Lava Jato
Política Democrática: Reportagem destaca impactos da Usina de Belo Monte em Altamira
Famílias têm sido deslocadas da Volta Grande do Xingu e de palafitas para bairros construídos pelo empreendimento, alvo da Lava Jato
Cleomar Almeida
Investigada pela operação Lava Jato, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e as ações dela, como a criação de reassentamentos urbanos coletivos em Altamira, a 820 quilômetros de Belém, são destaque da revista Política Democrática online de janeiro. A reportagem revela que esses locais têm se tornado grandes favelas no município do interior, com moradores castigados pela falta de infraestrutura adequada, como saneamento básico de qualidade e casas de boa qualidade.
» Acesse aqui a revista Política Democrática online de janeiro
A reportagem especial é a segunda e última da série Existe vida no Xingu e traz conteúdos em vídeos, fotos e textos. Na primeira reportagem, publicada na edição de dezembro, a revista mostrou como a Belo Monte tem dizimado, aos poucos, tradições e culturas indígenas na região da Volta Grande do Xingu, no município de Vitória do Xingu, no Pará. O empreendimento é alvo da Lava Jato, que investiga suposta corrupção na execução do projeto da usina.
Já na edição de janeiro, Política Democrática online também mostra como os reassentamentos urbanos coletivos, construídos pela Norte Energia, responsável pela construção e operação da usina, têm sofrido com o descaso da empresa. Segundo moradores, a empresa não faz a manutenção adequada nesses novos bairros. A Norte Energia rebate, dizendo que oferece os serviços adequadamente e atende a todas as demandas da população desses locais.
A reportagem também mostra o crescimento da violência e criminalidade no município de Altamira, apesar de alguns índices criminais terem recuado nos últimos anos, de acordo com dados oficiais. No total, 635 homicídios foram registrados desde 2010, quando as obras da Belo Monte foram iniciadas na região. A cidade teve de receber um grande número de pessoas que se mudaram para lá apenas para trabalhar no projeto da Norte Energia.
Outro assunto abordado na reportagem é o esvaziamento de comunidades ribeirinhas. Moradores estão sendo retirados desses locais para serem levados para os reassentamentos urbanos coletivos, em Altamira, para que o projeto da Belo Monte opere de forma plena, até o final deste ano, quando deve ser concluído ao custo de R$ 40 bilhões, segundo estimativas da própria empresa.
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Luiz Carlos Azedo: Eles estão voltando
“Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas, principalmente a da Previdência, e o fortalecimento da Câmara e do Senado”
As articulações para ocupação de espaços nas Mesas do Congresso e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado já estão em pleno andamento. Há políticos veteranos que sobreviveram ao tsunami eleitoral, novatos que nunca exerceram um mandato e alguns que estão voltando ao Congresso ou participavam de legislativos estaduais e municipais. Nenhum dos 513 deputados e 81 senadores é bobo. Não existe essa categoria no parlamento, como dizia Ulysses Guimarães. Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas que serão encaminhadas pelo governo, principalmente a da Previdência; e o fortalecimento da Câmara e do Senado, que vêm de eleições nas quais ficou patente o descolamento de ambos da sociedade. A relação dos políticos com o Executivo e o Judiciário será balizada pela eleição das Mesas da Câmara e do Senado.
Vamos às reformas. São quatro as mais importantes, mas a da Previdência é uma espécie de Rubicão para o governo Bolsonaro, sem a qual a economia não deslanchará. A dificuldade do governo não é de natureza técnica, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe o que precisa fazer. O problema é político. A base governista é muito heterogênea e foi articulada a partir de frentes parlamentares com interesses específicos, como as do agronegócio, dos evangélicos e da bala. É mais fácil atrair setores da oposição para a reforma da Previdência, por exemplo, do que a bancada da bala, formada majoritariamente por policiais e militares que não querem abrir mão de seus privilégios. Além disso, a alta burocracia está mobilizada e faz um lobby poderoso, encabeçado por magistrados e procuradores.
A segunda reforma mais importante e difícil é a tributária. A resistência é inercial, alguém já disse que imposto bom é imposto velho. Mas a carga tributária e a burocracia são brutais, como sustenta o presidente Jair Bolsonaro. Com a tecnologia ficou muito fácil arrecadar, mas cada vez mais difícil, financeiramente, pagar. Há um clamor na sociedade, principalmente na economia formal, a favor da redução de impostos. Talvez seja a reforma mais popular entre agentes econômicos, principalmente empreendedores e assalariados. O problema é o pacto federativo, entre a União, que arrecada muito mais e gasta muito pior, e os estados e municípios, os entes federados. O nó górdio da reforma é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), arrecadado na origem; a maioria dos estados quer que seja recolhido no destino, como já acontece com o combustível, mas os estados produtores são muito mais poderosos do que os consumidores. O governo não sabe ainda como desatar esse nó.
Casa de enforcado
A questão do combate à corrupção e à criminalidade é a terceira reforma, cuja formulação está a cargo do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Lava-Jato teve um papel decisivo na eleição, mas também é um trauma para políticos, principalmente os que sobreviveram. Endurecer ainda mais o jogo em relação ao caixa dois eleitoral e à improbidade administrativa é como falar de corda em casa de enforcado, no caso, o Congresso. E, depois do caso Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro(PSL-RJ) é primeiro da fila do cadafalso. Mas, em contrapartida, o endurecimento das penas para crimes como latrocínio, feminicídio e tráfico de drogas é barbada. Soa como música para a maioria dos parlamentares, que também não são tão resistentes à flexibilização do porte de armas, tema favorito da chamada Bancada da Bala e do próprio presidente da República.
A quarta questão, na verdade, é uma contrarreforma. Trata-se da questão dos costumes e do Estado laico, em torno da qual se dará um grande embate entre os setores conservadores que serviram de vanguarda para a campanha de Bolsonaro e as forças derrotadas na eleição, que buscam refúgio nessa pauta. É uma agenda que envolve a questão dos direitos humanos e dos direitos civis, em conexão direta com o mundo da cultura e da educação. Embora sejam temas que não tratam diretamente das relações de poder entre os políticos, essa agenda é a que tem mais conexão com a sociedade civil e suas agências, com forte repercussão no Congresso. Outra agenda emergente é a ambiental, em evidência novamente por causa da tragédia de Brumadinho (MG). É uma agenda de resistência, que tem muito a ver com a centralidade econômica da produção de commodities de minérios e agrícolas, hoje o polo mais dinâmico da nossa economia.
