Lava Jato
Nas entrelinhas: Rainha da Inglaterra
“Embora Bolsonaro culpe o Congresso pela não aprovação de suas propostas, o troca-troca de ministros é a demonstração de que o governo não estava funcionando como gostaria”
No fim de semana, numa de suas entrevistas, o presidente Jair Bolsonaro disse que estavam querendo transformá-lo numa rainha da Inglaterra, numa alusão às articulações dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para fortalecer o Congresso na relação com o Executivo. Sua queixa estava diretamente relacionada ao novo marco legal das agências reguladoras, que tramitou diretamente nas comissões e supostamente retiraria da Presidência a prerrogativa de indicar os dirigentes das agências. Ontem, Bolsonaro disse que vetará o projeto. É do jogo.
Há um pouco de tempestade em copo d’água nas declarações de Bolsonaro sobre a aprovação do projeto, que não passou por nenhum dos plenários das duas casas legislativas, o que revela absoluta desarticulação política do Palácio do Planalto. O governo levou uma caneta da própria base, pois deixou o projeto tramitar despercebido por todas as comissões da Câmara e do Senado. Bastava requerer votação em plenário para melar a articulação silenciosa dos parlamentares interessados em levar para o parlamento o controle das agências reguladoras.
Entretanto, a declaração de Bolsonaro sintetiza a tensão entre o governo e o Congresso, que busca se fortalecer diante dos ataques que os aliados do presidente da República fazem contra os políticos. É aí que está o busílis da questão. Bolsonaro se elegeu como candidato antissistema, na onda de rejeição à política e aos políticos. Tentou emparedar o Congresso com uma retórica “nova política” versus “velha política”. Depois, mobilizou seus partidários para protestar e pressionar o Congresso na reforma da Previdência.
Agora, saiu em defesa da Operação Lava-Jato e do ministro Sérgio Moro, surfando no divisor de águas ético que decidiu as eleições passadas a seu favor, em razão do vazamento de conversas entre o ex-juiz de Curitiba e os procuradores da força-tarefa que investigam o escândalo da Petrobras. Acontece que o Congresso não meteu a carapuça e se esquivou do confronto, também resolveu jogar para a arquibancada. Bolsonaro não pode se queixar: nunca um governo contou com tanto apoio para mexer na Previdência como agora.
Exagero
Na verdade, críticas ao suposto excesso de poder do Congresso por parte de presidentes da República existem desde a Constituinte, quando José Sarney questionava o detalhismo da Constituição e o engessamento do Executivo. O viés parlamentarista do texto constitucional sempre foi apontado como um fator de tensão nas relações entre os poderes, a ponto de muitos dizerem que vivíamos uma espécie de semiparlamentarismo.
Na prática, porém, o que aconteceu em todos os governos foi o contrário: a subordinação do Congresso ao Executivo, com a cooptação da maioria dos parlamentares pelo chamado “presidencialismo de coalizão” e o deslocamento da capacidade de mediação com a sociedade do parlamento para o Palácio do Planalto, que controla a chamada “grande política”. Deputados e senadores ficaram com a “pequena política”, vale dizer, com o fisiologismo e o patrimonialismo. É muito difícil um caso de corrupção de parlamentares sem protagonismo no Executivo.
E a rainha da Inglaterra? É apenas uma expressão popular, sem nenhum paralelo com a democracia inglesa, a mais antiga do mundo, que resultou de um longo processo revolucionário e da luta dos trabalhadores e dos mais pobres contra a brutal exploração do trabalho ocorrida na Revolução Industrial. Graças a isso, a sociedade britânica é tolerante, respeita os direitos humanos e as liberdades dos indivíduos, servindo de exemplo para o mundo.
Entretanto, é um regime muito singular, com instituições que remontam ao período medieval e uma cultura jurídica anglo-saxã, muito marcada pela tradição dos tribunais populares, completamente diferente da nossa, que se baseia no direito romano e na letra da lei. Enquanto nosso presidente da República e nossos senadores são eleitos, uma família real chefia o Estado, e mais de 800 lordes vitalícios formam uma câmara alta, com muitos poderes.
Ou seja, parte do poder político é exercido por pessoas que têm direito a ele apenas por terem nascido na família certa (herdeiros de senhores feudais, de antigos corsários e de funcionários do império colonial britânico), serem membros do clero ou nomeados pelos próprios partidos à Câmara dos Lordes. Em contrapartida, a Câmara dos Comuns, formada por parlamentares eleitos, controla o Executivo, com poder de derrubar o primeiro-ministro. Agora mesmo estamos acompanhando a confusão criada pela aprovação do Brexit, em plebiscito, isto é, a saída da Inglaterra da União Europeia e as dificuldades encontradas para negociar o efetivo deslocamento do bloco europeu.
Embora a retórica de Bolsonaro jogue nos ombros do Congresso a culpa pela não aprovação de suas propostas, o troca-troca de ministros na Secretaria de Governo e na Secretaria-Geral da Presidência, com a redistribuição de funções entre as pastas que formam o Estado-Maior da Presidência, é a demonstração de que o problema é bem outro. O governo não estava funcionando como Bolsonaro gostaria.
Não se pode atribuir ao general Santos Cruz, defenestrado por Bolsonaro, a responsabilidade pela desarticulação do governo, mas havia uma dissintonia entre ambos. A sua substituição por Luiz Amaro Ramos, um general da ativa, que deixará o Comando do Sudeste, ainda não foi efetivada, dirá se o problema era só de alinhamento. Outra mudança importante, efetivada ontem, foi a substituição do general Floriano Peixoto, que assumirá os Correios, pelo major da PM do Distrito Federal Jorge Oliveira na Secretaria-Geral da Presidência, que assumirá a tarefa de coordenação política. Vamos ver se agora vai.
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Luiz Carlos Azedo: Guerra cibernética
“Há certa angústia no governo quanto à possibilidade de novas revelações sobre as conversas de Moro, que saiu fragilizado do episódio, apesar da solidariedade que vem recebendo”
O governo suspeita que os ataques de hackers à Operação Lava-Jato seriam o deslocamento da fronteira da “guerra cibernética” para o Brasil. Especialistas militares temem que o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, esteja recebendo as informações que publicou de hackers russos que operam para grandes corporações, doleiros internacionais e o próprio governo de Vladimir Putin. A teoria conspiratória ganhou mais força depois da invasão de um grupo do aplicativo russo Telegram por meio do celular de um dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o conselheiro Marcelo Weitzel, do Ministério Público Militar.
