Lava Jato

Fernando Gabeira: O momento da Lava-Jato

É possível que avance no governo a tese de que a operação reduz as chances de aprovação da reforma da Previdência

Aqui no alto da Serra de Ibitipoca, uma bela região de Minas, chove e faz frio. Na minha cabeça, tentava organizar um artigo sobre uma possível intervenção militar na Venezuela. Rememorava a Guerra do Iraque e os grandes debates da época. Achava uma visão idealista tentar impor, numa sociedade singular, a democracia liberal à ponta do fuzil.

Continuo achando. Lembro-me de que, num debate em Paraty, o escritor Christopher Hitchens ficou bravo com meus argumentos. Nada grave. Semanas depois, escreveu um artigo simpático sobre aquela noite. Hitchens, ao lado de outros intelectuais como Richard Dawkins, dedicava-se muito ao combate da religião. Mas não percebeu como suas ideias sobre a invasão do Iraque, como observou John Gray, tinham uma ponta de religiosidade.

Esse era meu plano. No alto do morro, o único lugar onde isso era possível, o telefone deu sinal da mensagem: Temer foi preso. Moreira Franco também. A possibilidade da prisão de Temer sempre esteve no ar. Na última entrevista, lembrei a ele que ia experimentar a vida na planície.

Aqui neste pedaço da Mata Atlântica, não é o melhor lugar para se informar em detalhes. No meio da semana, tinha escrito um artigo sobre a derrota da Lava-Jato no STF, que deslocou o caixa 2 e crimes conexos para a Justiça Eleitoral.

Lembrava que o grupo de ministros que se opõem à Lava-Jato aproveitou um momento de desequilíbrio. Foi o escorregão dos procuradores ao tentar destinar R$ 2,3 bilhões, oriundos do escândalo da Petrobras, para uma fundação. Eles recuaram para uma alternativa mais democrática, um uso do dinheiro através de avaliação mais ampla das necessidades do país.

Distante dos detalhes da prisão de Temer, tento analisar este novo momento da Lava-Jato. Até que ponto vai fortalecê-la ou ampliar o leque de forças que se opõem a ela, apesar de sua popularidade? Diante da prisão do ex-presidente, que é do MDB, certamente vai surgir uma tendência de opor as reformas econômicas à Lava-Jato.

É uma situação nova, que ainda tento avaliar. O ministro Sergio Moro tem um pacote de leis contra o crime que já está sendo colocado em segundo plano, em nome da reforma da Previdência. É possível que avance junto ao governo uma nova tese, a de que a Lava-Jato prejudica as reformas, reduzindo suas chances de aprovação. Além disso, há o mercado, sempre expressando seu nível de pessimismo.

As acusações contra Temer eram conhecidas. Como diz um analista estrangeiro, ele gastou grande parte da energia e do tempo de seu governo para tentar escapar delas. Por essas razões, será necessário deixar bem claras as razões que levaram Temer à cadeia. É apenas mais um ex-presidente; mas, no caso de Lula, só houve prisão depois de condenado em segunda instância. Essa diferença desloca o debate técnico para a causa da prisão. Daí a importância de bons argumentos.

A ideia geral é de que a Lava-Jato deve seguir seu curso independentemente de análises políticas. Mas ele depende do apoio da opinião pública. Qualquer momento de fragilidade é usado pelos lobos no Supremo que querem devorá-la.

Numa análise mais geral, as eleições fortaleceram a Lava-Jato. A própria ida de Moro para o governo era o sinal de que agora ela teria o Executivo como aliado. Mas as coisas não são simples assim. A escolha de Moro por Bolsonaro foi um gesto político.

A renovação no Parlamento pode ter ampliado o apoio à Lava-Jato. Mas ainda é bastante nebuloso prever que leis contra o crime, especialmente o do colarinho branco, tenham um trânsito fácil, maioria tranquila.

O governo perde prestígio, segundo as pesquisas. Está dependendo da reforma da Previdência. Pode haver uma convergência momentânea para empurrar com a barriga as leis contra a corrupção.

Houve maioria no Supremo para mandar processos para uma Justiça Eleitoral sem condições de investigá-los com rigor. A mesma maioria de um voto pode derrubar a prisão em segunda instância.

Nesse momento, não adiantará aquele velho argumento: perdemos uma batalha, mas venceremos no final. Uma sucessão de derrotas precisa acender o sinal de alarme. Somente uma interação entre a opinião pública e a parte do Congresso que entendeu a mensagem das urnas pode reverter essa tendência. Haverá força para isso?

Aqui no meio do mato, não me arrisco a concluir nada. Eleições não decidem tudo. Ainda mais uma falta de rumo dos vencedores, que chega a nos fazer temer que, na verdade, não tenham resolvido nada. Exceto mudar o rumo, da esquerda para a direita.


Merval Pereira: Sobre o Supremo

A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf

A disputa de interpretações de teorias jurídicas vem dando a tônica nos debates do Supremo Tribunal Federal. A denominação informal de cada um dos grupos mostra bem os parâmetros desta disputa. Os “garantistas” sustentam que qualquer decisão a ser tomada deve levar em conta a literalidade da lei para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

Os “iluministas” ou “progressistas” buscam contornar eventuais obstáculos impostos pela literalidade com interpretações do texto legal, em busca da intenção do legislador para ter uma Justiça mais célere e eficiente. Assim, a jurisprudência atual é permitir a prisão em segunda instância, mesmo que a Constituição diga que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de seu processo.

Para tanto, considera-se que o processo se encerra na segunda instância, e os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) podem continuar sendo feitos depois da prisão, pois são de caráter extraordinário. A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf. Até hoje há a discussão sobre se lavagem de dinheiro é um crime instantâneo, que se encerra na sua consumação, ou se é permanente, como decidiu a Primeira Turma do STF.