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José Padilha: Sergio Bolsomoro
Ministro corre risco se abdicar de convicções éticas
O governo Bolsonaro já começou carimbado por suspeitas gravíssimas de corrupção. Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro, está para lá de enrolado com as movimentações atípicas nas contas de seu ex-assessor e na sua própria conta.
Não precisamos de Sherlock Holmes, ou de Capitão Nascimento, ou mesmo do deputado Fraga para concluir o óbvio: ninguém movimenta recursos de maneira tão anormal quanto Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor. Depósitos em dinheiro, feitos um seguidinho do outro, dia após dia... Se o cara não tem algo sério a esconder, no caso a famosa prática de receber parte do salário de funcionários da Alerj, podemos dizer que se esforçou muito para parecer culpado.
Aliás, o senador continua se esforçando para parecer culpado nas entrevistas que concede para tentar explicar o que parece ser inexplicável, e faz o mesmo em sua atuação no âmbito jurídico.
Seu pai, o presidente eleito para salvar os brasileiros da corrupção (real) de PT/PMDB, já o jogou do convés do barco: "Se errou, vai ter que pagar". Presidente, ao que tudo indica, vai ter que pagar. Muito provavelmente por corrupção e desvio de verbas públicas, além de possível associação com milicianos. E não se esqueça: teve um capilé que foi parar na conta da primeira-dama...
O que me leva ao título deste artigo: Sergio Moro, o novo e poderoso ministro da Justiça, ungido pela eficiente luta contra a corrupção empreendida no âmbito da Operação Lava Jato, vai ficar assistindo a tudo isso sem fazer ou falar nada?
Queira ou não queira, ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para trabalhar no Ministério da Justiça, Sergio Moro avalizou implicitamente o governo Bolsonaro. Deu a este governo um carimbo de ética e de luta contra a corrupção. E, ao fazê-lo, colocou a sua biografia em jogo.
Lembro a Sergio Moro a famosa história do grande economista liberal Eugênio Gudin (1886-1986), que, apesar de ter controlado a crise econômica resultante da instabilidade política durante a transição do governo Vargas para o de Juscelino Kubitschek, pediu o boné assim que percebeu que o governo de Juscelino não seria orientado por visão liberal do controle dos gastos públicos.
Ou seja, não flexibilizou as suas convicções pessoais sobre a economia para se ater ao poder. (Espero o mesmo de meu amigo Paulo Guedes!) Pois bem: Sergio Moro vai flexibilizar as suas posições éticas para ficar em um governo que já nasce maculado?
Posto o problema está. Restam ao ministro três formas de lidar com ele: primeiro, pode calar e consentir. Segundo, pode pedir o boné. E, por fim, pode atuar decisivamente em favor de suas convicções éticas, colocando todo o aparato policial e jurídico que tem a sua disposição para investigar o senador Flávio Bolsonaro, dando um sinal claro para a sociedade de que, enquanto ministro, vai trabalhar pela justiça, doa a quem doer.
Em seu primeiro artigo como jornalista, Eugênio Gudin escreveu criticamente sobre a política de investimentos, conhecida como "50 anos em 5", do então presidente JK. Consta que Gudin dizia o seguinte acerca das gastanças de Juscelino em Brasília: "O Juscelino era um bom rapaz, bem intencionado, mas muito playboy. Ele criou uma capital que não produz nada". Sergio Moro criou um capital moral, e os brasileiros apostaram nele. Resta ver se este capital vai produzir algo de concreto.
Se não produzir nada, não chamarei o ministro Sergio de playboy, que isso ele não é. Mas, se o ministro Moro capitular em suas convicções éticas quando essas se aproximam dos Bolsonaros, corre o risco de ficar conhecido pela alcunha de Sergio Bolsomoro.
*José Padilha, Cineasta, diretor dos filmes "Tropa de Elite" (2007), "Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014)
Luiz Carlos Azedo: A confiança no Brasil
“Bolsonaro procura reposicionar o governo brasileiro no exterior. Não é uma tarefa fácil”
O presidente Jair Bolsonaro, ontem, em Davos, numa entrevista quebra-queixo para jornalistas brasileiros, disse que sua passagem pelo Fórum Econômico Mundial tem objetivo de restabelecer a confiança dos agentes econômicos no Brasil. “Queremos mostrar, via nossos ministros, que o Brasil está tomando medidas para que o mundo restabeleça a confiança em nós, que os negócios voltem a florescer entre o Brasil e o mundo, sem o viés ideológico, que nós podemos ser um país seguro para investimentos. E, em especial, a questão do agronegócio, que é muito importante para nós, é a nossa commodity mais cara. Queremos ampliar esse tipo de comércio.”
O discurso de Bolsonaro foi discutido por sua equipe de governo, representada em Davos pelos ministros Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também integra a comitiva para Davos, enquanto o irmão senador, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), continua ardendo na fogueira do caso Queiroz aqui no Brasil. O Fórum Econômico Mundial começa hoje e vai até sexta-feira, com previsão de uma redução de crescimento mundial, segundo anunciou a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.
Os indicadores de crescimento de 2018 apontam para uma retração da economia mundial, que pode resultar numa grande recessão se suas causas não forem revertidas. Disputas comerciais entre as maiores economias do mundo, dívidas e eventos climáticos extremos (olha o aquecimento global aí, gente!) são alguns dos principais riscos previstos. A China teve seu pior índice de crescimento em 28 anos: no ano passado, a expansão do PIB chinês foi de apenas 6,6%; em 2019, será de 6,3%. A expansão induzida pelos incentivos fiscais nos Estados Unidos está se esgotando: a taxa de crescimento do PIB será de 2,5% em 2019 e apenas 2%, em 2020. Na Europa, a projeção é de uma expansão de 2% em 2019. Para 2019 e 2020, o crescimento global previsto pela ONU é de 3%, abaixo da taxa de 3,1% em 2018.