O hacker que clonou seu celular se anunciou como tal e disse que poderia acessar “quem quiser e quando quiser”. A conversa ocorreu na noite de terça-feira passada, quando mensagens do perfil de Weitzel questionaram a atuação de procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato. Um dos integrantes questionou o hacker: “Marcelo, essas mensagens são suas? Não está parecendo seu estilo. Checa teu celular aí”. Uma pessoa que se passava pelo procurador militar respondeu: “Hacker aqui. Adiantando alguns assuntos que vocês terão de lidar na semana, nada contra vocês que estão aqui, mas ninguém melhor que eu para ter acesso a tudo, né”.
Vários procuradores foram hackeados. Em troca de mensagem com o procurador regional José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, o hacker deu a entender que era uma espécie de mercenário cibernético: “Eu não tenho ideologias, não tenho partidos, não tenho lado, sou apenas um funcionário de TI (tecnologia da informação)”. Ainda não se sabe se é o mesmo hacker que entrou nas conversas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, com os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato.
Há quatro inquéritos na Polícia Federal investigando o caso, mas a Procuradoria-Geral da República quer que sejam unificados. Os ataques de hackers aos integrantes do Ministério Público vêm ocorrendo desde quando tentaram invadir as contas do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, sem, entretanto, obter o mesmo sucesso de agora. Há certa angústia no governo quanto à possibilidade de novas revelações sobre as conversas de Moro, que saiu fragilizado do episódio, apesar da solidariedade que vem recebendo . Ontem, na Câmara, o ministro foi convocado a dar esclarecimentos sobre os vazamentos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Outra coisa
A suposta existência de uma guerra cibernética, como suspeitam os militares, porém, não interdita o debate jurídico sobre a atuação do ministro Sérgio Moro como juiz da Operação Lava-Jato, que hoje divide a opinião pública e o mundo jurídico. Ontem, o ministro relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse que o andamento dos processos relacionados à operação não serão prejudicados: “A Lava-Jato é uma realidade, e não acredito que essa realidade venha a ser afastada por qualquer circunstância conjuntural”, afirmou. Segundo o ministro, a Lava-Jato “não é suscetível de qualquer retrocesso”.
Nos bastidores do Supremo, porém, há muitos questionamentos sobre a atuação de Moro e da força-tarefa da Lava-Jato. Pelo menos cinco ministros já estariam propensos a considerar nulas certas decisões tomadas por Moro de comum acordo com os procuradores. Ontem, questionado pela imprensa, o ministro Luiz Fux, vice-presidente do STF, disse ter certeza de que o assunto será judicializado, mas se recusou a fazer juízo de valor. O pano de fundo da questão é o julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva, marcado para o próximo dia 25.
O clima no Supremo não é dos melhores para o governo. Decisões tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro começam a ser questionadas judicialmente. Ontem, por exemplo, o plenário da Corte formou maioria para impedir, provisoriamente, a extinção de conselhos da administração pública federal que tenham amparo em lei. Votaram contra a extinção: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux votaram com a ressalva de que somente não podem ser extintos os conselhos criados expressamente por lei. Ainda não votaram Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O julgamento deve ser encerrado hoje, com decisão de caráter provisório: Bolsonaro ficará proibido de extinguir conselhos da administração que tenham aval do Congresso Nacional até o julgamento do mérito da questão. Os que foram constituídos por decreto, portarias e resoluções poderão ser extintos caso a caso. A Advocacia-Geral da União (AGU) estima que existem no país 2,5 mil conselhos e colegiados, quase a metade criados por portarias, medidas provisórias e decretos.
Volto já — por uns dias, me ausentarei da coluna.
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Luiz Carlos Azedo: A roupa íntima da Lava-Jato
”Políticos se mobilizam para convocar Moro a depor na Câmara e no Senado, falam até na instalação de uma CPI da Lava-Jato, além da aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade”
Uma das teorias da linguagem na internet, desenvolvida ainda nos tempos da linha discada, com seus ruídos característicos, foi batizada com o nome de “roupa íntima”. Trata-se da contaminação da linguagem adotada pelos usuários da internet pela informalidade do contexto em que utilizavam o computador, nas primeiras horas da manhã ou tarde da noite, geralmente utilizando a roupa com que acordavam ou iriam dormir. Os especialistas advertiam que essa informalidade era um risco para as comunicações de natureza comercial, administrativa ou diplomática.
Essa teoria foi comprovada no escândalo do WikiLeaks, a organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, administrada pelo jornalista e ciberativista australiano Julian Assange, que divulgou em 2013 milhares de documentos secretos do governo dos Estados Unidos, que monitorou conversas telefônicas e mensagens de e-mail em dezenas de países, com comentários assombrosos e revelações escabrosas de diplomatas e funcionários sobre a atuação do Departamento de Estado no mundo. Entre os documentos divulgados mais recentemente, um vídeo de 2007 mostra o ataque de um helicóptero Apache dos marines que matou pelo menos 12 pessoas, dentre as quais dois jornalistas da agência de notícias Reuters, em Bagdá, no contexto da ocupação do Iraque.
Coincidentemente, o autor do “furo”, o jornalista Glenn Greenwald, então colunista do jornal inglês The Guardian, que publicou os documentos também no The Washington, é o responsável pelo site Investigativo The Intercept, que divulgou neste domingo conversas comprometedoras, no aplicativo russo Telegram, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, então juiz da 13ª. Vara Federal de Curitiba, e procuradores federais da força-tarefa da Operação Lava-Jato, entre eles Deltan Dallagnol, sobre assuntos da investigação. Casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), Greenwald mora no Rio de Janeiro desde 2005.
Suas revelações mobilizaram os advogados de Lula e o PT, que denunciam a suposta contaminação do julgamento de Lula por motivações políticas da Lava-Jato. No Congresso, políticos de diversos partidos se mobilizam para convocar Moro a depor na Câmara e no Senado, falam até na instalação de uma CPI para investigar a Lava-Jato, além da aprovação da nova Lei de Abuso de Autoridade. Greenwald diz que o volume de material obtido por ele neste caso supera o da reportagem que lhe valeu o prêmio Pulitzer, graças à parceria com o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, que está preso até hoje
Moro minimizou o fato e atacou os autores do vazamento: “Não vi nada de mais ali nas mensagens. O que há ali é uma invasão criminosa de celulares de procuradores, não é? Pra mim, isso é um fato bastante grave — ter havido essa invasão e divulgação. E, quanto ao conteúdo, no que diz respeito à minha pessoa, não vi nada de mais”, disse o ministro, após participar de evento com secretários de segurança pública em Manaus.
