Lava-Jato
Luiz Carlos Azedo: Censura à Lava-Jato
A Lava-Jato continua sendo um vetor do processo político, com grande influência eleitoral. Porém, os integrantes da operação perderam o monopólio do combate à corrupção
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, ontem, por 9 votos a 1, punir o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos protagonistas da Operação Lava-Jato, censurado por mensagens em rede social nas quais ele se posicionou contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para a presidência do Senado, em 2019. A vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), o atual presidente do Senado, foi resultado da insatisfação dos demais partidos com a longa permanência do MDB no comando da Casa, mas a atitude ajudou a narrativa política do grupo que queria o apoio da opinião pública à mudança no comando da Casa.
A censura é a segunda punição prevista no regulamento que rege a atuação dos procuradores –– a primeira é a advertência. Como consequência, atrasa a progressão na carreira e serve de agravante em outros processos no conselho. Os procuradores também podem ser punidos com suspensão, demissão ou cassação da aposentadoria. Havia intenção de alguns integrantes do Conselho no sentido de suspender Dallagnol, mas sua saída da força-tarefa de Curitiba abrandou as pressões e consta que o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que tomará posse amanhã, atuou nos bastidores em favor do procurador.
Calheiros alegou interferência do procurador-símbolo da Lava-Jato na disputa do Senado. O mesmo tipo de crítica que se faz ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro em relação às eleições de 2018, para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro. A acusação ganhou veracidade quando o ex-juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, aceitou o convite para ser ministro do atual governo, talvez o maior erro político que tenha cometido.
A propósito, a condenação de Dallagnol reforça os argumentos da defesa de Lula, que pleiteia a anulação de condenação por Moro, alegando um vício de origem: a parcialidade política do juiz, apesar de a condenação ter sido confirmada pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Por uma rede social, o procurador mostrou que não arriou a bandeira da Lava-Jato: “O Conselho Nacional do MP me censurou, hoje, por ter defendido a causa anticorrupção nas redes sociais, de modo proativo, aguerrido e apartidário. Discordo da decisão, que ainda há de ser revertida”, disse.
Tiroteio
É uma guerra de narrativas, que deve se intensificar nos próximos meses, com repercussão eleitoral. Ao mesmo tempo que vem sofrendo sucessivos reveses nos bastidores do Judiciário, integrantes da Lava-Jato contra-atacam em grande estilo. Na semana passada, procuradores da força-tarefa de São Paulo se demitiram coletivamente, mas antes alvejaram o senador José Serra (PSDB-SP) e o suposto operador de seu caixa dois de campanha, Paulo Vieira de Souza. Antes haviam detonado o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, também denunciado.
Ontem, a bola da vez foi o ex-prefeito carioca Eduardo Paes, que lidera as pesquisas de opinião na disputa pela Prefeitura do Rio, alvo de uma operação de busca e apreensão em sua residência, em São Conrado. O mandado foi expedido pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 204ª Zona Eleitoral, que acolheu denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro contra Paes e mais quatro investigados, acusados de corrupção, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. O ex-prefeito se defende atirando: “às vésperas das eleições para a Prefeitura do Rio, Eduardo Paes está indignado que tenha sido alvo de uma ação de busca e apreensão numa tentativa clara de interferência do processo eleitoral — da mesma forma que ocorreu em 2018 nas eleições para o governo do estado”, disse. Paes é o principal adversário do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), aliado do presidente Jair Bolsonaro.
A Lava-Jato continua sendo um vetor do processo político, com grande influência eleitoral. Porém, os integrantes da operação perderam o monopólio do combate à corrupção, que cada vez mais será direcionado pelo novo procurador-geral da República, Augusto Aras, aliado de Bolsonaro, e a Polícia Federal. O risco de politização dessas ações para favorecer interesses do Palácio do Planalto é real, pois a lógica de quem pretende controlar essas instituições para se defender também serve para atacar os adversários. Nesse aspecto, Fux, o novo protagonista entre os Poderes da República, será o grande artífice do reposicionamento do STF, que passa por alterações na composição de suas turmas.
Com a aposentadoria do ministro Celso de Melo, a 2ª Turma do STF, que julgará o pedido de anulação do processo de Lula, formada também pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármem Lúcia e Édson Fachin, o relator da Lava-Jato, terá sua maioria garantista mantida pela chegada do ministro Dias Toffoli, que deixará a presidência da Corte amanhã. Com a saída de Fux, que assumirá o comando do Supremo, a 1ª. Turma, composta ainda pelos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Barroso e Alexandre de Moraes, terá seu perfil jurídico definido pelo novo ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, que promete escolher alguém “terrivelmente evangélico”.