Trauma
É nesse cenário de “preocupações sobre a sustentabilidade do crescimento econômico global diante dos crescentes desafios financeiros, sociais e ambientais”, segundo o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez, que Bolsonaro procura reposicionar o governo brasileiro no exterior. Não é uma tarefa fácil, uma vez que a imagem do Brasil nunca esteve tão desgastada. Desde a crise do governo Dilma, com a narrativa do golpe, o PT faz uma campanha no exterior no sentido de desacreditar a democracia brasileira, com relativo êxito junto à imprensa internacional e a formadores de opinião. Mesmo com uma vitória por ampla margem também no exterior, a eleição de Bolsonaro corroborou a tese, que é falsa. O Brasil vive num regime democrático, ainda que o novo governo seja conservador e com forte presença dos militares.
O trauma do impeachment foi neutralizado pela estabilização da economia, com o governo Michel Temer, mas o fantasma da corrupção política permaneceu. Para os agentes econômicos, o novo governo sinalizou mudanças no sentido do combate à corrupção e da segurança jurídica, simbolizadas pela presença do ex-juiz da Operação Lava-Jato Sérgio Moro no Ministério da Justiça, e de uma guinada ultraliberal na economia, protagonizada pelo ministro Paulo Guedes. O problema é que não se muda uma imagem do dia para a noite, apenas com discursos. O que os investidores querem saber é se o governo vai enxugar a máquina pública, e o Congresso, aprovar a reforma da Previdência.
Nesse sentido, o vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro general a ocupar a Presidência desde a saída do presidente João Batista Figueiredo, em 1985, deu uma ajuda a Bolsonaro em Davos, ao anunciar que os militares terão de cortar na carne com a reforma da Previdência, aumentando o tempo de contribuição de 30 para 35 anos. Até novembro de 2018, o deficit no sistema de aposentadorias e pensões dos militares chegou a R$ 40 bilhões, um aumento de quase 13% em relação ao mesmo período de 2017. O presidente em exercício também falou sobre o caso Queiroz, comentando o envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Mourão pôs panos quentes no assunto: “Acho que, para o governo, não chega nele, apesar do sobrenome e do senador. Agora, o senador é que está exposto na mídia realmente, e o Flávio é uma pessoa muito boa, eu gosto muito dele”.
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Luiz Carlos Azedo: O caso Queiroz
“O STF não é um terreno confortável de disputa para os enrolados. Foi-se a época em que o foro privilegiado era uma garantia de impunidade”
Ródion Ramanovich Raskolnikov é um ex-estudante que vive na miséria, em minúsculo apartamento em São Petersburgo. Acredita que está destinado a grandes ações, mas a miséria o impede de atingir todo o seu potencial. Por essa razão, conclui que nada seria moralmente errado se o objetivo fosse nobre. Isso o leva a matar uma velha que empresta a juros altíssimos e maltrata a sua irmã mais nova. Após assassinar a mulher, Raskolnikov entra em crise existencial, tem delírios febris.
Porfiry Petrovich, um dos responsáveis pela investigação do assassinato, confronta Raskolnikov diversas vezes, nunca revelando se ele é ou não suspeito do crime. A tensão abala ainda mais o comportamento do eex-studante, o que leva Porfiry a acusá-lo informalmente. Mesmo sem provas concretas contra ele, atormentado pelos remorsos, Raskolnikov acaba confessando. O protagonista de Crime e Castigo, o grande romance do escritor e jornalista russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1866 (ou seja, não tem nada a ver com “marxismo cultural”), é um arquétipo perseguido por todos os grandes autores de romances policiais. O livro é um grande ensaio filosófico, psicológico e social. Dostoiévski explora o lado psicológico e existencial de seus personagens de forma excepcional, no contexto de uma Rússia autocrática, moralista e culturalmente atrasada.
Anulação de provas
O caso do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz é dostoievskiano. Amigo da família Bolsonaro, era homem de confiança do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSC), ex-deputado estadual fluminense. Ninguém sabe exatamente o que ele fez, além das declarações estapafúrdias para explicar sua movimentação financeira e a dancinha no hospital em que se internou para tratar de um câncer no intestino na virada do ano. Seu jogo de gato e rato com o Ministério Público seria apenas mais uma chicana de bons advogados para protelar o trabalho da Justiça. E inspiração para piadas, máscaras e fantasias que divertem os foliões no carnaval carioca.
Ontem, porém, o caso Queiroz ganhou uma dimensão surpreendente. O ministro do STF Luiz Fux determinou a suspensão das investigações sobre Fabrício, atendendo pedido de Flávio Bolsonaro, que não é investigado. A decisão não significa a suspensão permanente da investigação ou a definição sobre em qual instância o processo deverá tramitar. Apenas interrompe a investigação, até que o ministro Marco Aurélio Mello analise o caso e decida se será aplicada a regra do foro privilegiado.
Em maio do ano passado, o STF decidiu restringir as regras do foro privilegiado. Após a decisão, passam a ser julgados pelo Supremo apenas deputados federais e senadores suspeitos de atos praticados durante o mandato e por crimes que tenham relação com o cargo. Ou seja, com base na jurisprudência vigente, a investigação contra o ex-assessor não obrigaria que o processo tramitasse no STF.
Queiroz é investigado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro depois que o Coaf identificou movimentações financeiras consideradas atípicas em suas contas. No pedido, Flávio Bolsonaro também quer anular essas investigações, com o argumento de que as informações colhidas pelo Coaf estariam protegidas pelo sigilo bancário e fiscal e só poderiam ser obtidas pelo Ministério Público com base em decisão judicial. Sua ação aparentemente tem o objetivo de blindar Queiroz, mas pode ser um tiro pela culatra.
Qualquer político com cancha em Brasília sabe que o STF não é um terreno confortável de disputa para os enrolados. Foi-se a época em que o foro privilegiado era uma garantia de impunidade, não é um passeio pela longa Avenida Nevsky. Ao contrário, as últimas legislaturas foram generosas em situações nas quais o Congresso teve suas atribuições invadidas e seus caciques se viram de joelhos perante o Supremo. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), por exemplo, foi afastado do cargo e está preso até hoje. Também não é um bom cartão de visitas para quem está chegando ao Senado, principalmente em meio a disputas pelo poder, porque significa uma vaga na bancada dos políticos reféns dos próprios colegas por questões de natureza ética.
