Justiça
Bruno Boghossian: CPI vai apurar papel de Bolsonaro na propagação intencional do vírus
Senadores citam incentivo à imunidade de rebanho como item a ser investigado
Nas primeiras semanas da pandemia, Jair Bolsonaro mostrou que seu plano era trabalhar para que o coronavírus se espalhasse pelo país. “Como dizem os infectologistas: 60%, 70% da população será infectada, e só a partir daí nós teremos o país considerado imunizado”, disse o presidente, em abril de 2020.
Não se sabe que infectologistas eram aqueles ou de onde veio a matemática macabra, mas o incentivo à imunidade de rebanho se tornou estratégia oficial do governo. O presidente estimulou contaminações, agiu para derrubar restrições impostas para conter o vírus e atrasou uma campanha de imunização inteligente a partir da vacinação em massa.
A CPI da Covid deve se debruçar sobre o papel de Bolsonaro na propagação deliberada do vírus –já apontado numa pesquisa de Deisy Ventura, Fernando Aith e Rossana Reis, da USP. A oposição e o senador Renan Calheiros (MDB), cotado para a relatoria da comissão, citam a defesa da imunidade de rebanho como um dos itens que serão investigados.
O estímulo ao alastramento da doença foi uma opção do presidente. Em maio, o Ministério da Saúde dizia que a imunidade de rebanho não era "a melhor estratégia se você não tem vacina". Mesmo assim, Bolsonaro agiu contra medidas de contenção e insistiu no papo de que a contaminação generalizada era o caminho.
Ao estimular aglomerações, o presidente dizia que o coronavírus era "uma coisa que vai pegar em todo mundo". Depois, ao sabotar a compra de imunizantes, ele afirmou que a contaminação era a forma ideal de se proteger. "Eu tive a melhor vacina, foi o vírus. Sem efeito colateral", declarou, em dezembro. Para Bolsonaro, bastava tomar cloroquina.
Essa linha de investigação ajuda a desmontar a versão fantasiosa de que a tragédia brasileira foi provocada exclusivamente por um vírus desconhecido, que surpreendeu governantes em todo o mundo. O presidente escolheu um caminho e se manteve nele, contra todas as evidências científicas. Bolsonaro sabia muito bem o que estava fazendo.
Cristovam Buarque: Não basta a China
A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros
No excelente livro “Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro” a jornalista escritora Eliane Blum escreveu que: “Como o mundo regido pelo capital não ficaria encantado por um presidente que tornava os ricos mais ricos e os pobres menos pobres sem precisar redistribuir a riqueza nem ameaçar privilégios de classe?” […] “A mágica de Lula só era possível devido ao aumento da exportação de matérias primas e movida especialmente pelo crescimento acelerado da China”.
Outra vez é a China que está nos salvando com sua vacina, além de continuar como o grande parceiro comercial. Se não fosse a China, nossa situação sanitária estaria muito mais desesperadora. Mas quando a epidemia passar, o Brasil não estará bem, mesmo que tenha UTIs livres. Não vamos contar com a China para resolver os problemas do Brasil.
A injeção de dólares vindos da China no período Lula permitiram aumentar a renda e o consumo inclusive das camadas mais pobres, mas não se fez o que era preciso para enfrentar o quadro real da pobreza: saneamento, educação de base com qualidade universal, transporte público eficiente e confortável, garantia de emprego, paz nas ruas. Os governos não iniciaram qualquer reforma estrutural sobretudo na área social, a recessão, desemprego, inflação, e agora a epidemia, desfizeram os ganhos puramente monetários e conjunturais. Sem as reformas na educação, na saúde, na economia, a China não basta.
Estes problemas são nossos e nos cabe enfrentar escolhendo governos que demonstrem compromissos para resolver os problemas nacionais. Mas isto exigirá estratégias de anos, por governos que entendam os problemas, tenham estratégias resolvê-los e saibam coordenar e conduzir o país neste rumo.
Deste caótico, negacionista, obtuso, antipatriota governo atual não se pode esperar um rumo para o país. Para 2022, a tarefa é conseguir um novo governo que traga de volta aceitação da ciência e respeito à verdade, recupere as bases da democracia, enfrente as sequelas da epidemia, retome o prestígio do país no exterior, proteja nossos recursos nacionais, especialmente nossas reservas florestais. Para isto, é preciso uma unidade de todos que se opõem ao atual governo, como foi proposto por um recente artigo assinado por Milton Seligman, Benjamin Sicsú, Mauro Dutra. Eles propõem a unidade de todos os democratas na escolha de um candidato único, e que este assuma o compromisso de ficar apenas um mandato, e deixar para 2026 as disputas entre os diferentes programas e ideias para construir o Brasil.
A China foi decisiva para as realizações na primeira década dos anos 2.000, graças ao Lula, está sendo decisiva com sua vacina, apesar do Bolsonaro, mas a China não basta. A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros, e o primeiro passo será dos eleitores em 2022, impedindo a reeleição do atual desgoverno, um passo anterior aos eleitores deverá ser dos líderes partidários escolhendo candidatos que unifiquem e tenham baixa rejeição.