Luiz Carlos Azedo: Ninguém pode tudo
A decisão de Fachin acirra contradições na Procuradoria-Geral da República, onde há uma rebelião dos subprocuradores contra o procurador-geral, Augusto Aras, por causa da Lava-Jato.
A queda de braço entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e os procuradores das forças-tarefas da Lava-Jato ganhou mais um capítulo ontem. Relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a decisão liminar (provisória) do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que determinou o compartilhamento de dados da Operação Lava-Jato no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Toffoli havia atendido a um pedido da PGR, que relatou ter enfrentado “resistência ao compartilhamento” e à “supervisão de informações” por parte dos procuradores da República. A decisão retirava praticamente toda a autonomia das forças-tarefas para gerenciamento dos dados e corroborava a intenção de centralizar as investigações na cúpula da Procuradoria-Geral, extinguindo as forças-tarefas. Pela decisão do presidente do STF, as forças-tarefas deveriam repassar todos os dados à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do gabinete do procurador-geral da República.
Fachin desfez tudo, em caráter retroativo. Com isso, os dados compartilhados não poderão ser mais acessados pela PGR. Aras já anunciou que recorrerá da decisão, o que deve levar a polêmica para o pleno do Supremo. Fachin questionou a justificativa adotada pela PGR ao pleitear a decisão de Toffoli: “Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante”, escreveu. Fachin também quebrou o sigilo da ação.
A decisão acirra as contradições dentro da Procuradoria-Geral da República, onde há uma rebelião dos subprocuradores gerais, por causa da forma como Aras pretende conduzir sua gestão, e aprofunda divergências no Supremo Tribunal Federal (STF), onde os métodos da Lava-Jato enfrentam forte oposição. Mas também mostra que ninguém pode tudo nessa questão, ou seja, é preciso chegar a um denominador comum. Uma das acusações contra a Lava-Jato é investigar autoridades da República, como os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sem a devida autorização do STF. Segundo Aras, 38 mil pessoas teriam sido investigadas pela força-tarefa de Curitiba.
Arapongas
A propósito de investigações ilegais, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, cancelou sua ida ao Senado, hoje, para explicar o trabalho da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) da pasta. A audiência chegou a ser programada para que o ministro pudesse falar sobre o monitoramento de opositores ao governo de Jair Bolsonaro. Mendonça alegou que o assunto é sigiloso e não poderia ser tratado em um encontro virtual aberto ao público, como previsto. O ministro é acusado de investigar indevidamente professores e policiais que participam de movimentos antifascistas.
Mendonça revelou certa surpresa com a denúncia e passou a impressão de que havia perdido o controle sobre o grupo de arapongas que atuam na pasta. Ontem, anunciou uma sindicância e suspendeu sua participação na audiência, que havia sido combinada com o presidente da Comissão de Controle dos Serviços de Inteligência do Congresso, presidida pelo deputado Nelsinho Trad (PSD-MS). A comissão mista tem 12 membros, com uma composição bastante heterogênea: os senadores Eduardo Braga (MDB-MA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Daniella Ribeiro (PP-PB), Jaques Wagner (PT-BA), Marcos do Val (Podemos-ES); e os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), José Guimarães (PT-CE), Claudio Cajado (PP-BA); Carlos Zarattini (PT-SP); e Edio Lopes (PL-RR). É a primeira vez que seus integrantes se veem diante de um problema dessa ordem, pois o trabalho de inteligência no governo é regulamentado e está a cargo da Abin e do GSI.
Como se sabe, no episódio da demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro revelou que mantinha seu próprio serviço de inteligência, sem explicar o que era nem como funcionava. A existência de uma equipe de arapongas para fazer espionagem política no Ministério da Justiça é uma aberração administrativa e jurídica, porque configura uma polícia política.
Luiz Carlos Azedo: Efeito Lava-Jato
“Assim como o ‘partido fardado’ que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Bolsonaro, nada impede que surja um partido togado, ‘lavajatista’, mirando o pleito de 2022”
Armou-se em Brasília um cerco à Operação Lava-Jato, cujas forças-tarefas de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os dias contados. As polêmicas declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a atuação de seus integrantes foram tão categóricas que não lhe permitem um recuo sem que se transforme numa espécie de rainha da Inglaterra no Ministério Público Federal (MPF). Além disso, foram coadjuvadas pela proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito anos para magistrados e procuradores ingressarem na política, tema que prontamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em pauta no Parlamento.
À margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a legitimidade das ações mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de fundo de toda essa discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém como potencial candidato a presidente da República, mesmo fora do governo Bolsonaro. Sua passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro do ponto de vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no Supremo, mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente sem volta. A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz parte do roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso que pode levá-lo à Presidência.
