Lava Jato
Folha de S Paulo: Aécio, Renan, Jader e mais 33 alvos da Lava Jato se elegem
Outros 46 investigados na operação acabaram derrotados no pleito
O desgaste com delações e menções na Lava Jato não impediu que aos menos seis réus, 24 investigados e seis denunciados fossem eleitos nas eleições deste domingo (7) pelo país.
Outros cinco alvos da operação vão ainda disputar o segundo turno.
Na lista de eleitos, estão políticos que foram intensamente alvejados na Lava Jato, como os senadores reeleitos Renan Calheiros (MDB), em Alagoas, e Ciro Nogueira (PI), no Piauí, que chegou a ser alvo de buscas já na reta final da campanha, em desdobramento da delação da Odebrecht.
O veterano Jader Barbalho (MDB) foi o mais votado para o Senado no Pará.
Houve ainda três investigados que conseguiram se eleger, mas foram "rebaixados": os hoje senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR), Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), que, desgastados pelas investigações, decidiram concorrer a deputado federal. Gleisi, presidente nacional do PT, foi a terceira mais votada em seu estado.
A reportagem levantou entre os candidatos ao menos 18 réus (em ações penais, cíveis ou eleitorais), 12 alvos de acusações já concluídas no Ministério Público (denúncias apresentadas ou ações de improbidade) e outros 57 com investigações em andamento com relação à operação iniciada no Paraná.
A maior parte envolve desdobramentos das "listas de Janot", como ficaram conhecidos os inquéritos pedidos pelo então procurador-geral da República em decorrência das delações da Lava Jato.
Essas candidaturas foram mais favorecidas com recursos do fundo eleitoral, já que os partidos direcionaram mais dinheiro a políticos com mandato ou mais conhecidos.
Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o foro especial, parte das investigações e procedimentos sobre esses políticos vem sendo enviada a instâncias inferiores nos estados.
Entre os 46 alvos da operação que concorreram e foram derrotados, há nomes de primeira grandeza da política nacional, como a ex-presidente Dilma Rousseff (duas vezes denunciada pela Procuradoria-Geral da República), o ex-governador paranaense Beto Richa, que chegou a ser preso durante a campanha, e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).
A lista inclui ainda o senador Romero Jucá (MDB-RR), líderes tucanos, como Cássio Cunha Lima (PB) e Marconi Perillo, e petistas conhecidos do Congresso, como Marco Maia (RS) e Lindbergh Farias (RJ).
Réu em ação penal aberta pelo juiz Sergio Moro, o ex-deputado Cândido Vaccarezza, que era do PT e agora está no Avante, tentou voltar a Câmara dos Deputados e fez apenas 5.200 votos em São Paulo.
Ao longo da campanha, houve críticas a iniciativas de autoridades ligadas à operação que atingiram candidatos em plena campanha. Faltando um mês para o primeiro turno, os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), por exemplo, foram alvos, respectivamente, de ação de improbidade e de denúncia, derivadas de delações de empreiteiras.
No Rio de Janeiro, além dos investigados que sofreram reveses nas urnas, filhos de dois dos principais presos da Lava Jato também acabaram não eleitos. O deputado federal Marco Antonio Cabral (MDB), filho do ex-governador Sérgio Cabral, não foi reeleito, e Danielle Cunha (MDB), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, foi derrotada. Danielle havia obtido R$ 2 milhões do MDB do Rio, via fundo eleitoral, para financiar sua campanha.
Outros 11 congressistas que são réus no Supremo Tribunal Federal, em casos não ligados à Lava Jato, disputaram a eleição. Desses, oito foram derrotados, como André Moura (PSC), líder do governo Michel Temer no Congresso, que tentou o Senado em Sergipe, Sebastião Bala Rocha (PSDB-AP), que concorreu ao Senado, e Alberto Fraga (DEM), que ficou em sexto lugar na disputa pelo governo do DF.
O deputado federal Silas Câmara (PRB) foi um dos mais votados do Amazonas.
RÉUS DA LAVA JATO ELEITOS
- Aécio Neves (PSDB-MG)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Arthur Lira (PP-AL)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Eduardo da Fonte (PP-PE)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Agripino Maia (DEM-RN)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Mário Negromonte Jr.
eleito deputado federal e réu em ação de improbidade no Paraná
- Vander Loubet
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
DENUNCIADOS PELA PGR ELEITOS
- Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - Câmara
- Ciro Nogueira (PP-PI) - Senado
- Gleisi Hoffmann (PT-PR) - Câmara
- Jader Barbalho (MDB-PA) - Senado
- Odair Cunha (PT-MG) - Câmara
- Renan Calheiros (MDBL-AL) - Senado
Correio Braziliense: Sua Excelência, O Eleitor
“As desigualdades sociais e a corrupção alimentam a desesperança e o ódio, contra a esperança e a razão. Entretanto, democracia é o melhor remédio para os males da nossa sociedade”
Por Luiz Carlos Azedo, do Correio Braziliense
Toda eleição é uma festa da democracia, uma esperança de mudança para melhor. Hoje, apesar da radicalização do processo eleitoral, não será diferente. Os brasileiros acreditam na democracia como forma de encontrar seu próprio caminho. São 147,3 milhões de eleitores aptos a votar. Eles vão escolher o novo presidente da República, 54 senadores, 513 deputados federais, 27 governadores dos estados e do Distrito Federal, além de 1509 deputados estaduais e distritais.
Desde a criação da primeira Câmara Municipal, em 1532, em São Vicente (SP), é a melhor maneira de escolher os governantes. Foi por meio desse exercício cívico, mesmo quando restrito ao Parlamento, que a democracia se impôs plenamente. Por duas vezes, em 1945 e 1989, renasceu das cinzas, com eleições livres e diretas para a Presidência da República.
Independentemente das paixões políticas e ideologias, as eleições têm possibilitado avanços político-institucionais, econômicos e sociais à sociedade brasileira. A agenda nacional depende da construção de maiorias e consensos políticos. De certa forma, desde a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o povo brasileiro é o protagonista desses avanços.
Tancredo não chegou a tomar posse, o governo Sarney revogou o entulho autoritário e constituintes eleitos dotaram o país de uma Constituição cidadã que, na sexta-feira, completou 30 anos. A partir daí, a agenda nacional avançou, graças às eleições. Collor de Mello, o primeiro a ser eleito pelo voto direto, mesmo renunciando ao mandato para evitar o impeachment, deixou como legado a abertura da economia ao comércio mundial, essencial diante da globalização. Itamar Franco, o vice que assumiu seu lugar, com o Plano Real, enfrentou o problema da hiperinflação. Fernando Henrique Cardoso, grande artífice da política de estabilização monetária, eleito presidente da República, nos seus dois mandatos, realizou um grande programa de reformas do Estado, com as privatizações.
Coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos, dar sequência a esses avanços, combater as desigualdades regionais e promover, com o Bolsa Família, uma política de inclusão social dos mais pobres. Entretanto, duas tarefas da agenda nacional não foram enfrentadas: a reforma da Previdência e a elevação da produtividade da economia, principalmente da indústria. Caberia à presidente Dilma Rousseff dar conta dessas reformas.