O relator foi o ministro Edson Fachin, que levantou a tese, e não o ministro Luís Roberto Barroso, como escrevi aqui. Barroso votou a favor do relator juntamente com a ministra Rosa Weber e o ministro Fux, formando a maioria. O ministro Marco Aurélio, mesmo tendo votado a favor da prescrição, acompanhou a maioria no mérito.

Barroso é tido como expoente da ala “iluminista” do Supremo, mas ele recusa esse rótulo. “Sou a favor de um direito penal moderado. Porém, sério e igualitário. A queixa que existe é dos advogados criminalistas —que têm que fazê-la, por dever de ofício —e dos parceiros da corrupção, que não se conformam que o Direito Penal que valia para menino pego com maconha ou para o sem-teto que furtava desodorante no supermercado se aplique também a corruptos e criminosos de colarinho branco”. O ministro Luís Roberto Barroso afirma que “o Direito não ficou mais duro; ficou mais igualitário”. Para ele, “o garantismo”, em Direito, significa que o acusado tem o direito de saber do que está sendo acusado, o direito de se defender, de produzir provas, de ser julgado por um juiz imparcial e de ter acesso a um segundo grau de jurisdição”. Ele considera que está havendo uma distorção do conceito, “um garantismo à brasileira”, que seria um direito adquirido à impunidade, a um processo que não funciona, que tem recursos infindáveis, não acaba e sempre gera prescrição”.

No voto no caso Maluf, após concluir a parte técnica da argumentação, Barroso afirmou: “(...) considero que o rotineiro desvio de dinheiro público, seja para fins eleitorais, seja para o próprio bolso, é uma das maldições da República. (...) Este é um dos fatores que têm nos mantido atrasados e aquém do nosso destino, porque dinheiro público que é desviado é dinheiro que não vai para a educação, não vai para a saúde, não vai para melhorar estradas”. Ele acha que “a histórica condescendência que se tem tido no Brasil em relação a esse tipo de delinquência, aparentemente, está chegando ao fim. Punir a apropriação privada de recursos públicos é um marco na refundação do país”.


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, que onda é essa?

“Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo”

Muita gente ainda não se deu conta de que o grande derrotado nas eleições foi o chamado centro democrático. E que o tsunami eleitoral gerou uma sucessão de swells que fazem a alegria dos surfistas da política. Em português, essa palavra significa “ondulação”. São vagas formadas por uma tempestade em alto-mar que se deslocam para a costa, gerando grandes ondas que se propagam por longas distâncias. Ao se aproximarem da praia, quando batem nas barreiras de corais ou bancos de areia, tornam-se ainda maiores; dependendo das condições climáticas e das características do local, podem se tornar gigantes.

Essa analogia tem tudo a ver com o momento político que estamos vivendo. É um erro supor que o grande derrotado nas eleições gerais passadas foi o PT, que chegou ao segundo turno e manteve a segunda bancada na Câmara, mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso. As forças centristas que ficaram de fora do segundo turno, e derivaram para o apoio a Bolsonaro, embora sejam as maiores derrotadas, mantiveram a ilusão de que esse apoio por gravidade lhes garantiria a preservação dos espaços de poder que ocupavam antes. Isso, até agora, vem sendo um ledo engano.

Estão como aquele banhista que permanece na areia tomando sol e se diverte com os surfistas que caem das pranchas, sem levar em conta que o calhau que os derrubou vai se espraiar. Quando menos espera, a onda invade a praia, carrega os chinelos, enche a toalha de areia e molha a carteira com os documentos. É mais ou menos isso que está acontecendo com os políticos que esperavam de Bolsonaro o mesmo tratamento recebido durante o governo de Michel Temer, que governou como se fosse primeiro-ministro, compartilhando o governo com o Parlamento. O ex-presidente e seu maior estrategista, o ex-governador fluminense Moreira Franco, estão presos. Outros políticos do MDB e partidos do centro investigados pela Operação Lava-Jato estão na mira do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e seus amigos que continuam na força-tarefa encarregada de banir a corrupção da política

Bolsonaro não se propôs a fazer um governo de centro, a lógica da formação da sua equipe, sua forma de atuação e a narrativa política que adotou, assumidamente de direita, é incompatível com a construção de uma coalizão ampla. Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo. Está mais para Dilma Rousseff com sinal trocado, do que para Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora o primeiro não tenha metido os pés pelas mãos como o segundo. Seus ataques à política tradicional são uma demonstração dessa incompatibilidade de gênios. Para manter a base eleitoral que o levou ao segundo turno, enquanto gozar de prestígio popular, não fará nenhum movimento em direção ao centro político que possa parecer aos seus eleitores um “estelionato eleitoral”. Somente um fracasso na economia, uma “vaca” sinistra, para usar a linguagem dos surfistas, pode levar Bolsonaro a um “arreglo”.

Previdência

Esse é o grande nó da relação do Palácio do Planalto com o Congresso, que continua sendo hegemonizado pelo centro. Tanto o PSL quanto o PT estão isolados. No Senado, com a eleição de Davi Alcolumbre e a escolha do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) para líder do governo, a situação é menos grave, a Casa gosta de “azeite”, mar liso. Na Câmara, somente se cria quem “entuba grebando de back”. Quem acompanha as sessões do plenário observa um “crowd” cheio de “prego”, ou seja, muitos novatos para poucas ondas. Nos bastidores, as raposas do centro político se articulam em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem sendo alvo de ataques do filho mais novo do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, e dos partidários mais radicalizados do presidente da República.