Nesse aspecto, a proposta do ministro Toffoli, que parece estapafúrdia e foi desdenhada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, mira a candidatura de Moro, sem dúvida. Não no sentido de tornar inelegível o ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex de Guarujá: qualquer nova lei sobre inelegibilidade para magistrados e procuradores não pode ter efeito retroativo. Mas existe, sim, um clima no Congresso para aprovação de uma lei que tire das eleições de 2022 magistrados e procuradores da Lava-Jato que vierem a deixar a carreira para mergulhar de cabeça na luta política eleitoral.
Assim como o “partido fardado” que emergiu das eleições de 2018 na garupa do presidente Jair Bolsonaro, até agora, nada impede que surja um partido togado, “lavajatista”, na expressão de Augusto Aras, para disputar as eleições de 2022. Seria o caminho natural a tomar por parte dos procuradores da Lava-Jato, se forem desmobilizados e marginalizados pelo procurador-geral da República. A Lava-Jato, mesmo que venha a ser desmantelada pela Procuradoria-Geral e o Supremo, continuará sendo um divisor de águas na política brasileira, pelo menos para as atuais gerações. É muito difícil tomar a bandeira da ética das mãos de seus protagonistas, procuradores e juízes que promoveram o maior expurgo de políticos enrolados em escândalos de corrupção da vida nacional da nossa história.
Colaterais
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito num tsunami eleitoral, na qual a Lava-Jato foi o fator decisivo. Entretanto, o presidente da República tomou outro rumo na condução de seu governo, desde o rompimento com Moro. Embora não se tenha registro de nenhum grande escândalo de corrupção na administração federal, a bandeira da ética se perdeu com o rompimento com Moro e, sobretudo, por causa do caso Fabrício Queiroz, amigo do presidente da República e ex-assessor do seu filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro (Progressistas-RJ), investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa fluminense. Consciente da situação, Bolsonaro já opera uma mudança de eixo eleitoral, agora estribado na força do poder central e nas políticas de transferência de renda, como ficou evidente, ontem, na viagem ao Piauí, na companhia do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas e um dos caciques do Centrão. Por sinal, um político denunciado pela Lava-Jato.
Um bom termômetro da força de inércia da questão ética na campanha eleitoral teremos nas eleições de São Paulo, sobretudo na disputa pela prefeitura da capital. Embora não esteja envolvido em nenhum escândalo, o prefeito Bruno Covas, que vem liderando as pesquisas, começa a ter que pôr no seu planejamento para gestão de crises os efeitos da Lava-Jato na disputa da Prefeitura de São Paulo, em razão das denúncias contra o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), fundadores e principais líderes da legenda no estado. Alvo de operações recentes, os dois estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e uso de caixa dois eleitoral, o que tem um efeito deletério para a candidatura à reeleição do prefeito paulistano.
Extrapolando as eleições municipais — o que as urnas podem confirmar ou não —, é muito provável que o desgaste sofrido pelo PSDB, por causa desses escândalos, venha a criar dificuldades para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viabilizar sua candidatura a presidente da República. Conspiram contra esse projeto a recuperação de imagem do presidente Bolsonaro e a resiliência eleitoral do PT, o que pode levar Doria à opção pela reeleição, ou seja, é melhor um Palácio dos Bandeirantes nas mãos do que os do Planalto e da Alvorada nos sonhos.
Luiz Carlos Azedo: Palanque para Moro
“Aras foi escolhido procurador-geral pelo presidenteBolsonaro fora da lista tríplice dos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações da Lava-Jato”
O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou guerra à Operação Lava-Jato. Em live para o grupo de advogados “Prerrogativas”, sem papas na língua, não poupou críticas aos procuradores que integram a força-tarefa e reiterou a intenção de centralizar e controlar as investigações em curso. Nunca a operação foi tão atacada “de cima” e “de dentro” do Ministério Público. Aras reiterou a acusação de que a força-tarefa de Curitiba opera de forma heterodoxa e levantou a suspeita de que 38 mil pessoas foram investigadas por seus integrantes. “Ninguém sabe como (esses nomes) foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.
As declarações agradaram aos advogados e foram bem recebidas pela maioria dos políticos, mas provocaram a reação dos procuradores e juízes de primeira instância, que têm seus aliados no Congresso. Em resposta, os procuradores de Curitiba classificaram a declaração de Aras como “falsa suposição”, considerando que esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao MPF, em suspeita de crimes de lavagem de dinheiro.
“Ao longo de mais de 70 fases ostensivas e seis anos de investigação foi colhida grande quantidade de mídias de dados — como discos rígidos, smartphones e pendrives — sempre em estrita observância às formalidades legais, vinculada a procedimentos específicos devidamente instaurados”, ressaltou a força-tarefa de Curitiba, em nota oficial. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da operação, atacou Aras numa rede social: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, publicou no Twitter.