*Cristovam Buarque foi governador, ministro e senador
Elio Gaspari: O que falta a Bolsonaro é seriedade
O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças
A diplomacia americana está fritando Bolsonaro. O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças. Do outro lado, o Departamento de Estado levantou um muro. Quando um porta-voz disse que espera “seriedade” do governo brasileiro na cúpula do clima que começa quinta-feira, cravou uma estaca na agenda.
Enquanto o Departamento de Estado pedia “seriedade”, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, justificava o bloqueio a viajantes brasileiros e arrancava risadas na Assembleia francesa ao lembrar que “o presidente da República, em 2020, aconselhou a prescrição de hidroxicloroquina, e gostaria de lembrar que o Brasil é o país que mais a prescreveu”.
Bolsonaro passou de piromaníaco a pedinte. Admitiu acabar com o desmatamento até 2030 e estragou sua nova posição numa única frase: “Alcançar esta meta, entretanto, exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo apoio possível.” Coisas assim se fazem, mas não se dizem, sobretudo se esse mesmo governo desdenhou a ajuda estrangeira e esvaziou o Fundo Amazônia. Colocar o Brasil, ou qualquer outro país, na posição do cachorro que olha para os espetos de frangos, como fez o doutor Ricardo Salles, é apenas burrice.
O Império e a República cuidaram da Amazônia de todas as formas, mas nunca falaram em dinheiro. Essa é a pior maneira para se começar uma negociação diplomática. Com ela, chega-se apenas a uma velha piada, atribuída ao ex-secretário de Estado Americano Henry Kissinger.
Numa versão politicamente correta, ela fica assim:
“Todos têm um preço”.
“Há coisas que eu não faço, nem por um milhão de dólares”.
“Você já está discutindo seu preço”.
Veneno
A carta de Bolsonaro a Joe Biden ocupa sete páginas.
Fosse qual fosse seu efeito, ele foi anulado pela curta notícia do afastamento do delegado Alexandre Saraiva, que chefiava a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e acusou o ministro do Meio Ambiente de advogar no interesse de desmatadores.
Lula e Bolsonaro
Uma Lava-Jato e três anos depois, Lula ficou maior, e Bolsonaro está menor.
Suprema criatividade
Quem entende de Supremo Tribunal Federal arrisca: com a anulação das sentenças que Curitiba impôs a Lula, algo como dez réus de Sergio Moro, em condições similares, pedirão o mesmo benefício. Para negá-lo, será necessária inédita criatividade.
Sumiço
Um experimentado empresário do agronegócio registra que a militância dos agrotrogloditas entrou num período de entressafra. Deram-se conta de que colheram (ou queimaram) o que podiam.
Profissional e amador
O embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, é um diplomata de carreira. Como o ex-chanceler Ernesto Araújo também é, entende-se que profissionais acabem se comportando como amadores. Em 2019, quando estava sendo sabatinado pelos senadores americanos, Chapman classificou as queimadas da Amazônia como “ocorrências anuais”. Perdeu uma oportunidade de ficar calado, mas pode-se entender que não quisesse melindrar Bolsonaro, o bom amigo de Donald Trump.
Passou o tempo, Trump foi para a Flórida, e na Casa Branca está Joe Biden. O embaixador Chapman reuniu-se com integrantes da “Articulação dos Povos Indígenas do Brasil”. A Apib queria um “canal direto” de comunicação com o governo americano, e o encontro foi diluído com a presença de indígenas indicados pelo governo. Uma salada.
Não é boa ideia que um embaixador de povo estrangeiro se reúna com representantes dos “povos indígenas”, mas seria descortesia não conversar. Podia ter destacado um diplomata de escalão inferior para o encontro.
Chapman poderia consultar os arquivos do Departamento de Estado para estudar um valioso precedente. Em 1876, quando viajava pelos Estados Unidos, D. Pedro II teve seu trem parado por um grupo de índios Sioux, chefiados pelo famoso “Touro Sentado”. O cacique pedia que o Imperador intercedesse pelos índios americanos junto ao presidente Ulysses Grant. É improvável que D. Pedro tenha tratado do assunto.
Apocalipse
No mesmo dia em que se noticiava a morte, na cadeia, do vigarista Bernard Madoff, que em 2008 foi apanhado num golpe de US$ 15 bilhões, Jair Bolsonaro disse que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério”.
O que ele quis dizer com isso, não se sabe. Desde o ano passado, Bolsonaro acena com um Apocalipse. Ora falava em saques, ora advertia para o caos. Morreram mais de 360 mil pessoas, faltaram testes, vacinas, oxigênio e remédios. A desordem esteve no governo, e os saques, quando ocorreram, atacaram a Bolsa da Viúva.
Madoff também apostou no Apocalipse. Muita antes de ser apanhado, ele sabia que sua pirâmide explodiria e, preso, contou:
“Eu queria que o mundo acabasse. Quando aconteceu o atentado de 11 de setembro de 2001, eu achei que ali estava a saída. O mundo acabaria.”