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Luiz Carlos Azedo: O poder civil e os jabutis
“As exonerações em massa na Casa Civil, que tendem a se reproduzir em outras pastas, eram esperadas. Os cargos comissionados serão ocupados por quem venceu as eleições”
O sucesso de Jair Bolsonaro depende muito mais do poder civil do que do grupo de militares que cercam o presidente da República. Para ser mais claro, a médio e longo prazos, não é a retórica ideológica nem o esculacho da oposição que garantirão esse êxito, mas o desempenho dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Os generais terão um papel importante, principalmente para o governo não sair do próprio eixo, como parece acontecer no Itamaraty, mas isso dependerá também de suas concepções de gestão. Vamos por partes.
Paulo Guedes encontra uma casa arrumada do ponto de vista financeiro, não foi à toa que trouxe importantes integrantes da equipe econômica anterior para o time que montou, ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ontem, tenha levantado dúvidas sobre a movimentação financeira do governo no último mês. Na máquina federal, a correria para fazer empenhos e efetuar pagamentos em atraso no último mês do ano fiscal é normal. O problema do governo é outro: o deficit fiscal. Não há possibilidade de retomar o crescimento e enfrentar o desemprego em massa sem a reforma da Previdência.
Ninguém se iluda, há um alinhamento político favorável ao sucesso da nova equipe econômica. Como defendeu Guedes, o “projeto liberal democrata” de Bolsonaro não vive o dilema de quem pega o violino com a mão esquerda e toca com a direita. “A aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia”, como definiu Guedes, é robusta, porque conta com o apoio da maioria da população. Enfrentará resistência das corporações, inclusive militar, mas o maior perigo é a recidiva do patrimonialismo dos que vivem à custa das rendas e benesses do Estado. Eles aparecem onde menos se espera.
Abrir a economia, privatizar as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para estados e municípios não são um “estelionato eleitoral”. O governo foi eleito com essa pauta. Se vai dar certo é outra história, mas, desta vez, as chances realmente são maiores. E as políticas sociais? Bolsonaro somente prometeu prioridade para o ensino fundamental e a saúde das crianças, o resto vai jogar no colo dos estados e municípios. É a receita da Escola de Chicago, aplicada na Alemanha, no Japão e no Chile. No fim da guerra, com seus países em ruínas, alemães e japoneses estavam comendo ratos; no Chile de Pinochet, era chumbo mesmo. No Brasil, num cenário completamente diferente, o sucesso do projeto será um novo “case”.
Corrupção e violência
A outra perna do poder civil está no Ministério da Justiça, que nunca concentrou tanto poder e instrumentos de atuação como agora. Combate à corrupção e ao crime organizado são bandeiras de Bolsonaro sob a responsabilidade de Sérgio Moro, que também encontrou a casa arrumada, em particular, o recém-criado Sistema Unificado de Segurança Pública. Como levou para sua equipe os principais parceiros da Operação Lava-Jato, Moro também partirá de um patamar mais elevado no combate à corrupção.
A estratégia de endurecimento das penas e a política de liberação da compra de armas pelos cidadãos, condizentes com o discurso de Bolsonaro, garantem amplo apoio popular ao novo governo, mas têm eficácia duvidosa quanto aos presídios e às mortes violentas. Há estudos realizados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos sobre isso. Na Califórnia, essa política fez explodirem a população carcerária e os gastos com manutenção de presídios. Em Nova York, ao contrário do que muitos imaginam, o que baixou os índices de violência foi a legalização do aborto, com a progressiva redução da população de risco, e não a política de “tolerância zero”.
E os militares? Essa é outra história. Se trabalharem com a centralização e a verticalização da gestão, como é da cultura mais tradicional de nossas Forças Armadas, de inspiração francesa e alemã, vão burocratizar e paralisar a administração. Ao contrário, se adotarem como método a coordenação e a cooperação, a grande influência norte-americana junto aos oficiais que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, vão ajudar o governo a melhorar sua performance administrativa e capacidade operacional.
Houve uma gritaria grande por causa das exonerações em massa na Casa Civil, que tende a se reproduzir em outras pastas, principalmente dos cargos comissionados. O ministro Onyx Lorenzoni justificou a decisão como uma necessidade de alinhamento com a nova política do governo. Os petistas já haviam sido desalojados com a saída da presidente Dilma Rousseff, exceto àqueles que aderem a qualquer governo. O estrilo da oposição não faz sentido, porque é até uma questão de respeito à vontade das urnas ocupar esses cargos com quem venceu as eleições. O ministro, porém, vai descobrir o que é um jabuti em cima da árvore. Como se sabe, jabuti não sobe em árvore, alguém pôs ele lá, como na velha fábula.
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Luiz Carlos Azedo: A tropa de assalto
“A velha política é muito resiliente, a montagem do novo governo começa a mostrar padrões tradicionais”
Ao emergir do chamado baixo clero da Câmara e chegar ao poder, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou a tese de que a Presidência da República não é apenas um querer, é destino. Fez uma campanha eleitoral disruptiva e antissistêmica, que derrotou os maiores partidos do país, falando o que maioria dos eleitores queria ouvir. A desmoralização dos políticos pela Operação Lava-Jato e uma facada na barriga que quase o matou, entre outros fatores que estão no terreno da fortuna, não lhe tiram o mérito de político sagaz, que soube agarrar a oportunidade com as duas mãos. Isso é o que Maquiavel chamou de virtù.
O “mito”, porém, está diante da uma realidade inescapável: governar é uma atividade essencialmente política, na qual a fortuna e a virtù se correlacionam; quando mudam as circunstâncias, certos atributos positivos viram negativos. Além disso, a velha política é muito resiliente, contraria a retórica dos que acham que tudo mudará na marra. Não é por outra razão que a montagem do novo governo começa a mostrar padrões tradicionais, entre os quais, o de que a tropa de assalto não serve para a ocupação.
O primeiro a ficar de fora do governo foi o senador capixaba Magno Malta (PRB-ES), que recusou o convite para ser vice de Bolsonaro, mas foi um baluarte de sua campanha. Perdeu a reeleição no Espírito Santo e esperava ter uma vaga na equipe ministerial. Acabou surpreendido pela indicação da pastora Damares Alves, sua ex-assessora parlamentar, para a pasta de Direitos Humanos, Família e Direitos da Mulher. Magno não foi sequer consultado, a advogada teve apoio da bancada evangélica e da ala de mulheres bolsonaristas da Câmara.