Desde 2014, as forças-tarefas foram responsáveis por 319 ações criminais propostas, 90 ações civis promovidas, 330 acordos de colaboração premiada, 26 acordos de leniência, com estimativa de reversão de recursos ao poder público de, aproximadamente, R$ 30 bilhões, em consequência das operações. Entretanto, Aras pretende centralizar o poder das investigações na Procuradoria-Geral e controlar a “caixa-preta” da Lava-Jato, em poder dos procuradores de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, centralizando as investigações numa coordenação sob seu comando. Segundo o procurador-geral, existe um “MPF do B”, que operaria nas sombras.
Anarco-sindicalismo
As declarações de Aras ocorrem num momento em que a Lava-Jato dá sinais de retomar a iniciativa, com operações contra políticos importantes, como o senador José Serra (PSDB-SP), que, ontem, virou réu, e o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade e líder da Força Sindical. O procurador-geral advertiu aos integrantes da Lava-Jato que cada membro do Ministério Público “pode agir como sua consciência”, mas “não é senhor da instituição”. É uma afirmação polêmica, porque a independência funcional é que assegura a atuação dos procuradores em casos que contrariam o poder econômico e o poder político. Aras disse que o “anarco-sindicalismo” tomou conta da instituição.
Aras foi escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro fora da lista tríplice eleita pelos procuradores, exatamente para centralizar as decisões sobre as investigações. Essa mudança vai além das apurações sobre crimes de “colarinho-branco”. Indígenas, grupos de extermínio, escravidão contemporânea, racismo, milícia, violência policial, fraude em licitação, violência doméstica, grilagem de terras e desmatamento, todas as agendas que importam para Bolsonaro, ficarão sob controle do procurador-geral.
Tudo indica, também, que já haja uma investigação em curso sobre a atuação da força-tarefa de Curitiba, que reagiu às declarações e negou a existência de uma “caixa-preta” da Lava-Jato. A acusação de Aras já foi objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a força-tarefa de Curitiba compartilhe os dados em seu poder com a Procuradoria-Geral. A crise entre Aras e os procuradores da Lava-Jato está apenas começando, mas já é um palanque para o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, grande artífice da operação, que criticou as declarações de Aras.
Moro ainda não assumiu a candidatura a presidente da República, mas aparece em todas as pesquisas como um adversário competitivo do presidente Jair Bolsonaro em 2022. A bandeira da ética foi um grande divisor de águas nas eleições passadas, servindo como estandarte de campanha de Bolsonaro. Essa bandeira, agora, está sendo disputada por Moro, que saiu do governo atirando. O ataque à Lava-Jato resgata o protagonismo de Moro como defensor da ética na política.
Luiz Carlos Azedo: A desagregação do Centrão
“Os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas é muito cedo para se lançarem à disputa“
O MDB e o DEM anunciaram, ontem, que deixarão o Centrão, bloco de 221 parlamentares formado pelos seguintes partidos: PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Com a saída das duas legendas, a bancada comandada pelo líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), nome de preferência do presidente Jair Bolsonaro para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, passará a contar com 158 deputados. Ocorre que o PSD, com 35 deputados, e o PTB, com 11, também estão se preparando para desembarcar do Centrão. A candidatura de Lira ao comando da Casa virou suco.
Um dos artífices da aproximação do bloco com o Palácio do Planalto, Lira se lançou à sucessão de Maia antes da hora e acabou no sereno. Seu principal concorrente era o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP- PB), líder da maioria e relator da reforma tributária, que agora está cotado para ser o líder do governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL-GO). A operação é comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, como uma forma de acomodar a situação dentro do Progressista, mas a necessidade da troca de líder ainda não convenceu Bolsonaro.
A candidatura de Lira, porém, se tornou tóxica, por causa da Operação Lava-Jato, na qual é acusado de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão. De acordo com a denúncia, teria recebido o dinheiro em troca do apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. Costa foi preso em março de 2014, quando a Lava-Jato foi deflagrada. Segundo a defesa do parlamentar, o delator fez a denúncia porque Lira teria afastado Costa da legenda. Mas acontece que a ex-mulher de Lira, Jullyete Lins, no fim do ano passado, ao cobrar na Justiça R$ 600 mil de pensões em atraso, acusou o parlamentar de ocultar patrimônio no valor de R$ 40 milhões, construído por meio de propina. Lira nega.
O desembarque do PSD, de Gilberto Kassab, e do PTB, de Roberto Jefferson, do Centrão sinaliza um realinhamento de forças na Câmara. Esses partidos, que agora ocupam espaços na Esplanada dos Ministérios, se movimentam por conta própria. Aparentemente, Kassab e Jefferson não têm interesse que o novo presidente da Câmara seja um “pau mandado” do presidente Jair Bolsonaro. Isso reduziria o poder de barganha que ambos têm hoje, tanto na estrutura da Câmara como nas negociações com o Palácio do Planalto. Kassab e Jefferson, cada qual com o seu estilo, são raposas velhas da política. Operam nos bastidores defendendo seus próprios interesses na Câmara, para depois negociar com o governo numa posição de força.