Doutores cloroquina
É possível que o repórter Fabiano Maisonnave tenha entregue de bandeja um presente à CPI da Pandemia. Seria o depoimento dos médicos Michelle Chechter e Gustavo Maximiliano Dutra, que foram a Manaus em fevereiro para aplicar a “técnica experimental ‘nebuhcq líquido’, desenvolvida pelo dr. Zelenko”. Eram nebulizações de cloroquina.
Quatro pacientes grávidas receberam o tratamento. Todas morreram.
Uma delas teve um vídeo gravado, postado no dia 20 de março pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni. Ele informava que “de 0 a 10, melhorou 8”.
Talvez Lorenzoni não soubesse, mas ela morrera no dia 2.
Milton Ribeiro zangou-se
O ministro Milton Ribeiro, da Educação, zangou-se com uma reportagem de Paulo Saldaña mostrando a existência de um esquema para fraudar pagamentos do Financiamento Estudantil, boca rica administrada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE.
Como os repórteres são uma raça maldita, o doutor Ribeiro bem que poderia estender sua zanga ao edital do FNDE de 2019 que pretendia torrar algo como R$ 3 bilhões na compra de equipamentos para a rede pública de ensino. A Advocacia-Geral da União sentiu o cheiro de queimado, porque numa só escola 255 alunos receberiam 30 mil laptops (118 para cada um). Outros 335 colégios receberiam mais de um laptop para cada aluno.
O edital foi suspenso e cancelado. Passaram-se dois anos, três ministros da Educação e pelo menos três presidentes do FNDE, mas ninguém sabe quem botou esse jabuti no edital.
Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte
É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva
Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República – Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.
O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.
Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário.
*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP
Eliane Cantanhêde: Enfraquecido em várias frentes, Bolsonaro atiça 'seu povo' e 'seu Exército' contra a democracia
Enfraquecido em várias frentes, Bolsonaro atiça 'seu povo' e 'seu Exército' contra a democracia
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou duas vezes no Supremo, com a anulação de suas condenações na Lava Jato e a correspondente volta ao jogo eleitoral, e essas duas vitórias devem ser aprofundadas nesta semana com a ratificação em plenário da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Significa começar tudo do zero, para ficar no zero.
A grande dúvida é quanto ao “efeito sistêmico” das decisões que envolvem Lula, tanto na questão da competência de Curitiba para julgá-lo quanto na suspeição de Moro. Se valem para Lula, por que não valeriam para todos aqueles condenados brancos, poderosos, de colarinho branco? E o que sobra da Lava Jato?
Um a um, os ministros do Supremo negam a possibilidade, argumentando que cada “paciente” é um “paciente” e o que cabe para Lula não cabe, ao menos necessariamente, para os outros da Lava Jato. E o jornalista Carlos Alberto Sardenberg lembra que, pela psicanálise, se tantos precisam insistir que não cabe, é justamente porque cabe – ou pode caber.
Há excitação entre condenados e alvoroço entre seus advogados, mas, quando a Segunda Turma do STF decidiu pela suspeição de Moro, o ministro Gilmar Mendes enumerou fatos que distinguem a situação de Lula da dos demais e jogam luz no que seria uma perseguição política específica.
A esses fatos: prisão coercitiva de Lula sem motivo; divulgação de uma conversa obtida fora do prazo legal entre ele e a então presidente Dilma Rousseff, para impedir sua posse na Casa Civil; o vazamento de partes da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição. Sem falar nos diálogos da The Intercept Brasil e no ponto fraco de Moro: o cargo no governo Bolsonaro, com as urnas ainda quentes.
Dificilmente houve algo assim em relação a empreiteiros, executivos da Petrobrás e de empresas privadas, governadores e parlamentares, os peixes graúdos da Lava Jato. Logo, a estratégia no Supremo para evitar o tal “efeito sistêmico” é focar em Lula como alvo político, diferentemente dos demais.
Toda decisão envolvendo Lula mexe com eleição, paixões, temores e ímpetos golpistas, porque tem dois efeitos opostos para Jair Bolsonaro em 2022. Ajuda, porque a polarização fortalece a unidade do seu lado e pode atrair parte do centro – caso não se encontre, como não se encontrou até hoje – uma alternativa competitiva. Mas ameaça porque, afinal, Lula é Lula.
Bolsonaro está irado, enfraquecido, nas mãos de um Centrão que não é de brincadeira e pressionado até por líderes do capital e, claro, pelos Estados Unidos de Joe Biden. Nada está fácil. Covid, registros de morte pela cloroquina, Orçamento maluco, corrosão do meio ambiente, terra arrasada na política externa e a diligência de STF, TCU e MP. A economia teria de ser um sucesso estupendo para equilibrar. Não é nem será.
Assim, Bolsonaro perde todas na CPI da Covid: não queria a CPI e ela foi instalada; achou que teria maioria, não tem; tentou tirar Randolfe Rodrigues da vice e Renan Calheiros da relatoria, perdeu; e Omar Aziz foi o “menos ruim”, o que restou ao Planalto para a presidência, mas ele não vai sabotar a comissão, até porque é do Amazonas, exemplo de dor, asfixia e tragédia.