Além de não poder dialogar com o PT, que está no seu papel de fazer oposição, Bolsonaro tem dificuldades com seu próprio partido, o PSL, que pauta suas ações pela antipolítica, concentrando os ataques no Supremo, além de defender interesses fortemente corporativos que estão em contradição com a reforma da Previdência. Mas há uma realidade inescapável: governar é uma ação política, implica interação com o Congresso, o Judiciário e a sociedade civil. Por essa razão, a semana começa com Bolsonaro e Maia se estranhando novamente.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-swell-que-onda-e-essax/


Hélio Schwartsman: Uma disputa de poder

Embate vem já há algum tempo influindo decisivamente sobre os rumos do país

Numa coisa o ministro Gilmar Mendes, do STF, tem razão. A queda de braço entre procuradores e juízes vinculados à Lava Jato e forças mais tradicionais da política e do Judiciário é uma disputa por poder. Até onde enxergo, nenhum lado derrotará completamente o outro, o que é positivo para o país.

O embate, do qual a prisão do ex-presidente Michel Temer é o mais recente capítulo, vem já há algum tempo influindo decisivamente sobre os rumos do país. Basta citar a exclusão, via Lei da Ficha Limpa, de Lula da eleição presidencial (a prisão foi a azeitona em cima da empada) e a morte precoce do governo Temer, via delação de Joesley Batista, às vésperas da votação da reforma da Previdência.

Parece-me complicado falar em sabotagem, já que o próprio Lula sancionou a Lei da Ficha Limpa, e Temer travou com Joesley um diálogo politicamente fatal. Mas também não dá para negar que muitas das ações do pessoal da Lava Jato miraram objetivos políticos.

Institucionalmente, o ideal para o Brasil seria que a cultura lava-jatista de não se intimidar diante dos poderosos se espalhasse por todas as esferas da Justiça e da sociedade e que o garantismo personificado por alguns dos ministros do STF fosse capaz de conter os excessos da operação anticorrupção. Eles não foram poucos. A própria prisão preventiva de Temer é difícil de justificar em termos estritamente técnicos.

A disputa vai continuar e ainda produzirá muito ruído. O risco maior é que ela emparede os políticos, impedindo-os de fazer avançar uma extensa agenda legislativa da qual o país precisa para voltar a apresentar índices razoáveis de crescimento econômico.

Há decerto um número muito grande de políticos que se meteram em falcatruas pelas quais devem responder. Mas isso não é razão para banir a política da esfera pública, como o presidente Jair Bolsonaro alucinadamente parece acreditar que é possível fazer.

*Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".


Míriam Leitão: Temer e os riscos da Lava-Jato

Investigadores mostraram indícios robustos que justificam a prisão de Michel Temer. O risco da Lava-Jato é ficar presa do jogo político

A Lava-Jato tem uma grande capacidade de renascer das cinzas, mas ela só sobreviverá se não estiver ligada a grupo político. Nos últimos dias a operação viveu mais um dos seus prenúncios de morte. Ganhou sobrevida com a prisão do ex-presidente Michel Temer. Não por prendê-lo, mas porque os investigadores conseguiram comprovar que o faziam baseados em fortes indícios, como uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo pela Argeplan, empresa do coronel Lima.

Que Michel Temer seria preso ninguém tinha dúvidas. Afinal, ele é alvo de 10 inquéritos que correm na Justiça Federal de Brasília, São Paulo, Rio e na Justiça Eleitoral. A conversa entre ele e o empresário Joesley Batista, no Jaburu, divulgada por este jornal no dia 17 de maio de 2017, chocou o país e dividiu seu governo ao meio. Na segunda metade ele abandonou projetos como a reforma da Previdência e usou todo seu poder político para impedir que fossem adiante as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra ele no Congresso. A dúvida sobre Temer era quando ele seria preso e em que inquérito. A surpresa foi a ordem ter partido de Marcelo Bretas. A ironia é ele estar agora na PF no Rio, que fica na região portuária da cidade.

Bretas construiu sua decisão com recados de endereço certo. Lembrou que não era desdobramento da Operação Calicute, mas sim da Operação Radioatividade, por propinas pagas em Angra 3. E se baseava na delação de José Antunes Sobrinho, da Engevix. Quem protocolou a delação da Engevix foi o ministro Luis Roberto Barroso. Quem cuida da Radioatividade é o ministro Edson Fachin. Fosse a Calicute, o caso iria para Gilmar Mendes. Outro recado é que Temer não estava sendo preso por crime ligado a caixa dois e usou para confirmar isso a palavra do próprio ex-presidente, que, em depoimento, garantiu que o coronel Lima nunca arrecadou dinheiro para suas campanhas.

A última dúvida que desabou sobre a Lava Jato foi a decisão por 6 a 5 determinando que os crimes relacionados ao caixa dois sejam destinados à Justiça Eleitoral. Ela tem menos estrutura para julgar crimes complexos como os que se escondem atrás do dinheiro não declarado de campanha. Apequena maioria mostrou que até o STF tem dúvidas sobre a decisão que, de tão controversa, produziu uma onda de críticas à corte suprema do país. Nessa onda surfou o grupo político do presidente Bolsonaro, tentando de novo manipular politicamente aluta contra a corrupção, em manifestações e agressões nas redes, como fez durante a campanha eleitoral. Nenhum grupo político, muito menos o do atual governo, é dono desta luta, porque no dia que for, aí sim, acabou a Lava-Jato. O fato de o ex-juiz Sérgio Moro ter virado ministro não deu ao governo um selo de qualidade.

Areação do STF às críticas que recebeu não ajudou a reestabelecer o equilíbrio. O inquérito que foi iniciado por ordem do ministro Dias Toffoli, as ofensas gritadas pelo ministro Gilmar Mendes contra procuradores, a ideia ruim do MP em Curitiba de ter uma fundação para gerir uma parte do dinheiro recuperado pela Lava-Jato. Tudo foi criando um ambiente de crise institucional.

Por isso, a prisão de ontem foi entendida como forma de a Lava-Jato sair do córner e dar uma resposta ao Supremo. Se foi esta a intenção, é o caminho mais curto para o próprio fim. Se procuradores, investigadores, e até juízes se deixarem dominar por um lado da política brasileira, se acharem que têm que traçar armas com a cúpula do Judiciário, a operação estará realmente condenada.

