Lava Jato

Vera Magalhães: A todo custo, não!

Agentes públicos esticam a corda de sua atuação, num vale-tudo institucional

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, vê em curso uma marcha para assassinar reputações e enfraquecer as instituições, tendo as redes sociais como veículo e fruto de uma orquestração que acredita ter bases inclusive internacionais. Propõe um pacto entre Poderes para se contrapor a isso e diz que combaterá essa rede a qualquer preço. O diagnóstico do fenômeno, salvo um evidente exagero, pode estar correto. O problema começa quando se analisa até onde ele e outros estão dispostos a esticar a corda para fazer prevalecer seus interesses e suas opiniões “a qualquer custo” no Brasil, neste momento. O custo, no caso, muitas vezes são a lei e as próprias instituições.

Vejamos o caso do próprio STF. Para se contrapor a uma campanha contra a Corte, Toffoli lançou mão de um instrumento mais do que controverso. Anunciou a abertura de um inquérito criminal, sem provocação nem objeto definido, para, de forma genérica e perigosamente abrangente, investigar ameaças, calúnias, difamações e sabe-se lá mais o que contra ministros e familiares.

Trata-se de um balaio no qual cabem desde os ataques virtuais até procuradores da República que tecem críticas aos ministros e auditores da Receita Federal. Senadores que propõem a CPI da Lava Toga estarão enquadrados? Jornalistas que criticarem ministros entrarão no rol dos investigados? Quem xingar ministro no avião entra na roda? Não se sabe. Justamente porque, sob o manto do sigilo, não se tem acesso ao escopo do tal inquérito.

Trata-se de uma arma desigual nas mãos de pessoas especialíssimas, que passam a ter a prerrogativa – única no País, da qual não podem se valer nem presidentes da República, vide os inquéritos que Michel Temer enfrentou no exercício da Presidência – de frear qualquer um que ouse questioná-las. Não há amparo constitucional para isso.

Os procuradores protestam, mas também estão no time dos que tentam dar aquela esticadinha nas suas prerrogativas, no vale-tudo institucional tão em voga. A história da super fundação urdida pela força-tarefa de Curitiba para administrar os R$ 2,5 bilhões fruto de um acordo com a Justiça americana, para que parte da multa devida pela Petrobrás fique no Brasil, é um claro exemplo de que o sucesso da Lava Jato envolveu os seus protagonistas numa aura mística de invencibilidade que os faz se sentirem acima da lei e até dos Poderes. Exorbita aqui, vira algo de arbítrio ali.

Quem perde, na ida e na volta, é a sociedade, refém de uma disputa por poder que inclui lances grotescos como o ataque apoplético proferido pelo ministro Gilmar Mendes aos procuradores do plenário do Supremo, sem ser admoestado pelo presidente da Corte, tão cioso das instituições quando é para blindar o tribunal, mas pouco vocal para segurar os arreganhos autoritários de seus pares.

E qual a saída? Para o Legislativo, parece ser uma CPI para chantagear os juízes e ministros do STF. Sendo que boa parte dos investigados e processados nas várias instâncias judiciais estão justamente no Parlamento. Mais uma vez o sentido da proposta nada tem a ver com preocupação de modulação entre os Poderes e contenção de cada um aos preceitos que a Constituição estabelece para sua atuação. Trata-se de vingança e revanchismo dos mais baratos, combinados com uma vontade insana de aparecer.

Pobre País, que assiste atônito a ataques diários às instituições, que começam num presidente que usa o Twitter para propagar fake news e atacar a imprensa e terminam nesse show de horrores pelo resto da Praça dos Três Poderes. A ideia de resolver as coisas “a todo custo”, como bravateou Toffoli, nada tem a ver com pacto pelo País. Trata-se, isso sim, de um investimento no caos.


Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato

Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.

Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.

Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)

O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.

Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.

Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.

Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.

Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.

Barroso ficou na minoria.

A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.

O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.

A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.

Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.

Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.

VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.

Resta saber se alguém quer comprar essa alma.

RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.

Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.

TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.

CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.

Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.

O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.

Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.

No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.

Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.

Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.

RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.

Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.

No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.

O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.

Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.

 


Merval Pereira: E a luta continua

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar para a Justiça Eleitoral os crimes comuns que tenham conexão com o caixa 2 está provocando reações em diversos níveis, assim como a abertura de inquérito, anunciada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sobre mensagens e publicações que ofendam ou caluniem os membros do Supremo e suas famílias.

Além das reações quanto a essa investigação, há também um movimento no Ministério Público para tentar superar as barreiras impostas pelo Supremo à investigação de corrupção de políticos.

Para o caso específico que originou o julgamento, uma acusação de Caixa 2 e corrupção contra o deputado federal Pedro Paulo e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, é possível que os procuradores refaçam o inquérito, restringindo-o aos crimes comuns, retirando o de caixa 2.

Isso é possível porque o Ministério Público tem a titularidade sobre a formação do crime. O ministro Luis Fux chamou a atenção durante o julgamento de que o Poder Judiciário só pode analisar a competência quando a denúncia for oferecida, e não na fase de inquérito. Considerou que estava havendo uma antecipação em o STF definir agora a competência no inquérito.

É provável também que os procuradores passem a fazer, a partir de agora, as denúncias retirando a acusação de caixa 2 e focando nos crimes comuns como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, e outros, que são julgados pela Justiça Federal.