A mudança de rumo na economia, porém, com a adoção de uma “nova matriz econômica” voluntarista, pôs tudo a perder. A recessão e a inflação, além do descontrole fiscal, levaram Dilma ao impeachment. O vice Michel Temer, que assumiu a Presidência, herdou uma crise tríplice — econômica, ética e política — e as reformas ficaram no caminho. A reforma trabalhista foi aprovada, mas a da Previdência subiu no telhado.
A operação Lava-Jato atingiu todos os grandes partidos, o governo Temer e o Congresso. Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, está preso e foi proibido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa. Além de interromper as reformas, a crise resultou num país dividido, radicalizado, decepcionado e embrutecido. Três anos de recessão e um ano de baixo crescimento levaram ao desemprego milhões de brasileiros, agravaram o desenvolvimento desigual e as iniquidades sociais, elevaram os índices de violência. Hoje, vão às urnas 12,9 milhões de desempregados, o que corresponde a 12,3% da força de trabalho do país.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), atualmente, 11,2% da população brasileira, ou seja, 23,3 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha de pobreza, com renda média de R$ 232 ao mês. Entre 2014 e 2017, a pobreza cresceu 33%, atingindo 6,3 milhões de pessoas. O primeiro sinal dessa regressão veio em 2014, ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff: houve redução de 58% na geração de empregos, que caiu de 1,49 milhão de vagas para apenas 623 mil empregos formais. Foi o pior resultado desde 1999. De dezembro de 2014 até o primeiro trimestre de 2017, já no governo Temer, foram oito trimestres de queda do PIB, a maior recessão da história do país.
O Brasil está numa gangorra. Após dois anos de retração, a economia voltou a crescer em 2017, porém, sem gerar empregos na escala necessária. O governo, devido à dívida pública, não tem recursos para investimentos. E o dólar sobe em razão da taxa de juros americana e da guerra comercial entre China e EUA. O país está dividido. A região Sudeste, a mais rica do país, que concentra 43,3% dos eleitores, e o Nordeste, com 26,6%, tomam rumos opostos na disputa eleitoral. As desigualdades sociais e a corrupção alimentam a desesperança e o ódio, contra a esperança e a razão. Entretanto, democracia é o melhor remédio para os males da nossa sociedade. Já temos uma tradição de eleições limpas e pacíficas. A vontade do eleitor é soberana, não pode ser afrontada. Qualquer que seja o resultado da eleição, um bom governo é uma construção política democrática, que começa com o voto secreto e direto. Quando o Brasil vai às urnas, o poder está nas mãos de Sua Excelência, o eleitor!
» MAPA ELEITORAL
Total de eleitores: 147.302.357
» Masculino: 69.901.037 (47,45%)
» Feminino: 77.337.919 (52,50%)
» Não informado: 63.401 (0,04%)
Por Região
Centro-Oeste: 10.747.116
Nordeste: 39.222.149
Norte: 11.533.833
Sudeste: 63.902.501
Sul: 21.396.031
Exterior: 500.727
Grau de instrução
» Analfabeto: 6.574.111 (6,80%)
» Ensino fundamental completo: 10.030.148 (6,80%)
» Ensino fundamental incompleto: 38.063.892 (25,84%)
» Ensino médio completo: 33.676.853 (22,86%)
» Ensino médio incompleto: 24.864.061 (16,88%)
» Lê e escreve: 13.147.187 (8,92%)
» Não informado: 56.359 (0,03%)
» Superior completo: 13.576.120 (9,21%)
» Superior incompleto: 7.313.626 (4,96%)
Luiz Carlos Azedo: A Constituição e as eleições
“O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos da vida pública, entre os quais, Lula”
O Supremo Tribunal Federal (STF) comemorou ontem os 30 anos da Constituição de 1988, razão de ser da existência da Corte, cuja missão é zelar pelo cumprimento dos seus dispositivos. Não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais num momento como o que estamos vivendo, no qual os candidatos que lideram a disputa pela Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), não escondem o desejo de substituí-la por outro texto constitucional.
Não foi à toa, portanto, que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, proclamou: “Nunca mais, nunca mais a escravatura, nunca mais a ditadura, nunca mais o fascismo e o nazismo, nunca mais o comunismo, nunca mais o racismo, nunca mais a discriminação”. Segundo ele, os cidadãos precisam assegurar “que as conquistas até aqui obtidas sempre vigorem, não admitindo involuções, especialmente quanto à democracia estabelecida, à cidadania conquistada e à pluralidade até aqui construída”.
A Constituição de 1988 garantiu ao Judiciário autonomia e independência, assim como deu ao Ministério Público um poder nunca antes alcançado. Graças à aprovação pelo Congresso da Lei da Ficha Limpa, uma grande mudança nos costumes políticos está em curso, sob fortes tensões. O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos corruptos em todas as esferas da vida pública, com destaque para a inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e ocultação de patrimônio.
Muitos dos que não foram impedidos de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa, porque não foram julgados, culpados ou inocentes, serão punidos com a não eleição. Mas a prisão de Lula é um fator de divisão e tensão política no próprio Supremo, em razão do grande prestígio popular e internacional de que ainda desfruta e do debate sobre a aplicação do princípio constitucional do transitado em julgado. Jurisprudência da Corte determina a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, o caso do petista, mas o assunto não está pacificado entre os ministros. Toffoli é um dos críticos dos “excessos” da Operação Lava-Jato, protagonizados pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba, que ontem pediram ao juiz federal Sérgio Moro nova condenação de Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Os procuradores acusam o ex-presidente da República de obter vantagem indevida paga pela Odebrecht por meio da compra de um terreno para instalação da sede do Instituto Lula e do aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. A três dias das eleições, o pedido é visto como interferência no processo eleitoral, prejudicando a candidatura do candidato do PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, assim como a divulgação de um dos depoimentos da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci pelo juiz Moro, na segunda-feira passada. Os dois episódios se somam a outras decisões tomadas recentemente, que interferiram nas eleições do Paraná, Mato Grosso e Goiás, Ceará, Piauí, contra políticos ligados ao PSDB, ao PMDB e ao PP.
Direitos
O jurista italiano Norberto Bobbio influenciou fortemente a elaboração da Constituição de 1988. Suas ideias foram marcadas pelo ambiente europeu após a Segunda Guerra Mundial, em que as democracias do Ocidente procuraram se precaver contra o fascismo, originário da Itália, e purgar o trauma do Holocausto protagonizado pelo regime nazista de Hitler, na Alemanha. Adotada pela Organização das Nações Unidas, a doutrina dos direitos humanos legitima o Estado de bem-estar social, uma resposta às terríveis condições sociais que resultaram da guerra.
Os dispositivos introduzidos na nossa Carta Magna com objetivo de garantir o direito à vida e à liberdade, no contexto de transição à democracia, porém, provocaram uma disjuntiva entre direitos humanos e ordem pública, provocando mudanças no Código de Processo Penal que nunca obtiveram consenso social e político suficientemente para que fossem plenamente respeitadas. Numa sociedade com indicadores de violência ascendentes, essa pauta acabou se tornando um divisor de águas. A sociedade brasileira precisa reencontrar o ponto de equilíbrio entre a segurança pública e as garantias e direitos individuais.
