nesta semana avançou em direção a companhias — as conhecidas Philips e Johnson & Johnson entre elas — que atuam no setor de saúde do através venda de equipamentos médicos e materiais hospitalares, como próteses e órteses, para a Secretaria de Saúde do Estado e para o Instituto Nacional de Traumatologia (INTO). Assim como no esquema das empreiteiras brasileiras, contratos superfaturados abasteciam campanhas e mesadas para autoridades.

O chamado "clube do pregão internacional" durou entre 1996 e 2017, segundo o Ministério Público, e abastecia a cúpula política fluminense com generosas propinas, nos últimos anos, sobretudo o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes (preso em abril, mas solto em dezembro pelo ministro do STF Gilmar Mendes) e o ex-governador Sérgio Cabral (preso desde 2016). Prosperou inclusive quando o Estado entrou em graves dificuldades econômicas e financeiras, sendo a saúde pública fluminense uma das áreas mais afetadas pela queda na arrecadação em meio a altos gastos.

Entre 2015 e 2016, hospitais estaduais entraram em colapso e precisaram ser fechados ou municipalizados, enquanto mais da metade das Unidades de Pronto Atendimento (UPA), cujos trabalhadores terceirizados ficaram sem receber salário, pararam de atender durante determinados dias ou períodos. Estar à beira da morte tornara-se critério para ser atendido, segundo relatou este jornal na época. O governador Luiz Fernando Pezão (MDB) vivia então de pires na mão tentando conseguir mais recursos junto ao Governo Federal e prometendo a normalização dos atendimentos e intervenções cirúrgicas, mas apenas durante alguns dias.

Hoje, no Rio de Janeiro do caos da segurança pública, do atraso no pagamento de servidores e da lenta morte da UERJ, a saúde pública continua a definhar. Em 2017, a pasta de Saúde sofreu um corte de 1,4 bilhão de reais, levando a fechamentos de setores inteiros em alguns hospitais estaduais. Paralelamente, a fila para atendimentos e operações aumenta, sobrecarregando hospitais federais e municipais.

Como funcionava o esquema

O que o Ministério Público Federal vem revelando ao longo do último ano é que essa tão sensível área da saúde também saciou o apetite voraz por propinas e outras vantagens ilícitas de uma classe política fluminense corrompida e atendeu aos interesses de grandes grupos empresariais que, afoitos por grandes contratos públicos, se tornaram corruptores. A partir de dados do Tribunal de Contas da União, a Procuradoria concluiu que, entre 2006 e 2017, as "contratações em valores estratosféricos" apenas no INTO somaram 1,5 bilhão.

O último capítulo dessas investigações ocorreu na última quarta-feira, 5 de junho, quando o juiz federal Marcelo Bretas autorizou prisões preventivas e temporárias de 22 pessoas, além de 43 mandados de busca e apreensão, inclusive na sede de empresas, e o bloqueio de 1,2 bilhão oriundos desse esquema fraudulento. Entre os presos está o CEO da General Electric (GE) para a América Latina, Daurio Speranzini Junior, devido a fatos ocorridos no período em que ocupou o cargo de CEO da Philips Healthcare no Brasil, embora a Procuradoria também afirme que ele "permaneceu realizando as contratações espúrias com o poder público" após assumir o comando da GE. Esta empresa não é uma das 37 investigadas, mas em nota garante estar "profundamente comprometida com integridade, conformidade e o estado de direito em todos os países em que opera, assim acredita que os fatos serão esclarecidos ao longo da investigação". Já a Philips afirmou que sua política é a de "realizar negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis" e garantiu que "quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa". Por sua vez, a Johnson & Johnson Medical Devices Brasil diz seguir "rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento".