Seria uma atitude similar ao que fizeram quando o Supremo Tribunal Federal proibiu a condução coercitiva de suspeitos. Os procuradores passaram então a usar a prisão temporária, de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. O Supremo também reagiu a isso, alegando que os procuradores estavam usando uma “condução coercitiva” disfarçada.

O ministro Gilmar Mendes atuou também para que o STF acabasse com o que chamou de "farra das prisões preventivas". Há muito tempo ele dizia que o Supremo tinha um encontro marcado com “as prisões alongadas” sem justificativa. Comparava o uso da prisão preventiva, que não tem limite de tempo, às torturas para que os presos confessassem seus crimes, e no caso da Lava Jato, fizessem a delação premiada.

No Congresso também houve reações contra o Supremo, como a colheita de assinaturas para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Judiciário, e o ressurgimento do projeto para reverter a PEC da bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória.

Com a medida, Bolsonaro poderia nomear imediatamente quatro dos 11 ministros. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio terão que deixar o Supremo em 2020 e 2021, respectivamente. Se a idade limite voltar a ser de 70 anos, os dois, mais Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, seriam aposentados este ano.

Se o STF, diante disso, mantivesse a aposentadoria aos 75 anos pelo princípio do direito adquirido, mesmo assim Bolsonaro terá condições de reverter decisões recentes do Supremo, como a do caixa 2 ou da prisão em segunda instância que vai ser julgada em abril, com uma provável maioria de 6 a 5 que permitiria a saída de Lula da cadeia.

Ao nomear no final 2020 o substituto de Celso de Mello, que talvez seja o próprio Sérgio Moro, Bolsonaro poderá reverter novamente essa tendência do plenário do Supremo.

O inquérito anunciado pelo presidente do STF foi considerado, além de inconstitucional, uma tentativa de acuar o Ministério Público. Inconstitucional porque a investigação não é competência do Judiciário, já que a Constituição separa os atos de julgar, acusar e defender.

A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu explicações ao STF, considerando que, ao comandar a investigação que resolveu por conta própria, a decisão do Supremo “tem potencial de afetar sua necessária imparcialidade para decidir sobre a materialidade e a autoria das infrações que investigou, comprometendo requisitos básicos do Estado Democrático de Direito”.

Além de incompetente para investigar, o Supremo teria cometido outro erro ao, através de seu presidente ministro Dias Toffoli ter designado o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, sem que a definição tivesse sido feita por sorteio eletrônico.


Luiz Carlos Azedo: A polêmica do caixa dois

“Rejeitada a tese de que o caixa dois em conexão com outros crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro, possa ser desmembrado, ficando a Justiça Eleitoral com o crime eleitoral e os demais, com a Justiça comum”

O Supremo Tribunal federal (STF) manteve sua jurisprudência sobre o caixa a dois, numa votação apertada — 6 a 5 —, na qual o voto decisivo foi o do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Com isso, os crimes de caixa dois continuarão sendo julgados na Justiça Eleitoral, e não pela Justiça comum, como desejava o Ministério Público Federal (MPF). A decisão é um muro de contenção à ofensiva da força-tarefa da Operação Lava-Jato de Curitiba contra os políticos citados nas delações premiada da Odebrecht e JBS.

Na legislação vigente, o caixa dois eleitoral é punido com denegação ou cassação do diploma do candidato; suspensão do repasse dos recursos do Fundo Partidário aplicável às agremiações que descumprirem as regras atinentes à arrecadação e gastos de recursos financeiros; e rejeição das contas dos partidos e candidatos. Sempre foi julgado pela Justiça Eleitoral, nunca foi tipificado como um crime comum, apesar dos muitos projetos apresentados no Congresso para isso, o mais recente, no pacote anticorrupção do ministro da Justiça, Sérgio Moro.

A decisão do Supremo rejeitou a tese de que o caixa dois em conexão com outros crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro, possa ser desmembrado, ficando a Justiça Eleitoral com o crime eleitoral e os demais, com a Justiça comum. Na votação de ontem, foram vitoriosos os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli. Defenderam a tese de compartilhar os processos com crimes conexos os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármem Lúcia.

Comentando o julgamento, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que defendeu o compartilhamento, minimizou os riscos de retrocesso na Lava-Jato. A tese principal do MPF era de que a Justiça Eleitoral não tem estrutura para analisar os crimes mais complexos. O impacto imediato da decisão pode ser o envio de alguns casos que estão na alçada da Justiça Federal de Curitiba para a Justiça Eleitoral.

Novo paradigma

O caixa dois eleitoral é uma prática recorrente na política brasileira, na qual a linha que separava os políticos honestos dos desonestos era a formação de patrimônio pessoal, e não a origem do dinheiro. A Constituição de 1988, os órgãos de controle e a sociedade, porém, não fazem esse tipo de distinção. O que importa é a origem do dinheiro, geralmente proveniente de doações ilegais, propinas e desvio de recursos públicos.

O sinal de esgotamento desse modelo de financiamento da política, dos partidos e dos políticos já havia sido dado na crise do “mensalão”, durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas foram o escândalo da Petrobras, no segundo mandato do petista, investigado pela Lava-Jato, e as delações premiadas da Odebrecht e da JBS, negociadas pelo ex-procurador-geral da república Rodrigo Janot, que implodiram o caixa dois dos partidos.

Centenas de políticos estão sendo processados pela Lava-Jato, alguns dos quais foram condenados e estão presos, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão de ontem, porém, permitirá que muitos dos envolvidos sejam julgados apenas por crime eleitoral e não por crime comum, principalmente os que receberam doações ilegais de campanha das empresas envolvidas no escândalo da Petrobras.