Trocando em miúdos, o Palácio do Planalto deve esquecer o jogo de damas, precisa jogar xadrez na Câmara. Isso ficou claro na votação do Fundeb, na semana passada, que Artur Lira tentou adiar, a pedido do governo, mas acabou atropelado por Maia. Os líderes do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e do DEM, deputado Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas ainda é muito cedo para se lançarem à disputa. O grande beneficiado pela desconstrução do Centrão, por enquanto, é o presidente da Câmara. Maia estava sendo tratado como “pato manco” por Bolsonaro, o que é um erro crasso.
Aviões de carreira
Há mais coisas entre o céu e o cerrado do que os aviões de carreira, diria o Barão de Itararé, a propósito da saída de integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Depois do secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, deixaram a equipe, nos últimos dias, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, e o secretário especial de Fazenda, Caio Mengale, que anunciou sua decisão ontem. Todos alegaram motivos pessoais, mas o ex-presidente do BB deixou no ar uma interrogação, ao revelar incômodo com o “compadrio”. Pode ser uma referência às pressões para manter a publicidade do banco nos sites e blocos que estão sendo investigados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa das fake news.
No mercado financeiro, comenta-se que estaria havendo divergências na equipe econômica em relação ao programa Mais Brasil, que o governo prepara para substituir o programa Bolsa Família. O governo caminha para aumentar impostos e fazer mais transferências de recursos para a população de baixa renda, contrariando tudo o que Guedes pretendia inicialmente. Ou seja, a pandemia e a recessão puseram em xeque o projeto ultraliberal de Guedes e sua equipe.
Luiz Carlos Azedo: Política do novo normal
"Guedes propôs a unificação de PIS e Cofins, na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, para aumentar a base de arrecadação do governo em mais de 40%"
Quem acompanha os Três Poderes tem a impressão de que a política está voltando ao normal em plena pandemia. A Operação Lava-Jato aperta o cerco contra o senador José Serra (PSDB-SP), acusado de caixa 2 eleitoral, desmentindo as próprias previsões de que o envio de investigações para a primeira instância e a Justiça eleitoral sepultaria os inquéritos abertos pelas delações premiadas. A Câmara volta a negociar com o governo a aprovação de projetos, ambos foram obrigados a ceder no caso do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Depois de muitas idas e vindas, finalmente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou a primeira de suas quatro propostas de reforma tributária. O presidente Jair Bolsonaro aposta no “milagre da cloroquina” e pretende viajar, ainda nesta semana, para o Piauí, de olho nos eleitores do Nordeste.
No seu melhor estilo, a Lava-Jato fez, ontem, mais uma operação de busca e apreensão contra o tucano José Serra. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar para suspender as buscas e apreensões determinadas pela primeira instância no gabinete do senador, em Brasília. A operação Paralelo 23, da Polícia Federal, investiga suposto caixa 2 na campanha de José Serra ao Senado em 2014. É uma nova fase da Lava-Jato, que apura crimes eleitorais. Nas residências do parlamentar, a operação foi feita. “Defiro a liminar para suspender a ordem judicial de busca e apreensão proferida em 21 de julho de 2020 pelo Juiz Marcelo Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, nas dependências do Senado Federal, mais especificamente no gabinete do Senador José Serra”, decidiu o presidente do STF. Como o ex-governador Geraldo Alckmin é outro envolvido na Lava-Jato, o desgaste do PSDB em São Paulo é enorme, embora ambos aleguem inocência. Dor de cabeça para o prefeito de São Paulo, o tucano Bruno Covas, que luta contra um câncer e pela reeleição
Fundeb e impostos
Na Câmara, finalmente, saiu um acordo majoritário para aprovar renovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica. O governo tentou tirar uma fatia dos recursos do fundo e adiar sua implantação para 2022, mas não conseguiu o apoio do Centrão, que agora é o eixo de sua base parlamentar. Teve que negociar. A deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), relatora da emenda constitucional, apresentou um novo parecer no qual a participação da União passará de 10% para 23%, em 2026, destinando 5% à educação infantil. O aumento da participação será escalonado: 12% em 2021; 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026. Propõe, ainda, piso de 70% para o pagamento de salário de profissionais da educação. O governo defendia que esse percentual fosse o limite máximo para pagar a folha de pessoal, mas desistiu. O novo relatório é um “meio-termo”: limite de 85%, garantindo 15% para investimento.