Outro comandante da tropa de assalto corre risco de não tomar posse. É Onyx Lorenzoni, o coordenador da equipe de transição e futuro ministro da Casa Civil, que começou a ser fritado pelos militares do governo e pelo próprio Bolsonaro, cujos comentários podem ser interpretados como uma sugestão para o auxiliar cair fora. Na quarta-feira, o presidente eleito disse que vai “usar a caneta” se houver “denúncia robusta” contra o futuro ministro da Casa Civil. Na sexta, Onyx perdeu a cabeça e abandonou uma coletiva. O ministro é alvo de denúncias de executivos da J&F de que teria recebido um repasse de R$ 100 mil por meio de caixa dois em 2012. O fato está sendo apurado pela Procuradoria-Geral da República por determinação do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Onyx já assumiu o caso e pediu desculpas, mas não deu informações sobre suposto recebimento de outros R$ 100 mil. Conforme os delatores da J&F, o repasse foi feito em 30 de agosto de 2012 em dinheiro vivo. É, por isso, que o futuro ministro está na frigideira. O chefe de cozinha é o vice-presidente Hamilton Mourão: “Uma vez que seja comprovado que houve a ilicitude, é óbvio que o ministro Onyx terá de se retirar do governo, mas, por enquanto, é uma investigação e ele prossegue aí com as tarefas dele. Nada mais do que isso”, disse o general ferrabrás, ao comentar o mesmo assunto.
Em família
Nada é mais constrangedor, porém, do que o caso de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito pelo PSL Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente eleito. Ele foi exonerado do gabinete do deputado em 15 de outubro deste ano. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, apontou movimentações bancárias suspeitas na conta de Queiroz de mais de R$ 1,2 milhão, entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. O relatório faz parte da Operação Furna da Onça, que prendeu 10 deputados estaduais no Rio e investiga 75 servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Fabrício Queiroz era motorista de Flávio Bolsonaro e ganhava R$ 23 mil mensais. Uma das operações era um depósito de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama, Michelle de Paula Bolsonaro, supostamente em pagamento de um empréstimo. “Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”, afirmou Jair Bolsonaro, em defesa da mulher. Segundo o presidente eleito, foram 10 cheques de R$ 4 mil.
Outra parte do relatório do Coaf revela saques em espécie no total de R$ 324.774, e R$ 41.930 em cheques compensados. Além disso, o Coaf identificou um grande volume de depósitos e saques inferiores a R$ 10 mil, o que, segundo o relatório, seria para dificultar a identificação da origem e do destino do dinheiro. Nathalia Melo de Queiroz, 29 anos, foi funcionária de Flávio Bolsonaro entre 2007 e 2016; depois, foi nomeada para o cargo de secretária parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Recebeu do pai R$ 84 mil. Além de Nathalia, a mulher de Fabrício, Márcia Oliveira de Aguiar, e outra filha dele, Evelyn Melo de Queiroz, trabalharam no gabinete de Flávio. No total, sete assessores fizeram depósitos na conta de Queiroz.
Nathalia foi exonerada do gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados em 15 de outubro, mesmo dia em que o pai dela deixou o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O episódio queima o filme do senador eleito pelo Rio de Janeiro, que chega ao Senado confrontando o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (PMDB-AL), velha raposa política, que já empossou três presidentes da República como presidente do Congresso e sobreviveu a todos. Dos filhos de Bolsonaro, Flávio Bolsonaro é o mais experiente e articulado; passa a mão na cabeça do ex-assessor: “Ele me relatou uma história bastante plausível. Garantiu-me que não teria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações”. As investigações sobre Queiroz, titular da “caixinha”, mostrarão o que houve.
Em tempo – Vou tirar uma semana de descanso.
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O Globo: Moro vai investigar a origem de R$ 174,5 bilhões que foram regularizados
Dinheiro estava no exterior sem registro na Receita Federal e foi regularizado graças a programas de incentivo editados por Dilma Rousseff e Michel Temer
Por Thiago Herdy, de O Globo
SÃO PAULO — A gestão do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, quer investigar a origem dos R$ 174,5 bilhões que pertencem a brasileiros, estavam no exterior sem registro na Receita Federal e foram regularizados graças a dois programas de incentivo editados nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.
As medidas promoveram a anistia de crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal, mediante mera declaração de posse dos valores e de sua licitude, sem que houvesse qualquer tipo de análise sobre a origem dos recursos ou da capacidade econômico-financeira de seus beneficiários.
O plano de Moro é incrementar a integração entre a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e unidades de inteligência financeira, em especial o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), para verificar o uso dos valores por organizações criminosas — tanto aquelas com atuação violenta, como tráfico de drogas e armas, quanto as envolvidas em crimes de colarinho branco. Essas condutas não estão anistiadas pela lei.
Criado em janeiro de 2016 para aumentar a arrecadação federal, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) permitiu que brasileiros declarassem recursos mantidos no exterior mediante pagamento de 30% do valor ao governo na forma de tributos e multa. Em 2017, uma nova fase do programa foi lançada. Nas duas edições, 27 mil contribuintes e 123 empresas declararam valores que resultaram em promessa de pagamento de multa de R$ 52,6 bilhões.
A lei que formalizou o programa proibiu a abertura de investigação tendo a declaração como único indício de crime, com o intuito de incentivar adesão e evitar autoincriminação, um direito constitucional.
No entanto, a perspectiva da equipe de Moro é destravar essa barreira a partir de outros caminhos investigatórios, em especial aqueles oferecidos pela integração do Coaf aos órgãos de investigação criminal e o cruzamento de bases de dados que hoje operam isoladas umas das outras.
Desde que aceitou ir para o governo a convite de Jair Bolsonaro (PSL), Moro solicitou a transferência do Coaf do ministério da Fazenda para o da Justiça. Naquele momento, o ex-juiz já pensava no nome de quem o ajudaria a otimizar a atuação da unidade de inteligência financeira: o auditor fiscal Roberto Leonel Lima, chefe da área de investigação da Receita Federal em Curitiba e cérebro do órgão na atuação na Lava-Jato do Paraná. Relatórios de evolução patrimonial e movimentações financeiras e fiscais produzidos pela equipe liderada por Lima ajudaram a revelar desvios de mais de R$ 40 bilhões na Petrobras.