A ofensiva da Lava-Jato, porém, continua. Ontem, o ministro relator Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra quatro parlamentares do PP reeleitos em 2018: os deputados Aguinaldo Ribeiro (PB), Arthur Lira (AL) e Eduardo da Fonte (PE); e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente da legenda. O MPF também denunciou à Justiça 12 acusados de crimes ligados ao apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao grupo J&F, entre os quais o empresário Joesley Batista, da JBS, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho e os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci. A ação pede reparação de R$ 5,5 bilhões aos cofres públicos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-polemica-do-caixa-dois/


El País: STF impõe derrota a Lava Jato sobre caixa 2 e encampa guerra contra procuradores

Por 6 votos a 5, Supremo decide que Justiça Eleitoral deve investigar casos de corrupção com caixa 2. Toffoli abre inquérito que deve atingir membros da força-tarefa que criticaram a Corte

A Operação Lava Jato já não apresenta o mesmo vigor. Após encarcerar os empreiteiros mais ricos do país e colocar poderosos políticos atrás das grades, a operação recebeu nesta quinta-feira um golpe que, a julgar pela reação de seus partidários, pode ter decretado seu fim. Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça Eleitoral tem competência para investigar casos de corrupção quando eles envolverem simultaneamente os crimes de caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como lavagem de dinheiro.

O receio dos membros da força-tarefa da Lava Jato é que o entendimento possa resultar em penas mais brandas para os investigados pela operação, já que a Justiça Eleitoral não é conhecida por sua rigidez. A decisão do STF retira da Justiça Federal processos contra políticos que envolvam simultaneamente crimes comuns e caixa 2 de campanha. "Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato", decretou em seu perfil no Twitter o chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.

O hoje ministro da Justiça Sérgio Moro, que atuou como juiz à frente da operação durante sua maior parte, já havia criticado na quarta-feira o entendimento que acabou prevalecendo no STF. Para ele, a Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar crimes comuns. "Se formos verificar estatísticas de condenações criminais pela Justiça Eleitoral, provavelmente não vamos encontrar números muito felizes. Não porque não existam crimes eleitorais, mas porque realmente o sistema é focado na organização das eleições e, igualmente, na solução de controvérsias eleitorais", disse durante palestra em uma faculdade de Brasília.

Votaram para manter as investigações na esfera federal os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Eles foram vencidos pelos votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Antonio Dias Toffoli, presidente da Corte. Para o segundo grupo de ministros, o Supremo não fez mais que reafirmar entendimento que prevalece há décadas em sua jurisprudência.

Inquérito
De acordo com os procuradores da força-tarefa, cerca de 160 condenações poderão ser anuladas a partir de agora, e os casos que correm em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná serão afetados. Eles consideram que o entendimento poderá "acabar com as investigações”. O ministro Marco Aurélio Mello vai ainda mais longe em sua análise. Para ele, as sentenças que foram proferidas antes da decisão da Corte sobre a competência da Justiça Eleitoral podem ser anuladas.

As críticas abertas dos procuradores ao Supremo não ficaram sem resposta. Toffoli abriu um inquérito para apurar ofensas à Corte, e nele se dá como certa a inclusão de procuradores como Dallagnol e Diogo Castor, que publicou um artigo para dizer que o tribunal preparava um “golpe” contra a Lava Jato. Já o ministro Gilmar Mendes preferiu usar as palavras para rebater as críticas. "Quem encoraja esse tipo de coisa? Quem é capaz de encorajar esse tipo de gente, gentalha, despreparada, não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público", disse, ao criticar os procuradores.

A decisão desta quinta-feira foi consequência de um questionamento baseado no inquérito que investiga o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ) pelo recebimento de 18 milhões de reais da empreiteira Odebrecht para campanhas eleitorais.


Merval Pereira: Curitiba deve perder

A disputa entre o sistema judiciário e o que o ministro do Supremo Gilmar Mendes chama de “Justiça de Curitiba” parece caminhar para um fim no julgamento que começou ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja maioria tende a aprovar que os crimes conexos aos de caixa 2, como corrupção ou lavagem de dinheiro, devem ser encaminhados à Justiça Eleitoral, que definirá se tem competência para julgá-los, ou se os encaminha para a justiça comum.

Prevaleceu a interpretação fixada em jurisprudência de mais de 30 anos, como frisou o ministro Alexandre de Moraes. Os promotores de Curitiba, que vinham forçando uma interpretação alargada da legislação em nome do combate à corrupção, tiveram a primeira grande derrota, que pode se transformar em golpe mortal nas investigações da Lava Jato contra políticos que não têm foro privilegiado, como no caso que começou a ser julgado ontem, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes.

Nesses cinco anos de existência da Operação Lava Jato, interpretações legais ajudaram a levar adiante as investigações e condenações de políticos corruptos, na continuidade do comportamento pioneiro do STF no julgamento do mensalão.

O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, encarna esse espírito quando diz que “tudo o que é certo e justo tem que encontrar lugar no Direito”. Condenações de políticos por crimes de corrupção e assemelhados não era um fato normal na Justiça brasileira, seja no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja no Supremo Tribunal Federal (STF), e a razão para essa dificuldade é que não são tribunais estruturados para tratar de fatos criminais.