Resta a Bolsonaro atiçar sua turba contra o Supremo, pelos votos de Lula, os governadores, cara a cara com a pandemia, e a mídia, que relata toda a história. Parte do plano é martelar que essa turba é o “povo”. Se 200 ou 500 alucinados atacarem de novo o prédio do STF, Bolsonaro apoiará: “Não jogarei o ‘meu’ Exército contra o ‘povo’!”. Saberemos então, finalmente, qual foi sua intenção ao derrubar toda a cúpula militar. A que saiu defendia a Constituição. A que entrou se escuda no “povo”, esse “povo”?
Míriam Leitão: Do chão da floresta à cúpula do clima
Um avião do Comando de Aviação Operacional da Polícia Federal foi a Manaus em novembro buscar policiais para ajudar nas eleições no sul do Estado. O superintendente da PF, Alexandre Saraiva, perguntou ao piloto: “Na volta, tem como sobrevoar os rios Madeira e Mamuru para ver se tem balsa da madeira?” Um agente foi junto para fotografar e trouxe farto material. Assim começou a maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal. A ação foi comemorada em nota pela Secom do Planalto. Saraiva esteve no Conselho da Amazônia para explicar a operação e discutir o destino da madeira. A reviravolta ocorreu quando o ministro Ricardo Salles foi ao Amazonas e passou a defender os madeireiros.
Na reunião de cúpula esta semana sobre clima, convocada pelo presidente Joe Biden, o presidente do Brasil vai mentir. Já há muita falsidade na carta enviada por Bolsonaro a Biden. A meta de zerar o desmatamento ilegal em 2030 é antiga, foi apresentada pelo Brasil em 2009, em Copenhague, e confirmada em Paris. No mesmo dia em que prometeu reduzir o desmatamento, o governo fez o oposto. A boiada de Salles é coisa que passa todo dia. Ele baixou, na quinta-feira, uma instrução normativa que constrange mais ainda a fiscalização ambiental.
— A instrução normativa condiciona a validação das multas ambientais à concordância de uma autoridade ‘hierarquicamente superior’. Já havia antes criado um conselho de conciliação para validar as multas — explica André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Tudo é complexo quando o assunto é Amazônia. Mas os fatos se juntam. Tanto a exoneração do superintendente Saraiva, quanto as recorrentes normas com as quais o governo Bolsonaro mina o edifício legal construído em governos anteriores, que havia feito do Brasil um exemplo de combate ao desmatamento.
O delegado Saraiva, na sexta-feira, reapresentou a notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles no STF por “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato das questões ambientais”. A relatora será a ministra Cármen Lúcia. Ele havia tido dificuldade de incluir no sistema eletrônico, mas, mesmo após o anúncio de que seria exonerado, insistiu. Está convencido de que o que ele viu é crime. E dos grandes. O governo achava o mesmo. A nota da Secom, no dia 24 de dezembro, trazia a bandeira do Brasil ao lado da inscrição “O gigante verde” ilustrando a foto dos caminhões enfileirados da “Operação Handroanthus GLO”. A carga, dizia a Secom, “representa mais de 6,2 mil caminhões lotados”. E isso quando se achava que eram 131 mil m3 de madeira. Na verdade, foram mais de 200 mil m3. Salles diz agora que era tudo legal.
— A madeira que estava nas balsas não correspondia à madeira descrita no Guia Florestal. Nem nos caminhões. Os documentos que os empresários apresentaram têm fortes indícios de fraude, apesar disso o ministro os defendeu — disse Saraiva.
Esse é um fato. Há milhares de fatos estranhos na rede que sustenta o abate da floresta. Contra isso o Brasil aprovou leis e assumiu compromissos internacionais. Na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente foi feito o PPCDAm, o mais bem estruturado plano de combate ao desmatamento. Era maio de 2005. Por causa dele o Brasil derrubou em 80% o desmatamento nos anos seguintes. Em 2009, para a COP-15, quando o ministro era Carlos Minc, foi anunciada a Lei Nacional de Mudanças do Clima. Assim nasceram as metas do Brasil. Elas não foram inventadas agora pela dupla queima-floresta Bolsonaro&Salles.
— A carta de Bolsonaro a Biden é mais que triste, é dramática. Ele fala em proteger indígenas, e o governo é autor do projeto que legaliza mineração, exploração de madeira, agropecuária, gás, petróleo e usina elétrica em terra indígena. Ele enterrou o PPCDAm mas pede dinheiro alegando que o Brasil reduziu o desmatamento. Caiu por causa do plano que ele desmontou — diz André Lima.
O MapBiomas tem feito perguntas pela Lei de Acesso à Informação ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, sobre os crimes ambientais. Fez 66. A resposta é sempre a mesma. A de que o Conselho da Amazônia é só o coordenador. “Sugere-se que seja realizado o pedido ao órgão competente”. Mas o Ibama nem faz parte do Conselho.