Um dos temas em debate na campanha eleitoral é a separação do direito penal do cidadão aplicado ao criminoso comum segundo os ditames constitucionais do que seria uma espécie de “direito penal do inimigo”, que puniria os indivíduos considerados mais perigosos para a sociedade, o que significaria suprimir direitos e garantias individuais. Tal interpretação não cabe nos ditames da atual Constituição, mas está na pauta do candidato que lidera as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL).
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Luiz Carlos Azedo: O dinheiro da revolução
“Palocci diz que o ex-presidente Lula usou a Petrobras e o pré-sal com o objetivo de “garantir ilicitudes” e a conseguir dinheiro para campanhas do PT. O juiz Moro quebrou o sigilo da delação”
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu goza de plena liberdade, mesmo condenado a 39 anos de prisão, graças a um habeas corpus que lhe foi concedido pelo ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Livre e falante, é o melhor intérprete da alma do PT, partido do qual é fundador e dirigente histórico. No auge do escândalo do mensalão, foi defenestrado da Casa Civil, abandonado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, posto na “geladeira” e condenado pelo STF no processo do mensalão; em liberdade provisória, foi novamente preso e condenado na Operação Lava-Jato, pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mas o processo não transitou em julgado e Dirceu teve a prisão relaxada.
Por ironia da história, agora quem está em cana e perdeu os direitos políticos é o ex-presidente Lula, para quem o caso Dirceu deixou de ser um estorvo para se tornar o “mapa da mina”, pois gerou uma “jurisprudência” que enche de esperança os seus próprios advogados. O ex-ministro e ex-deputado federal petista (foi cassado pela própria Câmara na CPI dos Correios) não é homem de aceitar derrotas e está de volta à luta. Viaja com a família pelo Brasil afora, de motorhome, para emular os militantes petistas com lançamentos do livro que escreveu na prisão. Em duas entrevistas recentes, para veículos de grande prestígio na esquerda brasileira, a edição brasileira do jornal espanhol El Pais e a revista Piauí, Dirceu resumiu o que Lula pretende com a eleição do petista Fernando Haddad: tomar a poder e acabar com a Operação Lava-Jato, tirando o poder de investigação do Ministério Público Federal e acabando com a execução imediata da pena após condenação em segunda instância.
Com base nas declarações de Dirceu e do próprio candidato quando se refere a Lula, podemos deduzir que a proposta de convocação de uma “Constituinte exclusiva”, apresentada por Fernando Haddad em seu programa de governo, é apenas um instrumento para isso. O candidato do PT seria uma espécie de Kerenski, o líder do governo provisório da Revolução de Fevereiro, que antecedeu a tomada de poder pelos bolcheviques na Rússia, em 7 de novembro de 1917. No domingo à noite, durante o debate da TV Record, Haddad foi questionado por Ciro Gomes (PDT) sobre a inconstitucionalidade dessa proposta e se enrolou todo para responder. Sabe que a atual Constituição, que pretende substituir por outra, não dá ao presidente da República poderes para convocar uma Constituinte. Somente o próprio Congresso poderia fazê-lo.
Haddad faz campanha como bom moço, fala o que os militantes petitas querem ouvir. Varre para debaixo do tapete a recessão de 2016 e o escândalo da Petrobras. Nos comícios, imita com perfeição a voz de Lula: “Haddad, diz lá pro povo que nós vamos ganhar essa eleição e voltar a governar o país”. A plateia delira. A bem-sucedida operação para transferir os votos de Lula, que manteve sua candidatura até ela ser impugnada pelo pleno do tribunal Superior Eleitoral, já é um “case” de estratégia política e marketing eleitoral. O PT voltou ao seu leito eleitoral. Entretanto, sempre há um porém, ou melhor, uma delação premiada. Desta vez, partiu da Polícia Federal, que negociou com o ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff Antônio Palocci um acordo de colaboração. O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, quebrou o sigilo de um dos depoimentos. Nele, Palocci entrega o esquema de caixa dois do PT, digamos, o dinheiro da revolução, na ótica de Dirceu e dos petistas para os quais os fins justificariam os meios.
Aposta
Na delação, Palocci diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou Paulo Roberto Costa para a Petrobras com o objetivo de “garantir ilicitudes” na estatal e usou a empresa para conseguir dinheiro para campanhas do PT com o pré-sal. Disse que as campanhas de Dilma em 2010 e 2014 custaram R$ 1,4 bilhão, muito mais do que o declarado à Justiça Eleitoral. Falou que o MDB exigiu e Lula entregou ao aliado a diretoria de Relações Internacionais da Petrobras. E revelou que, pelo menos 900 das mil medidas provisórias editadas nos governos Lula e Dilma, envolveram propina para serem editadas (na verdade, foram 621 medidas provisórias editadas nos dois governos).
Lula e Dilma negam tudo isso, mas o acordo firmado em abril com a Polícia Federal foi homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O ex-ministro se comprometeu em pagar R$ 37,5 milhões como indenização pelos danos penais, cíveis, fiscais e administrativos dos atos que praticou. Preso desde 2016, com uma condenação a 12 anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Palocci tentou fechar um acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e não conseguiu. O primeiro a saber do acordo com a Polícia Federal foi José Dirceu, confidente do ex-ministro quando estavam juntos na Papuda, em Brasília. Ao contrário de Palocci, o líder petista tomou outro caminho: aposta na vitória do PT nas eleições.
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Luiz Carlos Azedo: Haddad repete Dilma
“O cardápio de medidas populistas e o discurso fácil do petista pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como na Venezuela”
Uma piada de mineiro sobre as diferenças de comportamento entre cariocas, paulistas e gaúchos ilustra o que pensa o candidato do PT, Fernando Haddad, em termos de condução da economia. O carioca costuma valorizar a isonomia nos negócios: “Quanto é que nós vamos ganhar?” O paulista, sua participação nos lucros: “Quanto é que eu vou ganhar?” O gaúcho, porém, estaria mais preocupado com os rendimentos do sócio: “Quanto tu vais ganhar?” A piada fez muito sucesso nos bastidores do governo de Dilma Rousseff, porque a então presidente da República estava mais interessada em arbitrar o lucro das empresas do que com o equilíbrio das contas públicas e os ganhos de produtividade do país. Com perdão da injustiça com os gaúchos, principalmente meus amigos queridos, o candidato do PT repete o comportamento em campanha.
Recentemente, em entrevista na tevê, disse que os bancos ganham muito e que vai reduzir os spreads bancários, que vêm a ser a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro. O cliente que deposita dinheiro em conta-corrente, poupança ou outra aplicação faz um empréstimo ao banco, que remunera esses depósitos com juros chamados de taxa de captação; entretanto, quando o banco empresta dinheiro a alguém, cobra uma taxa pelo empréstimo superior à taxa de captação. Haddad quer reduzir os juros a fórceps, como fez Dilma Rousseff, baixando na marra os spreads bancários, cujo valor os bancos atribuem à alta inadimplência e ao depósito compulsório.