Os procuradores de Curitiba sugerem que a dificuldade seja a relação promíscua entre políticos e membros dos tribunais superiores. No caso do TSE, muitos deles foram ou são também advogados de partidos e políticos.

O julgamento foi influenciado por um erro de estratégia dos procuradores de Curitiba, que nos últimos dias fizeram uma ação intensiva para defender a competência da Justiça federal nos crimes conexos aos eleitorais. Essa inabilidade ficou patente num artigo do procurador Diogo Castor no blog O Antagonista, com críticas tanto ao TSE quanto ao STF.

O advogado de defesa aproveitou o previsível repúdio dos ministros, inclusive porque a ministra Rosa Weber preside o TSE e vários deles já o presidiram, para levantar a tese de que estava havendo uma disputa ideológica de Curitiba contra os tribunais superiores.

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, demonstrou sua indignação anunciando que faria uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público. Para completar o quadro contra os procuradores, Castor fazia parte da fundação privada que os procuradores de Curitiba idealizaram, em conjunto com o governo dos Estados Unidos, para gerir parte da multa bilionária que a Petrobras teve que pagar pelos prejuízos causados aos investidores americanos.

Diante da reação negativa, os procuradores desistiram dele, mas o estrago na imagem estava feito. Fortaleceu-se a impressão, que já era grande entre os ministros do Supremo, de que a “Justiça de Curitiba” queria atuar autonomamente, emparedando os tribunais superiores.

As reações ao que chamava de “abusos” começaram mais nitidamente há tempos nas declarações e decisões do ministro Gilmar Mendes, que ontem parece ter alcançado a maioria do plenário. O ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que os procuradores queriam se transformar em uma “Liga da Justiça sagrada representando o bem contra a Justiça do mal”.

Tanto no STF quanto no STJ, ministros vinham, em algumas de suas turmas, interpretando a legislação a favor de Curitiba. No final do ano passado a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de suas turmas decidindo que prevalece a Justiça Eleitoral nos casos de crimes conexos.

O Supremo caminha para decidir a favor dos membros da Segunda Turma, que já vinham enviando à Justiça Eleitoral os casos de políticos acusados de corrupção e de caixa 2, sem separá-los.

A maioria da Segunda Turma é formada pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ontem os ministros Marco Aurélio de Mello, relator, e Alexandre de Moraes aderiram à tese, e pelo menos um ministro mais, o presidente Dias Toffoli, deve acompanhar o relator, formando a maioria.

Nota
O Ministério Público do Rio de Janeiro enviou uma nota dizendo que "é incorreta a informação de que o MPRJ buscou impedir a atuação da Polícia Federal ou teria recusado a colaboração do órgão em apoio às investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A instituição, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, adotou, desde o primeiro dia de instauração do inquérito, a postura de abertura e declarou publicamente a importância da colaboração da PF no caso, o que não deveria ser confundido com o deslocamento de competência pretendido na tentativa de federalização das investigações".

Reafirmo as informações publicadas na coluna de quarta-feira, com base em informações do então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.


Elio Gaspari: A confissão de Cabral tem farinha de pizza

O juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público no Rio podem transformar a massa numa inédita faxina

A quantidade de farinha que o ex-governador Sérgio Cabral colocou na sua repentina conversão à causa da verdade deu um cheiro de pizza às suas confissões. O doutor reconheceu-se viciado em roubo. Isso até as pedras sabem, tanto que ele já amealhou sentenças que lhe dão a fortuna de 198 anos de cadeia.

Sua confissão vale nada, mas pode vir a valer muito, desde que o juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público Federal no Rio percebam que Cabral pode se transformar no maior colaborador da história daquilo que se convencionou chamar de Lava Jato.

Cabral presidiu a Assembleia Legislativa, foi senador, governou o Rio por oito anos, reelegeu-se com dois terços dos votos e emplacou um cúmplice como sucessor. Ele sabe tudo, sabe mais do que souberam os empreiteiros e é o primeiro gato gordo do aparelho do Estado a mostrar que pode falar. Nada a ver com a colaboração seletiva e pasteurizada do ex-ministro Antonio Palocci.

A guinada de Cabral sugere que ele busca um acerto no escurinho dos processos. Falando o que já se sabe, aliviaria a situação de seus parentes e conseguiria algum tipo de conforto. Nesse caso, surgiria um Cabral 2.0. O mitológico gestor de propinas daria lugar ao administrador de confissões.

Se o detento quer colaborar com as investigações, precisa sentar com o Ministério Público para contar como funciona a máquina de corrupção política, administrativa e empresarial do andar de cima do Rio de Janeiro. Esse mecanismo arruinou o estado e a cidade. A roubalheira na privataria da saúde é exemplar na sua crueldade. Tem um pé nos hospitais públicos e outro operando o prestígio e a força moral da Arquidiocese. O andar de baixo conhece a ruína porque convive com ela, o que se precisa expor é o mecanismo com que o andar de cima operou e opera essa máquina.

O Ministério Público em Curitiba desvendou as tramas das empreiteiras porque trabalhou duro, com inédita independência.

No Rio essa máquina rateou, tanto que ao tempo em que Cabral cabalava, a Procuradoria dormiu em berço esplêndido.

A Lava Jato quebrou o mundo dos comissários petistas e das empreiteiras em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef começou a falar. Cabral pode vir a ocupar esse lugar, desde que responda direito às perguntas certas. Nesse caso, poderia ganhar paz de espírito e leniência.

Fora daí, é pizza.