Esse ataque múltiplo contra a floresta é a verdade do Brasil. Verdade que não estará na fala de Bolsonaro aos líderes mundiais.
Bernardo Mello Franco: Moraes expôs o método da República de Curitiba
O Supremo Tribunal Federal confirmou, por 8 votos a 3, a anulação das condenações de Lula. A corte concluiu que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para julgar o ex-presidente. Isso equivale a dizer que sua prisão foi resultado de um processo irregular.
Lula vive em São Bernardo do Campo e foi acusado de receber vantagens de empreiteiras em Guarujá e Atibaia. Os três municípios ficam no Estado de São Paulo. No entanto, os casos foram levados para o Paraná, onde Sergio Moro pontificava nos julgamentos da Lava-Jato.
Na quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes disse que a transferência das ações violou o princípio do juiz natural. A Constituição afirma que “ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente”, definida por regras do Código de Processo Penal. “O juiz não pode escolher a causa que quer julgar”, resumiu o ministro.
Moraes expôs o método da República de Curitiba para driblar a lei e escolher réus, transformando-se numa espécie de “juízo universal” do país. “Em todas as denúncias, o MP jogava o nome da Petrobras e pedia a prevenção da 13ª Vara”, disse. O artifício deu poderes quase ilimitados ao juiz e aos procuradores da força-tarefa.
No caso de Lula, Moraes observou que o MP nunca provou a conexão entre os desvios na Petrobras e as obras no sítio no tríplex. “A partir do genérico, sem nenhuma ligação com fatos específicos, se acusou e se denunciou o ex-presidente”, criticou. A defesa repetia isso desde 2016, mas o Supremo levou cinco anos para declarar que o processo foi ilegal.
A transferência das ações para Curitiba foi o primeiro ato de um vale-tudo judicial contra Lula. O Supremo participou do baile ao retardar o julgamento de ações que questionavam se era permitido prender um réu sem condenação definitiva. A manobra permitiu a prisão do petista às vésperas da eleição presidencial de 2018.
“Se essa inversão não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente”, disse na quarta-feira o ministro Ricardo Lewandowski. “Foi uma opção que o Supremo fez e que teve consequências muito sérias”, acrescentou. A principal consequência atende pelo nome de Jair Bolsonaro.
A propaganda enganosa
O general Augusto Heleno divulgou na sexta um vídeo que exalta a “Nova Funai”. A propaganda diz que a entidade ouve os povos indígenas e defende o meio ambiente. No mesmo dia, uma audiência promovida pela OAB empilhou críticas ao discurso chapa-branca.
“A Funai foi tomada por setores do agronegócio que imprimem uma política totalmente contrária à defesa dos direitos dos povos indígenas”, afirmou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Antônio Eduardo Oliveira.
A deputada Joenia Wapichana diz que a “Nova Funai” deixou de cumprir sua tarefa mais importante: a demarcação de terras indígenas. Ela também reclama da omissão diante do avanço do garimpo ilegal na Amazônia. “A situação é muito preocupante. E a Funai só atende o lado que está de acordo com as ideias do governo”, acusa.
Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro
O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente
O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.
O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.
Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.
Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.
Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.
Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.
Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.
Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.
Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…
Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.
Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.
O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.
Ricardo Noblat: Justiça deve um pedido de desculpas a Lula
Erro judicial é para ser reconhecido
Se ao Supremo Tribunal Federal cabe errar por último, como ministros da Corte, em tom de galhofa, costumam dizer, a ele cabe, portanto, pedir desculpas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos processos que respondeu na 13ª Vara Federal de Curitiba, e os 580 dias que passou preso por lá.
Não importa o que eu penso ou você pensa a respeito da decisão do Supremo que anulou as condenações de Lula porque a 13ª Vara Federal de Curitiba não seria o foro natural para julgá-lo. Decisão judicial é para ser cumprida, e ponto final. Tanto mais se ela carrega a rubrica da Suprema Corte de justiça do país.
Também pouco importa se a decisão se sustenta em tecnicalidades como muitos juristas observaram. Ou que tenha vindo com atraso. Ou que revele o vai e vem do aparelho judicial. Sem o império da lei, a sociedade voltaria à Idade da Pedra. É melhor uma justiça imperfeita e por vezes contraditória a nenhuma.
Sem o erro, apontado pela defesa de Lula ao longo de anos, a história do país poderia ter sido outra. Lula liderou todas as pesquisas de intenção de voto para presidente em 2018 até um mês antes da eleição. Impedido de ser candidato, cedeu a vez a Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro o derrotou.
Caso Lula venha de fato a ser candidato a presidente no ano que vem, seus adversários dirão que ele roubou ou se beneficiou do roubo dos seus parceiros, muitos deles condenados, alguns que até já cumpriram pena. Lula responderá que foi perseguido, injustiçado e que o Supremo de certa forma reconheceu isso.
