Kassio Marques
Hélio Schwartsman: O sistema de escolha de juízes para o STF funciona?
Receio que, se funcionasse, Kassio Nunes não seria aprovado
O que aconteceria com Kassio Marques se nosso sistema de escolha de juízes para o STF fosse plenamente funcional? Receio que, neste caso, o futuro ministro não teria seu nome aprovado pelo Senado.
É possível que Marques seja um bom magistrado e que sua fortificação curricular seja um pecado venial, mas não estamos falando de um cargo obscuro nos meandros da administração, e sim de uma vaga na Suprema Corte do país, onde deveriam ter assento apenas os melhores e mais probos de cada geração.
Não é possível que, entre os cerca de 2 milhões de brasileiros em carreiras jurídicas, não exista ninguém com excelência técnica e sem pecados curriculares.
Apesar de eu mesmo ter classificado como pouco funcional nosso modelo de seleção, no qual o presidente indica mais ou menos livremente um nome, que precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado, devo dizer que o sistema não é tão ruim quanto alguns o pintam. O risco maior, que seria a entronização de ministros próximos demais de quem os designou, foi posto à prova e não se materializou.
Embora as últimas composições do STF tenham tido a maioria de seus integrantes apontados pelo PT, a corte, em seu conjunto, não hesitou em tomar decisões que contrariaram os interesses do partido, como se viu no julgamento do mensalão e do impeachment de Dilma. O segredo é a vitaliciedade. Uma vez nomeado, o ministro não precisa mais se preocupar com seu próximo emprego e pode dedicar-se só a sua biografia. A vaidade faz o resto.
Para o sistema tornar-se plenamente funcional, o Senado teria de exercer sua prerrogativa de realmente avaliar os candidatos e rejeitar os que não estivessem à altura do cargo. Como isso dificilmente acontecerá, até acho que poderíamos limitar mais a escolha do presidente, restringindo-a a listas de nomes elaboradas por outros atores, mas eu não mexeria na vitaliciedade. É a parte que está dando certo.
Ascânio Seleme: Uma andorinha só
Indicação de Kassio Marques para o STF é uma indicação do movimento de Bolsonaro para o cento: o centrão
Trata-se de uma questão de ponto de vista, mas não se pode negar que o presidente Jair Bolsonaro evoluiu desde a sua posse. No dia 1º de janeiro de 2019, o capitão era a imagem do mal usando faixa. Era um extremista de direita disposto a dar um golpe. Foi assim até outro dia, quando deslocou-se para o centro, digo, para o centrão. Até a chegada de Bolsonaro ao poder, o centrão era o que havia de mais nefasto na política. O presidente andou uma casa, se moveu do pior para o ruim.
A indicação de Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal é uma indicação do movimento de Bolsonaro. Nenhuma dúvida que se trata de uma ação de natureza política, mas é com essa argamassa que se constrói entendimentos, pontes e saídas. O presidente está buscando consolidar para si uma posição mais confortável, uma alternativa viável para o seu governo, que mais patina do que anda para frente.
O fato novo neste e em outros episódios recentes é que Bolsonaro tem ouvido mais. A escolha de Kassio Nunes é o melhor exemplo disso. Mostraram ao presidente que a indicação de um extremista, de um terrivelmente evangélico ou de um amigo despreparado para o Supremo serviria apenas para irritar os demais ministros da Corte. Sozinho, o novo ministro não conseguiria ajudar a Bolsonaro, aos seus filhos ou às suas causas. Ao contrário, sua presença de um lado poderia acabar empurrando ministros simpáticos para o outro lado. Uma andorinha só não faz verão, lembraram a ele.
Bolsonaro ouviu seus novos interlocutores, refletiu, o que, convenhamos, é coisa rara em se tratando dele, e concluiu que uma indicação errada atrapalharia mais do que ajudaria. Conseguiu rapidamente encontrar um magistrado maleável, bem aceito por todos os lados, mas ainda assim um garantista, anti-lavajatista e conservador. A indicação deixou irados os terraplanistas e ultradireitistas que o guiavam até outro dia, como o falso guru Olavo de Carvalho. Bolsonaro fez um gol.
Não se espantem se outros movimentos forem feitos. Claro que não se pode esperar evolução muito maior do que a nomeação de um moderado para o STF, mas ainda há espaço para Bolsonaro se mexer. Se ele quisesse ganhar mais alguns pontos com o grande público, poderia aproveitar e passar logo a boiada toda, demitindo os vergonhosos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, o recém-empossado ministro da Educação e o secretário de Cultura, por exemplo. Mas não vai acontecer. O capitão gosta dos odiados e odeia os bem-amados.
Se houver mais movimentos em favor do centrão, mais fácil e lógico seria se eles acontecessem nos ministérios da área produtiva, como Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia. Claro que aí estão os melhores ministros deste governo, mas o problema é o tamanho da boca do centrão e como satisfazê-la. Quem também não pode mais se julgar garantido é o ministro Paulo Guedes. O mercado não se importaria, sobretudo se o substituto compartilhasse as ideias liberais de Guedes e não estivesse tão desgastado quanto ele.