Os procuradores e policiais federais no Rio mostraram uma lista grande de motivos que os levaram a pedir a prisão do ex-presidente. Não foi apenas a palavra do delator. Houve fatos como a tentativa, no final do ano passado, detectado pelo Coaf, de um depósito de R$ 20 milhões em espécie pela empresa Argeplan. Ela é do coronel Lima, paga a conta de um telefone usado por Temer. Não tem funcionários nem capacidade técnica, mas ganhou concorrência na usina nuclear de Angra 3. Há comprovantes bancários, troca de e-mails, ligações telefônicas. Há fartura de indícios. E, segundo procuradores, riscos de, neste tempo de modernidade tecnológica, quantias serem transferidas, provas serem apagadas.

Alguns fatos são conhecidos, outros são novos. O importante é que Michel Temer seja investigado e julgado de acordo com as provas e as leis. Não pode ser um peão na briga que divide algumas das instituições no Brasil.


Bernardo Mello Franco: Temer já sabia o que o esperava

Alvo de múltiplas acusações de corrupção, o ex-presidente já esperava ir para a cadeia depois de deixar o poder. Só não sabia que a sua hora chegaria tão rápido

Ninguém pode se dizer surpreso com a prisão de Michel Temer. Nem ele mesmo. Alvo de múltiplas acusações de corrupção, o ex-presidente já esperava ir para a cadeia depois de deixar o poder. Só não sabia que a sua hora chegaria tão rápido.

O emedebista foi flagrado em ação no exercício da Presidência. Salvou-se ao promover um feirão de cargos e vantagens para os deputados, que barraram duas denúncias criminais na Câmara. Também escapou de ser cassado pelo TSE, graças ao voto de minerva do ministro Gilmar Mendes.

Ao deixar o Planalto, ele perdeu o comando da máquina e a blindagem do foro privilegiado. Seus dez inquéritos desceram à primeira instância, onde se instalou uma corrida entre procuradores e juízes ansiosos por prendê-lo. A Lava-Jato fluminense chegou na frente. Temer foi trazido para o Rio e chegou à sede da Polícia Federal sob gritos de “ladrão”.

No fim do governo, o emedebista simulava indignação ao ser questionado sobre o risco de ser preso. “Em relação a esses inquéritos todos, eu não tenho a menor preocupação. Zero preocupação”, disse à revista Época, a quatro meses de deixar o Planalto. A frase soou tão sincera quanto as suas declarações, na época em que ainda era vice, de que não conspirava para assumir a cadeira presidencial.

O juiz Marcelo Bretas decretou a prisão preventiva sob o argumento de garantia da ordem pública. A tese será questionada nos tribunais superiores, já que Temer não tentava fugir e não estava mais no poder. Seus aliados alegam que virou um troféu para a Lava-Jato. A operação precisava demonstrar força depois de uma série de derrotas e trapalhadas, como a tentativa frustrada de criar uma fundação.

Os procuradores dizem que os acusados continuavam a lavar dinheiro e tentavam obstruir a investigação. De qualquer forma, seria desejável que um ex-presidente só fosse para a cadeia ao fim de um processo judicial, depois de exercer seu direito de defesa. É improvável que Temer escapasse desse destino, tantas são as provas que o cercam.

A prisão de ontem coincidiu com o aniversário de Jair Bolsonaro, que comemorou os 64 anos em viagem ao Chile. Foi um belo presente. O presidente perdeu apoio no Congresso e está com a popularidade em queda. Com o antecessor no xadrez, seus problemas tendem a sair do foco nos próximos dias.


Merval Pereira: Sem caixa 2

Sempre que sofrem uma derrota, os procuradores da Lava-Jato encontram um jeito de mostrar a resiliência da operação de combate à corrupção

A Operação Lava-Jato, com a prisão do ex-presidente Temer, repete um método de atuação para mostrar que não se intimida diante de retrocessos provocados por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Congresso. A operação de ontem foi uma clara resposta à decisão do Supremo da semana passada de enviar para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e assemelhados conexos ao de caixa 2.

Sempre que sofrem uma derrota, os procuradores encontram um jeito de mostrar a resiliência da operação de combate à corrupção. Foi assim com a prisão do então governador Luiz Fernando Pezão, logo depois da decisão do Supremo de permitir que o presidente Temer utilizasse a prerrogativa do indulto de fim de ano para anistiar presos de maneira quase irrestrita, o que ameaçava a atuação da Lava-Jato.

Desta vez, a prisão de um ex-presidente da República, e de um ex-ministro de Estado, o ex-governador do Rio Moreira Franco, subiu o sarrafo. E a acusação passa longe do caixa 2 e de financiamentos eleitorais. Para escapar da decisão do Supremo. Temer é o segundo ex-presidente preso, e Moreira Franco é o quinto ex-governador do Rio na cadeia.

Pode ser que a irritação de Maia, genro de Moreira, na noite anterior, quando foi bastante agressivo com o ministro Sergio Moro, já se devesse a informações vazadas de que a prisão poderia acontecer. Mas a operação já estava marcada com antecedência, o que descarta a possibilidade de ter sido uma contrapartida da Lava Jato para se solidarizar com o ex-juiz Moro.

Moro havia reclamado de seu pacote anticrime ter sido jogado para análise no segundo semestre, e Maia reagiu com três pedras na mão. Preso no meio da rua, assim como Moreira Franco, com um aparato policial digno de filme, o ex-presidente Temer considerou sua prisão uma “barbaridade”, classificação que deu como constitucionalista que sabe perfeitamente o que a lei pode permitir ou não. Mas os tempos são outros, e a nova geração de juízes e procuradores têm uma visão do Direito muito diferente da que prevalecia antes do mensalão. Nosso sistema jurídico permite recursos infindáveis que acabam beneficiando o infrator, pela prescrição das penas, ou pela demora no cumprimento dela.