Bolsonaro passou pela primeira pesquisa
Bolsonaro tem filhos encrenqueiros e ministros perigosamente folclóricos, como Ricardo Vélez, Damares Alves e Ernesto Araújo, mas a pesquisa CNT/MDA mostrou que ele vai bem, obrigado. Seu desempenho no cargo foi aprovado por 57,5%, percentagem um pouco superior à dos votos que teve no segundo turno (55%). Já a avaliação do governo ficou rala, em 39% de aprovação. No primeiro turno um eleitorado fiel deu a Bolsonaro 46% dos votos.

Considerando-se a polarização que marcou o segundo turno, só 7,6% dos entrevistados que votaram para presidente arrependeram-se da escolha que fizeram. (Nessa percentagem há pessoas que votaram nele ou em Fernando Haddad, mas pode-se especular que poucos eleitores do PT estejam arrependidos.) A percentagem de pessoas que acharam o governo ruim ou péssimo (19%) é menor que a dos eleitores de Haddad no primeiro ou no segundo turnos (29% e 45%).

A sabedoria convencional permitia supor que mais gente que votou em Bolsonaro para derrotar o PT tivesse ficado desencantada com as trapalhadas do início do governo. Isso não aconteceu.

Madame Natasha
Natasha concedeu uma bolsa de estudos ao ministro Sergio Moro pela nota que divulgou ao comunicar que revogou a nomeação (feita por ele) da pesquisadora Ilona Szabó para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

O doutor disse o seguinte:

"Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas".

Natasha lamenta que Moro torture o idioma.

O "optou-se" esconde a autoria da opção, que foi dele. Poderia ter dito "optei".

O ex-juiz de Curitiba curvou-se à "repercussão negativa em alguns segmentos". Se repercussão negativa dobrasse suas convicções, teria mandado soltar boa parte das pessoas que condenou. Vá lá que o Moro de Brasília precisa ser outro, mas falar em "alguns segmentos" ofende a inteligência de quem lhe dá crédito. Há "segmentos" reclamando de qualquer coisa, até de vacinas. Moro sabe quais foram os "segmentos" que pressionaram Bolsonaro.

Finalmente, o ministro pediu "escusas" a Szabó. Natasha acredita que Moro deve aprender a usar a palavra "desculpas".

Em 2016, quando ele divulgou uma conversa de Lula com Dilma Rousseff, grampeada fora do prazo da interceptação autorizado pela Justiça, pediu "respeitosas escusas" ao Supremo Tribunal Federal.

Sistema S
A caixa de surpresas da Fecomércio do Rio assombra vários escritórios de advocacia da cidade. O Ministério Público está atrás de contratos onde estava combinada uma rachadinha com os maganos da instituição.

Infeliz coincidência
A sorte faltou ao Tribunal de Contas da União quando acatou um pedido para abrir uma auditoria na Receita Federal dias depois do vazamento de informações de que o Leão xeretava as contas de magistrados.

O tribunal poderia ter acordado há anos, meses ou semanas, mas despertou quando entrou na roda a doutora Isabel Gallotti, do STJ. Ela é casada com Walton Alencar, um dos ministros do TCU.

A ministra informou que sua movimentação financeira derivou de uma herança materna, declarada à Receita.

Adrenalina
Chegará nesta semana à TV paga o documentário "Free Solo", vencedor do Oscar. Vendo-o, ganha-se uma dose de adrenalina sem que se tenha que queimar calorias.

Em uma hora e meia o filme conta a história de Alex Honnold escalando sozinho e sem cordas os 900 metros da escarpa de El Capitán. (O Pão de Açúcar tem 390 metros). Um erro e ele morreria. Um dos integrantes da equipe que filmou a proeza evitava olhar para a cena.

A primeira escalada do penhasco, com cordas, levou 47 dias. Honnold, subiu em duas horas. Ele é um vegetariano frio que gosta de viver em vans.

Numa época em que o cinema faz de tudo com efeitos especiais, "Free Solo" mostra a audácia e o sangue frio de um atleta que tinha apenas as mãos, breu e um par de tênis.

Bloomberg
Se Deus quiser, Michael Bloomberg disputará a presidência dos Estados Unidos em 2020. A seu favor tem a biografia, pois começou de baixo, tem uma fortuna de US$ 51 bilhões e foi um grande prefeito de Nova York por 12 anos. Não recebia salário. Contra, só a idade, pois entraria na Casa Branca com 79 anos.

Em 2016, antes da eleição de Trump, ele o definiu:

-- Como nova-iorquino, eu reconheço um vigarista quando o vejo.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Luiz Carlos Azedo: A República de Curitiba

“Com o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações”

A expressão República de Curitiba é uma alusão de advogados e políticos à atuação de militares na crise política que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas. Gregório Fortunato, chefe de sua segurança pessoal, foi o pivô da crise, por ter sido o principal envolvido no atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que fazia ferrenha oposição ao presidente da República, após o qual a oficialidade da Força Aérea Brasileira (FAB), reunida no Clube da Aeronáutica, decidiu que o brigadeiro Eduardo Gomes procurasse seus amigos de alta patente da Marinha e do Exército para pedir que o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, exigisse a renúncia de Getúlio. Carlos Lacerda também procurou Zenóbio, mas o ministro rechaçou a proposta.