O discurso de Lula ganhará um forte reforço se na sessão marcada para a próxima quinta-feira, o Supremo considerar suspeita a maneira como o ex-juiz Sérgio Moro conduziu os processos contra ele. A anulação das condenações se deu pelo placar elástico de 8 votos contra três. Na quinta-feira, não se espera nada parecido.
Mas prevaleça ou não o entendimento da Segunda Turma do Supremo que julgou Moro suspeito, ainda assim continuará faltando um pedido de desculpas pelo erro cometido.
Engana-se Bolsonaro se pensa em levar Biden no papo
Sérgio Moro tinha razão
Ao pedir demissão do Ministério da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar intervir na Polícia Federal. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, logo se apressou a pedir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar o que havia de verdade na acusação.
O inquérito ainda não foi concluído, mas é certo que Aras, bolsonarista fiel, recomendará seu arquivamento por falta de provas – ou por excesso delas se não se recusasse a enxergá-las. Mas se a intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal naquela época ainda não se consumara, de lá para cá só fez aumentar.
A Polícia Federal ganhou há pouco um novo chefe. E o fato mais escandaloso da semana foi a demissão que ele se viu obrigado a fazer do seu colega Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no Amazonas. Saraiva perdeu o cargo porque denunciou Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente.
Segundo Saraiva, amigo dos filhos de Bolsonaro e que no início do governo chegou a ser cotado para ministro do Meio Ambiente, Salles aliou-se a empresários flagrados na maior apreensão de madeira ilegal realizada pela Polícia Federal na região amazônica. Por isso apresentou contra ele notícia-crime ao Supremo Tribunal.
Salles é o queridinho de Bolsonaro. Só faz o que ele quer. E por ser assim, aumentou o desmatamento na Amazônia, a invasão de áreas indígenas por garimpeiros, e a máquina governamental de combate a tais desmandos segue em processo de desmonte. A aplicação de multas agora foi centralizada nas mãos de Salles.
Garimpeiros, desmatadores e contrabandistas de madeira votam em Bolsonaro. E isso é o que de fato importa para ele. O descaso de Bolsonaro com a preservação do meio ambiente lhe será cobrado na próxima semana durante um encontro internacional convocado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.
Se Bolsonaro imagina que levará Biden no papo, engana-se.
Luiz Carlos Azedo: O favoritismo de Lula
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, ontem, a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por 8 a 3, com base no princípio do “juiz natural”, pedra basilar do chamado devido processo legal, invocado pela defesa do petista desde quando o processo começou a andar na 13a Vara Federal de Curitiba, sob a batuta do então juiz Sergio Moro. Quando a revisão do caso do ex-presidente da República começou a ser ventilada nos bastidores do Supremo, o presidente Jair Bolsonaro imaginava que Lula como adversário seria meia reeleição garantida, mas a vida está mostrando, com a pandemia da covid-19, que a roda da Fortuna girou em favor do petista.
Como já era de se esperar, a reação de Bolsonaro e seus aliados será na direção de contestar a decisão do Supremo e desacreditar os integrantes da Corte, além de intensificar a narrativa de que houve fraude nas eleições passadas e de que o voto eletrônico não é seguro. Os propósitos golpistas dessa narrativa são conhecidos, porém não têm encontrado eco nos meios políticos, nem mesmo entre os aliados do Centrão, e também nas Forças Armadas, apesar das insatisfações com a decisão. A ideia de que a polarização com Lula seria a chave da vitórianas eleições de 2022 está furada.
A decisão do Supremo anulou as condenações de Lula por um aspecto formal, o foro de seu julgamento deveria ser o Distrito Federal, e não Curitiba. Isso não significa que Lula tenha sido inocentado, porque o processo terá que ser reiniciado (há controvérsias sobre a anulação de provas). Entretanto a narrativa de que Lula foi injustiçado por Sergio Moro é cada vez mais robusta, pela revelação de suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato e, também, por causa da decisão da Segunda Turma que aprovou a suspeição do ex-juiz na condução do processo, por 3 a 2. Esse é outro assunto que terá de ser examinado pelo plenário do Supremo, podendo ter sérias consequências para o ex-magistrado, um pré-candidato à Presidência ainda encabulado.
Mudança de cenário
A presença de Lula na disputa mudou completamente o cenário eleitoral de 2022. A expectativa de poder que a possibilidade de reeleição garante aos ocupantes do Palácio do Planalto, no caso de Bolsonaro, está sendo volatilizada pela pandemia da covid-19, a recessão econômica e o mau desempenho do governo federal em muitas frentes. As políticas públicas que contavam com certo consenso nacional e reconhecimento internacional foram substituídas pela improvisação, pelo obscurantismo e pela incompetência administrativa, além de um viés ideológico reacionário. Isso correu na política externa, no meio ambiente, nos direitos humanos, na cultura e na educação, mas é na saúde pública que o desastre pôs no telhado a reeleição de Bolsonaro em 2022.