Diálogos
Na semana passada, Moro teve seu celular “hackeado”, mas o Intercept alega que obteve os diálogos antes dessa invasão. Segundo o site, as informações foram obtidas de uma fonte anônima. Em um dos diálogos, Moro pergunta a Dallagnol: “Não é muito tempo sem operação?”. O chefe da força-tarefa concorda: “É, sim”. Em outra conversa, Dallagnol pede a Moro para decidir rapidamente sobre um pedido de prisão: “Seria possível apreciar hoje?”. E Moro responde: “Não creio que conseguiria ver hoje. Mas pensem bem se é uma boa ideia”. Nove minutos depois, Moro adverte a Dallagnol: “Teriam que ser fatos graves”.
De acordo com o Intercept, procuradores traçaram estratégias para cassar a autorização judicial para o ex-presidente Lula ser entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo, por temerem que influenciasse a eleição. O procurador Januário Paludo teria proposto: “Plano A: tentar recurso no próprio STF. Possibilidade zero. Plano B: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona, mas diminui a chance da entrevista ser direcionada”. Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal manobrasse para que a entrevista fosse feita depois das eleições. Quando a autorização para a entrevista foi cassada por uma liminar obtida pelo Partido Novo, Paludo escreveu: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!”.
Não somente os advogados de Lula pretendem virar a mesa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu o afastamento de Moro e Dallagnol dos respectivos cargos e as defesas de outros réus se preparam para pedir a nulidade dos processos, alegando que Moro e os procuradores, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (SDTF), não podem invocar as prerrogativas da magistratura como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Seria prevaricação.
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Luiz Carlos Azedo: A ética na política
“No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista”
“A política como vocação”, clássico da ciência política, é o texto de uma conferência realizada por Max Weber em 1918, e publicado em 1919 na Alemanha. O sábio economista e jurista alemão trata a política como “o conjunto de esforços feitos visando à participação do poder ou a influenciar a decisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado”. Segundo ele, quem se mete com a política quer poder, seja para fins ideais, por interesses econômico-financeiros ou em busca de prestígio. Para que o poder exista, porém, é preciso que a sociedade aceite a dominação do Estado.
Há três formas de dominação no Estado moderno: a tradicional, que se fundamenta e se legitima no passado, pela tradição; o domínio exercido pelo carisma e se fundamenta em dons pessoais e intransferíveis do líder; e a exercida pela legalidade, com base em regras racionalmente criadas e fundamentado na competência. Nas democracias do Ocidente, essas formas de dominação aparecem simultaneamente, mas o carisma é o fator decisivo para a chegada ao poder. O líder carismático, porém, necessita de meios materiais e conhecimento administrativo para exercer seu domínio.
É nesse contexto que surge o “político profissional”, que Weber classifica entre os que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”. Todo cidadão pode e deve participar da vida política, mas nem todos têm tempo disponível e recursos para isso. Por isso, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede a diferenciação entre os que têm a política como “bem comum” e os que a veem como negócio.
Paralelamente à existência dos políticos, existe uma burocracia formada por funcionários e técnicos encarregados de operar a máquina do Estado. Por essa razão, além dos objetivos programáticos, se estabelece entre os políticos uma disputa pela ocupação de cargos e a distribuição de recursos do governo. Nessa dinâmica, surge ainda uma camada de dirigentes partidários formada a partir de critérios plutocráticos e que vão ocupar posições no governo ou na máquina partidária. Para Weber, essas são as bases potenciais de “uma tendência que leva à criação de uma casta de filisteus corruptos”.
No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, como nos Estados Unidos e alguns países da Europa, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista, embora o patrimonialismo, o cartorialismo e o fisiologismo sejam marcas registradas da nossa cultura ibérica. Mesmo assim, no Estado brasileiro, foi possível constituir uma burocracia formada por “trabalhadores especializados, altamente qualificados e que se preparam, durante muito tempo, para o desempenho de sua tarefa profissional, sendo animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, em que se realça o sentimento da integridade”.
Lava-Jato
A Operação lava-Jato é um tremendo choque entre os políticos profissionais e essa burocracia, que desnudou o lado escuro da nossa política como negócios. Disso resultou a crise ética dos grandes partidos e o tsunami eleitoral de 2018. Em parte, a eleição do presidente Jair Bolsonaro é resultado desse fenômeno. Entretanto, não existe democracia sem partidos nem políticos, o país não pode ser paralisado pela crise ética. Além disso, a política é a economia concentrada, ou seja, não existe sem o mundo dos negócios. Há que se reinventar a nossa política, sem jogar a criança fora com a água da bacia, mas está difícil porque predomina a antipolítica como sentimento popular.
É aí que entra a discussão sobre a ética das convicções e a ética da responsabilidade proposta por Weber, ao examinar a relação entre o protestantismo e o capitalismo. A ética utilizada para culpar o passado pelos próprios fracassos é vulgar e limitada, como a do homem que justifica o abandono da esposa porque ela não era digna do seu amor. A relação entre política e religião é apartada: “O cristão cumpre seu dever segundo os mandamentos bíblicos e, “quanto aos resultados, confia em Deus”. Diferentemente, na ética de responsabilidade, “sempre devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos”. A “política se faz usando a cabeça”, não pode estar desconectada da correlação de forças e das probabilidades.
Weber escreveu, às vésperas da derrocada da República de Weimar, que levou a Alemanha à hiperinflação e Hitler, ao poder. Isso não impediu que o baixo astral com a derrota na I Guerra Mundial e o colapso econômico fomentasse o surgimento de autores “teoconservadores”, que influenciaram o nazifascismo e agora estão sendo relidos nos Estados Unidos e na Europa, por católicos conservadores, protestantes evangélicos e judeus ortodoxos. Com base em valores religiosos anti-iluministas, querem mudar o curso da história com os olhos virados para trás, em busca do “Éden” perdido pela democracia liberal, com a globalização e o multilateralismo.
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Luiz Carlos Azedo: O tamanho do “mito”
“Ao não lotear o governo e recusar o chamado toma lá dá cá, o presidente Bolsonaro devolve a grande política ao Congresso, que está recuperando sua capacidade de mediação com a sociedade”
Quem apostou no fracasso das manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no último domingo perdeu. Foi uma dupla demonstração de força: primeiro, do poder de mobilização de uma militância aguerrida e ideologicamente alinhada com seu líder; segundo, da capacidade de direção política dos protestos, que foram convocados para confrontar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabaram redirecionados para apoiar o presidente da República e a reforma da Previdência. Não é pouco.