A proposta é sedutora, faz parte de um cardápio de medidas populistas e do discurso fácil de campanha, mas pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como a da Venezuela. A reação dos bancos para reduzir a inadimplência será arrochar o crédito de risco, a não ser que o governo reduza os compulsórios e os impostos, que acabam repassados aos clientes, mas isso não faz parte do programa de governo de Haddad, que é expansionista e intervencionista. Ontem, na Serra Gaúcha, por exemplo, anunciou que pretende usar o poder de compra da máquina federal para estimular a indústria nacional. Disse que vai reativar o polo naval gaúcho, localizado em Rio Grande, que na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou mais de 20 mil postos de trabalho, o que somente será possível com uma nova farra com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esqueceu-se de dizer que essa foi a gênese do escândalo da Petrobras, que deu origem à Operação Lava-Jato.
Corrupção e desperdício
A menina dos olhos da política de estímulo à indústria nacional dos governos Lula e Dilma foi a empresa Sete de Abril, criada com recursos públicos para fabricação de sondas para a Petrobras. Seu presidente, Pedro Barusco, deu início à série de delações premiadas de executivos e diretores da Petrobras ligados ao escândalo. Espontaneamente, devolveu US$ 100 milhões que havia arrecado de propina, para espanto até dos investigadores. Segundo a Lava-Jato, aproximadamente US$ 70 milhões em propina foram arrecadados pelo PT, agentes públicos da Petrobras e executivos da Sete Brasil em contratos bilionários com os estaleiros Jurong (Aracruz, ES), Brasfels (Angra dos Reis, RJ), Enseada do Paraguaçu (Maragogipe, BA), Ecovix (Rio Grande, RS) e Atlântico Sul (Fortaleza), a maioria hoje em recuperação judicial. O cálculo teve por base 1% de desvios nos contratos dos 21 navios-sondas encomendados pela Sete Brasil a serem fornecidos à Petrobras.
Só a Jurong, que tinha US$ 2,1 bilhões em contratos com a Sete Brasil, pagou US$ 18,8 milhões em propinas. Um dos réus confessou ter recebido pelos menos US$ 3,8 milhões em uma conta no exterior: o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que disse ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, que dois terços do total arrecadado foram para o grupo político do PT, em uma divisão que teria beneficiado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e a legenda. Vaccari seria o arrecadador, e Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff, o responsável pelo gerenciamento. Vaccari, também réu, ao prestar depoimento, preferiu ficar calado sobre o assunto. Lula e Dirceu negam o fato; Palocci negocia sua delação premiada.
O candidato do PT também se jactou de ter comprado 35 mil ônibus escolares em sua gestão à frente do Ministério da Educação e disse que dará atenção especial ao transporte público, repassando a receita arrecadada pela cobrança da Cide — contribuição que incide sobre o preço da gasolina — para os municípios. Ou seja, pretende resgatar o velho pacto automotivo, que deixou em segundo plano o transporte de massas — metrô, trens, volts — para favorecer a produção de veículos automotores no ABC, berço histórico do PT. Repete outro erro de Dilma, que comprou 3.401 veículos da Volkswagen e da Mercedes-Benz para o Exército, a um custo total de R$ 1,1 bilhão, ou seja, em média, R$ 323,4 mil por viatura. Os modelos comprados são o VW Worker e o Atego. O que foi uma festa nos quartéis no dia da entrega, virou um problema: o 72º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Petrolina, que tinha cinco caminhões, por exemplo, agora tem 50 veículos parados, sem recursos para manutenção.
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Luiz Carlos Azedo: Dez dias decisivos
“Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta”
O norte-americano John Reed (1887-1920) é um grande mito do jornalismo político. Filho de um milionário de Portland, formou-se em Havard e se tornou repórter. Após aderir às ideias socialistas, resolveu escrever reportagens sobre os movimentos sociais da sua época, o que lhe valeu algumas prisões e o levou ao México, em 1914, para fazer a cobertura da revolução liderada por Pancho Vila, de quem se tornou próximo. Depois, virou correspondente nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, nos Países Baixos, na Alemanha, na França, na Romênia, na Bulgária, na Turquia e na Grécia, até chegar à Rússia, o que lhe possibilitou escrever a sua obra mais famosa: Dez dias que abalaram o mundo.
O pequeno livro, narrado no calor dos acontecimentos em forma de crônicas, é a obra seminal da reportagem moderna, considerado pela Universidade de Nova York como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos do século XX. Reed acompanhou de perto a atuação dos principais líderes da Revolução de Outubro, entre os quais Lênin e Trotsky, no curto período de tempo da insurreição que levou os bolcheviques ao poder. Reed chegou a Petrogrado (São Petersburgo) em agosto de 1917 e permaneceu na Rússia até morrer, em 17 de outubro de 1920, em Moscou. Sua narrativa da Revolução Russa lhe valeu um enterro com honras junto às muralhas do Kremlin, onde seu túmulo é visitado, diariamente, por milhares de turistas.
“Jack” Reed, como era chamado, até hoje inspira jovens repórteres. Seus livros renderam dois clássicos do cinema: Outubro (1927) e Viva México! (1931), de Sergei Eisenstein. Em 1981, Warren Beatty dirigiu Reds, no qual conta a vida do jornalista romântico e revolucionário, cujo papel interpretou no filme. Dez dias que abalaram o mundo encheu de esperanças e frustrou gerações ao longo de um século; sua releitura mostra a essência de tudo o que viria a acontecer depois da tomada do poder, inclusive os “vícios de origem” que levaram o modelo socialista ao colapso.
Vivemos num mundo muito diferente daquele que Reed nos relatou em seus livros. Sem dúvida, muito mais conectado do que aquele no qual os acontecimentos eram descritos por meio de cartas e telegramas, fotos e filmes em preto e branco. O que vai acontecer nos próximos dias ninguém sabe. O que se anuncia é um formidável choque de concepções e interesses, num processo eleitoral radicalizado, de desfecho imprevisível quanto ao vencedor. Não é algo que emergiu no processo eleitoral, muito pelo contrário, vem se anunciando desde 2013, quando ficou patente o descolamento entre a sociedade e sua representação política. Até agora, os mecanismos constitucionais existentes foram capazes de absorver essas tensões, inclusive as do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as da Operação Lava-Jato.
Transição
O que acontece no Brasil desperta amplo interesse na imprensa internacional. Não é fácil entender muito bem a trama da política brasileira, com seus pontos fortes e fracos. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, chefes de Estado de todo o mundo ouviram o presidente Michel Temer anunciar que passará o poder ao futuro presidente eleito com o país em ordem e a economia funcionando. Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta.
Desperta certa inveja entre as nações a realização de eleições livres cujas urnas são apuradas no mesmo dia, sem fraudes, com o povo escolhendo seus representantes pelo voto direto e secreto. Como entender a polarização política protagonizada por um político preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura foi impugnada, e Jair Bolsonaro (PSL), um ex-capitão do Exército, que está hospitalizado em razão de uma facada recebida em plena campanha eleitoral, sem que tais fatos não tenham causado uma guerra civil ou um golpe militar? Tudo indica, pelas pesquisas divulgadas ontem, que teremos segundo turno. É um bom sinal, pois isso significa que haverá necessidade de moderação e entendimentos políticos no futuro próximo, ainda que nestes 10 dias que faltam para o primeiro o turno a radicalização persista.