Coube ao próprio ministro da Aeronáutica, Nero Moura, porém, levar a Getúlio a exigência de Eduardo Gomes de que as apurações fossem conduzidas por um Inquérito Policial Militar (IPM). O IPM foi a instauração da chamada “República do Galeão”, uma referência à base aérea que serviria como sede da investigação do assassinato do major Rubens Florentino Vaz, no atentado contra Lacerda. O major era um dos oficiais da Aeronáutica que se encarregou da segurança de Lacerda, após o líder idealista ter sido ameaçado de morte e agredido por Euclides Aranha, filho do ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, no Hotel Copacabana Palace.

A morte de Rubens Vaz colocou os militares no centro da crise política. Após as investigações, que incriminaram Fortunato, os brigadeiros assinariam um manifesto exigindo a renúncia imediata de Getúlio. Marinha e Exército acompanhariam a posição da Aeronáutica. “Não renuncio; daqui só sairei morto, e o meu cadáver servirá de protesto contra essa injustiça!”, respondeu Getúlio, que consumou o ato, um trauma na política brasileira até hoje, em razão da carta-testamento que deixou para a História.

Strike

Nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) está instalada uma crise envolvendo os principais protagonistas da Operação Lava-Jato, entre os quais, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, relator do escândalo da Petrobras, e o presidente da Corte, Dias Toffoli. Moro deixou a 13ª Vara Federal da Curitiba, mas legou aos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba uma montanha de provas e pistas para investigações dos principais envolvidos no escândalo da Petrobras e suas 60 ramificações até agora. A força-tarefa havia sido contida pelo desmembramento das investigações, que foram redistribuídas aos juízes federais de diferentes estados. Mas a prisão do ex-diretor Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, suspeito de ser operador financeiro do PSDB, colocou em xeque a permanência de Gilmar Mendes como juiz natural do caso. Quem responde pelas decisões do Paraná é o ministro relator Edson Fachin.

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contra uma reclamação apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Paulo Preto, antes mesmo que o ministro Gilmar Mendes intimasse a PGR sobre o pedido. O engenheiro argumenta que ele não poderia ser investigado pela Lava-Jato no Paraná, uma vez que os fatos a seu respeito já estão sob análise da força-tarefa paulista da operação. O impasse pode ser um novo divisor de águas para a Operação Lava-Jato, que tem uma lista de políticos na fila para serem presos, principalmente os que perderam as eleições e a imunidade parlamentar, ou seja, o direito de serem julgamos pelo STF.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações. A lista de políticos que estão sob investigações é graúda e pode pôr de joelho o Congresso, inclusive na discussão da reforma da Previdência, que fere interesses das principais corporações envolvidas nas investigações.

Estão citados: Aécio Neves (PSDB-MG), deputado e ex-senador; Edison Lobão (MDB-MA), ex-senador; Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-deputado, preso na Lava-Jato; Eduardo Paes (DEM-RJ), ex-prefeito do Rio de Janeiro; Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-senador; Fernando Pimentel (PT-MG), ex-governador de Minas Gerais; Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ex-senador: Geddel Vieira Lima, ex-ministro, atualmente preso; Índio da Costa (PSD-RJ), deputado; Jacques Wagner (PT-BA), senador e ex-governador; Sérgio Gabrielli, o ex-presidente da Petrobras; José Serra (PSDB-SP), senador e ex-governador; Lindbergh Farias (PT-RJ), ex-senador; Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Câmara; Marcelo Nilo (PSB-BA), deputado; Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara; Rosalba Ciarlini (PP-RN), ex-governadora do RN; Sérgio Cabral (MDB-RJ), ex-governador do Rio de Janeiro; Valdemar Costa Neto (PR-SP), ex-deputado; e Vital do Rêgo, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

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Luiz Carlos Azedo: Cerco ao ninho tucano

“A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para financiar campanhas políticas, chegando a movimentar cerca de R$ 100 milhões nas eleições de 2010”

A chamada 60ª fase da Operação Lava-Jato, na qual policiais federais de Curitiba foram a São Paulo para cumprir 12 mandados de busca e apreensão e prender Paulo Vieira de Souza, ex-diretor de engenharia da Dersa, a estatal que cuida das obras viárias do governo paulista, é a abertura de um novo ciclo das investigações, cujo foco é o PSDB paulista. No ano passado, Paulo Vieira foi preso duas vezes em outro processo, que apura desvio de dinheiro das desapropriações do Rodoanel, mas estava em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

O procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol comemorou a operação: “Vejo tweets receando que o Ministro Gilmar Mendes solte Paulo Preto mais uma vez em liminar. Isso é impossível debaixo da lei. O relator desse caso no Supremo não é ele, e sim, o Ministro Fachin”. Ou seja, a investigação saiu da esfera da Justiça Federal em São Paulo e voltou para Curitiba, que responde ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. É uma demonstração de que a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba foi fortalecida com a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a nomeação do juiz federal Sérgio Moro, que deixou a magistratura, para o Ministério da Justiça.

A mudança de eixo se deu graças à delação premiada do empresário e operador financeiro Adir Assad e de ex-executivos da Odebrecht que, supostamente, revelaram como funcionava o esquema de financiamento eleitoral do PSDB em São Paulo. Além de prender Paulo Vieira de Souza, suspeito de ser um operador de propinas do PSDB, também cumpriu mandados em endereços ligados ao ex-senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para entregar a executivos da Petrobras e financiar campanhas políticas, chegando a movimentar, na campanha de 2010, na qual foi candidato o senador José Serra (PSDB-SP), cerca de R$ 100 milhões.