 

Quando empresas estrangeiras são pegas patrocinando corrupção no Brasil

 

A operação de quarta foi o desdobramento da Operação Fratura Exposta, deflagrada em abril de 2017, que investiga os crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro. No centro da trama estão o empresário Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, e seu sócio, Gustavo Estellita, além do ex-secretário da Saúde Sérgio Côrtes e o ex-governador Sérgio Cabral. Côrtes chegou a receber cinco milhões de dólares no exterior a partir do esquema, enquanto Cabral  recebia pagamentos mensais de 400.000 a 500.000 reais, segundo delatores. Os três primeiros personagens haviam sido presos na ocasião, mas foram soltos meses depois pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Na última quarta, os empresários voltaram a ser presos, enquanto Côrtes foi chamado a depor, apesar do pedido de prisão feito pelo MP. Cabral está preso desde 2016.

Iskin é acusado de liderar o chamado "clube do pregão internacional", o cartel de fornecedores que fraudava licitações e abasteciam a grande teia criminosa liderada por Côrtes e Cabral. Ainda segundo o MP, o núcleo liderado por Iskin e seus funcionários era o responsável por fazer "as ligações entre o setor público (núcleo administrativo-político) e os empresários cartelizados (núcleo econômico), por meio de atividades que envolviam o direcionamento das demandas públicas (especificação de insumos médicos a serem adquiridos e cotação de preços fraudada) e o direcionamento das contratações públicas (mediante ilícita desclassificação de concorrentes que não faziam parte do cartel)".

 

Quando empresas estrangeiras são pegas patrocinando corrupção no Brasil

 

 

Para manter esse esquema, as empresas do cartel vencedoras das licitações pagavam "comissões" no exterior que correspondiam a cerca de 40% dos contratos assinados ou pagavam pedágios no Brasil que variavam entre 10% e 13% dos contratos. Estellita, sócio de Iskin, era o controlador desse pedágio "cobrado dos fornecedores de próteses e órteses do INTO", escreve o MP. Assim, formava-se um "grande caixa de propina" administrado por Iskin, "de forma a retroalimentar o sistema e permitir a sua hegemonia no mercado da saúde pública durante décadas", diz a Procuradoria.

 

Quando empresas estrangeiras são pegas patrocinando corrupção no Brasil

 

 

Surge como personagens do núcleo administrativo da trama o atual diretor-geral do INTO, André Loyelo, e Jair Vinnicius Ramos da Veiga, conhecido como coronel Veiga, responsável por controlar as licitações tanto no INTO como na Secretaria Estadual de Saúde. Ambos foram presos na quarta. Já no núcleo econômico da trama estão os executivos de grandes fabricantes internacionais de equipamentos médicos, tais como Maquet, Drager, Philips/Dixtal e Stryker, que pagavam as comissões milionárias para manterem os contratos. Também atuavam empresas intermediárias que vendiam produtos fabricados por terceiros, assim como empresas laranjas (como Rizzi, Medlopes e Agamed), que serviam para dar uma aparência de legalidade às licitações.

Segundo o MP, apenas as vendas para a Maquet teriam gerado comissões, correspondentes a 40% dos contratos, que somavam 300 milhões de reais que abasteciam o caixa de propina de Iskin. Um dinheiro que, desviado dos cofres públicos do Estado, hoje faz falta para as milhões de pessoas que enfrentam o colapso da saúde pública fluminense.


Luiz Carlos Azedo: A criminalização da política

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade exacerbam as tensões entre os políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam

A criminalização da política é a outra face da moeda de sua judicialização. São fenômenos que refletem a velha tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, conceitos que ajudam a entender as vicissitudes da Operação Lava-Jato e seus atores, o inferno astral dos políticos às vésperas das eleições e o racha entre “garantistas” e “punitivistas” no Supremo Tribunal federal (STF). Essa bola rola quadrada no debate eleitoral, mais ou menos como aconteceu com a nossa seleção no jogo contra a Bélgica, na sexta-feira, um adversário sem tradição nas finais da Copa do Mundo. Entretanto, quem sentiu o peso da camisa foi a equipe do Brasil, pentacampeã mundial.