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Luiz Carlos Azedo: Novo eixo no Supremo
“Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional”
O ministro Dias Toffoli assumirá hoje a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) com o firme propósito de distender as tensas relações na Corte e mudar o eixo de sua atuação em relação aos demais poderes. Durante o processo eleitoral, a pauta será elaborada de modo a não criar mais tensões políticas; após as eleições, tende a assimilar o resultado do pleito e criar condições para uma transição de governo sem grandes traumas. Por exemplo, as ações que discutem a possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, em princípio, não serão julgadas neste ano. Porém, um freio de arrumação na Operação Lava-Jato está em andamento.
Toffoli assume um tribunal desgastado pela contaminação política, as idiossincrasias de seus pares e a falta de coesão institucional, o que resultou numa séria de decisões juridicamente contraditórias, opondo a Primeira e a Segunda Turma do Tribunal, que foram apelidadas de “Câmara de gás” e “Jardim do Éden”. Há um entendimento generalizado de que o STF deixou de exercer um papel moderador nas relações entre os poderes da República para ser um fator a mais de instabilidade.
O novo presidente do Supremo pretende adotar medidas para dar mais efetividade à Justiça e compartilhar os rumos da Corte com os pares. Durante o processo eleitoral, quer evitar grandes polêmicas. Na primeira sessão plenária sob seu comando, na próxima semana, estão na pauta decisões triviais: o ingresso em universidades públicas de militares transferidos, nos casos de ausência de universidade paga congênere; a concessão de licença ambiental única para atividades de agronegócio sem prévia realização de estudo de impacto ambiental; e a pulverização aérea de produtos químicos para combater o mosquito Aedes aegypti.
Toffoli construiu uma imagem de conciliador no Supremo, num momento em que as divergências pessoais e doutrinárias estavam muito acirradas, principalmente entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Barroso, que andaram se digladiando em plenário. Entretanto, é um dos ministros que critica a Operação Lava-Jato. Como assumirá o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acredita-se que pretenda impor um novo padrão de atuação aos promotores e juízes de primeira instância.
Um sinal dessa tendência foi dado ontem pelo corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, que mandou abrir reclamação disciplinar contra os promotores Wilson Coelho, Marcelo Mendroni e Ricardo Castro, de São Paulo, questionando as denúncias apresentadas contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, candidatos do PT e do PSDB à Presidência, respectivamente. Rochadel atendeu ao pedido do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que questiona a “regularidade da instrução de feitos que possam ter impacto nas eleições de 2018”.
Na Segunda Turma, as posições críticas de Toffoli em relação às prisões preventivas e à execução imediata de pena para condenados em segunda instância resultaram numa maioria favorável à concessão de muitos habeas corpus pelo ministro Gilmar Mendes. Fala-se que Toffoli pretende pôr em julgamento o processo disciplinar que discute a conduta do juiz Sérgio Moro por ter autorizado a divulgação de interceptação telefônica de conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi de Toffoli o voto favorável à libertação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o que ensejou a discussão reservada entre os ministros da possibilidade de conversão da prisão de Lula em domiciliar. Essa medida, porém, teria sido abortada pela confusão criada pela defesa de Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde um desembargador de plantão, durante o recesso, resolveu libertar Lula, mas teve o alvará de soltura cassado pelo presidente daquele tribunal.
Legado
A ministra Cármem Lúcia, que deixa o cargo, enfrentou um dos momentos mais difíceis da Corte, por causa das denúncias contra o presidente Michel Temer. Assumiu a presidência do Tribunal duas semanas após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e logo teve que enfrentar rebeliões nos presídios do Norte e Nordeste. Em Manaus, foram 56 mortes. Em Roraima, no maior presídio do estado, 33 presos foram assassinados. Houve 133 mortes nos presídios do país nos primeiros 15 dias de 2017. No mesmo mês, o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo, morreu na queda do avião que o transportava para Angra dos Reis. Estava na iminência de homologar as delações premiadas da Odebrecht e foi substituído pelo ministro Édson Fachin.
Carmem Lúcia deixou como legado na sua passagem pelo comando do Supremo muitas decisões importantes: redução do escopo do foro privilegiado; constitucionalidade da terceirização de atividades-fim por empresas; o direito de transgêneros alterarem seu registro civil sem a necessidade de mudança de sexo; imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário por ato doloso de improbidade; impossibilidade de condução coercitiva de pessoas investigadas; poder da polícia de firmar acordos de delação premiada; possibilidade de desconto no salário do servidor em greve; desnecessidade da autorização prévia de Assembleia Legislativa para que o governo do respectivo estado seja processado criminalmente; possibilidade de ensino religioso confessional nas escolas públicas; constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória; e constitucionalidade do Código Florestal.
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Luiz Carlos Azedo: Sai Lula, entra Haddad
“O julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer como candidato. Mas isso não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado”
Não se pode dizer ainda que a estratégia eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para levar o PT de volta ao poder tenha fracassado, uma vez que a impugnação de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava escrita nas estrelas e na Lei da Ficha Limpa. Entretanto, estão dadas todas as condições para o PT transferir os votos cativos de Lula para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a decisão daquela Corte de permitir que o ex-presidente da República, mesmo impugnado e preso, apareça como apoiador de seu substituto nos programas eleitorais de tevê, rádio e internet.
Lula não é um proscrito político num regime de exceção, como pretende fazer crer o PT e muita gente acredita, principalmente no exterior. Lula está preso porque foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá, ou seja, por receber vantagens indevidas no cargo de presidente da República e ocultar seu patrimônio, o que não é incomum na política brasileira. É o mais ilustre condenado pela Operação Lava-Jato, que mandou para a cadeia outros ex-dignatários. Por essa razão, insistir na narrativa do “preso político” no horário eleitoral será uma afronta à democracia e à Justiça eleitoral.
“O Brasil é um Estado democrático de direito. Não estamos sob regime de exceção. Todas as instituições estão em funcionamento regular. O Poder Judiciário é independente. Os juízes de primeira e segunda instâncias são providos em seus cargos por critério exclusivamente técnico, sem vinculação política. A defesa pode perfeitamente alegar erro judiciário, mas não se mostra plausível o argumento de perseguição política”, disse o ministro Luís Barroso, relator do caso, no julgamento que entrou pela madrugada de ontem, em resposta aos argumentos da defesa em favor da candidatura de Lula.