Também perdeu quem apostou no emparedamento do Congresso e do Supremo, ainda que Bolsonaro tenha acarinhado seus partidários radicais com sua declaração de que o ato foi um protesto contra as “velhas práticas”. Motivação inicial dos protestos, essa intenção foi sendo frustrada por setores que apoiam o presidente da República, mas não são radicais, situam-se no espectro da centro-direita. Esses setores mais moderados estão ancorados nos ministros políticos, militares e técnicos que compõem o governo e não reproduzem a lógica do grupo ideológico que cerca o clã Bolsonaro. O agrupamento moderado faz o presidente da República ser maior do que o “mito”.
Como nos ensina o mestre Norberto Bobbio, todo governo é a forma mais concentrada de poder; porque as funções essenciais do Estado, que são normatizar, arrecadar e coagir, fazem dele o eixo da vida nacional. O poder do Estado, cujo vértice é a Presidência, é muito maior do que o carisma do líder, ainda que esse carisma seja uma via de chegada e conservação do poder. Essa relação é ainda mais complexa na democracia, porque existem as mediações do Congresso (que normatiza) e do Supremo (que delimita a autoridade). Talvez a melhor conclusão que possa se tirar das manifestações de domingo seja a separação das coisas, ou seja, deram mais nitidez entre o que é o poder do Estado e o carisma do “mito”.
Isso é bom para todos, porque há gente no governo que ainda não sabe separar alhos de bugalhos. Misturar essas coisas foi um dos defeitos do governo Lula, cujo enorme carisma era acompanhado também de grande capacidade de negociação. Juntando o poder do Estado com seu magnetismo popular, o petista abduziu do Congresso a grande política, levando toda a mediação do mundo dos interesses, tanto do trabalho como do capital, para o Palácio do Planalto. Restou ao parlamento a pequena política, cujo subproduto foi a propina miúda dos negócios, porque as grandes negociatas, essas rolavam mesmo é nos ministérios e nas estatais, sobretudo a Petrobras. Dilma não tinha a mesma capacidade de mediação, enveredou por um caminho desastroso na economia e acabou apeada do poder, pelo povo na rua e pelas raposas do Congresso. A Operação Lava-Jato se encarregou, depois, de passar o rodo em quase todo mundo que meteu os pés pelas mãos.
Grande política
Ao não lotear o governo e recusar o chamado toma lá dá cá, o presidente Bolsonaro devolve a grande política ao Congresso, que está recuperando sua capacidade de mediação com a sociedade, embora o custo disso seja certa instabilidade política e muitos desencontros com o governo, inclusive de sua base. O fato de o governo ter fortes características bonapartistas é contrabalançado pelo fortalecimento do Congresso como espaço da grande política e da negociação com a sociedade, e não do transformismo e do cretinismo parlamentar. Essa é uma visão otimista, digamos assim, mas verdadeira. O debate sobre a reforma da Previdência revela que a Câmara está nesse rumo; o fato de a reforma tributária entrar em discussão à revelia do Palácio do Planalto, para fortalecer a Federação, tem o mesmo significado. Pode ser que dessas tensões com o Executivo resulte uma relação mais saudável entre os poderes da República.
Isso também vai depender do Congresso, em particular das forças de centro-esquerda que apoiam as reformas e da esquerda formada pelo PT e seus aliados históricos. Fragilizadas pelo resultado das urnas — ficaram de fora do segundo turno —, as forças de centro-esquerda se rearticulam no Congresso em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do apoio às reformas. A emergência de outros atores nos governos estaduais, sobretudo João Doria (PSDB), em São Paulo, pode até resultar no surgimento de uma alternativa de poder fora do eixo da polarização Bolsonaro-Lula.
Já que falamos no nome do santo, vamos falar do milagre: o Lula livre! é um beco sem saída para o PT, serve para manter o partido agrupado e aguerrido, mas não para romper o isolamento. Retroalimenta a narrativa olavista e sua capacidade de mobilização. Essa polarização, que se impôs no primeiro turno das eleições passadas, pavimentou o caminho das alianças de Bolsonaro com os setores moderados. Vem daí a falta de iniciativa política dos partidos de esquerda a reboque do petismo, cuja bandeira de resistência absoluta às reformas é uma espécie de quanto pior, melhor.
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Luiz Carlos Azedo: Guedes, Moro e Cruz
“A fritura de Santos Cruz continua no círculo íntimo de poder, que faz de tudo para intrigar o ministro com o presidente Bolsonaro”
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, quando nada pelas pastas que ocupam, são ministros poderosos, que deveriam estar em sintonia fina com o presidente Jair Bolsonaro. Mas não é isso que acontece na prática: com frequência, o presidente da República dá demonstrações de que essa sintonia não existe e emite sinais de que não pretende ser tutelado por nenhum dos três.
Guedes constantemente se vê às voltas com declarações de Bolsonaro que contrariam sua estratégia de ajuste fiscal, quase sempre com o ministro jogando para o gol e o presidente da República, para a arquibancada. Os exemplos se multiplicam. Na reforma da Previdência, Bolsonaro recuou em pelo menos quatro propostas da equipe econômica: idade igual para homens e mulheres, aposentadorias rurais, benefício de prestação continuada e plano de capitalização. Também atropelou Guedes no aumento dos combustíveis, quando vetou o reajuste anunciado pela Petrobras para agradar os caminhoneiros, e quando sugeriu a redução dos juros pelo Banco do Brasil, provocando muitas turbulências no mercado financeiro.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, é outro que volta e meia fica numa saia justa. Na semana passada, teve que digerir um decreto polêmico de liberação do porte de armas, que foi elaborado pela Presidência para atender o lobby da chamada “Bancada da Bala”, com erros grosseiros de constitucionalidade. O decreto contraria qualquer discussão séria sobre os indicadores de violência e segurança pública no país. Depois, Bolsonaro fez vista grossa para o fato de que o ministro da Casa Civil, Ônix Lorenzoni, liberou a base do governo na votação da reforma administrativa, na comissão mista que decidiu transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da Economia. O assunto vai a plenário na Câmara.