Aproveitando o parêntese, não é só na política e na economia que não entendemos a globalização. O Brasil exporta aviões, carne, soja, café, minérios e jogadores de futebol. Com exceção dos aviões, são matérias-primas que serão processadas e beneficiadas, recebendo valor agregado lá fora, o que inclui os jogadores de futebol. O mundo no qual os nossos jogadores surpreendiam os adversários e seus esquemas táticos com a habilidade do drible e a criatividade das jogadas deixou de existir. Na conquista do Penta, no Japão, a maioria dos nossos craques já era globalizada. No futebol, como acontece com a nossa economia, exportamos craques, mas não importamos a expertise organizacional e comercial dos grandes clubes europeus para acompanhar as mudanças em curso no mundo.

Nossos craques são cosmopolitas, nossos dirigentes, provincianos; jogadores como Neymar são estrelas do marketing esportivo mundial, milionários da “sociedade do espetáculo”, que vendem marcas tanto fora quanto dentro de campo. Lobistas e patrimonialistas, nossos principais cartolas de nível internacional entraram em cana. Com a globalização, empresas e instituições estão sendo obrigadas a assumir regras cada vez mais rigorosas de compliance, para respeitar as normas legais e “evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade” que possa ocorrer.

Marco Polo del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), montaram um esquema corrupto que arrecadou pelo menos R$ 120 milhões em propinas. Segundo investigações lideradas pelo FBI, cobraram uma espécie de “pedágio” de cada empresa que procurava a entidade com a meta de fechar acordos de transmissão ou de exploração de marketing. O que impressionou os investigadores foi o caráter sistemático das propinas cobradas. “Eles conspiraram de forma intencional para fraudar a CBF”, concluiu o Departamento de Justiça dos EUA.

Lava-Jato
Alguém pode estar imaginando: o que isso tem a ver com a crise ética e a Lava-Jato? Muita coisa. O sucesso da Lava-Jato não se deve apenas às “delações premiadas” de executivos, agentes públicos e políticos, que não estão ocorrendo apenas por causa das longas prisões preventivas, como acusam seus críticos. Deve-se, em grande parte, às regras de compliance de empresas europeias e norte-americanas e dos bancos suíços. Grandes esquemas de lavagem de dinheiro do mercado financeiro internacional, sem os quais as operações de caixa dois não seriam possíveis, foram desmantelados. Com a saída da Inglaterra do Brexit, os paraísos fiscais das ex-colônias britânicas estão sendo devassados. Mesmo que os poderosos doleiros sejam soltos, o “esquema” foi desmantelado.

Retomando o fio da meada: a criminalização da política não foi uma consequência da Lava-Jato, ao contrário; ela é uma decorrência do patrimonialismo e do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, com recursos desviados de obras e serviços públicos. Em razão de uma legislação frouxa, esse tipo de prática estava incorporado à cultura política tradicional, na qual o que distinguia o político honesto do ladrão era a formação de patrimônio com recursos de campanha e não a origem do dinheiro. Com a Constituição de 1988, legalmente, essa prática estava condenada, mas a ficha não caiu, até o julgamento do mensalão pelo STF. A resposta ao julgamento, porém, não foi a erradicação do caixa dois; foi a sua sofisticação e centralização, conforme nos mostra a Operação Lava-Jato. Mas, subestimou-se o papel dos órgãos de controle do Estado (MPF, PF, Receita etc.) e a cooperação internacional.

Hoje, a crise ética é um vetor da disputa eleitoral e ameaça levar de roldão a elite política do país. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade mostram que ninguém está a salvo de uma condenação. O caso exacerba as tensões entre políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam. Às vésperas das eleições, pôs na berlinda os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que substituíram os militares no papel de “poder moderador” na vida nacional, mas se digladiam em público em razão de divergências doutrinárias sobre direitos dos réus, esferas de competência e grau de punibilidade dos envolvidos na Lava-Jato. No Congresso, os políticos envolvidos já articulam uma espécie de anistia para os casos de caixa dois eleitoral e o fim da prisão imediata após condenação em segunda instância, a pretexto de “descriminalizar” a política.

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Luiz Carlos Azedo: A liturgia do cargo

Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro e já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva

“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”, disparou a procuradora da República Monique Cheker no Twitter, logo após criticar o líder do governo, deputado André Moura (PSC-CE), por indicar “advogados, primos e dona de salão” para a Dataprev. A frase foi interpretada como uma crítica aos ministros do STF, o que a procuradora nega em outro post: “Não há menção a ministros do STF”.