Com o único voto divergente do ministro Édson Fachin (a favor de uma autorização provisória para que Lula concorresse, apesar de considerar o petista inelegível por conta da Lei da Ficha Limpa), a candidatura de Lula foi impugnada por seis a um na sessão extraordinária do TSE. Os ministros decidiram evitar que Lula aparecesse como candidato nos programas oficiais do PT de rádio, tevê e internet, iniciados ontem. De certa forma, o julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer na mídia como candidato. Mas isso, como já dissemos, não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado. Vejamos:
A última pesquisa semanal XP-Ipespe que monitora o cenário eleitoral e tem grande influência no mercado financeiro, no último dia 29 de agosto, demonstrou que a capacidade de transferência de votos entre os candidatos do PT é significativa. No cenário com Lula, o petista liderava a disputa com 33% de intenção de votos, seguido por Jair Bolsonaro (PSL), com 21%. Ciro Gomes (PDT) tinha 8%, Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin PSDB) empatavam com 7%; João Amoedo (Novo), 4%, e Alvaro Dias (Podemos), 3%. Henrique Meirelles (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), 1%. Com Lula fora da disputa, Bolsonaro subia para 23%, Marina Silva para 13%, Ciro para 10%, Alckmin para 9% e Haddad aparecia com apenas 6%, à frente de Alvaro e Amoedo, empatados com 4%. Boulos e Meirelles não se mexiam; o Cabo Daciolo aparecia pela primeira vez, com 1%.
O substituto
Entretanto, quando o nome de Haddad é apontado com o indicado por Lula para substituí-lo, o quadro se altera completamente: Bolsonaro reflui para os 21% do primeiro cenário e Haddad aparece em segundo, com um índice cabalístico: 13% de intenções de votos. Ciro e Marina empatam com 10%, Alckmin com 8%, Alvaro e Amoedo com 4%, Meirelles, Boulos e Daciolo com 1%. Vê-se que a narrativa de “vitimização” de Lula neutralizou as denúncias de corrupção em seu governo e sua condenação por crime de colarinho branco. A capacidade de transferência de voto do petista, pela simples indicação de seu substituto, às vésperas do julgamento, estava em 32%. Espontaneamente, porém, 11% dos votos de Lula se deslocam para Ciro e aproximadamente 7%, para Marina Silva.
Mesmo preso em Curitiba, Lula se manteve na mídia e conseguiu ser o líder absoluto das pesquisas de intenção de voto, o que corroborou a narrativa de perseguição política. Com a decisão do TSE, essa presença será ampliada, pois Lula poderá aparecer de forma recorrente nos programas eleitorais como apoiador de Haddad. Entretanto, não poderá se passar por vítima de perseguição, porque isso certamente será contestado pelos adversários, que quererão tirar os programas do ar na Justiça Eleitoral.
Como aquele copo meio cheio, meio vazio, com 13% de intenções de votos, Haddad não terá um passaporte garantido para o segundo turno, mas estará mais próximo disso do que os demais concorrentes de Bolsonaro. Vamos ver se esse cenário se confirma na próxima semana. A campanha será brevíssima, mas há outras variáveis. A primeira delas é a mudança no ambiente eleitoral, que se deslocou das redes sociais para as ruas e as casas dos eleitores, por causa dos telejornais e da propaganda de tevê e rádio. Somente Bolsonaro e Ciro vinham mantendo uma agenda de rua quase diária, os demais candidatos estavam mais circunscritos aos ambientes fechados. Alckmin, Haddad e Meirelles têm mais tempo de televisão e rádio, mas só agora saberemos o peso real dessa vantagem estratégica nas eleições. Uma surpresa é Amoedo, que se destacou nas redes sociais, na qual predominavam Bolsonaro e Marina.
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Luiz Carlos Azedo: A chave da cadeia
“A Segunda Turma do Supremo é pródiga na concessão de habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça”
A pesquisa eleitoral divulgada ontem provocou nova alta do dólar – ultrapassou a barreira dos R$ 4 e chegou a R$ 4,48 nas casas de câmbio –, porém, a imprevisibilidade do cenário eleitoral aumentou ainda mais com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu manter em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP José Cláudio Genu, ambos condenados em segunda instância na Operação Lava-Jato. A decisão consolidou o entendimento da Turma de que a execução imediata da pena após condenação em segunda instância precisa ser examinada caso a caso. Com isso, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma porta aberta para conseguir um habeas corpus em favor do petista, cuja candidatura a presidente da República ainda não foi impugnada. Embora, pela Lei da Ficha Limpa, o petista seja inelegível.
Conhecida como Jardim do Éden, a Segunda Turma é pródiga na concessão de arquivamentos e habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu está condenado a mais de 30 anos de prisão, mas deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O ex-ministro começou a cumprir pena em maio, por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas foi solto um mês depois por ordem do STF. Toffoli votou pela soltura, mas o relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar a questão. Mesmo com o pedido de vista, os outros três ministros da Turma (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) decidiram conceder liberdade a Dirceu até que Fachin devolvesse o processo para julgamento.
Ontem, o caso voltou à pauta da Segunda Turma. Fachin votou pelo entendimento majoritário do Supremo no sentido de autorizar as prisões após condenação em segunda instância e sustentou que não se pode conceder habeas corpus de ofício nesse caso. Foi atropelado pelo ministro Dias Toffoli, que citou vários precedentes no Supremo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli. Decano do STF, o ministro Celso de Mello votou com Fachin, mas ambos foram votos vencidos por 3 a 2. Fachin vem sendo voto vencido constantemente. Além de Lula, outros réus da Lava-Jato que estão presos deverão pleitear habeas corpus para sair da prisão, entre os quais os ex-deputados Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, ambos do MDB.
O Supremo está se tornando um fator de instabilidade no processo eleitoral, por causa das disputas entre seus ministros. A Primeira Turma e a Segunda, por exemplo, têm entendimentos distintos em relação à jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segunda instância. Caso se confirme a ida da ministra Cármen Lúcia para a Segunda Turma, no lugar de Toffoli, que assumirá a Presidência do Supremo, pode ser que se forme uma nova maioria sobre o mesmo assunto, com entendimento contrário à decisão de ontem. Em contrapartida, embora negue essa intenção, Toffoli pode pautar nova votação sobre o mérito da questão no plenário do Supremo.
Pesquisa
A pesquisa divulgada pelo Ibope na segunda-feira está sendo decantada por analistas e candidatos. Revela que a estratégia de Lula para se manter na mídia deu certo, pois está com 37% de intenções de votos, mas gerou estresse entre os petistas porque outros números mostram as dificuldades para a transferência de votos em favor do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seu vice e substituto virtual. Quatro de cada 10 eleitores consultados dizem que não votarão em Haddad, mesmo que esse seja uma indicação de Lula. O efeito imediato na campanha de Lula foi acirrar a divergência entre fazer a substituição logo ou protelar ao máximo a manutenção da candidatura do ex-presidente da República, cuja impugnação está prevista na Lei da Ficha Limpa, mas essa é uma batalha jurídica que pode chegar a 17 de setembro.
Também houve tensão na campanha de Alckmin, que subiu nas pesquisas de 5% para 7% no cenário sem Lula. Está atrás de Bolsonaro, que sobe para 20%; Marina, para 12%; Ciro, que vai a 9%. Para Alckmin, o grande desafio é chegar ao segundo turno. O tucano conta com a vantagem estratégica de ter mais tempo de televisão, recursos financeiros e capilaridade da campanha. Esse raciocínio valeria também para Haddad, daí a expectativa de que possa ultrapassar Bolsonaro, Marina e Ciro. Entretanto, a pesquisa está mostrando que essa não será uma tarefa fácil, principalmente porque Bolsonaro, Marina e Ciro estão com bases eleitorais muito resilientes. Com um cenário tão imprevisível, as turbulências no mercado financeiro já começaram, com alta do dólar e queda da bolsa de valores.