Com o Posto Ipiranga outros cuidados teriam de ser tomados. Um deles, segundo gente que andou até outro dia à vontade no Palácio do Planalto, é não fazer a operação num dia de semana. Entre dez da manhã e meio dia de sábado, este o melhor horário para se demitir o ministro da Economia. Seu substituto liberal deve ser anunciado no mesmo comunicado. Se ação for bem trabalhada, quando a segunda chegar, o mercado seguirá seu fluxo normal, pacificado. Pode até haver uma leve oscilação da Bolsa para cima e do dólar para baixo.
Patriotas
Os generais do Palácio do Planalto são mesmo patriotas? Então por que concordam com toda barbaridade que se engendra no gabinete do terceiro andar, sem sequer demonstrar contrariedade ou constrangimento? Seus interesses aparentemente são outros, pessoais, e ajudam a desmistificar a imagem de guardiões da pátria.
Ciúmes de você
A ciumeira volta a cercar o gabinete do vice-presidente Hamilton Mourão. O problema é que o general é bem mais inteligente e muito mais claro ao falar do que o capitão. E fala todos os dias. Bolsonaro odeia isso.
Os bois
Do que Ricardo Salles é capaz todo mundo já sabia. Ele nunca escondeu sua irritação com ambientalistas e sua antipatia com regras preservacionistas. O que surpreendeu no episódio dos manguezais foram os bois do Conama, que sujaram sua biografias, algumas até boas, para sempre.
Censura parlamentar
O vereador Brizola Neto, do PSOL, foi denunciado ao Conselho de Ética da Câmara por ter erguido três cartazes durante a votação virtual do pedido de afastamento do prefeito Crivella. Eles diziam “Fora, Crivella e Edir Macedo”; “Fora, milícia” e “Impeachment já”. Por se manifestar visualmente a favor do seu voto, 21 vereadores o denunciaram por quebra de decoro. Uma vergonha coletiva. Uma espécie de pós-censura.
Luz para todos
A proposta 39 oferecida pelo GLOBO aos candidatos a prefeito é uma praga que atormenta os cariocas desde os tempos dos lampiões a gás. O assunto é tão velho quanto a taxa de iluminação pública. Mas, ficando apenas neste século, já em 2001, o jornalista Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, não se cansava de alertar: “Cuidado ao sair à noite, o Rio é uma cidade escura, mal iluminada, o que potencializa a insegurança”.
A ciência é pop
A pandemia de coronavírus restabeleceu na consciência da maioria dos brasileiros a importância da ciência na vida das pessoas. Há muito tempo, cientistas não eram ouvidos e levados em conta de maneira tão consistente e de forma tão recorrente. O GLOBO criou uma coluna diária especialmente dedicada à ciência, todos os veículos dão hoje a ela muito mais espaço. As universidades públicas também ganharam ao serem revigoradas moralmente com o bom assédio aos seus mestres e pesquisadores.
Stand by
Fiquem prontos. Foi isso o que Donald Trump disse aos supremacistas brancos quando solicitado a repudiá-los. Só mesmo nos Estados Unidos um homem destes continua com chances de ganhar uma eleição presidencial. Se fosse fotografado com uma modelo de biquíni sentada no seu colo seria varrido do mapa. Vai entender.
Stand back
Por sorte, Trump pode também perder a eleição de 3 de novembro. O imbatível de seis meses atrás pode ter de entregar o poder a Joe Biden, escolhido pelos democratas para perder, já que no ano passado, sem pandemia e com a economia americana em modo boom, ninguém acreditava numa derrota de Trump.
Racismo no futebol
Contrariando Neymar, o presidente da federação Francesa de Futebol, Noel Le Graet, disse que não há racismo nos campos franceses. Patrice Evra, ex-jogador que atuou pela seleção francesa por dois anos, respondeu ao dirigente afirmando que há sim, e acusou Graet de ser ele próprio um racista. Segundo Evra, todas as vezes que o presidente da República ou outra estrela da política nacional visitava a concentração da seleção, os jogadores negros eram colocados nas extremidades para a foto oficial. Ao lado das autoridades, só os brancos, por ordem de Graet, disse Evra.
Fundo para jornalismo
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lança na terça-feira um manifesto pela taxação das grandes plataformas digitais em favor do jornalismo profissional. O evento terá transmissão ao vivo pelo Facebook, uma das entidades que a Fenaj quer taxar mais pesadamente. O objetivo é usar o dinheiro recolhido para formar um fundo de fomento que poderia ser usado pelas empresas jornalísticas. Para receber as contribuições, as empresas teriam de garantir os empregos dos seus jornalistas.
Cultura e riqueza
Em Nova York, o setor de arte e cultura movimentou US$ 120 bilhões em 2019, ou 7,5% do PIB da cidade. No Rio…