A ação protelatória da defesa dos acusados é o que marcava os processos, tanto que se dizia que quem tivesse dinheiro para pagar a bons advogados nunca seria preso. A partir do mensalão, essa situação mudou. Um exemplo disso é o ex-deputado Paulo Maluf, que só foi preso aos 90 anos de idade.

Passou a vida toda sendo acusado de corrupto, encontraram uma conta sua na Suíça, e ele negava tudo. Até que o ministro do STF Luís Roberto Barroso interpretou que a lavagem de dinheiro é imprescritível. Hoje está em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Os crimes de que era acusado provavelmente já prescreveram, mas a nova interpretação encerrou a impunidade.

Por isso, o julgamento do dia 10 de abril no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da prisão em segunda instância tem suma importância. Se o STF mudar sua jurisprudência, voltando a entender que a prisão só pode acontecer depois do trânsito em julgado, a maioria dos presos deve ser libertada.

Os advogados do ex-presidente Lula, atentos aos movimentos subterrâneos da Justiça, estão tentando adiar o julgamento do recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) porque, se a condenação for confirmada, Lula ficará mais próximo da cadeia em definitivo.

O plenário do Supremo tem uma proposta do presidente do Tribunal, ministro Dias Toffoli, de substituir a prisão depois de condenação em segunda instância pela condenação do STJ. Será difícil mudar o rumo da discussão, pois já está claro para a maioria que permitir a prisão apenas no final de todos os recursos implica a volta ao passado, quando ninguém, poderoso ou rico, ou as duas coisas, ia preso.


El País: Prisão de Temer revigora Lava Jato e tumultua agenda do Governo no Congresso

Detenção de ex-presidente dá vitória a procuradores e escancara embate entre "novos" e "velhos políticos". Lavajatista Bolsonaro, porém, precisa das duas alas para aprovar Previdência

Operação Lava Jato voltou a se impor na agenda política do Brasil nesta quinta-feira ao prender preventivamente Michel Temer. O segundo ex-presidente a dormir na cadeia na história do país é acusado de comandar uma "organização criminosa" que atuaria há 40 anos para desviar recursos públicos. A decisão contra o emedebista partiu do juiz carioca Marcelo Bretas, um ex-colega e aliado do atual ministro da Justiça, Sergio Moro. A detenção, alvo de um pedido de habeas corpus da defesa do ex-mandatário, é apenas o começo de mais um capítulo de embates entre procuradores e juízes da operação, a classe política tradicional no Congresso e o próprio Supremo Tribunal Federal.

Se não bastasse as divisões, há outra disputa em curso. Os novatos exaltam o ministro da Justiça, Sergio Moro. Ex-juiz responsável pela Lava Jato, Moro está em clara rota de colisão com Rodrigo Maia. Eles bateram boca publicamente na quarta-feira. O deputado criticou o pacote de leis anticrime enviado por Moro dizendo que ele não era prioridade e que a proposta era um “copia e cola” de outra proposição. Já o ministro disse que parte da classe política não entende a urgência do projeto. “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, alfinetou Moro.

Em viagem oficial ao Chile, o presidente, possivelmente aliviado de ver o foco de atenção se descolar da pesquisa que mostrou sua queda de popularidade para o caso Temer, a princípio foi sóbrio: “A justiça nasceu para todos e cada um responde pelos seus atos”. Em seguida, conforme o portal UOL, fez uma avaliação mirando seus eleitores antissistema e alinhados à Lava Jato. Afirmou que o seu antecessor foi detido por causa de “acordos políticos em nome da governabilidade”. “A governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, você faz indicando pessoas sérias e competentes para integrar o seu governo. É assim que eu fiz no meu Governo, sem acordo político", emendou, reforçando a retórica de campanha e provavelmente irritando ainda mais a outra ala de parlamentares que precisa conquistar.

Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o presidente em exercício, Hamilton Mourão (PRTB), já rebatia as análises em circulação no mercado de que o contra-ataque da Lava Jato afetaria as votações no Congresso. Mourão descartou a hipótese, apesar de o MDB de Temer fazer parte do Governo com um ministério e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões. “Eu acho que não [atrapalha]. Tem ruído, vai ficar esse ruído, mas vamos aguardar, pode ser que daqui a pouco ele seja solto, vamos esperar o que pode acontecer", disse a jornalistas, segundo a Agência Brasil. Para Mourão, Temer pode ganhar, em breve, “um habeas corpus de um ministro qualquer”.

Crise crônica
Nesta quinta-feira, no Congresso Nacional, as reações à prisão de Temer e do ex-ministro Moreira Franco deixaram nítido o desvio do foco. Um dia após o Governo Bolsonaro apresentar a parte da reforma da Previdência que restava, a dos militares, poucos falavam dela.

Quem fazia oposição a Temer e hoje faz a Bolsonaro —mas não só—, reclamava da prisão do ex-presidente, por considerarem que houve uma precipitação, já que ele deveria ser preso apenas após o julgamento de seu caso, e não preventivamente, sem nem mesmo colher o seu depoimento no processo. “As coisas vão se precipitando pela notícia. Você imagina lá fora, o que vão pensar os investidores. Um impeachment em 2016. Que país é esse? Se tirou uma presidente, sem provas objetivas, se prendeu outro, sem provas objetivas, e agora, um ex-presidente preso dessa maneira”, avaliou o senador Jacques Wagner (PT-BA), ex-ministro de Dilma Rousseff e aliado do ex-presidente Lula, condenado e preso há quase um ano pela Lava Jato.

O PT, aliás, emitiu uma nota para condenar a prisão de Temer e na qual comentam que a própria Lava Jato e Sergio Moro "travam hoje uma encarniçada luta pelo poder contra o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e a cúpula da PGR.” O texto faz referência aos reveses que a operação sofreu nas últimas semanas, quando, por exemplo, o STF determinou o envio de investigações sobre caixa 2, uma das espinhas dorsais da Lava Jato, para Justiça Eleitoral. Não à toa a ordem de prisão contra Temer emitida por Bretas faz questão de frisar que nada liga o caso à doações de campanha ilegais para tentar fugir da regra.