“Adir Assad revelou que Paulo Preto possuía cerca de R$ 100 milhões a R$ 110 milhões no Brasil em espécie. E esse dinheiro estava condicionado em dois endereços: numa residência em São Paulo e também num apartamento que, segundo revelado por Adir Assad, era o local onde Paulo Preto tinha um bunker para guardar as propinas”, disse o procurador da República Roberson Pozzobon. Paulo Vieira sofre pressões para aceitar um acordo de delação premiada com a força-tarefa de Curitiba.

Aniquilamento
A operação pôs os tucanos paulistas em estado de alerta. Representa uma ameaça de cerco e aniquilamento do principal reduto na legenda, que conseguiu eleger João Doria governador do estado, cuja administração os tucanos controlam desde 1995. O governador paulista se elegeu em litígio com as lideranças tradicionais da sigla, inclusive seu padrinho Geraldo Alckmin, e não tem compromisso com o passivo ético da legenda, profundamente abalada pela Lava-Jato em Minas, Paraná e Goiás. Em nota, o partido negou vínculo com Paulo Vieira e sustentou que todos os recursos recebidos foram doados de maneira legal e declarados à Justiça Eleitoral.

A “invasão” de São Paulo pela República de Curitiba, como está sendo chamada, criou também grande mal-estar no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa dos ataques ao ministro Gilmar Mendes, relator da Lava-Jato em São Paulo. O comentário de Dellagnol passou a ideia de que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato em Curitiba, teria autorizado a operação Ad Infinitum, deflagrada por ordem da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Em tese, o juiz natural do caso é o ministro Gilmar Mendes, que anda indignado com o fato de suas movimentações financeiras terem sido monitoradas pela Receita Federal.

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GloboNews repercute reportagem da revista Política Democrática Online

Revista da FAP mostrou impactos socioambientais da Belo Monte em série de reportagens especiais

A falta de infraestrutura e a criminalidade na cidade de Altamira, no Sudoeste do Pará, foram destaque do programa GloboNews Especial desse domingo (10). O canal de TV por assinatura repercutiu o mesmo assunto da reportagem da revista Política Democrática online de janeiro. A publicação digital, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mostrou os problemas urbanos que assolam moradores do município do interior.

» Política Democrática: Reportagem destaca impactos da Usina de Belo Monte em Altamira

Assim como fez a revista Política Democrática online após um trabalho de apuração iniciado em dezembro de 2018, o GloboNews Especial abordou o drama de famílias que ainda vivem em palafitas, construções de madeira sobre áreas alagadiças. O programa destacou o drama de um ex-funcionário da Norte Energia, responsável pela construção e operação da Belo Monte, que vive em casa de madeira. Além disso, a reportagem de TV também mostrou como os moradores de Altamira são vítimas da criminalidade no município.

A reportagem de TV ouviu, entre outros, a fundadora do coletivo Mães do Xingu, Malaque Mauad, que reúne outras mulheres que tiveram filhos assassinados na cidade após a construção da usina hidrelétrica. Malaque já havia sido ouvida, com exclusividade, pela equipe de reportagem da Política Democrática online. O depoimento dela pode ser visto no vídeo produzido pela equipe de reportagem e acessado na própria revista.

A revista editada pela FAP mostrou os impactos socioambientais da Belo Monte na série de duas reportagens especiais Existe vida no Xingu. A primeira delas revelou como o empreendimento tem mudado, drasticamente, o modo de vida e as tradições de comunidades indígenas. Na segunda, a revista contou, ainda, que o empreendimento deslocou moradores de comunidades ribeirinhas para Altamira, colocando parte deles em reassentamentos coletivos sem saneamento básico e rede de tratamento de esgoto.

Leia mais:

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» Ameaça da Belo Monte a índios é destaque da Política Democrática online de dezembro


Luiz Carlos Azedo: Lula sabia, diz Gabriela

A nova condenação reabre a discussão sobre os rumos da legenda, que o ex-presidente comanda da prisão, por intermédio da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância no caso do triplex de Guarujá, foi condenado ontem a mais 12 anos e 11 meses de prisão pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª. Vara Federal de Curitiba (que substituiu o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, no cargo), no caso do sítio de Atibaia, também em São Paulo. Segundo a magistrada, Lula era próximo do ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro Filho e “tinha ciência do ‘caixa geral’ de propinas mantido entre a empresa e o Partido dos Trabalhadores”.

A juíza, que na primeira audiência com Lula foi desafiada por ele e o advertiu de que seu comportamento poderia se tornar um problema, concluiu que o ex-presidente se beneficiou do esquema de propina da Petrobras: “É fato que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua no imóvel, bem como que usufruiu dele como se dona fosse. Inclusive, em 2014, Fernando Bittar alegou que sua família já não o frequentava com assiduidade, sendo este usado mais pela família de Lula”, afirma na sentença.

A juíza determinou o confisco do sítio de Atibaia e rechaçou os argumentos da defesa de que não existiriam provas contra Lula: “Foram ouvidas mais de uma centena de testemunhas, anexados dezenas de depoimentos produzidos em feitos correlatos como prova emprestada, deferida realização de prova pericial, anexados diversos documentos, sendo nítido que a produção probatória é farta”. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, a Odebrecht e a OAS custearam R$ 850 mil em reformas na propriedade. Já o pecuarista José Carlos Bumlai fez o repasse de propina ao ex-presidente no valor de R$ 150 mil.