Essa decisão esvazia bastante o poder do Ministério da Justiça em relação ao combate aos crimes de colarinho branco, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro, a grande tarefa de Sérgio Moro. Falou-se até que Moro estaria pensando em deixar a pasta. Seria esse o motivo de o presidente Bolsonaro ter declarado, em entrevista, que havia assumido o compromisso de indicar Moro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), ao convidá-lo para ser ministro. A declaração é corrosiva para o ex-juiz que liderou a Operação Lava-Jato, pois passa a impressão de que realmente moveu uma perseguição política ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como denuncia o petista, ao condená-lo no caso do triplex do Guarujá. Constrangido, Moro disse ontem que não houve o acordo e que sua indicação para o Supremo é um assunto extemporâneo, porque não existe vaga aberta a ser preenchida na Corte. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, só deixará o Supremo em novembro do próximo ano.
Militares
O caso do general Santos Cruz está longe de se resolver. Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão voltou a defender o colega de farda, que está sob ataque do chamado “grupo olavista” do governo, formado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub; pela ministra dos Direitos Humanos, a pastora Damares Alves; e pelos filhos de Bolsonaro, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro; Eduardo, deputado federal por São Paulo; e o vereador carioca Carlos Bolsonaro, que é o grande desafetos do general Santos Cruz.
O guru Olavo de Carvalho, radicado na Virgínia (EUA), acusa os militares de serem um obstáculo ao projeto ultraconservador de Bolsonaro, divergindo de quase tudo o que seu grupo pensa. Os militares exercem um papel de equilíbrio e moderação no governo, o que desagrada o clã Bolsonaro, que vê a presença dos generais no como uma espécie de tutela. O busílis do conflito com Santos Cruz é a política de comunicação do governo, que está sob sua guarda, sobretudo a distribuição das verbas de publicidade. Carlos discorda de uma política institucional de comunicação, defende que as verbas de publicidade sejam utilizadas na sua cruzada ideológica contra a oposição e a grande mídia. Por causa disso, a fritura de Santos Cruz continua no círculo íntimo de poder, que faz de tudo para intrigar o ministro com o presidente Bolsonaro.
Congresso
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), jogaram um balde de água fria nas tensões entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Estão em Nova York (EUA), para uma série de encontros com empresários e investidores. A agenda inclui compromissos até amanhã, quando está previsto o retorno de ambos ao Brasil. O presidente Bolsonaro deixou de ir a Nova York depois de sua presença ser considerada inconveniente pelo prefeito da cidade, Bill de Blasio. Uma aliança dos democratas com grupos políticos identitários, sobretudo LGBT e de defesa dos direitos civis, articulada por brasileiros radicados nos Estados Unidos, está por trás da declaração de Blasio.
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Luiz Carlos Azedo: O Supremo na berlinda
“As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte, que questionam o inquérito aberto “ex ofício” por Toffoli”
O recuo do ministro Alexandre de Moraes em relação à censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé, pressionado pela mídia, pelas redes sociais e pelos próprios pares, não foi bem uma retirada do presidente do Supremo, Dias Toffoli, em relação ao suposto vazamento de informações sigilosas pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, que continua sob investigação. Por essa razão, ambos permanecem pressionados pelos pares que divergem da decisão “ex ofício” de Toffoli, que encarregou Moraes de investigar a origem dos ataques e ameaças feitas a ele próprio nas redes sociais e dos vazamentos de informações sigilosas da delação premiada da Odebrecht, que permanecem em segredo de Justiça, em razão do acordo feito com o Ministério Público Federal e o próprio Supremo.
Toffoli, Moraes e o ministro Gilmar Mendes, que desta vez esteve ao largo da crise, são alvos de vários pedidos de impeachment e de CPI para investigar o Judiciário, apelidada de Lava-Toga, no Senado. O nível de solidariedade em relação aos três por parte dos demais ministros não é robusto o suficiente para endossar o contra-ataque arquitetado por Toffoli. A unidade do Supremo só existe em torno de posições de princípio sobre as prerrogativas da magistratura. A Corte está profundamente dividida em relação a alguns temas que estão no centro da disputa com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. O melhor exemplo é a jurisprudência sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, que já foi referendada três vezes nos últimos anos, mas pode ser revista, em razão da alteração da composição do Supremo, com a chegada de novos ministros e a mudança de posição de Gilmar Mendes, que era a favor e agora é contra.
Logo após o recuo de Moraes, Toffoli suspendeu liminar do ministro Luiz Fux que havia proibido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo. A decisão é coerente com a de Moraes, mas sinaliza na direção de que o presidente do Supremo pretende pôr em discussão a revisão da jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segundo instância e, finalmente, levar ao plenário o pedido de habeas corpus da defesa do petista, cujo julgamento vem sendo adiado. Pelo andar da carruagem, o relaxamento da prisão de Lula não é uma hipótese a ser desconsiderada.
O contexto não é o mesmo do episódio do habeas corpus concedido pelo desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, em julho do ano passado. Lula cumpre pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, numa sala da Superintendência der Polícia Federal do Paraná, em Curitiba (PR). Foi condenado pelo então juiz federal Sérgio Moro e pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no processo do triplex de Guarujá, no âmbito da Operação Lava-Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O despacho de Fraveto, suspenso pelo TRF-4, determinava a suspensão da execução provisória da pena e a liberdade de Lula, em pleno curso das eleições, o que provocou o maior reboliço em plena campanha eleitoral.
À época, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, se manifestou publicamente contra a libertação de Lula. Escreveu uma mensagem de “repúdio à impunidade” e que o Exército brasileiro “se mantém atento às suas missões institucionais”. A mensagem, lida no final do Jornal Nacional (TV Globo), soou como uma ameaça de ação militar em caso de soltura do presidente. Mais tarde, em entrevista ao jornalista Igor Gielow, da Folha de São Paulo, comentou: “Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática”.
Críticas
A decisão de Moraes ajudou a diminuir o ambiente de desconforto interno entre os ministros da Corte, mas dificilmente o assunto não será decidido em plenário. As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte: “Não se pode obrigar o Ministério Público a formular, formalizar uma denúncia perante o Judiciário. Portanto, a última palavra — embora o Ministério Público não decida; a decisão é do Judiciário — mas essa não propositura da ação cabe ao Ministério Público. E não há o que fazer: é arquivar o processo”, declarou o ex-presidente do STF Ayres Britto.
Para ele, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não pode ser obrigada a promover a ação penal se assim concluir o inquérito, entre aspas, no Supremo Tribunal Federal. Aí o que vai fazer o Supremo? Se acatar a manifestação final do Ministério Público”.