“Eu não sou advogado, mas não vejo nenhuma razão objetiva pra prisão do presidente Temer”, disse o senador tucano Tasso Jereissati, mostrando insatisfação também entre os parlamentares que podem ser alinhar ao Governo. “Isso é um processo de abuso de autoridade, o que vem acontecendo com alguma frequência”, criticou.

O tom era completamente distinto entre os neófitos bolsonaristas. “A notícia é maravilhosa. Demonstra que o Brasil está combatendo a corrupção. Com certeza os índices da bolsa de valores vão explodir”, dizia o líder do PSL, Delegado Waldir, ainda que tenha errado na previsão do mercado. Mesmo assim, Waldir não escondia sua preocupação com a agenda econômica e cobrava maior empenho do Governo no convencimento dos parlamentares, principalmente quanto às mudanças nas regras para os militares. “O Governo nos trouxe um abacaxi, mas a gente não tem como descascar no dente. Tem de nos dar a faca para descascar”.

O representante do PSL no Senado, Major Olímpio, também comemorou a prisão de Temer. Disse no Twitter: “O Brasil está mudando, a justiça será para todos! Grande expectativa para o povo brasileiro, estamos no caminho certo! O Brasil será passado a limpo, cadeia para todos aqueles que dilapidaram o patrimônio público brasileiro e envergonharam a política e o nosso povo”.

Os próximos dias serão de nova acomodação para avaliar o real impacto de prisão de Temer e de observação dos próximos passos ligados ao ex-presidente: será solto nas próximas horas? Se for, qual será a reação de uma parte da opinião pública irritada com o Judiciário que poda a Lava Jato? Trata-se de um ciclo crônico a que Brasília tenta se acostumar desde o início da operação, em 2014, e que já havia afetado o próprio Temer. Quando presidente, Temerencaminhava bem a votação de sua reforma da Previdência e tinha chances de aprová-la, explodiu a delação do empresário Joesley Batista, da JBS, que o implicava diretamente. O ano era 2017. Dois anos depois, e já fora do poder, ele pode protagonizar a virada decisiva para o destino da nova tentativa de mudar as aposentadorias.


Luiz Carlos Azedo: Prisão de Temer assombra o MDB

“O juiz fez questão de dizer que não se tratava de dinheiro destinado à campanha eleitoral, ou seja, caixa dois, para que o processo não seja remetido à Justiça Eleitoral”

As prisões do ex-presidente Michel Temer e do ex-governador fluminense Moreira Franco, que foi ministro dos últimos quatro governos, assombraram os políticos do MDB e demais partidos investigados pela Operação Lava-Jato. Os mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pela Lava-Jato no estado. As prisões tiveram como base a delação de José Antunes Sobrinho, dono da Engevix, segundo a qual o empresário teria pago R$ 1 milhão em propina, a pedido do coronel João Baptista Lima Filho e do ex-ministro Moreira Franco, com o conhecimento do presidente Michel Temer, supostamente em troca de um contrato em favor da Engevix no projeto da usina de Angra 3. Lima Filho é amigo de Temer e também foi preso.

Na sentença, o juiz fez questão de dizer que não se tratava de dinheiro destinado à campanha eleitoral, ou seja, caixa dois, com claro objetivo de fechar a porta para que o processo seja remetido à Justiça Eleitoral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base na jurisprudência vigente. A investigação é resultado do cruzamento de dados das operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade e apura crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro; pagamentos ilícitos foram feitos por determinação de José Antunes Sobrinho para o suposto “grupo criminoso liderado por Michel Temer”, assim como possíveis desvios de recursos da Eletronuclear para empresas indicadas pelo grupo.

“Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”, afirmou o juiz Marcelo Bretas na sentença, o mesmo que comandou as investigações que levou à prisão os ex-governadores fluminenses Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão e o ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, todos do MDB. O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que o montante da propina ultrapassa R$ 1,8 bilhão. “Esse valor é firmado e colocado na peça para mostrar o quão perigosa é a organização criminosa”, explicou o procurador da República Eduardo El Hage, que acusou duramente o ex-presidente da República: “Não é por se tratar de um homem branco e rico que devemos ser lenientes com crimes cometidos dentro do Palácio Jaburu”.

A defesa do ex-presidente Michel Temer já entrou com pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que foi distribuído para o desembargador federal Iva Athié, porque a investigação tem conexão com a Operação Prypiat, que é de relatoria do magistrado. Temer foi preso em São Paulo na manhã de ontem, depois de sair de casa, numa ação espetacular de agentes da Polícia Federal com uniformes camuflados, que foi muito criticada pelos políticos. O ex-ministro Moreira Franco no Rio também foi preso em trânsito: o táxi no qual estava foi interceptado pelos agentes federais quando rumava do Aeroporto do Galeão para sua casa, em São Conrado, no Rio de Janeiro.

Repercussão

No Chile, o presidente Jair Bolsonaro lavou as mãos em relação à prisão de seu antecessor: “A Justiça nasceu para todos e cada um que responda pelos seus atos”, disse, para completar: “Governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, no meu entender. Você faz indicando pessoas sérias, competentes para integrar seu governo. É assim que fiz no meu governo, sem acordo político, respeitando a Câmara e o Senado brasileiro”. No Congresso, as reações foram contraditórias: os políticos ligados a Bolsonaro comemoraram a prisão, enquanto os aliados de Temer criticaram o juiz Bretas: “O MDB lamenta a postura açodada da Justiça à revelia do andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidade por parte do ex-presidente da República Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O MDB espera que a Justiça restabeleça as liberdades individuais, a presunção de inocência, o direito ao contraditório e o direito de defesa”.