Luiz Carlos Azedo: O truco de Lula
Os advogados de Lula vão requerer o registro da sua candidatura com o argumento de que sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não chegou à última instância
O registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a presidente da República, previsto para hoje, com direito à marcha do MST, é uma jogada de marketing eleitoral com poder de tornar ainda mais tenso e confuso o quadro político e tumultuar as eleições deste ano. Lula está preso em Curitiba, condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime frechado, e pela Lei da Ficha Limpa não pode ser candidato. Ao registrar sua candidatura, força a barra para criar um fato consumado e embaralhar as cartas da eleição, mantendo-se na mídia e tensionando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Joga no colo da ministra Rosa Weber, que ontem assumiu a presidência da Corte, a responsabilidade de rejeitar o registro da candidatura de pronto ou dar início a um processo de julgamento de sua inelegibilidade, que lhe permitiria disputar as eleições sub judice.
Rosa Weber faz parte do grupo de ministros “garantistas” do Supremo Tribunal Federal (STF). Doutrinariamente, não concorda com a execução imediata das penas após condenação em segunda instância, jurisprudência firmada pelo Supremo em três decisões sobre o tema. Entretanto, tem afirmado que não é favorável a uma mudança de entendimento sobre a questão em pleno processo eleitoral, pois geraria mais insegurança jurídica, e tomado decisões com base nessa jurisprudência. Sob esse aspecto, critica as chicanas feitas por advogados em nome do chamado “transitado em julgado”. Segundo a nova presidente do TSE, “o princípio da presunção de inocência, apesar de cardeal no processo penal, não pode ser compreendido como um véu que cobre a realidade e imobiliza a ação humana”.
Os advogados de Lula vão requerer o registro da candidatura com o argumento de que sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não chegou à última instância. Rosa Weber, porém, defende a lei da Ficha Limpa e advoga a tese, no próprio TSE, de que os recursos cabíveis à condenação “não comportam, como regra, efeito suspensivo”. A mesma interpretação rígida em relação à ficha limpa, porém, é adotada pela ministra em relação aos ritos processuais. A presidente do Supremo pode não querer rejeitar de pronto o registro da candidatura e levar a decisão ao plenário da Corte, o que permite pedidos de vista. Nesse caso, a defesa de Lula se aproveitará do julgamento para manter a candidatura e Lula em campanha eleitoral, mesmo em cana. Truco!
Para isso, não pretendem apresentar a certidão de antecedentes criminais de Lula, que seria motivo para rejeição imediata do registro. Alegam que a legislação eleitoral exige que a certidão seja do estado no qual o candidato tem domicílio eleitoral, ou seja, São Paulo. Lula foi condenado em Curitiba e Porto Alegre. É óbvio que isso é uma grosseira chicana dos advogados, para ganhar tempo e forçar a abertura de um processo para julgar a inelegibilidade de Lula, com ele na disputa. Parece até piada, mas não é. Lula e o PT têm uma visão diferente sobre o processo pelo qual foi condenado, o caso do tríplex de Guarujá. O petista se diz inocente, diz que foi condenado sem provas, se intitula um preso político e denuncia seus julgadores, acusando-os de golpistas. Ontem mesmo, em artigo no New York Times, reitera o argumento de que está preso só porque venceria as eleições.
Supremo
As disputas entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Operação Lava-Jato acabam servindo de pano de fundo para as manobras dos advogados de Lula. A Segunda Turma do STF decidiu retirar da alçada do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, trechos das delações premiadas que executivos da Odebrecht se referiram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As delações estavam originalmente no STF, porém, em abril do ano passado, o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, enviou os depoimentos a Moro. As defesas de Lula e de Mantega recorreram da decisão. Os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes discordaram de Fachin, que manteve seu voto. Celso de Mello, que também compõe a Segunda Turma, não participou da sessão.
A maioria da Segunda Turma, conhecida como Jardim do Éden, tem votado sistematicamente contra o relator da Lava-Jato. Agora, parte dos depoimentos será transferida para a Justiça Federal em Brasília. Para a maioria dos ministros, o caso tem correlação com investigação já aberta na capital federal. Nos depoimentos retirados de Moro, o empresário Emílio Odebrecht descreveu o relacionamento mantido com Lula desde sua campanha. Pedro Novis, ex-executivo da empresa, relata o relacionamento do grupo empresarial com os ex-presidentes Lula e Dilma. Também foram retirados os depoimentos que narram como os pagamentos teriam sido feitos ao governo Lula e o funcionamento das planilhas “Italiano” e “Pós-italiano”, em suposta referência a Antônio Palocci e Guido Mantega. Em outro recurso, foram retiradas as delações da Odebrecht sobre o financiamento de campanhas eleitorais em 2014, em Angola, República Dominicana, Panamá, El Salvador e Brasil.
Luiz Carlos Azedo: Supremo caiu na armadilha
O mecanismo que vincula os aumentos de servidores ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal
O impacto do aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas contas públicas, segundo cálculos dos especialistas em orçamento das assessorias técnicas do Congresso, será de R$ 4 bilhões. A decisão de passar seus vencimentos dos atuais R$ 33.763,00 para R$ 39.293,32, um reajuste de 16,38%, muito acima da inflação, não seria um descalabro face a relevância dos cargos que ocupam, não fosse o fato de que tem um efeito cascata no Executivo, no Legislativo, no Ministério Público e, também, nos estados e Distrito Federal.
A vinculação dos aumentos do Judiciário, do Legislativo e do Executivo ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece o teto de remuneração dos servidores, é uma armadilha fiscal criada pelos lobbies das corporações do setor público e pela esperteza dos políticos. Ministros do Supremo vivem numa redoma, na qual não dependem de mais ninguém, a não ser deles próprios e da Constituição. Não têm as mesmas limitações dos políticos com mandato eletivo no Executivo e no Legislativo na hora de estabelecer seus vencimentos, pois não precisam disputar eleições.
Dessa forma, o mecanismo que vincula os demais aumentos ao dos ministros do STF serviu para alavancar os salários da alta burocracia de todos os poderes, mas virou uma tremenda armadilha fiscal, com grande impacto nas contas públicas. O efeito do aumento na esfera federal é o seguinte: Judiciário, R$ 717 milhões; Ministério Público, R$ 258 milhões; Executivo e Legislativo federais e Defensoria Pública da União, R$ 400 milhões. Nos estados, o impacto nas folhas de pagamento dos servidores será de R$ 2,6 bilhões. Ou seja, de uma hora para outra, o Supremo aprovou mais um novo rombo nas contas públicas, cujo deficit fiscal previsto para o próximo ano é de R$ 139 bilhões.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), liderou a discussão sobre o aumento, na qual a presidente do Supremo, ministra Cármem Lúcia, que era contra, foi derrotada por 7 a 4. Lewandowski argumenta que a atuação do Judiciário tem proporcionado o resgate de dinheiro aos cofres públicos: “Vocês repararam que ontem os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras?”, disse. Entretanto, é um dos ministros que mais atuam no sentido de circunscrever as investigações.