O ministro Luís Barroso, que estava nos Estados Unidos, qualificou o episódio como um “amadurecimento democrático”. Segundo ele, “o que se extrai é a existência de uma sociedade mais consciente e mobilizada, que se manifesta livremente, não aceita o inaceitável e obriga as instituições a se repensarem e se tornarem mais responsivas”. Barroso, que faz parte do grupo de ministros que defende a execução da pena após condenação em segunda instância, foi mais cauteloso do que seu colega Marco Aurélio Mello, o primeiro a criticar as decisões de Toffoli e Moraes. O Supremo continua na berlinda.
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Luiz Carlos Azedo: Togas em desalinho
“Moraes apura se o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estava sendo investigado pela força-tarefa da Lava-Jato, o que a Constituição não permite. Ministros do Supremo somente podem ser investigados pelos próprios pares”
A primeira vítima da guerra entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a força-tarefa da Operação Lava-Jato foi a liberdade de imprensa, com a censura à edição da revista digital Crusoé por causa de uma matéria que citava o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Nos bastidores do Judiciário, porém, a segunda pode ser a boa convivência entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pleiteia a recondução ao cargo, e o ministro Alexandre de Moraes, que rejeitou o pedido dela de arquivamento do inquérito aberto para apurar ofensas a integrantes do STF e a suspensão dos atos praticados no âmbito dessa investigação, como buscas e apreensões e a censura a sites.
Moraes apura se o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estava sendo investigado pela força-tarefa da Lava-Jato, o que a Constituição não permite. Ministros do Supremo somente podem ser investigados pelos próprios pares, nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem essa atribuição. Por essa razão, os questionamentos feitos pela Lava-Jato sobre o ministro Toffoli à defesa do empresário Marcelo Odebrecht, que depois foram retirados dos autos, mas vazaram para a revista, podem ser caracterizados como uma não conformidade. Uma cópia da resposta, porém, havia sido encaminhada à Procuradoria-Geral da República pela defesa do empresário.
Ontem, Toffoli autorizou a prorrogação do prazo do inquérito por 90 dias, solicitação feita pelo próprio ministro Alexandre de Moraes, que investiga o caso ex-ofício, ou seja, por determinação do presidente do Supremo. Mais cedo, Raquel Dodge havia enviado ao STF documento no qual defendia o arquivamento do inquérito. O ministro fulminou o pedido: “Na presente hipótese, não se configura constitucional e legalmente lícito o pedido genérico de arquivamento da Procuradoria-Geral da República, sob o argumento da titularidade da ação penal pública impedir qualquer investigação que não seja requisitada pelo Ministério Público”.
Raquel Dodge pretendia arquivar o inquérito por considerá-lo ilegal, pois foi aberto pelo STF sem participação do Ministério Público. A intenção dela, porém, foi rechaçada por Moraes, com o argumento de que o requerimento da Procuradoria não tem “qualquer respaldo legal, além de ser intempestivo, e, se baseando em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da Corte”. Moraes justificou sua decisão: o inquérito é “claro e específico, consistente na investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atinjam a honorabilidade institucional do Supremo Tribunal Federal e de seus membros”.
Busca e apreensão
A decisão de Moraes foi um contra-ataque do Supremo à força-tarefa da Lava-Jato, mediante a apuração do “vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte”. Segundo o ministro, várias provas já foram coletadas ao longo da apuração para apurar os vazamentos “por parte daqueles que têm o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito”.
Por decisão de Moraes, ontem, a Polícia Federal (PF) executou oito mandados de busca e apreensão em São Paulo, em Goiás e no Distrito Federal contra pessoas suspeitas de promover injúria e difamação contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram apreendidos celulares, tablets e computadores. O ministro Moraes determinou o bloqueio de contas em redes sociais, tais como Facebook, WhatsApp, Twitter e Instagram.
Entre os investigados, está o general da reserva Paulo Chagas, candidato derrotado ao governo do Distrito Federal na eleição do ano passado pelo PSL. “Caros amigos, acabo de ser honrado com a visita da Polícia Federal em minha residência, com mandado de busca e apreensão expedido por ninguém menos do que ministro Alexandre de Moraes. Quanta honra! Lamentei estar fora de Brasília e não poder recebê-lo pessoalmente”, protestou Chagas no Twitter.
Moraes não tem apoio unânime no Supremo. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, discordou da censura à Crusoé, que considera um retrocesso; o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, foi mais cauteloso: pediu esclarecimentos a Moraes sobre a decisão. Entretanto, a maioria do STF começa a se sentir constrangida com toda essa situação, principalmente por causa dos ataques que a Corte está sofrendo nas redes sociais e no Congresso.
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Luiz Carlos Azedo: Acabou o horário de verão
“Um balanço dos primeiros 100 dias do governo no período explica por que a popularidade de Bolsonaro caiu 16 pontos entre janeiro e março passado“
Nos 100 dias de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro não fez uma revolução na vida nacional, apesar das turbulências que o presidente da República, seus filhos Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e, principalmente, Carlos (vereador carioca) protagonizaram nas redes sociais, sem falar nos disparates do ministro da Educação, o atabalhoado Ricardo Vélez Rodriguez, e nas desbocadas tuitadas do ideólogo do bolsonarismo Olavo de Carvalho. Um balanço da atuação do governo no período explica por que a popularidade de Bolsonaro caiu 16 pontos entre janeiro e março passado. Para melhorar a popularidade, Bolsonaro anunciou o fim do antipático horário de verão.
A mudança mais estratégica promovida por Bolsonaro nesses 100 dias foi a guinada à boreste na política externa brasileira. Na marcação relativa de suas prioridades geopolíticas (Estados Unidos, Chile, Israel), os resultados são duvidosos. Na relação com os Estados Unidos, frustrou o presidente Donald Trump em relação à participação brasileira numa eventual intervenção norte-americana na Venezuela (ainda bem); com o Chile, deixou o presidente Sebastián Piñera na maior saia justa, por causa de seus elogios à ditadura de Pinochet; finalmente, no “fan tour” em Israel, recuou da intenção de transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém, anunciando a instalação de um escritório comercial. Agora, corre atrás dos prejuízos na imagem internacional e dos desgastes com árabes e chineses.
Depois de muita perda de tempo, caiu a ficha de que o governo precisa se empenhar na aprovação da reforma da Previdência. Bolsonaro busca uma aproximação com os partidos, depois de um cessar fogo no tiroteio com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no qual queimou cartuchos desnecessariamente. Entretanto, a cada conversa política do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perde alguns bilhões da economia de R$ 1 trilhão que pretendia fazer em 10 anos. Para Bolsonaro, o essencial é aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição. Ou seja, vem aí uma reforma mitigada, para garantir um alívio fiscal nos quatro anos de mandato. A grande dúvida é se Guedes e a economia aguentam esse tranco.