O auditor foi convidado a integrar a equipe de transição do governo Bolsonaro. Na sexta-feira, foi oficialmente anunciado como futuro chefe do Coaf, com atuação ampliada.
A função do órgão é detectar qualquer operação financeira acima de R$ 10 mil e informar autoridades financeiras e policiais, para que verifiquem indícios de atividades ilícitas. Transações como a repatriação de valores no âmbito dos programas dos governos Dilma e Temer também serão alvo do Coaf. Por exemplo: contribuintes que declararam valores, trouxeram-nos para o país e repassaram a terceiros serão alvo de investigação caso não exista lastro econômico a justificar a posse dos recursos.
Para autoridades, se antes o programa de regularização de valores no exterior tinha aparência de segurança e garantia de impunidade para criminosos, agora se apresenta como “vulnerabilidade”, na medida em que formaliza provas de que alguém recebeu dinheiro do exterior não declarado. A lei prevê que beneficiados pela anistia guardem por cinco anos comprovantes da origem lícita dos recursos declarados, prazo que vence entre 2021 e 2022.
Em pelo menos um caso concreto, a declaração de recurso no exterior já serviu a investigações. Foi na própria Lava-Jato, sob a jurisdição de Moro. Márcio de Almeida Ferreira foi gerente da Petrobras até 2013, ano em que tinha patrimônio oficial de R$ 8 milhões. Em 2016, aderiu ao programa e retificou seu patrimônio para R$ 64,2 milhões, cuja maior parte está em offshores no exterior.
Preso na 40ª fase da operação e convidado a demonstrar em documentos a natureza lícita dos recursos, disse não tê-los à disposição. Ele alegou se tratar de lucro da venda de imóveis. “É implausível que, se os ativos tinham origem lícita, não tenha o acusado guardado qualquer documento a respeito da conta”, escreveu Moro na sentença em que o condenou a dez anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Colega do dirigente na Petrobras, o ex-gerente Edison Krummenauer disse que os dois receberam propinas de fornecedores da estatal. Ferreira nega e diz não haver provas. Seus advogados recorrem no TRF-4.
Luiz Carlos Azedo: Lula não é Mandela
O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de 2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU, reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o resultado das urnas.
Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de sermos o maior partido político do país.” O ex-presidente atribui a vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi obra do imperialismo ianque.
Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do armário em que escondia sua verdadeira natureza.”
A narrativa do golpe que embalou o PT e seus aliados desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff continua na ponta língua, ou melhor, da pena. Segundo a carta do líder petista, o futuro governo tem como objetivo “aprofundar os retrocessos implantados por Michel Temer a partir do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff em 2016”. E arremata: “Eu não tenho dúvida de que a máquina do Ministério da Justiça vai aprofundar a perseguição ao PT e aos movimentos sociais, valendo-se dos métodos arbitrários e ilegais da Lava Jato. Até porque Jair Bolsonaro tem um único propósito em mente, que é continuar atacando o PT. Ele não desceu do palanque e não pretende descer.”
A carta de Lula foi lida na reunião do diretório nacional do PT pelo ex-ministro Luís Dulci, um dos principais conselheiros do ex-presidente da República antes, durante e depois de ter deixado o poder. Dirigente histórico da legenda, Dulci faz parte do grupo mais ligado ao ex-presidente, ao lado de Gilberto Carvalho e Paulo Okamoto. A carta sinaliza a intenção de barrar qualquer tentativa de autocrítica da legenda, considerando o resultado eleitoral do segundo turno, no qual o ex-prefeito Fernando Haddad aumentou sua votação de 31 milhões para 47 milhões de votos, um endosso popular às práticas políticas do PT: “Como diz a companheira Gleisi, não temos de pedir desculpas por sermos grandes, se foi o eleitor que assim decidiu.”
O isolamento
A vitimização e o baluartismo de Lula, porém, na prática, aumentaram o isolamento da legenda no Congresso. O desempenho nas eleições para a Câmara não teve correspondência nas disputas majoritárias para o Senado, onde a bancada petista foi reduzida de 11 para seis senadores. O PT elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara; quatro governadores e quatro senadores. O que alavancou a legenda nas eleições proporcionais foi o bom desempenho de Haddad no Nordeste, região na qual o PT governará quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Nas demais regiões, a legenda é considerada tóxica por antigos aliados, que buscam alternativas desvinculadas do PT.
Lula não é um Nelson Mandela, o líder negro sul-africano que derrotou o apartheid e depois se tornou um presidente da República conciliador e incorruptível. O petista, porém, aspira essa condição, inclusive no plano internacional. É uma estratégia para se livrar da cadeia, pois em nada sua situação se compara à de Mandela, nem mesmo as condições em que está preso. O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com o presidente eleito Jair Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição ao governo.
Essa estratégia se retroalimenta, porque também reforça o antipetismo. Os escândalos de corrupção envolvendo o PT desmoralizaram toda a esquerda. Agora, tendem a desmoralizar todos adversários derrotados nas urnas por Bolsonaro, principalmente o PSDB. Ou seja, o discurso de Lula é tudo o que Bolsonaro precisa para neutralizar a oposição junto à opinião pública e articular uma base no Congresso que pode chegar a 350 deputados e mais de 50 senadores.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-nao-e-mandela/
Fernando Henrique Cardoso: Um novo caminho
Há espaço para propostas que juntem modernidade e realismo, sem extremismos
A última eleição foi um tsunami que varreu o sistema político brasileiro. Terminou o ciclo político-eleitoral iniciado depois da Constituição de 1988. Ruiu graças ao modo como se formaram os partidos, o sistema de voto e o financiamento das campanhas. A vitória da candidatura Bolsonaro funcionou como um braço cego da História: acabou de quebrar o que já estava em decomposição. Há muitos cacos espalhados e há a necessidade de reconstrução. Ela será feita pelo próximo governo? É cedo para dizer.