O processo não tratou da propriedade do imóvel, mas das reformas que foram feitas nele. Como os valores do terreno e das benfeitorias se equivalem, a juíza determinou a venda do sítio e devolução da diferença entre o valor das benfeitorias e o valor pago pelo imóvel aos proprietários, Fernando Bittar e sua esposa, após o trânsito em julgado do processo. A reforma do sítio de Atibaia foi feita a pedido de Lula, que acompanhou o arquiteto responsável, Paulo Gordilho, na visita ao sítio e aprovou o projeto.

Foram realizadas diversas benfeitorias no sítio, mas consta da denúncia somente o valor pago à empresa Kitchens: R$ 170 mil. A obra foi realizada de forma a não ser identificado quem executou o trabalho e quem foi o beneficiário; os pagamentos feitos pela OAS à Kitchens foram em espécie, para não deixar rastros. “Não houve ressarcimento à OAS dos valores desembolsados pela empresa em benefício de Lula e de sua família”, destaca a sentença. Também foram condenados, a penas menores, Léo Pinheiro, José Carlos Bumlai, Emílio Odebrecht, Alexandrino Alencar, Carlos Paschoal, Emyr Dinis, Roberto Teixeira, Fernando Bittar e Paulo Gordilho. Odebrecht teve a pena suspensa por causa do seu acordo de delação premiada.

Inelegibilidade

A juíza Gabriela Hardt decretou a interdição de Lula para o exercício de cargo ou função pública pelo período equivalente ao dobro da pena estabelecida, ou seja, 24 anos, o que significa seu afastamento definitivo de qualquer projeto eleitoral próprio. A nova condenação fragiliza as articulações para que Lula saia da cadeia, quando nada para cumprir pena domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Se for referendada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, dificilmente voltará a ter qualquer protagonismo político.

Embora o ex-presidente da República seja ainda a maior liderança do PT, que inclusive realiza uma campanha de solidariedade internacional e tem como principal palavra de ordem o “Lula livre”, a nova condenação reabre a discussão partidária sobre os rumos da legenda, que hoje gravita em torno do prisioneiro, que comanda o partido detrás das grades, por intermédio da deputada Gleisi Hoffman (PT-PR), atual presidente da agremiação. Entretanto, dirigentes petistas já defendem a necessidade de o partido encontrar um outro eixo de atuação, para evitar seu isolamento. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que foi candidato a presidente da República e teve grande votação no segundo turno, é a liderança de maior expressão eleitoral, mas o quadro político histórico mais importante do PT no Congresso é o senador Jaques Wagner, ex-governador da Bahia.

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Luiz Carlos Azedo: A força da conciliação

“Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo”

A linha de força da disputa pelo comando da Câmara e do Senado é a velha política de conciliação, uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro. Mesmo depois da proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação pautou a hegemonia no parlamento brasileiro. Não será diferente agora, depois do tsunami eleitoral que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder: o novo governo terá de conviver com a política tradicional. O nepotismo, o fisiologismo e o patrimonialismo estão sendo mitigados pela Operação Lava-Jato.

Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, foi o pai da criança. A maioria dos políticos ouviu falar dele nos bancos escolares, mas é um sobrenome que até ontem frequentava o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Renan Calheiros (MDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Senado e na Câmara, favoritos na disputa pela Presidência das duas casas, respectivamente, são legítimos representantes dessa tradição política enraizada no Nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro. Seus principais desafiantes, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fabinho Ramalho (MDB-MG), deslocam o eixo de poder para a Região Norte e para Minas Gerais. Os demais candidatos não têm a menor chance na disputa; os dois estão sendo estimulados pelo Palácio do Planalto, no primeiro caso, ostensivamente; no segundo, com mão de gato.

Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais: “Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade / A nação dispensa a lei / Viva a Maioridade!” Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.

Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império”e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu somente a partir de 1848, graças aos ministros da Justiça, Eusébio de Queiróz; de Estrangeiros, Visconde do Uruguai; e da Fazenda, o Visconde de Itaboraí, que mandaram e desmandaram até 1862, o que possibilitou a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, da Lei de Terras, do Código Comercial e a centralização político-administrativa da Guarda Nacional.

Luzias e saquaremas
O Marquês do Paraná, em 1853, para evitar conflitos políticos que remontassem aos anos de 1830 e 1840, resolveu acalmar as ruas e buscar uma aproximação com os liberais. Para convencer membros do Partido Liberal a aderir ao Gabinete da Conciliação, promoveu uma ampla reforma eleitoral, aprovada em 1854, com o voto distrital, que favoreceu a eleição de representantes de minorias políticas; e as incompatibilidades, que impediam a eleição de funcionários públicos nos distritos onde exercessem suas funções. Nas eleições de 1856, houve uma renovação de 67% dos políticos, o chamado Renascer Liberal. A política de conciliação é muito criticada desde aquela época. O deputado Holanda Cavalcanti, liberal pernambucano, dizia que “não há nada mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.

A chamada “modernização conservadora” se ancorou nessa prática parlamentar; quando os políticos não deram conta do recado, houve rupturas institucionais: 1889, 1930 e 1964. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar sua aliança com o que chamava de “atraso”, mandava seus ministros lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, o mais ardoso defensor da “ponte de ouro” entre liberais e conservadores, para que entendessem sua conturbada relação com o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o grande líder conservador do Senado. De certa forma, com sinal trocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu a estratégia, em aliança com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Dilma Rousseff quis mudar as regras do jogo e foi apeada do poder, como o ex-presidente Collor de Mello. Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo; tem um vice costeando o alambrado.

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