Nos bastidores do Judiciário, considerada desnecessária, a prisão preventiva de Temer é apontada como mais um capítulo da queda de braço da força-tarefa da Lava-Jato com o Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os criminalistas, a avaliação é de que haverá uma onda de prisões dos políticos investigados que perderam o mandato, sendo o MDB a bola da vez. Como Temer responde a outros processos, inclusive em São Paulo, caso o seu habeas corpus seja aceito pelo TRF-2, é previsível que seja preso novamente por decisão da Justiça Federal de São Paulo, no processo do porto de Santos. Outros políticos sem mandato do MDB estão sendo investigados, como o atual presidente da legenda, Romero Jucá (RR), o ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira (CE) e o ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-prisao-de-temer-assombra-o-mdb/


Eliane Cantanhêde: Álcool na fogueira

Prisão de Temer era questão de tempo, mas acirra os ânimos no STF e no Congresso

Não há surpresa na prisão do ex-presidente Michel Temer, alvo de dez inquéritos e agora sem foro privilegiado, mas há uma preocupação: foi também um lance na guerra do Ministério Público e da Justiça contra o Supremo e o Congresso? Álcool na fogueira?

Há décadas ouve-se falar das ligações pouco heterodoxas de Temer com o Porto de Santos, mas a prisão do ex-presidente não foi determinada por isso, nem por desvios de mais de R$ 10 milhões da Odebrecht para o MDB, nem mesmo pela conversa de Temer com Joesley Batista no Palácio do Jaburu.

A prisão foi determinada pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio, e por uma quarta frente contra Temer: a roubalheira na Eletronuclear e nas obras de Angra 3. E veio no rastro da decisão do Supremo – por um voto de diferença – de jogar para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conectados com caixa 2 de campanha. Segundo o MP, foi “o fim da Lava Jato”.

A dúvida no STF e entre políticos é se a prisão de Temer é um contra-ataque, uma demonstração de força da Lava Jato. E isso provoca uma aliança tácita e por baixo dos panos entre ministros “garantistas” e líderes importantes do Congresso, que acusam excesso de poder do MP e correspondente “demonização da política”.

No centro da guerra e da polêmica está uma pergunta bastante objetiva: há ou não justificativa para a prisão temporária (por tempo indeterminado), particularmente por se tratar de um ex-presidente da República?

Na versão de juristas e políticos que acusam procuradores e policiais federais de atropelarem leis e regras em nome do combate à corrupção, a prisão de Temer é injustificada, porque ele é réu primário, tem endereço certo, não ameaça a ordem pública. Logo, poderia ter sido simplesmente chamado a prestar esclarecimentos, sem prisão.

Na entrevista coletiva, porém, os procuradores classificaram Temer como “chefe da organização criminosa” e elencaram três motivos para a prisão temporária: 1) os desvios ocorrem há 40 anos e podem chegar R$ 1,8 bilhão; 2) é preciso “reparar os danos”, impedindo que o resultado da propina evapore; 3) a quadrilha estava destruindo todos os papéis dos escritórios e até coletando dados dos investigadores.

Esse embate sobre a legalidade da prisão pode incendiar de vez não apenas as relações entre Supremo e MP como incendiar de vez a irritação popular contra a mais alta Corte do País. Basta que a defesa de Temer apresente pedido de habeas corpus e um dos ministros mande soltar o ex-presidente. Já imaginou? A tentativa de Bretas e dos procuradores é tirar Gilmar Mendes e empurrar a relatoria do eventual HC para Luís Roberto Barroso ou Edson Fachin, ambos pró-Lava Jato.

No Congresso, o efeito é imprevisível, mas não é absurdo dizer que há uma confluência de fatores adversários à votação da reforma da Previdência. Assim como a delação de Joesley Batista abortou a aprovação no governo Temer, agora há a percepção de que o MP, ao prender o ex-presidente, atacou o MDB e cutucou o mundo político. E mais: a proposta dos militares e a queda brusca de Bolsonaro no Ibope, com apenas três meses.

O PT odeia Temer, mas sua prisão pode promover uma aliança entre parte da esquerda e parte da direita, contra o MP e atropelando a pauta do governo. Em vez de priorizar o pacote do ministro Sérgio Moro contra a corrupção e o crime organizado, o Congresso poderá ressuscitar justamente o oposto: a proposta contra o abuso de autoridade.

Por mais que haja um bilhão e 800 milhões de razões para a prisão de Michel Temer, que era só questão de tempo, “há muito mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”.


Vera Magalhães: Prisões coincidem com revés da Lava Jato e disputa intensa entre instituições

Juiz Marcelo Bretas testa os limites e a extensão de decisão do Supremo Tribunal Federal, de que crimes relacionados a outros eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral

A prisão de Michel Temer, dois de seus ex-ministros e o amigo João Batista Lima Filho, o notório Coronel Lima, ocorre num dos momentos mais críticos para a Operação Lava Jato em seus cinco anos de existência. À parte a consistência ou não das revelações do dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, o fato é que elas são conhecidas pelo menos desde outubro do ano passado, quando sua delação premiada foi homologada.

Já estava no horizonte da política e dos meios judiciais que Temer poderia ser preso. O próprio emedebista tinha essa preocupação no radar: despachava diariamente com assessores e advogados no escritório que mantém há muitos anos no Itaim, em São Paulo. Evitava entrevistas, dedicava horas a esmiuçar os vários inquéritos e a tentar rebatê-los juridicamente. Mas o caso Engevix não estava entre suas principais preocupações. Antes dele figuravam o chamado inquérito dos portos, a delação dos executivos da J&F – que ensejou a primeira denúncia contra ele, ainda em 2017 – e a acusação de recebimento de recursos da Odebrecht, negociados em jantar no Palácio do Jaburu em 2014.