Cada dia que passa, as consequências da má gestão do ex- ministro da Saúde Eduardo Pazuello mostram-se mais graves, com o agravante de que o novo ministro, Marcelo Queiroga, embora tenha flexibilizado a narrativa governista, está capotando na área administrativa da pasta. Hoje, é o principal responsável pelo colapso do fornecimento de insumos para tratamento dos casos graves da doença, principalmente os kits de intubação. Como o Ministério da Saúde requisitou toda a produção nacional e não consegue atender à demanda, hospitais de vários estados estão entrando em colapso. Pacientes estão sendo amarrados nas UTIs para não retirarem os tubos de respiração ou deixando de ser intubados, por falta de analgésicos adequados e outros recursos, o que acaba aumentando o número de óbitos.
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo e se prolongará para além da pandemia, por causa do grande número de mortos. Isso significa que Bolsonaro está derrotado e Lula com o caneco na mão? Não, ninguém ganha eleições de véspera. Lula já foi favorito antes e perdeu a eleição, em 1994, para Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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A decisão do Supremo terá efeito catalisador no processo político, pode contribuir para transferir expectativas de poder do presidente Jair Bolsonaro para a oposição
A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu levar a plenário, hoje, a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13a Vara Criminal de Curitiba, ou seja, pelo ex-juiz Sergio Moro, a pedido do relator da Operação Lava-Jato, ministro Edson Fachin, autor da liminar que livrou o petista da inelegibilidade. Fachin entendeu que o foro natural do processo deveria ser o Distrito Federal, por não se tratar de processo diretamente vinculado ao escândalo da Petrobras. Com a decisão de ontem do Supremo, por 9 a 2, tanto Lula quanto Moro voltam ao centro do noticiário, como possíveis adversários do presidente Jair Bolsonaro, ambos com muita força.
Esse julgamento no Supremo terá um efeito catalisador no processo político, contribuindo para transferir expectativas de poder de Bolsonaro, candidato à reeleição, para a oposição. A Lava-Jato ainda tem um grande apelo popular e é a principal face de desgaste
da candidatura de Lula à Presidência, mas, sem o julgamento, o petista não seria candidato. Entretanto, Bolsonaro se descolou da bandeira da ética por causa do escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e de suas manobras para proteger o filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos principais investigados no caso.
Moro, principal responsável pela condenação de Lula, também sofre desgastes. É acusado de ser parcial e ter usado recursos inadmissíveis durante a investigação para condenar Lula e afastá-lo da disputa eleitoral de 2018, beneficiando Bolsonaro. Ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça do atual governo, de certa forma, o ex-juiz corroborou as acusações da defesa de Lula. Seu estridente rompimento com Bolsonaro, acusando-o de tentar usar a Polícia Federal em benefício próprio, manteve a bandeira da ética nas suas mãos, mas sua atuação como magistrado acabou fragilizada por gravações feitas por hackers de suas conversas com integrantes do Ministério Público que comandavam as investigações, desnudando sua parcialidade.
Por isso mesmo, o julgamento do mérito da liminar de Fachin, que anulou as condenações de Lula, abrirá espaço, também, para a discussão sobre a atuação de Moro, cuja suspeição foi aprovada pela Segunda Turma do STF. Não sem razão, o julgamento terá repercussão eleitoral, tanto do ponto de vista legal — Lula estará livre ou não para concorrer às eleições — quanto midiático. O Supremo pode jogar o petista para cima nas pesquisas, mas também alavancará Moro, que passa de algoz a vítima, como paladino da ética e dos bons costumes, a não ser que o ex- juiz seja punido severamente e impedido de concorrer.
Decantação
Quem mais perde com o julgamento é Bolsonaro, que tenta fazer do limão uma limonada. Ao atacar o Supremo e a decisão de liberar Lula para disputar as eleições, o presidente da República mantém em sua esfera de influência os setores mais radicalizados do antipetismo. A aposta do chefe do Planalto é que esse sentimento garanta o seu lugar no segundo turno das eleições, mas não é bem assim. A queda dos seus índices de aprovação em razão da crise sanitária e da recessão e a perda da bandeira da ética podem abrir espaço para uma candidatura robusta do chamado polo democrático, capaz de capturar o eleitor mais conservador, porém, insatisfeito com o desempenho do governo e de Bolsonaro.
O julgamento de Lula será o primeiro grande momento de decantação do processo eleitoral. Outro momento será a decisão do apresentador Luciano Huck (sem partido) sobre a proposta de renovação de contrato com a TV Globo, como substituto do Faustão nas tardes de domingo. O terceiro grande lance no xadrez eleitoral é a prévia do PSDB, marcada para outubro, na qual o partido escolherá seu candidato. Disputam a vaga os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Restarão ainda as definições do DEM, em relação ao ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta e do próprio Moro, que não se comporta como candidato.
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São 90 dias regulamentares, mas a única certeza sobre a CPI da Pandemia é de que ninguém sabe quando esta termina. Ainda não está composta, mas já produziu, sobre o Senado, o ajuntamento de duas de suas três forças. Os que querem o cargo do presidente Jair Bolsonaro uniram-se àqueles que se contentam com sua caneta. É a junção dessas duas forças que esticará a CPI até 2022. A pauta vai muito além da incúria bolsonarista na pandemia ou de sua consequência para os Estados. O que estará em jogo é a ocupação do governo, do Judiciário e do próprio Senado.