O sistema político-partidário não ruiu sozinho. As fraturas são maiores. Antes, o óbvio: a Lava Jato mostrou as bases apodrecidas que sustentavam o poder, sacudiu a consciência do eleitorado. Qualquer tentativa de reconstruir o que desabou e de emergir algo novo passa pela autocrítica dos partidos, começando pelo PT, sem eximir o MDB e tampouco o PSDB e os demais. Na sua maioria, os "partidos" são sopas de letras, e não agremiações baseadas em objetivos e valores. Atiraram-se na captura do erário, com maior ou menor gula.
Visto em retrospectiva, é compreensível que um sistema partidário sem atuação na base da sociedade se desmonte com aplausos populares. Os mais pobres encontram nas igrejas evangélicas – e em muito menor proporção na Igreja Católica e em outras religiões – recursos para se sentirem coesos e integrados. O povo tem a sensação de que os parlamentos e os partidos não atendem aos seus interesses. O eleitorado, contudo, não desistiu do voto e imaginou que talvez algo "novo", inespecífico, poderia regenerar a vida pública.
Não foi só isso que levou à vitória o novo presidente. Basta conhecer mais de perto a vida dos mais pobres nas favelas e nas periferias carentes de quase tudo para perceber que pedaços importantes do território vivem sob o domínio do crime organizado, violência que não se limita a essas populações, pois alcança partes significativas da população urbana e rural.
Inútil imaginar outros motivos para a vitória "da direita". Não foi uma direita ideológica que recebeu os votos. Estes foram dados mais como repulsa a um estado de coisas em geral e ao PT em particular. O governo foi parar em mãos mais conservadoras, e mesmo de segmentos abertamente reacionários, não pelas propostas ideológicas que fizeram, e sim pelo que eles simbolizaram: a ordem e a luta contra a corrupção. Não venceu uma ideologia, venceu o sentimento de que é preciso pôr ordem nas coisas, para estancar a violência e a corrupção e tentar retornar a algum tipo de coesão social e nacional.
Enganam-se os que pensam que "o fascismo" venceu. Enganam-se tanto quanto os que veem o "comunismo" por todos os lados. Essa polarização marcou a pugna política em outra época de antes da 2.ª Grande Guerra, ao fim da qual foi substituída pela polarização entre capitalismo liberal e socialismo.
Os problemas básicos do País continuarão a atazanar o povo e o novo governo. Este não será julgado nas próximas eleições por sua ideologia "direitista", mas por sua capacidade, ou não, de retomar o crescimento, diminuir o desemprego, dar segurança à vida das pessoas, melhorar as escolas e os hospitais, e assim por diante.
Com isso não quero justificar a "direita", dizendo que se for capaz de bem governar vale a pena apoiá-la, mas também não posso endossar a “esquerda”, quando ela deixa de reconhecer seus erros, conclama a votar contra tudo o que o novo governo propuser, sem considerar o que realmente conta: quais os efeitos para o bem-estar das pessoas, para o fortalecimento dos valores democráticos e para a prosperidade do País.
As mudanças pelas quais passamos, aqui e no mundo, são inúmeras e profundas. Pode-se mesmo falar numa nova "era", a da conectividade. Se houve quem escrevesse "cogito ergo sum" (penso, logo existo), como fez Descartes, se depois houve quem dissesse que o importante é saber que "sinto, logo existo", em nossa época, sem que essas duas afirmativas desapareçam, é preciso adicionar: "Estou conectado, logo existo". Vivemos a era da informática, das comunicações e da inteligência artificial, que sustentam o processo produtivo e formam redes entre as pessoas.
As novas tecnologias permitem formas inovadoras de enfrentar os desafios coletivos, assim como acarretam alguns inconvenientes, como a dificuldade de gerar empregos, a propagação instantânea das fake news, a formação de ondas de opinião que mais repetem um sentimento ocasional do que expressam um compromisso com políticas a serem sustentadas em longo prazo. Elas dependem de instituições, partidos, parlamentos e burocracias para serem efetivas.
As questões centrais da vida política não se resumem, no mundo atual, à luta entre esquerda e direita. No passado o espectro político correspondia a situações de classe, interpretadas por ideologias claras, assumidas por partidos. Na sociedade contemporânea, com a facilidade de relacionamento e comunicação entre as pessoas, os valores e a palavra voltaram a ter peso para mobilizar politicamente. Isso abre brechas para um novo populismo e uma exacerbação do personalismo. O desafio está em recriar a democracia. O que chamo de um centro radical começa por uma mensagem que envolva os interesses e sentimentos das pessoas. E essa mensagem, para ser contemporânea, não deve estancar num palavreado "de direita" nem "de esquerda". Deve, a despeito das divergências de classe que persistem, buscar o interesse comum capaz de cimentar a sociedade. O País não se unirá com o ódio e a intransigência cultural existentes em alguns setores do futuro governo.
Há espaço para propostas que juntem a modernidade ao realismo e, sem extremismos, abram um caminho para o que é novo na era atual. Esse percurso deve incorporar a liberdade, especialmente a de as pessoas participarem da deliberação dos assuntos públicos, e a igualdade de oportunidades que reduzam a pobreza. E há de ver na solidariedade um valor. Só juntos poderemos mais.
*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República
Ruy Fabiano: O Rio é a síntese do Brasil
O Rio não é exceção; antes, é regra.
A prisão do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, em pleno exercício do cargo, reveste-se de profundo sentido simbólico.
Resume a política brasileira contemporânea, em que o Estado e suas instituições foram capturados pelo crime organizado. Ele está nos três Poderes. A Lava Jato, uma operação policial, tornou-se, por isso mesmo, estuário das esperanças nacionais. Fato inédito.
Além dos quatro últimos governadores – Garotinho, Rosinha, Sérgio Cabral e Pezão -, estão presos os três últimos presidentes da Assembleia Legislativa fluminense e todo o Tribunal de Contas do Estado (à exceção de uma ministra, nomeada ao tempo em que os outros embarcavam no camburão), além de procuradores e juízes.
O Rio não é exceção; antes, é regra. Nem é a cidade mais violenta do Brasil: no ranking nacional, é a 22ª.
Mas, como cidade-síntese da nacionalidade – foi capital em suas três fases históricas (colônia, império e república) -, é um retrato do país, que tem hoje um ex-presidente (Lula) preso e os dois que o sucederam (Dilma e Temer) já na condição de réus.