Na reforma tributária, não há consenso. O ministro Guedes propôs a unificação de PIS e Cofins, os dois tributos federais sobre o consumo, para criar uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, o que corresponde a aproximadamente 29% da base de consumo. Os críticos dizem que isso aumentará a base de arrecadação em mais de 40%. Ou seja, a reforma quer matar a fome do leão e, não, adotar um sistema tributário mais equilibrado e justo. A CBS incidirá sobre a receita de venda de bens e serviço; igrejas, partidos políticos, sindicatos, fundações, entidades representativas de classe, serviços sociais autônomos, instituições de assistência social ficarão isentas. Em 2016, no Brasil, 48% da arrecadação incidiu sobre o consumo, contra 33% na média da OCDE, grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do planeta, e 18% nos Estados Unidos. Em 2018, o PIS-Pasep e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) arrecadaram R$ 310 bilhões, de um total de R$ 1,54 trilhão de provenientes de tributos federais.
Luiz Carlos Azedo: Como um romance noir
“As delações premiadas da Odebrecht vincularam até as doações legais da empresa às campanhas eleitorais ao seu gigantesco esquema de desvio de recursos públicos”
Mestre do romance policial, o professor Luiz Alfredo Garcia-Roza — que durante 40 anos lecionou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) —, somente aos 60 anos resolveu recorrer aos seus conhecimentos de psicologia, filosofia e psicanálise para se tornar escritor. Dedicou-se à literatura noir. Faleceu em abril passado, aos 84 anos, mas nos legou 12 romances — entre os quais O silêncio da Chuva e Uma janela em Copacabana —, e um grande personagem, o detetive Espinosa.
Amigo do falecido escritor Rubem Fonseca, de quem era grande admirador, ao lado escritor norte-americano Edgar Allan Poe, numa entrevista ao jornalista Alberto Dines, Garcia-Roza resumiu seu estilo: “O assassinato puro e simples dá a chave daquilo que vai constituir o fundamental da literatura policial. (…) acabo me colocando frente esta morte no lugar que não me caberia como escritor, que é o do investigador, que pode ser policial ou não”. O embaixador André Amado, estudioso da sua obra, no recém publicado A História de Detetives e a ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza, um belíssimo ensaio sobre literatura policial, destaca o método lógico-dedutivo do detetive Espinosa como fio condutor de uma obra literária que não fica nada a dever aos grandes escritores do gênero.
Espinosa é um personagem excêntrico, um delegado meio filósofo, em conflito com a profissão. Na sua última obra, vive um jogo de gato e rato com um cafetão, sua nova prostituta e um policial corrupto, entre outros seres do submundo da Lapa, o tradicional bairro boêmio do Rio de Janeiro. O delegado Espinosa entra no caso quando começam a surgir mulheres mortas com requintes de crueldade. Precisa descobrir quem é o assassino antes que ele faça sua nova vítima. Obviamente, o personagem se inspira, também, em Baruch Spinoza (ou Benedito Espinoza),o filósofo holandês descendente de judeus expulsos de Portugal pela Inquisição, que foi excomungado pela comunidade judaica de Amsterdã, da qual fazia parte, por causa de suas ideias racionalistas.
Não faltam personagens na Operação Lava-Jato que se inspiram em heróis noir, como Espinosa, para desempenhar suas funções. A grande diferença para os bons romances policiais é que não existe nenhum caso de assassinato puro e simples até agora, apesar do grande número de delações premiadas, que muitos condenados veem como grande traição. Por exemplo, nos casos das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, e do escândalo das rachadinhas, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual estão envolvidos o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, o capitão Adriano Nóbrega, suspeito de ser o mandante do crime, que estava foragido, morreu em confrontos com a polícia na Bahia.
Tucanos
Mesmo assim, a Lava-Jato produz histórias policiais em série, com a generosidade de um Georges Simenon, o criador do Comissário Maigret, protagonista de 78 novelas e 28 contos, escritos entre 1931 e 1972. A nova novela da operação foi lançada ontem, como a denúncia apresentada pela Polícia Federal contra ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), indiciado por suspeita de três crimes: lavagem de dinheiro, caixa dois eleitoral e corrupção passiva. O inquérito investiga, no âmbito da Justiça Eleitoral, as doações da empreiteira Odebrecht. Em depoimento aos procuradores da Lava-Jato na época da investigação, Carlos Armando Paschoal, então diretor da empreiteira em São Paulo, disse ter repassado mais de R$ 10 milhões, via caixa dois, às campanhas de Alckmin. O ex-tesoureiro do PSDB Marcos Monteiro e o advogado Sebastião Eduardo Alves de Castro também foram indiciados. Alckmin foi governador de São Paulo entre 2001 e 2006 e de 2011 a 2018.