Guedes é a principal âncora do governo; a outra, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, com a Operação Lava-Jato, uma espécie de “big stick” na relação com os políticos. O mundo de Moro — a magistratura, o ministério público e as polícias federais e agentes ficais — é contra a redução dos próprios privilégios, forma um lobby que está sendo engrossado pelos magistrados, procuradores, policiais civis e militares dos estados. O sucesso do governo depende do desfecho dessa contradição. Se prevalecerem as corporações e o mercado, haverá um colapso nas políticas sociais, desemprego e baixo crescimento; se atender às corporações e à maioria da população, populismo e recessão; a melhor alternativa para o crescimento é acabar com os privilégios.
Estão na lista dos pontos fortes do governo o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que vem dando um show de competência com seu programa de concessões, e os ministros da Agricultura, Teresa Cristina; da Cidadania, Osmar Terra; e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. São políticos bem-vistos pelos colegas e não fazem marola. O ponto mais fraco, disparado, é o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, cuja cabeça pode rolar amanhã. Outro ponto frasco é o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, enrolado no escândalo dos candidatos laranjas do PSL, o partido de Bolsonaro. Os militares, que ocupam cada vez mais espaços na área meio do governo, tentam salvar a pátria e tutelar Bolsonaro, sem êxito.
Pesquisas
Em números, os resultados desses 110 dias de governo estão na pesquisa do Ibope, entre os dias 16 e 19 de março: apenas três em cada 10 brasileiros (34%) avaliam de forma positiva (ótima ou boa) o governo de Jair Bolsonaro. A mesma parcela considera a gestão como regular e praticamente um quarto (24%) como ruim ou péssima. Aqueles que não sabem ou não respondem à pergunta somam 8%. No primeiro levantamento, aqueles que avaliavam a gestão como ótima ou boa eram 49%, em fevereiro caíram para 39% e recuam para 34% em março. A avaliação ruim ou péssima registra um aumento de 13 pontos no mesmo período: os que avaliavam negativamente a administração de Bolsonaro eram 11% em janeiro, passaram para 19% em fevereiro e, atualmente, somam 24%.
Entretanto, 51% ainda aprovam a forma como Bolsonaro governa, contra 38% que desaprovam; 10% não sabem ou preferem não opinar. O problema é a velocidade da queda: 67% aprovavam em janeiro, índice que caiu para 57% em fevereiro e recuou agora para 51%, ou seja, uma redução de 16 pontos. A desaprovação vai numa escalada: subiu de 21% para 31% e 38%, respectivamente, entre janeiro e março. A confiança no presidente regrediu: 49% da população confiam, contra 44% que não confiam e 6% que não sabem ou preferem não responder. Em janeiro, 62% confiavam no presidente ante 30% que não confiavam. Em fevereiro, os percentuais eram 55% e 38%, respectivamente. Desse modo, a queda da confiança entre janeiro e março é de 13 pontos, e o crescimento dos que não confiam, de 14 pontos.
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Luiz Carlos Azedo: Mercado quer mais política
“Bolsonaro deixou o discurso de “nova política” em segundo plano e resolveu conversar com os velhos políticos, para os quais a política é uma coisa só”
Bastou o presidente Jair Bolsonaro abrir a “jaula de cristal” e conversar com os caciques políticos de sua própria base para o otimismo voltar ao mercado e o Ibovespa subir 1,93%, a 96.313 pontos. Na mínima do dia, o índice foi a 94.333 pontos e, na máxima, chegou a 96.393 pontos. Bolsonaro se reuniu, no Palácio do Planalto, com os presidentes de seis partidos: Marcos Pereira (PRB), Gilberto Kassab (PSD), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Nogueira (PP), Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM) e Romero Jucá (MDB). Na quarta-feira, a Bolsa havia fechado em baixa de 0,94%, a 94.491 pontos, após o bate-boca do ministro da Economia, Paulo Guedes, com a oposição, perante uma plateia de governistas apáticos.
O presidente da República deu início a articulações para formação de uma base governista mais robusta no Congresso, inicialmente em torno da aprovação da reforma da Previdência. As bancadas dos seis partidos somam 196 votos que, atualmente, funcionam como um lastro móvel nas votações do Congresso, ou seja, se deslocam com facilidade para o campo da oposição. Depois do encontro, as declarações foram protocolares.
Na verdade, a conversa foi o início de diálogo, pela primeira vez a maioria teve uma conversa política com Bolsonaro após a sua posse. O presidente do PSD, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, disse a Bolsonaro que vai trabalhar pela aprovação, mas não fechará questão sobre a reforma: “Haverá um esforço bastante intenso no sentido de mostrar aos parlamentares a importância delas para o Brasil”. O presidente do PSDB, Geraldo Alckmin, reiterou a posição de independência do partido, mas afirmou que a legenda apoiará a reforma da Previdência sem entrar no toma lá dá cá: “Não há nenhum tipo de troca, não participaremos do governo, não aceitamos cargo no governo e votamos com o Brasil”.
Conselhos
A conversa mais produtiva de Bolsonaro foi com o presidente do DEM, ACM Neto, prefeito de Salvador, que anunciou a intenção de fechar questão em torno da aprovação da reforma e admitiu a possibilidade de a legenda vir a integrar formalmente a base do governo: “É algo que pode acontecer com absoluta naturalidade, que vai acontecer no momento em que houver deliberação da executiva do partido”. O presidente do MDB, o ex-senador Romero Jucá, garantiu que a legenda apoiará a reforma da Previdência, mas é contra dispositivos propostos pelo governo: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural. Também anunciou, após o encontro, que o MDB pretende discutir a situação dos professores e considera insuficiente a discussão sobre o modelo de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O presidente do PRB, deputado Marcos Pereira (SP), ao sair do encontro, anunciou que Bolsonaro pretende criar dois conselhos políticos, um formado por Bolsonaro, pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e por presidentes de partidos; e outro, por Bolsonaro, Onyx e líderes dos partidos no Congresso. Trocando em miúdos, depois da aprovação das emendas impositivas de bancada, que engessam o Orçamento, na Câmara e no Senado, e diante das pressões para que assumisse as articulações políticas, Bolsonaro deixou o discurso de “nova política” em segundo plano e resolveu conversar com os velhos políticos, para os quais a política é uma coisa só.