O presidente que, dentro de um mês, sai se empenha em conceder um indulto a amigos, políticos que incidiram no crime de corrupção – o mesmo de que é acusado -, com plena recepção do STF (que já contabilizou os seis votos necessários para aprová-lo).
A eleição de Jair Bolsonaro, um deputado que por quase três décadas integrou o chamado baixo clero da Câmara, decorre desse quadro moralmente devastado. Bolsonaro concentrou sua atuação parlamentar, sempre vista como irrelevante, quando não caricatural, na denúncia do crime e da corrupção generalizada.
Fez dessas questões, negligenciadas por todos os governos da chamada Nova República, a bandeira de sua candidatura presidencial vitoriosa. Expressou numa linguagem que alguns consideram tosca o que todos identificam na realidade mais imediata da vida.
As chamadas grandes questões – na economia, na organização do Estado, no campo ideológico – perdem relevância diante do cotidiano infernal que o cidadão enfrenta. E é simples entender: para discuti-las, é preciso estar vivo. E as cidades brasileiras tornaram-se sucursais da Faixa de Gaza. Quem quer investir num lugar assim?
A partir do óbvio, consolidou-se a candidatura Bolsonaro, que, partindo de aliados simplórios, agregou apoios mais graduados e hoje transcende o seu ambiente de origem. O desafio que se impõe é o de transformar o ecossistema político brasileiro. Nada menos. E isso o torna persona non grata de todo o establishment.
Essa, na verdade, foi a promessa que o PT, na sua origem, fazia ao eleitorado. Prometia um mundo novo, livre da corrupção.
No poder, repetiu (e levou ao paroxismo) os erros que sempre denunciou, transformando-se de partido político em “organização criminosa que se apoderou do Estado brasileiro”, nas palavras do ministro Celso de Melo, do STF, quando do julgamento do Mensalão.
A montagem do Ministério, feita às claras – e por isso mesmo tendo suas divergências e contradições expostas ao público -, desafia o chamado presidencialismo de coalizão (ou de cooptação), ao minimizar a consulta aos partidos.
O risco é que derive para o tecnocratismo, que, ao prescindir da política, se distancia também da realidade.
*Ruy Fabiano é jornalista
Míriam Leitão: Rio de Janeiro e da dúvida
É quase uma aberração, uma corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado
O estado amanheceu ontem diante de um rio de dúvidas. E o mês de janeiro, quando haverá troca de governo, ainda nem começou. O governador Luiz Fernando Pezão, preso logo cedo, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter sido sucessor do ex-governador Sérgio Cabral no comando da mesma organização que tirou recursos dos cofres públicos. A prisão teria sido necessária, 32 dias antes do fim de sua atormentada administração, porque provas estariam sendo destruídas, segundo disse o MPF.
A dúvida econômica do Rio de Janeiro é se ele conseguirá ficar de pé depois do longo tombo que sofreu em suas finanças nas últimas administrações. Nelas esteve Pezão. Primeiro, como vice-governador e homem de confiança de Sérgio Cabral e, depois, como governador.
O Rio é o único estado que conseguiu entrar no Regime de Recuperação Fiscal e o governador Pezão estava reduzindo a relação da despesa como proporção da receita corrente líquida. Em parte, pelo esforço do ajuste, empurrado pelo Tesouro, em parte, pelo petróleo. E agora? O Rio entrará num desvio? A informação de Brasília é de que o acordo não é com uma pessoa, mas com o estado. A questão é que tem que ser cumprido.
— Se o vice-governador, ou o novo, não cumprir o acordado, o estado do Rio perde o direito de continuar no Regime de Recuperação e perde todos os benefícios — informou uma autoridade federal.
Sem o benefício da suspensão do pagamento dos juros da dívida à União, o Rio se afundará ainda mais na crise. E ontem mesmo, no vazio de poder que houve logo após a prisão, o novo governador Wilson Witzel disse que não concorda com a privatização da Cedae porque acha que só as empresas deficitárias devem ser vendidas. A venda da Cedae é parte do acordo para sanear as finanças do Rio.
O problema é que o Rio tem uma enorme dívida. Os números mais recentes são: R$ 15,3 bilhões de dívidas refinanciadas e R$ 6,3 bi de honras de aval, que são dívidas que o estado não pagou e que a União teve que honrar. Ao todo, um endividamento de R$ 21,6 bilhões. Como houve aumento da receita, e ajuste nas despesas, o Rio está chegando ao fim do ano atingindo algumas metas, entre elas a de gasto de pessoal. Mas tem que continuar cumprindo as obrigações do acordo para permanecer no regime de recuperação fiscal.
A grande dúvida em relação ao Rio de Janeiro é como foi que ele chegou nessa situação? O ex-governador Sérgio Cabral é multicondenado, dois outros ex-governadores já foram presos. O presidente da Assembléia Legislativa cumpre prisão domiciliar, depois de um tempo em regime fechado, e cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado foram presos. Isso sem falar em ex-secretários e deputados que foram presos ou respondem a processos. A corrupção no Rio foi imensa. E ontem soubemos que os esquemas estavam ainda ativos e operantes. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que o crime não cessou, e em razão da “atualidade do esquema” é que foi necessário pedir a prisão para “garantir a ordem pública”.
O governador do Rio, mesmo diante das provas cabais de que o crime do seu ex-chefe Sérgio Cabral não compensou, já que ele foi condenado em sucessivos julgamentos e permanece preso, estaria mantendo o esquema. Essa é a acusação que faz o Ministério Público. Se isso for comprovado, é quase uma aberração. A corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado.
Há não muito tempo, nos primeiros anos de Cabral, então governador, o Rio parecia ter encontrado a trilha que o levaria ao sucesso. Houve queda dos homicídios, a política de pacificação das favelas tinha avanços importantes, e na educação, ele saltou de 26º lugar no Ideb para o quarto lugar. Os investimentos chegavam, e os royalties enchiam os cofres públicos. Ele se preparava para sediar eventos esportivos com obras pela capital. Aquele momento parecia ser o fim de um longo período de decadência, o início da reunificação da cidade partida. Parecia um sonho.
O Rio acordou ontem em mais um dia do nosso pesadelo. Lindo e ensolarado Rio de Janeiro, cercado de vergonha, dívidas e dúvidas.