Kofi Annan
Luiz Carlos Azedo: Je suis la Loi
A tática eleitoral do PT ganhou uma nova dimensão: agora é uma estratégia para desmoralizar a Justiça brasileira internacionalmente e virar a mesa, impondo a candidatura de Lula
Luís XIV reinou durante 72 anos (1643-1715), ou seja, por três gerações, o que lhe permitiu consolidar o absolutismo francês como modelo de Estado-Nação fundado na teoria do “direito divino” (ele parecia imortal). A frase “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!)”, graças à sua aliança com a emergente burguesia francesa e à redução do poder da nobreza, virou marca registrada do seu longo reinado e inspiração para os demais autocratas europeus, com exceção da Inglaterra, cuja monarquia parlamentarista existe desde a Declaração de Direitos de 1689 (Bill Of Rights).
Xará do rei Sol, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comporta como se estivesse acima das leis e o Estado brasileiro, à mercê de seus desejos, embora esteja preso em Curitiba, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá (SP). A Lei da Ficha Limpa prevê que uma pessoa se torna inelegível após ser condenada por órgão colegiado da Justiça. Assim mesmo, Lula registrou sua candidatura e promove uma grande chicana jurídica, que agora ganhou foro internacional.
Graças às articulações do ex-chanceler Celso Amorim, o Comitê de Direitos Humanos da ONU pediu, na sexta-feira, que o Brasil garanta direitos políticos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão e não o impeça de concorrer na eleição de outubro, até que sejam completados todos os recursos de sua condenação. O comitê decidiu a galope, por solicitação da defesa de Lula, apresentada no fim do mês passado. Em resposta, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota na qual afirma que a manifestação é uma “recomendação” e não tem efeito jurídico. E que a Delegação Permanente do Brasil, em Genebra, tomou conhecimento da decisão “sem qualquer aviso ou pedido de informação prévios”.
O Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Os princípios de igualdade diante da lei, de respeito ao devido processo legal e de direito à ampla defesa e ao contraditório são também princípios constitucionais brasileiros, respeitados pelo Supremo Tribunal Federal. A defesa de Lula, porém, quer enquadrar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde já tramitam mais de uma dezena de impugnações da candidatura de Lula, e o próprio Supremo, com base numa decisão de especialistas, que nem magistrados são em seus países. O Judiciário brasileiro não deve obediência à comissão, ao contrário do que afirmam o advogado de Lula e o ex-chanceler.
Composto por 18 personalidades independentes ligadas aos movimentos de defesa dos direitos humanos, de diversos países, nenhuma das quais é brasileira, o comitê não ouviu nossas autoridades. A vice-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a norte-americana Sarah Cleveland, uma das signatárias de decisão, chegou a dizer à imprensa brasileira que o Brasil tem obrigação de cumprir a decisão. Parece até piada, professora da Universidade de Colúmbia, talvez devesse ter se manifestado antes sobre os direitos humanos dos brasileiros presos e separados dos filhos nos Estados Unidos, por conta da política de imigração de Trump.
Desestabilização
Há muita polêmica sobre as relações entre a ONU e os países que integram a organização, que estão de luto devido à morte de seu ex-secretário geral e Nobel da Paz Kofi Annan, mas nem de longe suas comissões, por mais importantes que sejam, exercem o papel de “governo mundial” nas suas respectivas áreas. Inspirada no antigo Império Romano, a ideia de um Estado soberano mundial, longe de ser a fundação de uma cidadania mundial, seria o fim de qualquer cidadania. Nesse sentido, essa intromissão nas eleições brasileiras não tem nenhuma justificativa. É um disparate, ainda mais em se tratando de uma comissão da qual fazem parte apenas especialistas.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se organiza para julgar com brevidade o registro da candidatura de Lula, cuja impugnação foi apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O relator é o ministro do STF Luís Barroso. Coincidentemente, a defesa de Lula apresentou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), também na sexta-feira, um pedido para que a inelegibilidade do petista seja sustada, enquanto seu caso não transitar em julgado no Supremo, o que contraria a Lei da Ficha Limpa.
Com isso, a tática eleitoral do PT ganhou uma nova dimensão: agora é uma estratégia para desmoralizar a Justiça brasileira internacionalmente e virar a mesa, impondo a candidatura de Lula, que busca voltar ao poder num ambiente da radicalização política e ajuste de contas.
Como candidato a presidente da República, Lula declarou patrimônio de R$ 7,9 milhões, sem contar o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia, propriedades que não reconhece como suas. Segundo a assessoria, a fortuna foi amealhada com 70 palestras, para 41 empresas e instituições, entre 2011 e 2015. Entre os candidatos a presidente da República, o patrimônio do petista perde apenas para João Amoêdo, Henrique Meirelles e João Goulart Filho.