Num país com 13 milhões de desempregados e uma massa enorme de pessoas subempregadas, muitas vezes ganhando abaixo do salário-mínimo, a decisão teve repercussão muito negativa, a começar pelas reações da própria presidente do Supremo: “Ontem perdi. Provavelmente hoje perco de novo. Mas eu não queria estar do lado dos vencedores. O que venceram e como venceram não era o que eu queria mesmo e continuo não convencida de que era o melhor para o Brasil”, disse Cármen Lúcia.
Colateral
A Secretaria Geral do STF calcula em R$ 2,87 milhões o impacto da despesa na folha de pagamento do tribunal. Parte dos recursos, cerca de R$ 50 milhões, deve sair do orçamento da TV Justiça. O aumento ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, que já barrou um aumento anterior do Judiciário. Dessa vez, o que se discute no Senado é a desvinculação dos aumentos entre os Poderes, o que pode ser uma boa medida em tempos de novo governo e ajuste fiscal, mas isso dependerá do resultado das eleições.
A decisão tem efeitos políticos colaterais. O Supremo está dividido e se desgasta em razão de divergências entre ministros e decisões contraditórias, principalmente em relação à Operação Lava-Jato. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância, contrasta fortemente com a libertação de outros personagens envolvidos em escândalos, mas que estavam em prisão preventiva, porque ainda não foram condenados em segunda instância. O cidadão comum simplesmente não entende a diferença de tratamento, porque não conhece a jurisprudência. Enquanto os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, por exemplo, arquivam processos e soltam presos envolvidos em escândalos, Lula promove uma guerrilha jurídica contra a Operação Lava-Jato.
Lula está preso desde abril, em Curitiba, depois de ter sido condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Ontem, por exemplo, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para suspender os efeitos da condenação dele nesse caso. Em Porto Alegre, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou o pedido do Partido dos Trabalhadores para que Luiz Inácio Lula da Silva participasse do debate de ontem da TV Bandeirantes com candidatos à Presidência da República. Advogados do PT entraram com mandado de segurança após um pedido anterior não ter sido analisado. O ex-presidente foi anunciado candidato do PT no domingo.
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Luiz Carlos Azedo: Começa o jogo
Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, Bolsonaro e Marina estão em vantagem
Num quadro muito fragmentado, com35 partidos e 13 candidatos, a disputa pela Presidência da República, no primeiro turno, se dará no máximo entre meia dúzia de pretendentes. Na largada, os favoritos são Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que têm demonstrado grande resiliência, mas esse quadro pode se alterar profundamente quando a campanha de rádio e tevê começar, devido ao grande tempo de televisão de Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), já escalado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é vice na chapa aprovada em convenção.
As candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) despontam no Nordeste e no Sul do país, respectivamente, com certa resiliência. Henrique Meirelles (PMDB), que dispõe de muitos recursos e tempo de televisão, é uma incógnita, por causa da traição anunciada dos caciques de seu partido, tanto quanto o candidato do PSol, Guilherme Boulos, um “Durango Kid” na campanha. Ambos têm menos de 1%. Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, por enquanto, Bolsonaro e Marina estão em vantagem estratégica devido aos militantes que mobilizam.
Uma das variáveis a ser conferida é o peso de Lula na campanha de Haddad. Sua indicação imediata como vice não estava nos planos do ex-presidente, cujo nome foi homologado na convenção petista. Mas os advogados da legenda advertiram que, sem o vice, o PT poderia simplesmente ficar fora eleição, pois o ex-presidente está inelegível e sua candidatura será impugnada. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que perdeu a reeleição, Haddad é o coordenador do programa de governo e o “poste” ungido por Lula para substituí-lo no pleito.
O PT quer transformar duas derrotas políticas históricas, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, numa vitória eleitoral inolvidável: a volta ao poder. Não é uma proeza fácil, uma vez que as narrativas do golpe e de vitimização do líder petista nunca empolgaram a maioria da população e colidem com as instituições democráticas do país. Entretanto, serviram para manter a militância coesa, segurar uma parcela expressiva da base eleitoral e mobilizar a solidariedade internacional.
Isso talvez leve Haddad ao segundo turno. Mas ainda é apenas um “talvez”. Para que ocorra, é preciso que o espólio eleitoral de Lula não se disperse entre outros candidatos, principalmente Marina, Ciro e o próprio Boulos, que sempre foi muito ligado a Lula em São Paulo. Manuela D’Ávila (PCdoB), como nos antigos casamentos arranjados, já estava prometida a Haddad. Renunciou à candidatura para ser vice na chapa petista após a impugnação de Lula.
Frente
Outra incógnita é a pegada eleitoral do tucano Alckmin. Montou-se em torno dele uma ampla frente de hegemonia liberal conservadora, com quase metade do tempo de televisão da campanha e muitos recursos financeiros. O candidato do PSDB tem capacidade de vencer as eleições no Brasil meridional, como em outras eleições, mas pouca aderência no Nordeste. Toda a estratégia tucana foi montada para enfrentar Haddad no segundo turno, ou seja, deslocar da disputa os líderes Bolsonaro e Marina.
Caso a campanha eleitoral seja predominantemente analógica, esse cenário faz sentido. Mas vivemos um ambiente político no qual a sociedade se descolou das estruturas partidárias e a imagem dos políticos tradicionais está muito desgastada. Como Haddad, Alckmin é um sobrevivente. O PSDB está quase tão contaminado quanto o PT pelas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato. Na verdade, uma onda de insatisfação com os políticos, os partidos e a própria política varre o processo eleitoral.
A reforma eleitoral foi feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais de uma catástrofe, como se fosse um grande quebra-mar. Mas a grande onda de insatisfação popular pode saltar o enrocamento e chegar à praia com violência. Essa é mais ou menos a imagem da eleição. Se isso acontecer, Alckmin terá de furar a onda para não levar um caixote. A mesma coisa vale para Haddad.
Ao contrário, porém, Bolsonaro e Marina se posicionaram para surfar a onda. Pode ser que caiam da prancha, mas isso somente saberemos quando o cenário atual se modificar. Ciro Gomes e Álvaro Dias também surfam a onda. Políticos experientes, estão acostumados a bater sem piedade nos adversários, embora com sotaque diferente. Ciro mira os eleitores de Haddad; Dias, o de Alckmin. São dois cações mordendo os calcanhares do petista e do tucano.
Resta Meirelles. O candidato do PMDB acredita que pode enfrentar a onda montado num jet ski. O ex-ministro da Fazenda não pode ser atacado pelos petistas, porque foi da equipe de Lula; seu legado no governo Temer, porém, é contraditório. Seu ponto forte: venceu a recessão e a inflação; o fraco: não reduziu o deficit fiscal nem o desemprego em massa. Sua campanha será um termômetro do peso da campanha de rádio e tevê nas eleições.
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