Em reação à procuradora, o integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Luiz Fernando Bandeira de Mello encaminhou à Corregedoria Nacional do MP um pedido para que seja apurada a eventual menção da procuradora da República a ministros do STF que ganhariam “por fora com os companheiros que beneficiam”. No documento, Bandeira pede para que seja investigada a real autoria da publicação nas redes sociais e, se confirmada, a “eventual infração disciplinar”. Em outro post, Cheker não deixa por menos. diz que CNPM “é um órgão extremamente importante para o controle disciplinar de membros do MP mas está enfrentando uma péssima fase, olhando twitters e postagens no Facebook, sem qualquer indícios de falta disciplinar, quando há muito o que fazer no combate à corrupção.”

Na verdade, o clima esquentou entre procuradores e ministros do Supremo por causa de decisões da Segunda Turma do STF e algumas decisões monocráticas de ministros do STF libertando presos da Operação Lava-Jato e arquivando inquéritos que, depois de sucessivas prorrogações, não apresentaram provas cabais contra os indiciados. Líder da força-tarefa que investiga a Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, não digeriu a soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: “Min. Toffoli mantém preso réu que furtou uma bermuda de 10 reais. Já Dirceu, que desviou milhões e também tem mais de uma condenação em seu histórico, foi solto pelo mesmo ministro, que foi subordinado ao réu na Casa Civil”, disparou.

“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira). Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe (sic)”, escreveu o procurador. Desafeto de Dellagnol, o advogado Rodrigo Tacla Duran, investigado pela Lava-Jato, não perde uma oportunidade para atacar o procurador no Twitter: “Repudiar e desrespeitar decisão judicial de instância superior virou hábito dos que naturalmente não investigam ex-colegas e se fazem de rogado. Buscam desviar o foco com opiniões contraditórias corporativistas e hipócritas”, provocou.

Sacis e cangurus
Duran vive refugiado na Espanha e teve sua delação premiada recusada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em outra postagem, provoca a força-tarefa da Lava-Jato: “Já ouviu falar na “denúncia saci”? É aquela da Lava Jato de Curitiba, que não para em pé, porque não tem perícia, não investiga contradições de delator e escamoteia provas contra a tese de acusação ou que possam atingir protegidos”. Dellagnol havia criticado no Twitter os recursos apresentados pelas defesas dos réus da Lava-Jato ao STF: “Já ouviu falar no ‘habeas corpus canguru’? De liminar em liminar, um processo vai pulando instâncias e chega até o STF, sem decisão definitiva nem na 1ª instância”.

Quem se deu conta de que é preciso ir devagar com o andor foi o juiz Sérgio Moro, que levou uma invertida do ministro do STF Dias Toffoli por ter intimado José Dirceu a adotar medidas cautelares, entre as quais a colocação de tornozeleiras. Moro “recuou os alfs”, como diria o folclórico Neném Prancha, grande filósofo do futebol carioca, e disse que havia interpretado de forma errada a decisão da Segunda Turma do Supremo. Havia uma certa ironia na desculpa que deu, diante da polêmica libertação do petista (provavelmente, a decisão não seria a mesma na primeira turma ou em plenário).

Mas caiu a ficha de que há uma mudança em curso no Supremo. A ministra Cármen Lúcia deixará a Presidência do Supremo em setembro. Dias Toffoli assumirá seu lugar e, de certa forma, já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva. Entretanto, seria bom que o exemplo de Moro, ao respeitar a liturgia dos cargos, fosse levado em conta também pelos ministros do Supremo, que são os guardiões da ordem constitucional.

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Luiz Carlos Azedo: Cunha livre?

Se a regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem um habeas corpus para revogar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decretada pelo juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Cunha continua preso, por causa de outros decretos de prisão em Brasília e no Rio de Janeiro, mas a decisão sinaliza mais uma vez que a confusão na Corte é grande, por causa das divergências de entendimento dos ministros em relação à própria jurisprudência. O Supremo parece uma biruta de aeroporto, desnorteia a opinião pública e gera instabilidade política, em meio à crise ética que desmoraliza a elite política do país.