No início deste mês, a força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo também denunciou o senador José Serra (PSDB) e sua filha, Verônica Allende Serra, por lavagem de dinheiro. Quem acreditava que a Operação Lava-Jato estava morta, pode pôr as barbas de molho. As delações premiadas de Emílio e Marcelo Odebrecht, assim como de todos os executivos da empresa envolvidos com as chamadas “operações estruturadas”, vincularam até as doações legais da empresa ao gigantesco esquema de desvio de recursos de obras e serviços públicos da empreiteira, que mantinha um caixa 2 para financiar campanhas eleitorais, investigado a partir de uma planilha apreendida em poder de uma das secretarias do grupo. Os casos considerados caixa dois eleitoral foram remetidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Justiça Eleitoral, que tem no atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Barroso, um dos principais defensores da Lava-Jato.
Luiz Carlos Azedo: A Lava-Jato não morreu
“Paira como espada de Dâmocles sobre a cabeça dos políticos enrolados com caixa dois eleitoral e outros ilícitos, tendo Sergio Moro como símbolo”
Com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro na planície, amargando o que talvez tenha sido seu grande erro — deixar a carreira de juiz para ser ministro do governo Bolsonaro —, e a força-tarefa de Curitiba sob pressão administrativa por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende unificar todas as forças-tarefa numa coordenação sob sua supervisão, a Operação Lava-Jato parecia perto do fim. Entretanto, na sexta-feira, mostrou que está vivíssima e continua sendo uma variável a ser considerada do processo político brasileiro. A bola da vez foi o senador José Serra (PSDB-SP), acusado de receber propina para garantir contratos da construtora Odebrecht com órgãos públicos em São Paulo.
A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar. Serra foi deputado federal, ministro da Saúde, prefeito de São Paulo, de 2005 a 2006, e governador do estado entre 2007 e 2010. Segundo a Lava-Jato, teria se beneficiado com propina em duas vezes: o primeiro repasse teria sido de R$ 4,5 milhões, e o segundo, de R$ 23,3 milhões. De acordo com a PF, era identificado pelo codinome “Vizinho” nas planilhas de pagamentos ilegais da empreiteira, porque morava perto de Pedro Novis, suposto contato dele com a Odebrecht. “Vizinho” aparece em planilhas de repasses ilegais relacionados às obras do Rodoanel de São Paulo, segundo a denúncia oferecida à Justiça contra o parlamentar e a filha dele, Verônica Serra. Ao todo, o senador teria recebido R$ 27,8 milhões ao longo dos anos.
A Justiça também autorizou o bloqueio de R$ 40 milhões de uma conta na Suíça supostamente atribuída a Serra. O dinheiro seria proveniente de contratos superfaturados da Dersa, uma empresa que opera rodovias para o governo do estado de São Paulo. Os repasses eram depositados por meio da Circle Technical Company, empresa offshore, no Corner Bank da Suíça. José Serra negou ter cometido qualquer ilegalidade e disse que as ações da Polícia Federal causam “estranheza e indignação”. Em nota, afirmou que houve “uma ação completamente desarrazoada”. Sua defesa alega que a Lava-Jato “realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação.”
Bandeira
A denúncia atinge diretamente o PSDB, do qual Serra é um dos fundadores e líderes mais importantes, tendo sido prefeito, por duas vezes, candidato a presidente da República. Do ponto de vista jurídico, pode ser que não dê em nada, pois o que ocorreu há mais de dez anos já prescreveu, independentemente de comprovação. Politicamente, porém, mostrou o poder de fogo da Lava-Jato, desta vez, via força-tarefa de São Paulo.
A queda de braço do procurador-geral Augusto Aras com os procuradores do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro não tem um desfecho definido. A enfrenta grande resistência dos procuradores. Mesmo que a extinção das mesmas e a unificação do combate à corrupção numa coordenação centralizada em Brasília venha ocorrer, a Lava-Jato permanecerá como um fantasma assombrando os políticos, porque a bandeira da ética continua sendo um divisor de águas na política nacional. Graças a ela, mas não somente, Jair Bolsonaro se elegeu presidente da República; mesmo saindo de suas mãos, a Lava-Jato continuará pairando como espada de Dâmocles sobre a cabeça dos políticos enrolados com caixa dois eleitoral e outros ilícitos, tendo Sergio Moro como símbolo. Desconstruir a imagem do ex-juiz, como parece ser a intenção de Aras, não será uma tarefa fácil.
O saldo da Lava-Jato é o maior expurgo já promovido na política brasileira num ambiente democrático, desde a Proclamação da República. Houve outros dois grandes expurgos, um na ditadura Vargas e outro no regime militar, mas não com base no chamado “devido processo legal”. Nas eleições passadas, o papel da Lava-Jato foi alimentar a narrativa antissistema e impulsionar o tsunami que levou Bolsonaro ao poder. Nas eleições desse ano, que ocorrerá na rebordosa da pandemia de coronavírus e em meio à recessão econômica, com certeza, manterá sua força de inércia, graças à legislação criada sob sua influência, alijando das eleições os políticos com a “ficha suja” (condenados em segunda instância), por antecipação, e queimando o filme dos suspeitos de corrupção.
