kasssio nunes

Hélio Schwartsman: A maldição do currículo

A mania de ficar embelezando CVs é generalizada

A indicação de Kassio Nunes para uma vaga no STF vai sobrevivendo às inconsistências curriculares. Carlos Alberto Decotelli, que fora apontado para ocupar o MEC, não resistiu mais do que alguns dias quando apanhado na mesma situação. Não tenho como provar que a diferença de tratamento se deve ao fato de Decotelli ser negro, mas essa é uma daquelas suspeitas difíceis de afastar.

Não é, porém, o racismo estrutural que eu gostaria de discutir hoje, e sim a mania de ficar embelezando CVs. Ela é generalizada. Levantamento de 2019 da DNA Outplacement mostra que 75% dos currículos enviados a RHs de 500 empresas no Brasil continham informações distorcidas. Os pontos sobre os quais os candidatos mais mentem são salário (48%) e fluência no inglês (41%). Escolaridade e títulos acadêmicos são deturpados por 10%.

Se a prática é tão disseminada, deve funcionar. Mas, se é razoável imaginar que pequenas empresas deixem de proceder a checagens, tal complacência é inimaginável quando falamos dos principais cargos do país, que estão sob os holofotes da imprensa e de lobbies variados. E isso reforça o mistério: se é grande a chance de ser desmascarado, por que tantos candidatos a altos postos insistem em turbinar seus CVs?

Nossa espécie tem uma relação ambivalente com a verdade. Se, de um lado, nós a glorificamos e pintamos o mentiroso como alguém cujo caráter é falho, de outro criamos dinâmicas sociais em que faltar com a verdade é uma necessidade. Você elogia a comida do anfitrião mesmo que ela seja intragável.

E fica pior. Pesquisas mostram que há correlação positiva entre capacidade de mentir bem e popularidade. Isso significa que é justamente entre aqueles que navegam com facilidade nos círculos sociais e na política que encontraremos as pessoas que se sentem mais à vontade mentindo. Às vezes ficam tão à vontade que esquecem que algumas afirmações serão conferidas.