Supremo
Presidente do STF, o ministro Dias Toffoli retirou de pauta a votação das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) sobre prisão em segunda instância. O julgamento estava previsto para o próximo dia 10. Toffoli tomou a decisão antes de viajar a Boston, nos Estados Unidos, atendendo a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pediu mais tempo para estudar a proposta. O adiamento desagradou a alguns ministros. Caso o STF mude o entendimento sobre a prisão em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em regime fechado, pode ter a prisão relaxada.
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Bernardo Mello Franco: Temer experimenta o papel de vítima
As quatro noites na cadeia ofereceram a Temer a chance de experimentar o papel de vítima. Antes de virar alvo, ele dizia não ver abuso nem espetáculo na Lava-Jato
O juiz Marcelo Bretas avançou o sinal ao decretar a prisão preventiva de Michel Temer. A lei estabelece que a medida só deve ser aplicada em casos excepcionais. Estão entre eles risco de fuga, destruição de provas e prática continuada de crimes.
A decisão de Bretas não comprovou nenhuma das três hipóteses. O juiz ainda evocou a “garantia da ordem pública”, que envolveria “assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário”. Quando uma prisão passa a ideia de abuso de poder, ocorre exatamente o oposto.
Até adversários de Temer consideraram que houve exagero. As críticas parecem ter encorajado o desembargador Ivan Athié. Na sexta-feira, ele informou que submeteria o recurso do ex-presidente a colegas do Tribunal Regional Federal. Ontem mudou de ideia e decidiu soltá-lo sozinho.
O que provocou a reviravolta? Só a passagem do fim de semana, informou o desembargador. “No recesso do lar, pude examinar com o cuidado devido as alegações”, escreveu. A ordem de prisão tinha apenas 46 páginas, incluindo infográficos e diálogos em balõezinhos do WhatsApp.
Ao conceder o habeas corpus, Athié chamou Bretas de “notável, seguro, competente e corretíssimo”. Ele ainda escreveu duas vezes que é favorável à Lava-Jato e quer ver o país “livre da corrupção”. A preocupação mostra como magistrados temem contrariar a operação. Se a prisão era ilegal, não era preciso fazer discurso político para derrubá-la.
As quatro noites na cadeia ofereceram a Temer a chance de experimentar o papel de vítima. Quando articulava o impeachment da antecessora, ele fazia elogios públicos à investigação, que ainda não atingia seu grupo político. Em outubro de 2016, já na cadeira presidencial, ele escreveu no Twitter: “Não vejo abuso na Lava-Jato. Não vejo espetáculo. Tem que avaliar o teor das denúncias”.
Sua opinião só começaria a mudar no ano seguinte, depois de receber a visita do empresário Joesley Batista.
Luiz Carlos Azedo: Temer livre; Moreira, também
“A libertação do ex-presidente e seu ex-ministro desanuvia as tensões com o MDB, mas vai acirrar os ânimos no Congresso em relação à CPI do Judiciário, batizada de Lava-Toga”
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) Antonio Ivan Athié revogou a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer (MDB), do ex-ministro Moreira Franco e dos outros seis investigados que estavam presos desde a quinta-feira (21) por decisão do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro. Com base em jurisprudencial dos tribunais superiores, alegou que houve violação de garantias constitucionais na decisão de primeira instância. O desembargador marcara para amanhã o julgamento dos pedidos de liberdade, mas antecipou sua decisão.
Athié é presidente da primeira turma especializada em direito penal, previdenciário e da propriedade industrial, à qual o Ministério Público deverá recorrer. A primeira turma é formada também pelos desembargadores federais Paulo Espírito Santo e Abel Gomes. O caso de Temer caiu nas mãos de um gato escaldado: Athié ficou afastado do cargo durante sete anos por ter sido alvo de uma ação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2004, sob acusação de estelionato e formação de quadrilha. O inquérito contra ele foi arquivado em 2008 pelo próprio STJ, a pedido do Ministério Público Federal, que alegou não ter encontrado provas de que Athié teria proferido sentenças em conluio com advogados.
Na sua decisão, Athié elogiou Bretas (“notável juiz, seguro, competente, corretíssimo”), mas discordou do juiz federal em relação aos argumentos utilizados para decretar a prisão preventiva de Temer e dos outros suspeitos, por considerar que não respeitaram o devido processo legal. Bretas recorreu à Convenção da ONU Contra a Corrupção para justificar as restrições de liberdade, o que não foi aceito por Athié: “Não se vá dizer que outro órgão, outra pessoa, ou quem quer que seja, afora o Judiciário em processo regular, possa validamente declarar alguém culpado de algum delito, para fins penais”.
Tensões
A libertação de Temer e Moreira Franco desanuvia as tensões com o MDB, mas vai acirrar os ânimos no Congresso em relação à CPI do Judiciário, batizada de Lava-Toga, que une setores de esquerda e a base mais radical do presidente Bolsonaro. Autor do requerimento, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) minimiza os riscos de uma crise institucional: “O Brasil não vai virar um caos e não vai parar com a Lava-Toga. O Brasil prendeu o presidente da República mais popular da história, denunciou duas vezes um presidente no exercício do mandato, colocou na cadeia ex-governadores, prefeitos, deputados, e não entrou em crise coisa alguma. A democracia brasileira está sólida o suficiente para passar por mais essa etapa”. A cúpula do Senado, porém, não concorda com isso: Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Casa, já disse que a CPI dificilmente será instalada, porque os principais partidos não apoiam.
Na Câmara, um grupo de parlamentares está em campanha aberta contra o Supremo Tribunal Federal (STF), por razões claramente ideológicas. Na semana passada, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) protocolou um pedido de impeachment dos quatro ministros do STF que já votaram a favor da equiparação da homofobia ao racismo nas duas ações que discutem o tema no tribunal: Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Do grupo fazem parte, entre outros, Alexandre Frota (PSL), Kim Kataguiri (DEM) e Luiz Philippe Orleans e Bragança (PSL), descendente da família real brasileira.
É nesse ambiente que a turma do deixa disso tenta apagar o incêndio nas relações entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que andaram se estranhando no fim de semana. Ontem, Bolsonaro pediu aos ministros “foco na pacificação” e escalou o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para negociar a votação da reforma da Previdência com os líderes partidários. Em nenhum momento, porém, admitiu um encontro com Maia, para restabelecer o diálogo. No estado-maior de Bolsonaro, caiu a ficha de que a não aprovação da reforma da Previdência pode levar o governo ao fracasso econômico. Entretanto, a lógica do “meu pirão primeiro” ainda prevalece entre os generais do governo, que querem aprovar a reestruturação da carreira dos militares a qualquer preço, embaralhando as negociações sobre a reforma no Congresso.
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