A prisão preventiva coincide com um momento de intensa disputa de poder entre várias instituições e entre agentes públicos e políticos. Estão no tabuleiro as iniciativas do Supremo Tribunal Federal para ao mesmo tempo conter o “lavajatismo” e reagir a críticas, ataques e investigações contra a corte e seus integrantes; a necessidade de a própria Lava Jato reagir a sucessivos reveses que atingem a força-tarefa; as agruras do ex-juiz e ex-símbolo da Lava Jato Sérgio Moro se adaptar à sua nova condição de ministro e, portanto, ator da política; a dificuldade do governo de articular uma base de apoio no Congresso e votar a reforma da Previdência, e a maneira como o Congresso e, por conseguinte, a classe política tentam se recuperar do processo no qual foram dizimados pela Lava Jato e perderam força de negociação com o governo.

Todos esses episódios, de forma combinada ou específica, contribuem ou sofrem as consequências da escalada quase diária dessa disputa institucional por poder e prerrogativas, da qual a prisão do segundo ex-presidente em um ano é um dos capítulos mais dramáticos.

Ao ordenar as prisões, o juiz Marcelo Bretas, que tem sido muito vocal nas manifestações políticas nas redes sociais e se notabilizou graças à Lava Jato e na esteira da popularidade alcançada por Moro, testa a extensão de decisão do STF da semana passada, de que crimes relacionados a outros eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Na delação, o dono da Engevix diz ter repassado R$ 1 milhão para a empresa do coronel Lima como fachada para esconder uma contribuição ao PMDB – que reverteria em benefícios em contratos já existentes para Angra 3 e concessões aeroportuárias.

Se fosse levada ao pé da letra, a ponto de representar o “fim da Lava Jato”, como preconizaram procuradores que atuam na operação, a delação e as investigações dela decorrentes poderiam ir para a Justiça Eleitoral. Bretas decidiu ignorando essa interpretação. A defesa dos presos já se movimenta para contestar as prisões tendo a decisão do STF como parâmetro. E caberá à corte, mais uma vez, dirimir a controvérsia.

Uma análise imediata das prisões de Temer permitiria tirar a conclusão de que elas são uma boa notícia para Bolsonaro, por atingirem um grupo político que foi apeado do poder com sua eleição e por vir num momento em que sua popularidade cai. Será? O tumulto político atingindo o sogro do presidente da Câmara – Moreira Franco, preso nesta quinta, é casado com a sogra de Rodrigo Maia – e um partido que detém 30 votos coloca em xeque a já conturbada negociação da reforma da Previdência. Mais: se já era latente o conflito entre os políticos e Moro antes dessa nova investida da Lava Jato, agora as condições para que o ministro da Justiça tenha êxito em sua negociação para a aprovação do pacote anticrime se deterioram ainda mais.

A prisão de Temer e dos demais aliados deve acentuar um movimento que já vinha ocorrendo: uma união tácita entre STF e Congresso para tentar conter o que ministros chamam de “perenização” da Lava Jato. É entendimento comum a políticos e ministros da corte que a Lava Jato deixou de ser uma operação – algo circunscrito a um objeto definido – e uma força-tarefa (por definição algo provisório) há muito tempo. Em cinco anos, a Lava Jato foi de uma ação contra doleiros de Brasília ao petrolão e, de lá, ao infinito e além. A ponto de hoje ter tentáculos em setores como elétrico e de transportes (em vários modais), atingir múltiplos partidos e se espraiar para governos dos Estados.

O discurso de que deve haver um fim da Lava Jato, cinco anos depois, já não é apenas entoado nos bastidores: ele começa a ser expressado publicamente. Resta saber nessa equação como vai se portar Bolsonaro, eleito em parte como consequência da “lavajatização” da política e tendo em seu ministério o símbolo máximo da operação, mas ao mesmo tempo premido pela necessidade de destravar a economia, tarefa para a qual precisa contar com o Congresso.


Hélio Schwartsman: A morte da Lava Jato?

Decisão do STF de enviar para Justiça eleitoral os crimes envolvendo caixa dois pode ser positiva

Se todas as vezes que procuradores de Curitiba anunciaram a morte da Lava Jato a operação tivesse de fato ido a óbito, teríamos passado os últimos cinco anos sem arredar pé do velório.

Em vez disso, estamos diante de uma investigação continuada que já resultou em 285 condenações que somam mais de 3.000 anos de prisão e que recuperou R$ 13 bilhões desviados de cofres públicos.

É certo que a decisão do STF de remeter para a Justiça Eleitoral (e não a Federal) casos de corrupção que envolvam caixa dois não facilita a vida dos procuradores. A Justiça Eleitoral é um improviso só. Ela funciona com magistrados “emprestados” de outros segmentos do Judiciário, que podem ter ou não a expertise para julgar crimes complexos como corrupção e lavagem de dinheiro.

Se pensarmos a operação sob a lógica do retributivismo, no qual o que importa é condenar o maior número possível de criminosos, ela pode ter sofrido um revés com a nova jurisprudência do STF. Mas, se adotarmos uma perspectiva mais institucional, a decisão poderá até revelar-se positiva.

A Lava Jato trouxe uma grande novidade. Contrariando séculos de favorecimento, políticos de alto coturno e grandes empresários foram condenados. É um avanço civilizatório que eu nunca pensei que veria em vida. Registre-se, porém, que a operação também engendrou abusos, como vazamentos seletivos e o excesso de prisões cautelares.

Eu diria que o saldo é mais positivo do que negativo, mas, para que a Lava Jato se consolide como uma mudança de paradigma —e não como um mero soluço—, é preciso que a cultura de não poupar poderosos se espalhe por todas as engrenagens da Justiça. Não haverá avanço verdadeiro enquanto o sucesso depender do “heroísmo” de um juiz ou de um núcleo específico.

Ainda que inadvertidamente, o STF, ao trazer a Justiça Eleitoral para o jogo, pode ter dado um empurrão para disseminar o lava-jatismo.