A CPI já começou a se definir pelo parto. A anexação das duas propostas foi resultado do jogo duplo que marcou a gestão do ex-presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no cargo e continua a operar no varejo da sustentação bolsonarista na Casa, a um alto custo para o erário, como se viu no relatório do Orçamento do senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Com os governadores e prefeitos na roda, ainda que de forma mitigada, os aliados de Bolsonaro que hoje comandam o Senado lhe deram a chance de barganhar o avanço da investigação sobre seu governo. Foi esta a porta que se abriu com a possibilidade de serem investigados não apenas o labirinto das verbas federais nos Estados como a alocação de recursos das emendas parlamentares nos municípios. Ambas passam pelas planilhas da Secretaria de Governo, ocupada até outro dia pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
A CPI ainda avançará sobre as brasas que restaram nas relações entre Ramos e o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ontem o Ministério Público Federal no Amazonas adiantou-se à CPI e denunciou Pazuello por improbidade administrativa decorrente da crise de oxigênio naquele Estado. O processo correrá em primeira instância e pode levar à primeira condenação dos generais do governo. Com um adendo: Pazuello ainda está na ativa.
Com este caldeirão sob fervura, o presidente jogou com a ameaça de implodir a sociedade nada anônima em que se transformou seu governo. O sucesso de sua estratégia dependerá não apenas da composição da CPI mas dos senadores que virão a ocupar a relatoria e a presidência. A meta é reproduzir a CPI dos Correios, tida até hoje como aquela que produziu mais resultados, mas o cenário parece interditado pela força governista na Casa.
Aberta no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta CPI entregou a relatoria à oposição. Depois daquela comissão, os parlamentares descobriram meios para assar o porco sem queimar a cabana e os inquéritos mais efetivos passaram para o Ministério Público. A dupla Pacheco-Alcolumbre, estreante na matéria, tenta controlar a labareda mas, uma vez instalada, é a CPI quem manda.
No voto de ontem, respaldado por nove de seus pares, o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu que as manobras protelatórias estarão sob a vigilância do Supremo: não cabe ao Senado definir se e quando a CPI será instalada, apenas como procederá, se por videoconferência, presencialmente ou por ambos os meios.
É o MDB o partido que hoje mais se arvora a tomar assento num cargo de comando da CPI e, a partir dele, ganhar terreno. Em 36 anos desde a redemocratização, o MDB mandou no Senado ao longo de 30. Perdeu para o DEM em 2019, graças a uma aliança de Alcolumbre com o grupo lavajatista do Senado. Dois desse grupo são os primeiros signatários das CPIs fundidas na Casa. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor do requerimento de ampliação do escopo, continua a gravitar sob a mesma órbita, e o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) aliançou-se com o MDB.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi convidado ao Palácio do Planalto na próxima semana numa operação que visa a tornar palatável, para o presidente, sua escolha para um dos cargos da CPI. A ambição emedebista não se restringe aos domínios do DEM no Senado, mas também sobre o governo.
Os ministros políticos da gestão Bolsonaro são ou foram deputados: Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Onyx Lorenzoni (Secretaria Geral da Presidência), Teresa Cristina (Agricultura) e Fabio Faria (Comunicações). A ambição primeira dos senadores é o Ministério das Minas e Energia, foco histórico de disputa entre MDB e DEM. Contra todos, Bolsonaro reforça a ala ideológica do governo. Não apenas tirou o almirante Flávio Rocha da Secretaria de Comunicação, como mantém o ex-ministro Ernesto Araújo como entreposto entre si e o novo chanceler, Carlos França.
O Senado, porém, também ganhará força na queda de braço que hoje antagoniza a Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A instalação da CPI eleva o preço de quaisquer das decisões de Bolsonaro sobre o Orçamento. As ambições no Senado estendem-se ainda à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. O passado lavajatista do preferido de Bolsonaro, o advogado-geral da União André Mendonça, o condena no Senado.
A operação, porém, tem três obstáculos. O primeiro é que o posto de governista-mor de Alagoas está hoje ocupado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O segundo é que a ampliação do escopo colocou todos os governadores sob a mira da CPI, entre os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB). E, finalmente, o terceiro é que a nomeação de Renan para um cargo na CPI deixaria em maus lençóis dois de seus correligionários, os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (TO).
Quem quer que ambicione o cargo de relator ou presidente na CPI se transformará num pivô do cenário de 2022. A dominância do MDB fortaleceria o partido na disputa pela vice do PT. Em meio às disputas intestinas, um presidente menos imiscuído, como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), seria uma solução tão desejável quanto improvável.
No pior das hipóteses, às pilhas de cadáveres se juntarão os áudios de whatsapp, comuns entre integrantes deste governo, que a CPI não custará a obter. É a espetacularização da tragédia que vai entrar no ar. Ambas poderiam ter sido evitadas se a apuração das responsabilidades tivesse começado junto com a incúria.