Luiz Carlos Azedo: Aras versus Moro
“A base de dados da força-tarefa de Curitiba guarda informações obtidas por escutas telefônicas, apreensão de documentos, celulares e computadores”
Tudo indica que o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidiu mesmo domar a Operação Lava-Jato, neutralizando completamente o que ainda resta de influência junto ao Ministério Público do ex-ministro da Justiça Sergio Moro — idealizador e líder da operação, quando juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Nos bastidores, Aras vem repetindo a interlocutores que sua principal missão à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) é “despolitizar” o órgão. Na avaliação dele, a PGR vinha sendo palco de disputas políticas entre grupos internos. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo, fora da lista tríplice eleita pelos procuradores, parece ter sido esse o grande pacto firmado entre ambos.
O problema é que a Lava-Jato é uma linha de força do processo político brasileiro, uma espécie de fronteira entre a ética e a política, que deveriam andar de mãos dadas, mas não é bem assim que acontece. Mesmo que os procuradores da Lava-Jato percam o protagonismo nas investigações, permanecerão tendo enorme influência no comportamento da opinião pública e no processo eleitoral. Quando nada porque já promoveram um notável expurgo na vida política brasileira, ao conseguir a aprovação da Lei da Ficha Limpa e denunciar boa parte da atual elite política do país. É ilusão imaginar que Moro e seus aliados serão carta fora do baralho nas eleições de 2022. Eles já têm até um partido pronto para oferecer uma alternativa: o Podemos, do senador Álvaro Dias (PR).
Por isso mesmo, é bom prestar atenção na queda de braço entre a subprocuradora da República Lindora Maria de Araújo, atual responsável pela condução da Lava-Jato na PGR, e a força-tarefa de Curitiba. Na sexta-feira, os procuradores Hebert Reis Mesquita, Victor Riccely Lins Santos e Luana Macedo Vargas pediram exoneração das funções, permanecendo no grupo que trabalha com Lindora apenas Alessandro José Fernandes de Oliveira e Leonardo Sampaio de Almeida. Antes, a procuradora Maria Clara Noleto, também por divergências, já havia chutado o balde. A crise foi provocada por uma visita de Lindora Araujo à força-tarefa de Curitiba, na quarta e na quinta-feiras, que gerou, inclusive, uma reclamação desses procuradores junto à Corregedoria Nacional do Ministério Público Federal, “como medida de cautela” e “para prevenir responsabilidades”.
Caixa-preta
Segundo o coordenador da operação no Paraná, procurador Deltan Dallagnol, a chefe da Lava-Jato na PGR buscou acesso a procedimentos e bases de dados da força-tarefa “sem prestar informações” sobre a existência de um processo formal no qual o pedido se baseava ou o objetivo pretendido. “Diante do caráter inusitado das solicitações, sem formalização dos pedidos e diligências”, os procuradores do Paraná realizaram uma reunião virtual para discutir o caso. Para Dallagnol, era preciso adotar cautelas formais para a transferência, a fim de evitar questionamentos e arguição de nulidades sobre informações e provas. Segundo ele, a corregedora Elizabeta Ramos os informara de que não há qualquer procedimento ou ato no âmbito da Corregedoria que embase o pedido de acesso da subprocuradora-geral aos procedimentos ou dados da força-tarefa.
A base de dados da força-tarefa de Curitiba guarda grande quantidade de informações e provas obtidas por meio de escutas telefônicas, apreensão de documentos, celulares e computadores, além de depoimentos de testemunhas e investigados pela Lava-Jato. Lindora pretendia ter acesso também ao sistema de escutas telefônicas utilizado pela força-tarefa. Os procuradores de Curitiba recusaram-se a ceder as informações. Em nota, a PGR negou a busca de “compartilhamento informal de dados”, mas assumiu, sim, a intenção de obter “informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos”. De acordo com a PGR, a visita foi agendada previamente, e a corregedora Elizabeta Ramos somente não participou da comitiva porque estava doente.
Autor de Corpo e alma da magistratura brasileira, o professor Luiz Werneck Vianna, certa vez, classificou os integrantes da Lava-Jato como uma espécie de “tenentes de toga”, comparando-os aos jovens oficiais que integraram o Tenentismo, movimento de insubordinação militar que resultou na Revolução de 1930 e, depois, na ditadura do Estado Novo (1937). “Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o país. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral”, comparou, em 2016. Quatro anos depois, os militares estão de volta ao poder, sem um programa, e os “tenentes de toga” ensaiam um projeto próprio de poder, com Moro.