Tecnicamente, a decisão de Marco Aurélio tem fundamento constitucional. Está em linha com as declarações recentes do ministro, entre as quais, suas reiteradas críticas ao fato de o Supremo não rediscutir o mérito da execução das penas em segunda instância. A prisão de Cunha foi decretada em junho do ano passado, com base em “evidências da atuação delitiva no favorecimento do grupo OAS na concessão de aeroportos”. Depoimento de colaborador e dados bancários atestam a transferência de R$ 4 milhões da Odebrecht ao diretório do PMDB no Rio Grande do Norte, utilizados na campanha eleitoral de Henrique Eduardo Alves ao governo do estado.

Em recentes decisões, a segunda turma do Supremo, apelidada de Jardim do Éden, mitigou o instituto da delação premiada, que foi apartado das provas, e desconsiderou doações legais como comprovação de corrupção e lavagem de dinheiro. Marco Aurélio participa da primeira turma, chamada nos bastidores do tribunal como “Câmera de Gás”. A existência das turmas no Supremo, jabuticaba criada para desafogar a Corte, está virando um problema institucional.

A defesa de Cunha alega, entre outros pontos, a invalidade dos fundamentos da custódia cautelar, por considerar inexistente risco à ordem pública diante da ausência de contemporaneidade entre os fatos, ocorridos entre 2012 e 2015, e a prisão. Destaca também que seu cliente não mais concorrerá a cargo eletivo, fato que impede possível atuação na arrecadação de fundos para campanhas eleitorais.

Na liminar, Marco Aurélio destacou que Cunha está preso há um ano e 19 dias, sem que tenha sido julgado pelos fatos em questão. Essa situação, segundo o relator, configura excesso de prazo da custódia. “Privar de liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade”, afirmou. A manutenção da prisão preventiva, para o relator, seria autorizar a execução antecipada da pena, ignorando-se a garantia constitucional da não culpabilidade.

Se essa regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório. Os processos da esmagadora maioria dos presos não transitaram em julgado. No Brasil, o direito penal é originário das Ordenações Manuelinas, que estabeleciam penas distintas para os mesmos crimes, dependendo da condição social dos réus. Cortesãos, funcionários públicos e proprietários tinham privilégios em relação ao povo. Vem daí o foro privilegiado.

Cartas de seguro

O rei D. Manuel, o Venturoso (ou Felicíssimo), liderou a formação do Império Ultramarino português, de 1495 a 1521. Os preceitos jurídicos que estabeleceu foram organizados em cinco volumes, publicados de 1512 até a sua morte, ou seja, logo após o Descobrimento. Os réus ficavam à mercê das disparidades de tratamento, segundo suas condições e estado; da discricionariedade e arbitrariedade dos juízes, que não lhes davam conta das razões porque haviam sido condenados; e se sujeitavam às violências do sistema, açoites, mutilações, degredo para os limites mais distantes do reino, quando não à pena de “morte por zelo”.

Dois institutos sobrevivem até hoje na nossa legislação penal: as seguranças reais, que se solicitam à Justiça, não por criminosos, mas por inocentes “que temem com justa causa ser inquietados por outros” (Forais de Fresno); e as cartas de seguro, que consistiam no decreto pelo qual o juiz concedia ao réu pronunciado para captura a faculdade de comparecer em juízo e, sob certas condições, regressar solto do crime de que era acusado, permanecendo em liberdade, até que se concluísse a causa (Cortes d’Elvas, 1361).

Ontem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu remeter ao plenário o recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pede a suspensão da condenação de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. No agravo, a defesa de Lula sustenta que os dias em que ele é mantido em cárcere jamais lhe serão devolvidos. Afirma ainda que, por ser pré-candidato à Presidência da República, o petista corre sérios riscos de ter seus direitos políticos indevidamente cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso, mostra-se “gravíssimo e irreversível”.

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